P.º n.º RP 172/2010 SJC-CT Notificação, após apresentação do pedido de
registo, para pagamento da quantia alegadamente devida a título de
agravamento emolumentar por cumprimento tardio da correspondente
obrigação. Consequência do não pagamento. Recusa de apreciação de
viabilidade do pedido. Recurso hierárquico interposto contra o pedido de
tal pagamento. Inadmissibilidade. Cancelamento de registo de penhora.
Termos do regime da obrigatoriedade a que se encontra sujeito.
DELIBERAÇÃO
…, advogado, requisitou em …/…/…, por via electrónica, o cancelamento do
registo de penhora correspondente à ap. … de .../…/… que incide sobre a fracção
autónoma designada pela letra … do prédio descrito na ficha … da freguesia de ...,
concelho de ...
O pedido, a que coube a ap. ... daquela data, e cuja apreciação acabou
deferida à conservatória do registo predial da …, fez-se acompanhar de certidão
judicial que, a mais de reproduzir o teor do despacho datado de …/…/… que
ordenou o levantamento da penhora, contém, em vista da apreciação subsequente,
a seguinte informação relevante:
• Data do trânsito em julgado do despacho: 11/06/2010;
• Data da passagem da certidão: 29/06/2010;
• Data da conta da certidão, de acordo com o carimbo do tribunal nela
aposto: 16/07/2010.
Entregou-se, em pagamento do custo do registo, a quantia de €80,00
(RERN, arts. 21.º/3 e 28.º/27).
Por ofício de 02/08/2010, expedido nesse mesmo dia por correio registado
com aviso de recepção, e de cujo teor também no mesmo dia se remeteu versão
por correio electrónico, foi o requisitante do registo notificado para “nos termos do
art. 8.º-D, n.º 1, do CRP (…) proceder ao pagamento de 100,00 euros, valor
correspondente à coima, de acordo com o disposto no citado diploma legal”,
fundamentando-se a solicitação no facto de o cancelamento, considerando a data
do trânsito em julgado do despacho, se haver requerido quando se encontrava já
ultrapassado o prazo de 30 dias de que para o efeito legalmente se dispunha.
Logo no dia imediato, em 3/8/2010, o notificado, invocando a qualidade de
mandatário do “Banco ...”, apresentou recurso hierárquico contra a comunicada
exigência de pagamento da “coima”.
Na respectiva petição, remetida por telecópia, e que aqui damos por
integralmente reproduzida, alega-se, além do mais:
• Que, apesar de requerida desde 11/05/2010, o tribunal só emitiu a
certidão no dia 29/06/2010, tendo-a finalmente remetido ao
recorrente em 16/07/2010, como se alcança dos elementos da conta
respectiva;
• Que, recebida a certidão, actuou diligentemente o recorrente na
promoção do registo.
Por conseguinte – e é como se conclui – a aplicação da coima será “ilegítima
e desprovida de fundamento, pelo que a mesma não poderá deixar de ser revogada
por ilícita, nos termos do art. 147.º-C do CRP”.
1Por ofício de 04/08/2010, que se fez seguir por correio registado com aviso
de recepção no dia seguinte, a conservatória notificou o recorrente no sentido de
proceder ao pagamento do emolumento previsto no art. 27.º/5.1 do RERN
(“Impugnação das decisões” – “Por cada processo de recurso hierárquico”), no valor
de €150,00.
Em 05/08/2010 a sra. ajudante em substituição proferiu sobre o pedido de
registo o despacho que se transcreve:
A viabilidade do pedido de registo (…) foi apreciada nos termos do disposto
no art. 68.º do CRP, tendo-se concluído pela recusa do mesmo, pelos motivos do
art. 69.º n.º 2 do mesmo diploma legal.
Trata-se de um pedido de cancelamento de penhora, via online, em que o
título apresentado foi uma certidão judicial, cujo despacho do mesmo transitou em
1
À interposição do recurso coube a ap. … do dia …/…/… A anotação que disso se efectuou na ficha nada porém diz acerca do que se recorre, limitando-se a referir, como elemento de (inalcançável) concretização, o n.º e data de apresentação do registo de penhora. Importa notar que da anotação de interposição de recurso não pode senão inferir-se uma de duas coisas: ou que inferir-se recebeu impugnação contra qualificação desfavorável, ou que se recebeu impugnação contra rejeição de apresentação (CRP, arts. 148.º/1 e 66.º/3). Manifestamente, nem uma nem outra coisa configura a impugnação apresentada. O recurso de conta – que é disso, cremos, que se trata –, não dá lugar à feitura de qualquer anotação; a que se fez deve portanto ser inutilizada.
julgado em 11/06/2010. Não foi portanto cumprido o prazo estabelecido nos
termos do Art. 8.º-D, n.º 1 do CRP.
