• Nenhum resultado encontrado

ESCOLA CONFESSIONAL: UMA DISCUSSÃO SOBRE A MANUTENÇÃO DA DISCIPLINA ( )

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "ESCOLA CONFESSIONAL: UMA DISCUSSÃO SOBRE A MANUTENÇÃO DA DISCIPLINA ( )"

Copied!
20
0
0

Texto

(1)

1

ESCOLA CONFESSIONAL: UMA DISCUSSÃO SOBRE A

MANUTENÇÃO DA DISCIPLINA (1917- 1945)

Profa. Doutoranda Roseli B. Klein1 UEPR/FAFIUV2

RESUMO

Este artigo é resultado de uma investigação de fontes primárias através de um trabalho de catalogação realizado pelo NUCATHE (Núcleo de Catalogação, Estudos e Pesquisas do HISTEDBR de União da Vitória- PR), sob a responsabilidade da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória da qual fazemos parte como docente e com o apoio da FUNADESP (Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular). Tendo em vista um grande número de fontes primárias já catalogadas, foram selecionados documentos de uma única escola confessional (Colégio Santos Anjos – Porto União – Santa Catarina) compreendidos entre os anos de 1917 a 1947. Estes documentos resgatam registros de Visitas de Inspetores Escolares e Atas de Reuniões Pedagógicas que trazem fragmentos de uma realidade permeada por um rigor disciplinar tendo em vista que se tratava de uma escola religiosa que seguia uma linha tradicional de ensino inspirada em tradições e valores morais instituídos por uma sociedade também tradicionalista e pelas leis da Igreja. A disciplina na escola envolve as relações pedagógicas, um fenômeno complexo que vai além dos fatores de âmbito escolar e cultural, contendo alguns elementos condicionantes como o poder, a comunicação e as regras. Através destes fragmentos podemos tirar algumas conclusões ressaltando o poder legitimado dos Inspetores Escolares quanto à manutenção da disciplina, vigilância e punições. Através destes documentos, temos por objetivo discutir a questão da manutenção da disciplina no determinado tempo histórico inserida na realidade que a permeia. PALAVRAS- CHAVE: Educação. Escola Confessional. Disciplina.

1 INTRODUÇÃO

A desobediência, a falta de limites, a dificuldade de socialização, a “preguiça” dos alunos, a falta de motivação, o desrespeito em relação ao professor, são as reclamações mais freqüentes entre os educadores da atualidade. Os motivos creditados a esta realidade geralmente se referem a famílias desestruturadas que não dão conta de sua responsabilidade social, influências externas (drogas, vícios, más companhias... ), a interferência dos meios de comunicação social, falta de condições físicas na escola, desvalorização profissional, políticas descontínuas, enfim diversos fatores que causam desequilíbrio e repercutem na vida escolar.

1

Professora participante do programa de Pós- Graduação Strictu Sensu em Educação pela Universidade TUIUTI do Paraná.

2

Universidade Estadual do Paraná / Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória - PR

(2)

2

Estas afirmações embora aparentemente do senso comum, passaram a objeto de investigação de vários estudiosos que se valem dos estudos da psicologia do desenvolvimento, da evolução econômica e social, do progresso científico, do papel do educador com suas competências específicas, das relações entre professor e aluno, das políticas educacionais (aparelho ideológico de Estado) entre outras. Alguns estudos, através do viés histórico, apontam a mudança dos hábitos dos indivíduos, principalmente pela transformação econômica onde as pessoas tiveram que se adaptar a uma disciplina que anteriormente inexistia. Os camponeses viviam em liberdade estabelecendo a sua própria rotina; com a chegada da indústria a população teve que se adequar a novas estruturas de horários, espaços, novas organizações e divisão de tarefas, metas a cumprir sob uma vigilância constante. A escola também modificou sua estrutura criando classes, séries escolares, conteúdos dirigidos para os diferenciados níveis, espaços, tempos escolares, exercendo controle sobre os educandos participantes deste sistema. A quebra dessas novas regras estabelece-se como indisciplina.

Pretendemos discutir a questão da manutenção da disciplina no determinado tempo histórico, inserida na realidade que a permeia. No primeiro momento apresentamos a contextualização histórica da escola no período a ser investigado, discutindo as questões referentes à disciplina. Na sequência apresentaremos alguns fragmentos da organização escolar entre os anos de 1917 a 1947 registrados em fontes primárias de investigação, através de livros de atas de registro de visita do inspetor de ensino e de reuniões pedagógicas que ressaltam minúncias sobre como deveria ser a organização pedagógica escolar e os espaços escolares a fim de manterem a disciplina escolar..

2 UM POUCO DE HISTÓRIA

O Colégio Santos Anjos, na cidade de Porto União (Santa Catarina), foi fundado em 15 de abril de 1917 por três religiosas da Congregação Servas Missionárias do Espírito Santo com origem na Holanda (1889). Funcionou como colégio interno para as moças até o ano de 1967. Com o passar do tempo foi adquirindo novas instalações. Em 1929 foi criado o Curso Normal e Intermediário equiparados às escolas do Estado de Santa Catarina. Em 1935

(3)

3

passou a ter cinco cursos: Jardim de Infância, Curso Primário, Curso Normal Primário, Curso Normal Secundário e Curso Normal Vocacional. No ano de 1942 o estabelecimento matriculou meninos de 1ª a 4ª série. Em 1943 foi criado o Ginásio. Em 1973 volta a atender alunos de ambos os sexos.

