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O cachorro
Autor(es):
Turguêniev, Ivan
Publicado por:
Crescente Branco: Associação Cultural e Recreativa
URL
persistente:
URI:http://hdl.handle.net/10316.2/35057
Accessed :
14-Jun-2021 17:56:56
IVAN TURGUÊNIEV escritor russo
O CACHORRO
Nós dois no quarto: meu cachorro e eu. Lá fora, a tempestade uiva, desenfreada,
assustadora.
O cachorro está sentado à minha frente – e me olha direto nos olhos.
Eu também olho para os olhos dele.
Parece que quer me dizer alguma coisa. É mudo, sem fala, nem entende a si mesmo – mas
eu o entendo.
Entendo que neste instante, nele e em mim, vive o mesmo sentimento e entre nós não
existe a menor diferença. Somos idênticos; em cada um, arde e brilha a mesma chama,
pequena e trêmula.
A morte virá voando, vai abanar sobre essa chama suas asas frias e largas...
(¿P
Depois, quem poderá distinguir que chama ardeu em cada um de nós?
Não! Não são um animal e um homem que se olham...
São dois pares de olhos idênticos, concentrados um no outro.
E em cada par de olhos, no animal e no homem, a mesma vida assustada tenta se agarrar
no outro.
(Do livro Senilia. Poemas em prosa [Senilia. Stikhatvoriénia v prosie])
tradução do russo de Rubens Figueiredo Brasil
PRIMA DELL’ALFABETO prima dell’alfabeto
scoprii l’intera lettera... la segreta, il mistero del messaggio amoroso. l’inconosciuto corpo della scritta parola
per il tempo indefeso assediai la fortezza della pagina, il là, il telaio sospeso...
prima della verità riconobbi la lettera
poi diventò alfabeto e l’alfabeto tempo
(de5RQGDGHL&RQYHUVL
DOPO
vidi l’alba dopo la battaglia sopra un sasso bruno
il chiarore snudava la valle ¿QGHQWURODFDVDEUXFLDWD né il singhiozzo del corpo sapeva se ancora nell’agone era...
il luccicore smarriva ogni via la presa del mondo di sé...
tutto era un’ondata sola tutto era dolore
(de5RQGDGHL&RQYHUVL)
È L’ERA MELMOSA è l’era melmosa della memoria
è l’era della ressa impietosa
è l’era del sangue ¿QRDJOLRFFKL che non mi tocchi il suo sguardo bianco!
La sua orribile mano Non mi tocchi!
(de7ULQLWjGHOO¶HVRGR)
MA I POPOLI ma i popoli rinfrancati verso quel nuovo evo avrebbero intero lo sguardo?
o da patimenti insanati o da fortezze vampanti un altro azzardo guerriero?
(de7ULQLWjGHOO¶HVRGR)
JOSÉ MANUEL DE VASCONCELOS WUDG
POEMAS DE
EUGENIO DE SIGNORIBUS
poeta italiano
ANTES DO ALFABETO
antes do alfabeto
descobri a inteira letra...
a secreta, o mistério
da mensagem amorosa,
o desconhecido corpo
da palavra escrita
para o tempo indefeso
assediei a fortaleza
da página, o ali
a moldura suspensa...
antes da verdade
reconheci a letra
que se tornou alfabeto
e o alfabeto tempo
DEPOIS
vi a manhã depois da batalha
em cima de uma pedra escura
a claridade desnudava o vale
mesmo dentro da casa queimada
nem o soluço do corpo sabia
se no lugar da peleja havia ainda...
a luz desvanecia todos os caminhos
a captura do mundo, de si mesmo...
tudo era um só vagalhão
tudo era dor
A ERA LODOSA
é a era lodosa
da memória
é a era da aglomeração
impiedosa
é a era do sangue
até aos olhos...
que não me toque
o seu olhar branco!
não me toque!
sua horrível mão!
MAS OS POVOS
mas os povos revigorados
para essa nova época
teriam inteiro o olhar?
ou de feridas não curadas
ou da fortidão febril
um outro risco guerreiro?