Uma vez apresentado após o prazo dos trinta dias que a lei prevê para a sua
elaboração, teve o mesmo de ser recusado por falta de pagamento do emolumento
em dobro.
Desta decisão se deu eco na ficha de registo mediante a elaboração de
anotação de recusa “do averbamento de cancelamento da penhora”, sem que
porém se cuidasse de identificar, dentre os vários registos de penhora em vigor, a
qual deles concretamente se reportava.
Outra anotação que imediatamente se fez foi a de notificação do referido
despacho, dela ficando a constar, como data de realização da diligência, o próprio
dia da prolação (05/08/2010). À semelhança das anteriores comunicações, também
esta se processou por correio registado com aviso de recepção expedido no dia
05/08/2010.
2No dia 11/08/2010, por telecópia, o recorrente levou ao conhecimento da
conservatória, 1.º) a circunstância de haver procedido ao pagamento do
emolumento respeitante à interposição do recurso, de cujo comprovativo anexou
cópia, e 2.º) a sua discordância com o entretanto conhecido despacho de recusa,
“uma vez que não se integra em nenhum dos elementos previstos naquele
dispositivo (art. 69.º n.º 2 do CRP), logo, o despacho de recusa do registo (…) não
se afigura como legalmente adequado, pois, inexiste e falece a fundamentação que
é invocada”, sendo, portanto, um “despacho ilegal”.
Finalmente, em data indeterminada (mas que se situará entre o momento
da comprovação do pagamento do emolumento “pelo recurso”, em 11/8, e o envio
dos autos à entidade ad quem, que se fez acompanhar de ofício datado de 27/8), a
sra. conservadora proferiu o despacho previsto no art. 142.º-A/1, do CRP, no qual,
abonando-se na doutrina sufragada no parecer emitido no processo CP 83/2008
SJC-CT, sustenta a decisão impugnada – com isso querendo referir-se, estamos em
crer, à decisão de aplicar o “acréscimo emolumentar previsto no art. 8.º-D n.º 1 do
2 O aviso de recepção de que todas as notificações se fizeram acompanhar é requisito
que nenhuma disposição legal exige, e que deve por isso ser considerado como formalidade dispensável e excessiva. No que à notificação dos despachos de qualificação desfavorável em particular respeita, é pelo disposto no art. 254.º/ 1 e 3 CPC que a matéria se rege.
Código do Registo Predial”, que não ao despacho de recusa consequente ao não
pagamento.
******
Cumpre apreciar.
Fazemo-lo adoptando a seguinte
Deliberação
1.ª A falta ou insuficiência de pagamento do total das importâncias devidas,
aquando da submissão do pedido de registo, constitui motivo imperativo de
rejeição da correspondente apresentação (cfr. CRP, art. 66.º/1-e).
32.ª Em caso de apresentação indevida do pedido, em razão de não terem sido
entregues as quantias que se mostrassem devidas, deverá o serviço que
assim tenha procedido promover a notificação do apresentante para que no
prazo de cinco dias satisfaça a entrega das quantias em falta, sob a
cominação expressa de que, não o fazendo, e por esse motivo, a
apreciação da viabilidade do pedido liminarmente se não levará a
cabo, com a consequente não efectuação do registo.
43 Do montante das importâncias devidas de que, sob pena de rejeição da
correspondente apresentação, se deve fazer o pagamento antes ou simultaneamente com o pedido de registo (CRP, art. 151.º/1), faz parte tanto o valor emolumentar propriamente dito como o do eventual agravamento a que, se requisitado fora do prazo legal (CRP, art. 8.º-D/1), haja lugar. Foi o que superiormente se estabeleceu no proc. RP 186/2008 SJC-CT, em cujo despacho homologatório expressamente se perfilhou a fundamentação constante da declaração de voto anexa que, naquele sentido abrangente, se emitiu.
4 Repete-se, depurada, a conclusão 5.ª da deliberação tomada no P. RP 57/2009
SJC-CT.