A criação da Escola Normal do Colégio Santos Anjos teve grande importância no planalto norte catarinense, recebeu o apoio do governador do Estado e foi motivo de orgulho para a elite, favorecendo a educação de suas filhas segundo um modelo de escola fundamentada nos valores cristãos. A criação do Ginásio também foi ponto de destaque, pois o mesmo se equiparava aos modelos do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro.

A criação deste colégio acontecia num momento histórico brasileiro de efervescência ideológica e de inquietação social, onde ocorria o alastramento das incursões armadas, as lutas reivindicatórias do operariado, pressões da burguesia industrial, um sistema coronelístico que não desaparecera com a República. Houve a passagem de um sistema econômico de tipo colonial para a instalação do capitalismo, um período intermediário entre o sistema agrário- comercial para o urbano- industrial, período de intensa comercialização cafeeira, no sul especificamente, o comércio da madeira e da erva- mate. Também se tornou significativa a participação dos imigrantes que começaram a ser atraídos para os novos núcleos urbanos- industriais, sendo responsáveis pela difusão de novas idéias no campo social e pelas lutas sociais, contribuíram para a consciência de classe do operário urbano fazendo surgir a difusão de novos valores; colaboraram com o aceleramento da divisão social do trabalho. Esta urbanização exigiu uma nova especialização do trabalho, fazendo com que surgissem novas profissões intermediárias ligadas ao comércio e a indústria, funcionários militares, profissionais liberais.

Com relação à educação o que se verifica é uma valorização da identidade nacional. Tendo em vista a Proclamação da República, uma nova nação deveria formar-se, entretanto como a população brasileira era constituída por negros, caboclos e um grande contingente de população estrangeira, principalmente na região sul do Brasil, surgiram as campanhas de Nacionalização da educação brasileira. A partir de 1916, há por parte dos políticos e dos intelectuais, um movimento de construção da nacionalidade brasileira utilizando-se do exército, como uma escola de inculcação disciplinar;

(4)

4

das escolas, para formar a idéia do cidadão brasileiro; e dos livros didáticos, como doutrinação de alguns ideais.

O ensino primário seria a via de acesso para se chegar a esta identidade nacional. Uma das medidas adotadas foi a proibição das escolas imigrantes na região sul do país. A alfabetização do povo brasileiro aconteceria somente em língua pátria. Encontram-se algumas campanhas de intelectuais brasileiros, entre eles Olavo Bilac que representa esta fase inicial, sugerindo a criação da Liga de Defesa Nacional destinada a congregar os sentimentos patrióticos dos brasileiros de todas as classes com os seguintes objetivos: manter a idéia de coesão e integridade nacional; defender o trabalho nacional; difundir a instrução militar nas diversas instituições; desenvolver o civismo e o culto ao heroísmo; fundar associações de escoteiros, linhas de tiro, batalhões patrióticos; avivar o estudo da história do Brasil e das tradições brasileiras; promover o ensino da língua pátria nas escolas estrangeiras existentes no país; propagar a educação popular e profissional; difundir nas escolas o amor à justiça e o culto do patriotismo; combater o analfabetismo; aperfeiçoar o serviço militar para fazer frente ao perigo externo; difundir um conjunto de idéias para mostrar a inexistência de “povos irremediavelmente fracos”; manter a disciplina e o respeito às leis e à autoridade; lutar pela federação e unidade, pela defesa nacional, pela efetivação do voto, pelo desenvolvimento da educação cívica, da educação primária, secundária e profissional; manter o amor à Pátria e as tradições nacionais; ensinar a educação física, o escotismo, as linhas de tiro e o preparo militar; combater o analfabetismo a fim de combater a abstenção eleitoral, “a abstenção eleitoral é uma covardia política” (BILAC apud NAGLE, 1974, p.49); incluir na lei a obrigatoriedade da inscrição eleitoral como um novo ideário nacionalista; valorizar tudo o que é brasileiro. (NAGLE, 1974, p. 45-49).

O grupo católico também traçava alguns objetivos referentes à necessidade de um nacionalismo tendo por lema: Pela Brasilidade e pelo Catolicismo, cujo objetivo era “defender a religião católica e inscrever o nome de Deus na Constituição” (DELAMARE apud NAGLE, 1974, p. 51). Segundo Nagle:

Os compromissos com o catolicismo constituem um dos pontos evidentes do programa apesar da proclamação de que o mesmo < não tem fim religioso> [...] a brasilidade não é concebível sem o catolicismo. [...] a integração do

(5)

5

nacionalismo com o catolicismo leva a liga católica a criticar a civilização material do mundo moderno e a não aceitar a instituição do ensino leigo.

Estas críticas do grupo católico estão presentes na educação brasileira a partir da década de 30 quando ocorre um movimento em favor da Escola Nova que visa implantar no país a educação laica, tendo por modelo as escolas norte americanas. Este modelo apresenta novos valores e princípios, novos modos de relacionamento entre professor e alunos, novo significado das matérias ou disciplinas, novos métodos, tendo em vista a difusão de novas ciências: Biologia Educacional, a História da Educação, a Psicologia, a Pedagogia Experimental, a Sociologia Educacional, a Psicologia do Desenvolvimento entre outras. “É neste contexto que o movimento reformista vai aos poucos derivando para um movimento também remodelador, isto é, quando o entusiasmo pela educação dá origem ao otimismo pedagógico” (FAUSTO, 1997, p. 284). Desta forma, a reforma não é apenas de métodos, mas existe toda uma transformação social que aponta e exige mudanças no sistema educacional. O fundamento desta concepção é de que a educação deve ser para todos, obrigatória, gratuita e consequentemente laica.