LA DONNA CHINA la donna china al torrente immerge il viso nell’acqua che non bagna
viso che vede distorto da una rete che stagna nell’occhio dolente...
cerca anche lì la sua colpa che forse non ha ma sente nel sé sottovivente
che venga a galla, almeno, che possa riconoscerla e darsi cosi un conforto
di penitente
(de7ULQLWjGHOO¶HVRGR)
ciascuno nella propria carne sente la prova che ha
e in quell’agone incontra il sé umiliato o estraneo
e cerca un tessuto vivente e spinge il sangue comune
malgrado il grido impotente che nel fondo si svela...
e lì possiamo sentire che sotto la spessa tela
c’è la speranza offerente nel turbato alfabeto
un suono occultato una sillaba ignota
A MULHER DEBRUÇADA
A mulher debruçada na torrente
mergulha na água o rosto
que não banha
rosto que lhe aparece torto
por uma rede que estagna
no olho dolente...
procura ali também a sua culpa
que talvez não tenha mas que sente
no seu eu subvivente
que venha à tona, ao menos,
que possa reconhecê-la
e ter assim um conforto
de penitente
cada um na sua carne
sente a prova que tem
e nesse combate encontra
o ego humilhado ou estranho
e busca um tecido vivente
e empurra o sangue comum
mau grado o grito impotente
que no fundo se revela...
e aí podemos sentir
que sob a espessura da tela
está a esperança oferente
no perturbado alfabeto
um sono ocultado
uma sílaba ignota
JOSÉ MANUEL DE VASCONCELOS WUDG
de LA TRISTESSE DU FIGUIER
Dis-moi,
&RPPHQWSDUOHUGHODWULVWHVVHG¶XQ¿JXLHU" Comment en parler avec justesse,
Sans jamais éveiller le moindre des soupçons Ou le moindre regret,
Sans réveiller l’oiseau
Ou le fruit qui mûrit encore au-dedans?
Comment en parler
Et que les choses ainsi dites soient exactement Ce qu’elles sont dans la réalité?
Ne serait pas plus sage que le poète se taise Et qu’il s’asseye dans l’ombre de l’arbre,
Ou mieux encore
Dans l’ombre de sa propre ombre?
«Le mystère des choses où est-il donc?» Fernando Pessoa
De quelque côté que je regarde, Il y a toujours une maison éclairée.
Et toutes sont grandes ouvertes,
Comme si elles attendaient quelque chose de moi,
Comme si moi, le pauvre,
Je pouvais encore quelque chose pour chacune [d’elles.
Mais que peut faire un homme simple Comme je le suis aujourd’hui sous la pluie,
Un homme comme tant d’autres,
Qui ne peut que regarder désespérément le doute Et la beauté terrible des choses?
POEMAS DE
YVES NAMUR
poeta belga
Diz-me,
&RPRIDODUGDWULVWH]DGHXPD¿JXHLUD" Como falar disso com justeza,
Sem nunca despertar a menor suspeita Ou a mais pequena mágoa,
Sem despertar o pássaro
Ou o fruto que dentro dela ainda amadurece? Como falar disso
Sendo as coisas assim ditas o que exactamente São na realidade?
Não seria mais sensato que o poeta se calasse E se sentasse à sombra da árvore,
Ou melhor ainda,
À sombra da sua própria sombra?
©2PLVWpULRGDVFRXVDVRQGHHVWiHOH"ª
Fernando Pessoa
De onde quer que eu olhe, Há sempre uma casa iluminada. E todas abertas de par em par,
Como se esperassem qualquer coisa de mim, Como se eu, o pobre,
Pudesse ainda qualquer coisa para cada uma [delas. Mas que pode fazer um homem simples Como eu hoje sou debaixo da chuva, Um homem como tantos outros,
Que não pode senão olhar desesperadamente [a dúvida E a beleza terrível das coisas?