A depuração incide particularmente na definição da exacta consequência decorrente do não pagamento das quantias devidas, que em bom rigor não consiste na recusa do pedido de registo, como ali constava, mas antes na cerce abstenção de apreciação desse pedido, e,
logo, na impossibilidade de efectuar o acto que constitua seu objecto imediato. Concedemos
que o uso da expressão “recusa de registo” – que ali, como em anteriores ocasiões (por ex., no parecer do processo CP 13/2009/CP 31/2009 SJC-CT), se empregou – pode favorecer a criação da errada ideia de que se trata da recusa prevista no art. 69.º do CRP, decidida no
3.ª O cancelamento do registo de penhora que não deva ser efectuado
oficiosamente, nos termos do art. 101.º/5, do CRP, e que não se enquadre
no disposto no art. 58.º/2, do mesmo diploma, deve ser promovido pelo
proprietário ou titular do bem ou direito penhorado no prazo de 30 dias a
quadro do exame de qualificação levado a cabo segundo as coordenadas definidas no art. 68.º. Urge prevenir para um tal mal-entendido, e desfazê-lo em quem nele labore (e que, estamos em crer, uma leitura atenta da base argumentativa então desenvolvida não teria permitido que se criasse): faltando o pagamento, não há qualificação nenhuma – essa é uma fase do procedimento registal a que pura e simplesmente se não chega, ou, dizendo de maneira diferente, em direcção à qual o procedimento se não move. O motivo por que o registo se não faz (e, nesse sentido, se “recusa”) não tem a ver com questões de mérito, mas tão-somente com um impedimento de natureza por assim dizer sistemática, e que releva de se não ter pago quanto se impunha pagar. Não tendo o pedido sido rejeitado, como devia, nenhum motivo se vê para que se lhe reconheça o “direito” de sobre si recair o normal julgamento de viabilidade. Em suma, e para sermos muito claros: o despacho desta “recusa” analisa-se em mero sucedâneo do despacho de rejeição previsto no n.º 3 do art. 66.º, e é na norma da al. e) do seu n.º 1, conjugada com as mais disposições pertinentes (v.g., os arts. 8.º-D/1 e 151.º/1 e 2, do CRP) que pode e deve louvar-se – não e nunca no art. 68.º, e, por ele, no art. 69.º. E daí que, como também foi já acentuado (por ex., no citado proc. RP 57/2009, e, no mesmo sentido, no proc. RP 17/2010 SJC-CT), a impugnação da decisão de
recusa de efectuação do registo, derivada da recusa de apreciação da viabilidade do pedido, ditada, por sua vez, pela falta de pagamento das quantias devidas, tenha que seguir o
regime da impugnação da decisão de rejeição da apresentação (cujas especialidades em relação ao regime da impugnação da recusa, que, por remissão do n.º 3 do art. 66.º, se lhe aplica, foram versadas no parecer emitido nos procs. RCo 22/2008 SJC-CT e CP 73/2008 SJC-CT).
Bem entendido, duma tal recusa deve a respectiva anotação identificar com rigor a peculiar natureza: no caso dos autos isso passa por fazer constar do texto correspondente que se trata de recusa de apreciação do pedido de cancelamento do registo
correspondente à ap. ... de …/…/…, devendo pois em conformidade prover-se à rectificação
da anotação efectuada (onde equivocamente se disse que foi “recusado o averbamento de cancelamento de penhora”). Rectificação que aliás cumpre outrossim levar à anotação da notificação do despacho: em vez do nela mencionado dia 05/08/2010, data da prolação e da expedição do ofício por que se comunicou, é o dia 09/08/2010 que aí deve passar a figurar, de acordo com a aplicável regra do n.º 3 do art. 254.º CPC.
No que toca à notificação para pagamento de que aqui se fala, e aos cuidados e requisitos que nela em particular cumpre observar, remetemos para o entendimento que sobre a matéria se defendeu nos procs. RP 64/2010 SJC-CT e RP 111/2010 SJC-CT.
contar da data em que tiver sido titulado o facto jurídico extintivo (arts.
8.º-A/1-a), 8.º-B/1-f), e 8.º-C/1, do CRP.
54.ª O ciclo de liquidação dos custos emolumentares inerentes ao processo
registal só se considera encerrado com a decisão sobre o pedido de registo –
manifeste-se ela em decisão de qualificação propriamente dita, nos termos
prescritos no art. 68.º, do CRP, ou em liminar decisão de não apreciação
dum tal pedido (cfr. conclusão 2.ª) –, pois que só então haverá conta do
acto; consequentemente, não pode aceitar-se, como oportuna impugnação
de conta, o recurso hierárquico que se apresente a contestar o pagamento,
aliás não efectuado, que intermediamente se tenha solicitado em correcção
da liquidação coetânea da submissão do pedido (realizada pelo funcionário,
presencialmente, ou pelo próprio requerente, em ambiente informático, no
caso do pedido online).