Os conflitos entre os defensores da escola pública e da escola particular, mais especificamente as escolas religiosas católicas se prolonga, onde os argumentos dos católicos se apóiam na encíclica Divini Illiuis Magistri de Pio XI com o seguinte pensamento de Magni (MAGNI apud BUFFA, 1979, p.74):

A educação consiste essencialmente na formação completa e total do homem histórico e no modo como o homem deve se comportar para conseguir seu último fim: a vida eterna, daí que, não se pode dar educação adequada e perfeita senão a cristã. [...] o direito da família é anterior ao Estado, inviolável, mas não despótico, reconhecido pela jurisprudência civil e tutelado pela Igreja.

Embora os intelectuais e as autoridades políticas apoiassem a regulamentação das escolas públicas, gratuitas e obrigatórias, as escolas particulares não deixaram de exercer o seu papel como formadoras das elites. Se por um lado a escola pública deveria atender a população em geral, apoiada pela legislação, os filhos dos próprios legisladores eram enviados para as escolas particulares como forma de garantir a disciplina e os valores

(6)

6

instituídos por estas instituições, geralmente confessionais e de princípios moralistas, mantendo assim a hegemonia de classe dominante.

Segundo Azzi (AZZI apud DALLABRIDA, 2005, p. 79):

O episcopado brasileiro investiu as suas melhores energias institucionais no estabelecimento de uma rede de escolas católicas no território nacional. Atuaram várias ordens e congregações católicas. Algumas congregações imigraram com o intuito de atender espiritualmente colônias de europeus. A entrada de ordem e congregações católicas intensificou-se após a promulgação da Constituição de 1891 que contornou o anticlericalismo radical dos primeiros meses do Regime Republicano, permitindo maior liberdade à igreja católica. Estas congregações católicas tiveram problemas com os governos europeus e se deslocaram para outros países como a Espanha e o Brasil.

Portanto, a argumentação dos católicos brasileiros era cristianizar as inteligências brasileiras, formando um grupo de intelectuais.

Partindo do pressuposto de que a escola não está isolada da sociedade, todos estes fatos descritos como históricos permeavam a realidade da instituição em questão durante os anos de 1917 a 1947 e certamente as tomadas de decisões no interior destas foram reflexo de algumas das circunstâncias externas.

3 O ESPAÇO ESCOLAR E A MANUTENÇÃO DA DISCIPLINA

3.1 RECOMENDAÇÕES PEDAGÓGICAS: ORGANIZAÇÃO ESCOLAR

No material catalogado encontramos livros de registro de inspeção escolar. Os inspetores identificam-se como inspetores regionais de educação e inspetores federais de ensino. O inspetor federal de ensino “visita” a escola com uma freqüência de pelo menos uma vez ao ano ou quando necessário. O inspetor regional de educação inspeciona a escola com mais periodicidade. Estas visitas se prolongam até por uma semana, onde são averiguadas desde as condições físicas do estabelecimento de ensino até a prática pedagógica dos professores e toda a documentação escolar.

(7)

7

Encontramos uma ata de visita do Chefe Escolar do Município de 1919, na qual o mesmo fazia menção às atitudes patrióticas das crianças da escola primária e se referia do seguinte modo:

“Exultou de júbilo a minh´alma de patriota ao ouvir as sonoras melodias do Hymno Nacional que de pé, com respeito, cantaram aquellas boccas e corações pequeninos. – São brasileiras todas estas crianças? – Sim! As que não nasceram no Brasil, amam já esta Pátria como a sua. A Fé Christã pelas mãos piedosas das [...] está moldando-lhes uma alma brasileira. É uma grande missão, servir a Deus e a Pátria!” (1919)

O registro do Chefe Escolar ressalta o patriotismo. Segundo Durkheim (1978, p. 87), a escola deveria ser a difusora de uma moral laica que regulasse os comportamentos dos indivíduos e que garantisse o aprendizado do convívio social. Para ele a moral ensina os indivíduos a dominarem paixões e instintos, a privar e sacrificar interesses particulares em função dos interesses superiores da coletividade. Esta noção de disciplina formulada por Durkheim, tomando por base o contexto da sociedade francesa, no final do século XIX e início do século XX, foi muito influente nas escolas tradicionais brasileiras (SILVA, 2007, p. 47), mesmo sendo religiosas, pois o que interessava era controlar o comportamento dos educandos; e, esta noção de disciplina pressupõe a idéia de regra que conduz à noção de dever. Durkheim (DURKHEIM apud SILVA, 2007, p. 50), “privilegia a disciplina e as formas de controle da ação dos alunos e pouco discute, por exemplo, a indisciplina propriamente dita, por desconsiderar o papel do aluno enquanto sujeito capaz de se opor à ação disciplinadora da escola e do professor”.