Si être au milieu de nulle part,
C’est être entre deux morceaux de pomme ou de poire, Si c’est marcher dans de la poussière d’or, dans de l’encre de Chine
Ou sur une montagne de silence,
Si c’est ouvrir des portes déjà ouvertes, Si c’est manger dans la main d’une rose
Ou respirer du tabac qu’on ne fabrique plus ici depuis des lustres,
Si c’est ça être au milieu de nulle part,
Alors oui,
Je veux bien être perdu au beau milieu de nulle part.
3RXU,VUDsO(OLUD]
Sur l’appui de fenêtre,
Un doigt passe lentement dans la poussière.
Et c’est un peu comme une blessure ancienne Qui s’ouvre à nouveau,
Comme un coeur déplié,
Comme un voile ou le ciel du dehors qui se déchire En deux parties égales.
Mais pour peu que tu y prennes attention,
C’est une parole de poète qu’il te será donné de voir Là-dedans,
Oui,
$SSUHQGVjYRLUOHVFKRVHVDEVHQWHV,
Se estar ao meio de lugar nenhum,
É estar entre dois pedaços de maçã ou de pêra, Se é caminhar na poeira dourada, na tinta da China
Ou numa montanha de silêncio, Se é abrir portas já abertas, Se é comer na mão de uma rosa
Ou respirar tabaco que já não se fabrica aqui há lustres,
Se é isso estar no meio de lugar nenhum, Então sim,
Quero estar perdido no meio mesmo de lugar nenhum.
3DUD,VUDsO(OLUD]
No peitoril da janela,
Um dedo passa lentamente sobre o pó E é um pouco como uma ferida antiga Que se abre de novo,
Como um coração desdobrado,
Como um véu ou o céu exterior que se rasga Em duas partes iguais.
Mas por pouco que prestes atenção a isso, É uma palavra de poeta o que te será dado ver Lá dentro,
Sim,
$SUHQGHDYHUDVFRLVDVDXVHQWHV
Je veux désormais
Rester dans l’attente de la poussière,
De la même manière qu’on attend un petit miracle, Un visiteur improbable ou tout simplement de la pluie,
J’attends la poussière.
Mon poème, je te le dis, pourrait bien commencer de la sorte, Car parfois on ne sait pas vraiment pourquoi on écrit ça ou ça
Mais on l’écrit malgré tout,
Malgré le merle,
Malgré la pluie qui tombe maintenant dans la maison, Malgré moi et malgré les hommes qui ne comprendront jamais rien
Aux attentes insensées des poètes.
Ah! mon amie,
C’est toi aussi qui écrivais
J’habite un jour dont je ne suis pas maître.*
Moi aussi il m’arrive de penser
Que je ne suis décidément maître de rien:
Pas plus maître de mes mains
Que du temps qui passe dans cette maison de misère,
Pas plus maître de mon destin
Que de cette eau qui coule sous les ponts Et dans mes histoires sans queue ni tête,
Pas plus maître de moi
Que de ce poème où je n’ai décidément pas rendez-vous, Ni avec l’amour ni avec la rime.
$YHF-HDQ&ODXGH3LURWWH
Agora quero
Ficar à espera da poeira,
Do mesmo modo que se espera um pequeno milagre, Um visitante improvável ou simplesmente a chuva, Eu espero a poeira.
O meu poema, garanto-te, poderia bem começar assim, Mas escreve-se, apesar de tudo,
Apesar do melro,
Apesar da chuva que agora cai na casa,
Apesar de mim e apesar dos homens que não compreenderão [nunca nada Das insensatas previsões dos poetas.
Ah! minha amiga,
Foste também tu que escreveste
habito um dia de que não sou dono.
Também a mim me acontece pensar Que não sou decididamente dono de nada: Sou tão dono das minhas mãos
Como do tempo que passa nesta casa de miséria, Sou tão dono do meu destino
Como desta água que corre sob as pontes E nas minhas histórias sem pés nem cabeça, Sou tão dono de mim
Como deste poema em que decididamente não marquei encontro, Nem com o amor nem com a rima.
(Com Jean-Claude Pirotte)