65 Reproduz-se integralmente a conclusão 1.ª tirada no parecer emitido no proc. CP
83/2008 SJC-CT, para cuja fundamentação igualmente tomamos a liberdade de remeter. Claro que, sendo o proprietário ou titular do direito penhorado o sujeito destinatário da obrigação de registar, isso não isenta outro interessado que acaso formule o pedido de registo do dever de proceder à entrega das importâncias devidas – aí está o art. 151.º/3 CRP a determiná-lo. Duas notas mais: o tribunal onde corre a execução não é, no caso, sujeito da obrigação de registar (cfr. ponto 2.4 do parecer CP 83/2008); e o título (substantivo) da extinção da penhora, que autoriza a feitura do averbamento de cancelamento do respectivo registo, é o despacho transitado em julgado – e não a certidão que o comprova (idem, pontos 2.6.1., 3., e 3.1.). Ora, com base num tal enquadramento, fácil é concluir pela intempestividade do pedido de cancelamento do registo de penhora submetido a coberto da ap. ... do dia .../…/…: tendo começado a correr no dia 11/06 (data do trânsito em julgado do despacho judicial), o prazo chegou ao seu termo no dia 12/07/2010. É verdade que a certidão comprovativa não pode ter saído do tribunal antes do dia 16/07/2010 – mas, para que tal circunstância pudesse merecer ponderação enquanto atendível causa de justo impedimento (art. 146.º CPC) haveria que ter demonstrado – logo no momento da submissão do pedido – que para a vicissitude não contribuiu o comportamento (ainda que meramente negligente) do interessado. Ou seja: o justo impedimento não pode considerar-se inferível – e operante – simplesmente a partir dum certo alinhamento de circunstâncias fácticas, constituindo antes ónus do interessado, quando dele pretenda prevalecer-se, o de demonstrar a sua própria “irresponsabilidade” no evento impeditivo do cumprimento do prazo legalmente estabelecido.
6 Corresponde, com um ou outro aperfeiçoamento, à conclusão 6.ª do cit. proc. RP
57/2009. Apropriamo-nos da fundamentação então alinhada, advertindo apenas para a importância de ser ela lida à luz da clarificação que supra intentámos a respeito da natureza
5.ª O recurso hierárquico interposto contra a conta dos actos ou a aplicação do
regulamento emolumentar (cfr. art. 147.º-C, do CRP) não está sujeito a
tributação emolumentar.
7da recusa aqui em tabela:
“(…) Não nos parece que uma vez ingressado (bem ou mal) o pedido no sistema tenhamos conta acabada antes de sobre ele haver decisão formal no sentido da feitura ou da não feitura do registo, pois que também esse é o momento em que, a par duma tal decisão relativa à sorte substantiva do pedido, o serviço profere outrossim a sua última palavra sobre o montante a cobrar (salva a eventualidade de correcção ulterior, como se admite nos arts. 128.º/2 e 132.º/4 do Decreto n.º 55/80, de 8-10). Neste sentido, a notificação que após a (anómala) apresentação do pedido se promova em ordem a obter o quantitativo em crédito não é já notificação da “conta”, porque a conta propriamente dita não está feita ainda. Ora é esta conta, por assim dizer terminal, que o art. 147.º-C claramente tem pressuposta quando prevê a possibilidade da sua impugnação hierárquica ou judicial. O recurso hierárquico que, não obstante, ante aquela notificação, desde logo se apresente, é a todas as luzes prematuro – carece a bem dizer de objecto, pelo que deve ser, como não pode deixar de ser, liminarmente rejeitado, nos termos da al. b) do art. 173.º do CPA (art. 147.º-B do CRP).
O entender-se não caber impugnação da solicitação de pagamento “intermédia”, chamemos-lhe assim, não envolve nenhuma diminuição das garantias do interessado. Na verdade, de duas, uma: ou acata a solicitação e procede à entrega da quantia em causa, aguarda pela notificação da conta e interpõe contra ela, querendo, e no tempo próprio, o recurso pertinente; ou abstém-se de (ou nega-se abertamente a) pagar, caso em que o pedido de registo será recusado – recusa esta da qual evidentemente poderá, nos termos gerais, recorrer. Nem é de resto muito diferente o cenário em sede de típico suprimento de deficiências: a notificação que o interessado receba rogando-lhe que junte este ou aquele documento sob pena de o registo se qualificar desfavoravelmente não é desde logo formalmente atacável, no juízo de qualificação que antecipe – não concordando com a razão de ser da diligência e não querendo cumpri-la, a discussão impugnatória que a propósito queira travar terá de reservá-la para o momento em que a qualificação desfavorável cominada se haja transformado em qualificação minguante efectiva.”
A situação dos autos enquadra-se claramente na facti-species que na conclusão se prefigura: o presente recurso deve em conformidade ser rejeitado.
7 A posição foi assumida no parecer emitido no proc. CP 6/2009 SJC-CT (ponto 2.2),
na linha do que se defendera no cit. proc. Rco 39/2007 DSJ-CT (ponto 1.2.). A impugnação dos presentes autos, no tempo e no modo em que foi interposta – expressamente invocando, aliás, o art. 147.º-C, do CRP – reconduz-se para nós claramente à figura do recurso hierárquico de conta. Deve pois proceder-se à restituição da importância de €150,00 paga no dia 11/08/2010.