No registro de 1938 encontramos as seguintes orientações do inspetor com relação às professoras do 1º ao 4º ano primário:

“A metodologia de ensino da Irmã Professora é muito boa, recomendo-lhe, entretanto, de fazer, quando possível, aplicação prática dos problemas de geometria que passar. [...] recomendo que no ensino das frações ordinárias sejam feitas muitas aplicações práticas, a fim de que as alumnas tenham perfeito conhecimento do valor e transformações que as mesmas passam; reduzindo também o mais possível, o número de regras para efetuar os diversos cálculos. [...] recomendo-lhe que em linguagem oral faça primeiro a explicação do texto lido, dando nesta ocasião os sinônimos, antônimos e demais fatos gramaticais exigidos pelo programa, mas sem entrar em teoria gramatical. [...] recomendo que futuramente, passe mais problemas do que exercícios de cálculos. [...] recomendo que as aulas de linguagem oral sejam pois desta maneira, captará mais a atenção das mesmas, exigirá também que as alumnas respondam em sentenças completas, corrigindo-lhes, ato imediato,

(8)

8

os vícios de linguagem e erros de pronúncia, habituando-as também, a formação correta de sentenças”. (19 de setembro de 1938)

Este olhar minucioso das inspeções remete ao fato de que o fazer pedagógico da professora de forma rígida e detalhada possa gerar uma disciplina capaz de fabricar corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis” como se refere Foucault. Ao mesmo tempo em que ajuda a minimizar esforços e selecionar o que é útil, sujeita o indivíduo à obediência. Ser organizado nos detalhes, nas “minúcias”, gera disciplina. “Isso foi há muito tempo uma categoria de teologia e do ascetismo: todo detalhe é importante, pois aos olhos de Deus nenhuma imensidão é maior que um detalhe, e nada há tão pequeno que não seja querido por uma dessas vontades singulares” (FOUCAULT, 2008, p. 120).

No registro de 1943 quando se referia as associações Peri-escolares, mais especificamente a Liga Pró- Língua Nacional registrava-se que:

“A Revma

. Irmã está organizando com os alunos das diversas classes álbuns e em geral, faz com que todas as alumnas conheçam o patrono da sala de aula e a respectiva biografia. Nas horas do recreio as alumnas maiores mostram as suas colegas menores os álbuns para conhecerem melhor as cousas nossas, além disso, tomam parte na organização dos festejos e solenidades patrióticas. Recomendo, entretanto, que se realizem sessões solenes nos dias de comemoração de um fato histórico e que mantenham correspondências com alumnas de outros estabelecimentos de ensino. Notei que a ação nacionalizadora dos estabelecimentos de ensino, com referência a cidade de Porto União tem sido completa, pois nenhuma criança, tanto do primeiro ano quanto do Jardim de Infância foi matriculada que desconhecesse a língua vernácula e nos matriculados não se observa mais a língua que carregada oriunda do descendente alienígena”. (5 de maio de 1943)

Na região em que está inserido este estabelecimento de ensino era muito comum a presença de educandos descendentes de imigrantes (italianos, poloneses, ucranianos e alemães), particularmente nesta escola, por ter uma tradição alemã, onde as irmãs professoras eram alemãs. E, uma escola desta origem étnica, consequentemente atrai famílias da mesma ordem com o intuito de preservar certas tradições culturais e religiosas. Neste contexto histórico, 1943, o nacionalismo era muito forte, havia a necessidade de se construir uma identidade nacional brasileira e as escolas étnicas foram proibidas de funcionarem. No relato acima, o inspetor foi muito enfático quanto à

(9)

9

importância da língua vernácula designando aqueles que não a conhecem como “alienígenas”. É possível analisar esta situação como uma imposição de um estado pretendendo criar uma identidade nacional, sem levar em consideração que, nos estados do sul, a maioria da população era descendente de imigrantes com uma língua e cultura própria. Como argumenta Estrela (2002), se a instituição escolar é denunciada como associada à dominação de uma classe sobre a outra, a disciplina passa necessariamente de instrumento de coesão a instrumento de dominação. Quando os professores são autorizados a inculcar uma língua socialmente aprovada a escola passa à aparelho ideológico a serviço das classes dominantes, uma elite nacional de poucos, que pretende dominar uma maioria, neste caso os descendentes de imigrantes. Esta idéia de autoridade, do Estado, confere legitimidade a uma ação pedagógica, não “permitindo que os destinatários desta ação se apercebam do caráter arbitrário, tanto do produto da inculcação como do poder que o impõe” (SILVA, 2007, p. 58).

Na Reunião Pedagógica de junho de 1943 ficam registradas as intenções da Liga da Bondade e a Socialização dos Recreios das classes do Ensino Primário:

“Grande entusiasmo mostraram todas as professoras, pelo assunto, pois já tem experimentado os benéficos efeitos dessas instituições no meio infantil. Após as férias, com maior zelo, procurarão incrementar entre as crianças a prática de atos bons, corrigindo discretamente, os pequeninos defeitos que aqui e ali aparecem” (11 de junho de 1943)

Por se tratar de uma instituição confessional, os princípios da Fé cristã são os fundamentais para a educação das crianças. Ainda na década de quarenta estava presente grande parte da filosofia positivista e fortes eram as influências das idéias de Durkheim sobre a doutrina da autoridade moral onde “toda moral é imposta pelo grupo ao indivíduo e pelo adulto à criança” (DURKHEIM, apud PIAGET, 1977, p. 294). Da mesma forma que havia coação dos adultos na família, também na escola isto acontecia, manifestando-se como um fato normal e inclusive sob as exigências dos familiares: quanto mais rigor disciplinar apresentasse a escola, melhor ela seria.

(10)

10

No registro de 1944 durante Reunião Pedagógica é realizada uma menção especial as aulas de educação física:

“O professor de educação física alcançou, a meu ver, muito bons resultados quanto às aulas que ministra, o que ficou patenteado pelo entusiasmo e interesse que tomam as alumnas, tanto durante as suas aulas, havendo por isso só raras faltas, quanto durante as paradas, pelo garbo com que se apresentam nestas”. (13 de setembro de 1944)

Quando Foucault chama atenção para a domesticação do corpo ele inicia seu trabalho se referindo ao tipo físico do soldado “marchar com passo firme, com o joelho e a perna esticados, a ponta baixa e para fora...” (FOUCAULT, 2008, p. 117); desta forma, mostra o corpo como alvo de poder, o corpo que se manipula, que se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam. Assim, se torna necessário que “exerça-se sobre o corpo uma coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica – movimentos, gestos atitudes, rapidez” (FOUCAULT, 2008, p. 118). O registro da reunião pedagógica em questão se refere ao “garbo” com que as alunas se apresentavam durante as paradas; isto quer dizer que todo o rigor dos movimentos uniformes, durante os desfiles escolares, era motivo de orgulho para si e para toda a comunidade. Estes processos disciplinares apresentavam-se, mesmo que inconscientes, como formas de dominação. Deste modo, a disciplina “dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma aptidão, uma capacidade que ela procura aumentar e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita” (FOUCAULT, 2008, p. 119).

No registro de uma Reunião Pedagógica por ocasião da Inspeção Estadual, em 1945 , o inspetor recomenda:

“Toda a classe deve prestar atenção senão a professora perderá tempo em verificar o mesmo assunto, umas vezes. A professora deve ter toda a classe sob suas vistas e chamar a todas. Nas aulas escritas a professora deve ficar no meio dos alunos, a fim de auxiliá-los, para evitar a maioria dos erros, como ortografia, acentuação, pontuação, etc.” (30 de junho de 1945)

(11)

11

A disciplina economiza tempo, o que significa aproveitar todos os instantes, pois “é proibido perder um tempo que é contado por Deus e pago pelos homens” (FOUCAULT, 2008, p. 131). As classes coletivas foram criadas com este intuito, ganhar tempo, pois um mestre atenderia a muitos alunos e os submeteria a atividades em sequências, sem que nenhum deles ficasse ocioso. Os alunos vão se sujeitando a novas técnicas em sala de aula, e como diz Foucault:

[...] buscam a perfeição disciplinar. Esse novo objeto é o corpo natural, portador de forças e sede de algo durável; é o corpo suscetível de operações especificadas, que tem sua ordem, seu tempo, suas condições internas, seus elementos constituintes. O corpo tornando-se alvo dos novos mecanismos do poder, oferece-se a novas formas de saber. Corpo do exercício mais que da física especulativa; corpo manipulado pela autoridade mais que atravessado pelos espíritos animais; corpo do treinamento útil e não da mecânica racional, mas no qual por essa mesma razão se anunciará um certo número de exigências de natureza e de limitações funcionais. (FOUCAULT, 2008, p. 132)

Ainda na mesma ata da Reunião Pedagógica de 1945 encontramos uma solicitação do Inspetor de Ensino Estadual para que as professoras se utilizem de Centros de Interesse:

“Os Centros de Interesse podem permanecer na classe que os aplicar conforme o programa, para as crianças gostarem da classe e se lembrarem dos assuntos. Cada professora procure outro material para aumentar o número de centros de interesse. Estes podem ser quadros com esquemas, gravuras, desenhos, etc. É o melhor meio de suprir, entre nós, a falta de salas ambiente” (30 de junho de 1945)

Percebemos nesta recomendação do Inspetor um contra-senso em relação à recomendação anterior. Solicitava que a professora permanecesse no centro da sala a fim de “vigiar” o comportamento e a aprendizagem dos alunos relativa à escrita, supondo uma dinâmica extremamente tradicional e disciplinadora. Neste momento, na mesma reunião pedagógica, recomenda que as professoras utilizem centros de interesses em suas aulas. As crianças, para Decroly (DECROLY apud SILVA, 2002, p. 68), idealizador dos centros de interesses, não podiam ser tratadas como armazenadoras de conteúdos, as escolas deveriam se organizar para os trabalhos em grupos com mesas de trabalho e não mais carteiras enfileiradas. Percebe-se como se torna difícil se

(12)

12

despojar de uma metodologia tradicional com base numa disciplina rígida para se lançar ao novo, neste caso, a uma escola ativa. Muitas intenções permanecem apenas nas aparências para dar idéia de novo àquilo que era velho; ou, se tornam modismos passageiros.

3.2 ESPAÇO ESCOLAR

No registro de 1946 o inspetor se refere às salas de aulas que vinham sendo construídas desde 1920 e ficaram concluídas em 1943 por ocasião da implantação do Ginásio que foi autorizado pelo Departamento Nacional de Educação do Rio de Janeiro, com um documento assinado por Gustavo Capanema. No ano de 1946 se formariam as alunas da primeira turma do ginásio. O Inspetor assim registra:

“O prédio com as salas de aulas estava em muito bom estado de asseio, mas acanhado ainda por causa da nova construção, que possivelmente estará pronta após as férias de junho. Com a nova construção ficará este estabelecimento com modelares salas de aulas, gabinetes de educação física e dentário, secretaria e demais compartimentos, além disso, será instalado nelas um mobiliário adequado, que atenderá a princípio exigências higiênicas pedagógicas. As instalações sanitárias, banheiros e chuveiros atenderão a todos os princípios higiênicos. As áreas de recreio e campos de educação física também, até esta data são pouco espaçosas por causa da construção do novo prédio, mas que em breve estará sanado”. (30 de abril de 1946)

Outro registro sobre o prédio no ano de 1947:

“O prédio é modelar, as salas de aulas, auditório, museu, gabinete de química, salas de trabalhos, gabinete dentário e médico e demais compartimentos obedecem a todas às exigências higiênico-pedagógicas. Há tantas salas de aula que os cursos ginasial, fundamental e normal, podem funcionar no período da manhã, funcionando só o curso primário e jardim de infância no período da tarde. Os banheiros, chuveiros e aparelhos sanitários nada deixam a desejar. Está agora em construção uma grande área coberta cuja parte inferior será ocupada por dormitórios. Em tudo o que vi notei a mais perfeita higiene e ordem”. (12 de agosto de 1947)

A disposição física do ambiente deveria ser de tal forma que facilitasse sempre a observação de todos os movimentos da escola. “A própria arquitetura

(13)

13

facilita as coisas: constroem-se paredes, distribuem-se espaços, organizam-se corredores, vazam-se portas, dividem-se compartimentos, espalham-se degraus, destacam-se púlpitos e < observatórios> de tal forma que o menor movimento pode ser registrado e observado” (GUIRADO, 1996, p. 64). Esta vigilância preventiva mantia a ordem social. A fiscalização do espaço físico da escola era uma das atribuições do inspetor escolar atribuída por lei, foi uma forma de controle constante através de um olhar vigilante.

Registro sobre o recreio de 1943 em Reunião Pedagógica:

“Os professores devem acompanhar os alunos ao recreio, pelo menos alguns. Com isto evitam-se muitos males. Os alunos então não falarão mal dos outros, não brigam. Estimula os professores e os alunos a se movimentarem em vez de ficarem sentados” (5 de maio de 1943)

Percebemos nesta situação a noção de disciplina como ordenadora e padronizadora do comportamento. A submissão a esta disciplina é uma prática social na qual o aluno está sendo iniciado.

Registro de Reunião Pedagógica sobre a disposição dos alunos em sala de aula:

“É isso necessário e útil porque facilitará o serviço do professor. Nos grupos faz-se a seleção dos alunos em classes fortes, médias e fracas. Numa escola de só uma classe de cada série, o professor deve procurar a homogeneização da classe, ocupando-se mais com os fracos e médios, para estes se tornarem mais capazes e poderem acompanhar a classe nos diversos assuntos. Nunca deve o professor chamar o aluno antes de dar a pergunta, porque com isso anula o esforço dos outros alunos. Outro fator de homogeneização da classe é a disciplina, quanto mais disciplinada for a classe, tanto melhor o professor poderá explicar o assunto e será compreendido, porque haverá então, a necessária atenção. Não menos importante é a assistência direta nas aulas, principalmente nos trabalhos gráficos. O professor deve ocupar-se com os alunos fracos e médios, porque os fortes vencerão sozinhos as dificuldades. E corrigindo o erro de um aluno no quadro negro, esta correção servirá para muitos alunos ao mesmo tempo. O trabalho escolar deve ser bem dirigido por parte do professor” (5 de maio de 1943)

Esta arte de distribuir os indivíduos por classes remonta a distribuição dos operários nas fábricas, tendo por objetivo a otimização do tempo e a maior produtividade. E, isto não foi diferente na escola, os colégios jesuítas já se

(14)

14

utilizavam desta técnica: “os escolares das lições mais adiantadas serão colocados nos bancos mais próximos da parede...” (FOUCAULT, 2008, p. 126). A disciplina procede em primeiro lugar à distribuição dos indivíduos no espaço, para isso utiliza diversas técnicas: às vezes exige uma cerca, especificando um local heterogêneo a todos os outros e fechado em si mesmo (colégios, quartéis, hospitais...); às vezes se utiliza do princípio de clausura, “cada indivíduo no seu lugar e, em cada lugar, um indivíduo” (FOUCAULT, 2008, p. 123); às vezes se utiliza da regra das localizações funcionais, aonde os espaços vão se organizando de acordo com suas funções, criando as departamentalizações e repartições; e, às vezes se utiliza de elementos intercambiáveis que se define pelo lugar que os indivíduos ocupam (classes, posição na fila...). Segundo Foucault (2008, p. 126):

A organização de um espaço social foi uma das grandes modificações técnicas do ensino elementar. Permitiu ultrapassar o sistema tradicional. Determinando lugares individuais tornou-se possível o controle de cada um e o trabalho simultâneo de todos. Organizou uma nova economia do tempo de aprendizagem. Fez funcionar o espaço escolar como uma máquina de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar.

Quando na reunião pedagógica havia a solicitação da divisão por classes dos fortes, médios e fracos estavam implícitas algumas situações: o nível de aproveitamento dos alunos, seus temperamentos, sua maior ou menor aplicação, seu asseio, seu nível sócio-econômico, etc. Estas classes diferenciadas ou locais fixados “marcam lugares, indicam valores, garantem a obediência, economizam tempo, “transformam as multidões inúteis, confusas ou perigosas em multiplicidades organizadas” (FOUCAULT, 2008, p. 127).

4 DISCUSSÃO TEÓRICA

A partir da Proclamação da República, a sede do Governo fixava-se no Rio de Janeiro, existindo o Departamento Nacional de Educação, ao qual eram submetidas às Delegacias Regionais de Ensino que se estabeleciam em

(15)

15

centros urbanos e de maior população, e a estas ficavam sujeitos os chamados Inspetores de Ensino ou Inspetores Escolares que percorriam os diversos Municípios e, muitas vezes, bastante distantes. Estas verificações se estendiam até dez dias na mesma escola. Os relatórios eram variados, e minuciosos onde se observava desde o aspecto pedagógico, até o espaço físico do estabelecimento de ensino, passando pela metodologia, escrituração dos livros pontos, livros diários, verificação de avaliações, materiais pedagógicos de uso diário, conteúdo das aulas, disciplina das crianças, postura do professor, livros utilizados, planejamento diário das professoras, uso do guarda- pó, formação das filas, canto do Hino Nacional, etc. O Inspetor além de realizar toda esta verificação, assistia as aulas, lecionava algumas disciplinas como modelo de uma boa prática pedagógica, e participava de bancas avaliativas; e, no final de sua visita, registrava toda a inspeção e as recomendações em ata, geralmente em duas cópias: um documento permanecia na escola e outro era enviado ao Inspetor da Instrução Pública das Delegacias Regionais de Ensino. Encontramos escolas, que na época, tinham, em seu espaço físico, um local próprio para o Inspetor, um gabinete para quando este viesse realizar a inspeção. Um espaço dotado de mesa, cadeira e uma máquina de datilografia para que o mesmo pudesse escrever seus relatórios.

Quanto à função do Inspetor, nos fragmentos apresentados anteriormente, pudemos perceber o caráter de controle, fiscalização e vigilância, como forma de manutenção da disciplina no ambiente escolar, assumindo uma postura política e de poder. Com relação a isto Guirado (1996, p. 60), vai dizer que:

Política e poder tornam-se, com Foucault, dois termos intimamente relacionados, que significam ação unilateral, de fora para dentro exercida sempre pelo mesmo grupo sobre um outro que fica desprovido de força e totalmente paralisado, sem possibilidade de retorno; não são ações exclusivas de autoridades. Política e poder atravessam as relações cotidianas de todo e qualquer grupo, de qualquer dupla e seus efeitos de caráter mais global se devem ao arranjo das regiões de poder assim constituído.

(16)

16

O poder está sempre acompanhado de um saber, ou de saberes específicos que, por sua vez, lhe atribuem um caráter de naturalidade. O individuo que não acata a este poder comete uma transgressão, portanto este ato implica numa penalidade. Esta conseqüência, na época clássica, surgia como um castigo visível, e legítimo, às vezes, doloroso com o propósito de que o indivíduo redimisse a alma. O efeito produtivo disso era, o que Guirado (1996) chama de “espetáculo do suplício”, pois o sujeito aprenderia com isto. Com esta estratégia o poder se tornaria repressivo ou negativo. “O sistema punitivo visa sempre a restauração da ordem; o como esta restauração vai ser feita depende da época, ou melhor, da estratégia do poder dominante em uma determinada época” (GUIRADO, 1996, p. 62).

Nos fragmentos anteriormente apresentados, não são verificados um poder que se utiliza de castigo direto do corpo, mas este é substituído por um conjunto de práticas em que a punição, a fim de manter a disciplina, priva o indivíduo de dominar seu próprio tempo, seu fazer, sua criatividade e seu espaço. “O poder disciplinar caracteriza-se, sobretudo, pela vigilância, pela sanção normalizadora e pela combinação de ambas num procedimento que lhe é bem específico, o exame” (GUIRADO, 1996, p. 64).

Tendo em vista os relatos dos inspetores e o contexto histórico a que pertecenceram, a disciplina escolar nestas circunstâncias se define como poder. Um poder legitimado do Inspetor de ensino que lança este dispositivo sobre a escola como forma de manutenção da disciplina: dos corpos; do adestramento do professor a um modelo pedagógico exigido num determinado contexto; de um espaço escolar que funciona como observatório com a finalidade de estabelecer uma vigilância preventiva a fim de manter a ordem social; da repetição de atitudes até se chegar próximo ao moralmente esperado pela sociedade, criando comportamentos e fabricando indivíduos, mantendo a ordem de forma discreta e silenciosa.

(17)

17

No período em que os registros de visitas dos Inspetores de ensino (1917-1947) são apresentados, verifica-se, no Brasil, um alto índice de analfabetismo, que segundo Ribeiro (1991, p. 74), atingiu 75% da população. Este fator está relacionado ao tipo de povo que se formava, constituído por colonizadores portugueses, sem escolarização; índios; negros; e, os imigrantes que não dominavam a linguagem oral e escrita brasileira. Atribuído a isso havia a falta de um Sistema Nacional de Educação; distribuição da população geograficamente localizada em pontos distantes; também, o número de profissionais habilitados para atuar no magistério era insuficiente.

A atuação dos inspetores tinha um caráter ideológico do Estado, pois sua função era realmente controlar, fiscalizar, exigir que se concretizassem os ideais republicanos. Para isso, tornava-se necessário que a escola primária fosse implantada e doutrinasse a população para absorver uma cultura que estava sendo construída, a fim de formar-se uma identidade nacional própria de um país que desejava competir com o modelo capitalista que se instaurara no restante do mundo. Um país alfabetizado, patriota, dotado de qualidades físicas e morais, e de todos os atributos que viessem melhorar a raça do povo brasileiro.

O que podemos perceber nesse quadro é que a educação e a cultura eram domínio de alguns, os que estavam no poder; e estes se propunham a transmiti-la aos que não detinham este saber, que consistia na maioria da população. Pelo fato da população não ter absorvido esta cultura e este saber, se submetia aos desígnios da classe dominante. Na atualidade esta realidade se manifesta de maneira diferente, porque mesmo que as pessoas não tenham chegado ao nível do saber elaborado, tem mais facilidade e acesso aos meios de comunicação, que auxiliam este processo e não são tão fáceis de se deixarem dominar por normas, regras, controle e ideologia.

Há também o fator interno da escola porque a disciplina está relacionada às suas funções. O aluno faz parte desta sociedade institucional. É, portanto, função da escola, prover habilidades e conhecimentos, e, para tal é necessário aplicar regras de aprendizado; determinar o tipo de ensino; definir o currículo; estabelecer o horário de aula; preparar provas, lições; definir os sistemas de recompensa e de punições. “Esta experiência é, portanto, socialmente

(18)

18

constituída por regras que os indivíduos aprendem e as absorvem sem serem forçados a fazê-los” (KOUTSELINI, 2002, p. 01).

Nestes fragmentos de fontes primárias pudemos observar como era realizada a manutenção da disciplina escolar: a utilização de um forte espírito de civismo misturado a um devir cristão, que era ensinado pela escola religiosa; o controle do tempo pelo professor, o qual deveria preparar sua aula com rigor no planejamento elaborado (ensino de frações, número de regras para efetuar o cálculo, não se esquecendo da teoria gramatical, da correção dos vícios de linguagem, etc.); forte ênfase na linguagem vernácula, como forma de selecionar os melhores alunos (prêmios); a criação das associações escolares (Liga da Bondade, Pró- Língua Nacional, Pelotão da Saúde...), um modo de controlar os comportamentos, a higiene pessoal, e a aquisição de conteúdos culturais; o rigor das aulas de educação física, preparando o homem forte, disciplinado, e acima de tudo impecável durante os desfiles comemorativos; a delimitação dos espaços escolares também era uma forma de manutenção da disciplina, isso era possível de se verificar quando o inspetor recomendava o uso do método de Centro de Interesses por falta de salas ambiente, uma maneira de manter os alunos controlados num determinado espaço físico; o acompanhamento do professor no tempo dos recreios para evitar as “brigas”, etc.

A educação não se faz separada dos interesses e forças sociais presentes numa determinada situação histórica, está ligada a uma totalidade social, forças econômicas, políticas e sociais.

Ao abordarmos os fragmentos de inspeção escolar, mais especificamente numa escola confessional, percebemos estas situações implícitas: o poder legitimado do inspetor que lança este dispositivo sobre a escola como forma de manutenção da disciplina, tendo como pano de fundo a intenção de controle do Estado sobre esta instituição e consequentemente sobre a população. Tudo isso acrescentado à função da escola em estabelecer normas de funcionamento a fim de racionalizar o trabalho educativo, e acrescentando ainda, ao contexto histórico em que esta escola estava inserida.

(19)

19

REFERÊNCIAS

ARQUIVO. Livro do Termo de Visita. Porto União; Santa Catarina: Colégio Santos Anjos. 1917-1945

ARQUIVO. Livro de Reuniões Pedagógicas. Porto União; Santa Catarina: 1943-1975 .

BUFFA, Ester. Ideologias em Conflito: Escola Pública e Escola Privada. São Paulo: Cortez, 1979.

DALLABRIDA, Norberto. Das Escolas Paroquiais as PUCs: República, Recatolização e Escolarização. In: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena (Orgs.). História e Memória na Educação no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 2005. 3v. p. 77-86.

DURKHEIM, Emile. Educação e Sociologia. 11. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1978.

ESTRELA, Maria Teresa. Relação Pedagógica, Disciplina e Indisciplina na Aula. 4. ed. Porto: Porto, 2002.

FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Republicano. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. Tomo III.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 35. ed. Petrópolis; Rio de Janeiro: Vozes, 2008.

GUIRADO, Marlene. Poder Disciplinar: Os Surpreendentes Rumos da Relação de Poder. In: AQUINO, Julio Groppa (Org.). Indisciplina na Escola. Alternativas Teóricas e Práticas. 11. ed. São Paulo: Summus, 1996.

KOUTSELINI, Mary. The problem of Discipline in Light of Post- Modern

(20)

20

NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU, 1974.

PIAGET, Jean. O Julgamento Moral na Criança. São Paulo: Mestre Jou, 1977.

RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da Educação Brasileira. A Organização Escolar. 11. ed. Campinas; São Paulo: Autores Associados, 1991.

SILVA, Luciano Campos da. Disciplina e Indisciplina na Aula: uma perspectiva sociológica. (TESE). Belo Horizonte: UFMG, 2007.

Referências

Documentos relacionados

Tendo como parâmetros para análise dos dados, a comparação entre monta natural (MN) e inseminação artificial (IA) em relação ao número de concepções e

Quando contratados, conforme valores dispostos no Anexo I, converter dados para uso pelos aplicativos, instalar os aplicativos objeto deste contrato, treinar os servidores

A tendência manteve-se, tanto entre as estirpes provenientes da comunidade, isoladas de produtos biológicos de doentes da Consulta Externa, como entre estirpes encontradas

A referida pesquisa está dividida em quatro partes: na primeira, apresentamos uma reflexão sobre o uso do vídeo na sala de aula e os aspectos cognitivos e dificuldades de

Além disso, é relevante informar que os cenários das médias das taxas de captura em função das bandeiras para cada fase de vida são similares, pois as bandeiras que configuram entre

Se, eventualmente, estiverem fora dos padrões exigidos por lei, são tomadas as medidas cabíveis, além das reuniões periódicas da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes

segunda guerra, que ficou marcada pela exigência de um posicionamento político e social diante de dois contextos: a permanência de regimes totalitários, no mundo, e o

dois gestores, pelo fato deles serem os mais indicados para avaliarem administrativamente a articulação entre o ensino médio e a educação profissional, bem como a estruturação