• Nenhum resultado encontrado

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA PROPOSTA DO DELEGADO DE POLÍCIA PARA FINS DE ACORDO DE DELAÇÃO PREMIADA LEI Nº /13

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "DA INCONSTITUCIONALIDADE DA PROPOSTA DO DELEGADO DE POLÍCIA PARA FINS DE ACORDO DE DELAÇÃO PREMIADA LEI Nº /13"

Copied!
6
0
0

Texto

(1)

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA PROPOSTA DO DELEGADO

DE POLÍCIA PARA FINS DE ACORDO DE DELAÇÃO PREMIADA

– LEI Nº 12.850/13

Eduardo Araujo da Silva

Procurador de Justiça Criminal do MP/SP

Mestre e Doutor em Direito Processual Penal pela USP

Autor do livro Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2ª ed., 2009.

No direito brasileiro, a primeira tentativa de disciplina

da colaboração processual na sua real dimensão - não meramente como um instituto de direito penal ensejador de perdão judicial ou de redução da pena, como previsto no art. 13 da Lei nº 9.807/99 - ocorreu com a edição da Lei nº 10.409, de 11 de janeiro de 2002, que dispunha sobre a “prevenção, o tratamento, a fiscalização, o controle e à produção, ao uso e ao tráfico ilícitos de produtos, substância ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica, assim elencados pelo Ministério da Saúde, e dá outras providências”. Previa o art. 32, § 2º, da Lei, que “o sobrestamento do processo ou a redução da pena podem ainda decorrer de acordo entre o Ministério Público e o indiciado que, espontaneamente, revelar a existência organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais de seus integrantes, ou a apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita, ou que, de qualquer modo, justificado no acordo, contribuir para os interesses da Justiça”. Ainda estabelecia do art. 37 da Lei, que o Ministério Público poderia “deixar, justificadamente, de propor ação penal contra os agentes ou partícipes do delito”. Referida Lei, entretanto, foi expressamente revogada pela atual de Lei de Drogas (nº 11.343/06) e, ainda que assim não ocorresse, a singeleza desses institutos mostrava-se incompatível com a magnitude do instituto da colaboração processual.

(2)

Com a recentíssima Lei nº 12.850/13, procurou o legislador brasileiro disciplinar a colaboração processual, por ele denominada de delação premiada, na sua real dimensão, como sugerido pelo Grupo de Trabalho “Crime Organizado e Narcotráfico”, que atuou junto à Comissão Mista do Congresso Nacional em 2002, e seguindo a tendência internacional no tratamento deste delicado tema. Para garantia da espontaneidade das palavras do colaborador e da regularidade do acordo, a Lei prevê o controle judicial sobre a disponibilidade total ou parcial da ação penal e sobre a diminuição da pena na fase de execução, podendo o juiz determinar a remessa do termo de acordo ao Procurador-Geral de Justiça, em observância à separação das funções acusatórias e judicantes (§ 2º do art. 4º). Ainda foram previstos os direitos do colaborador (art. 5º), bem como tipificada como crimes as condutas de quem “revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador, sem sua prévia autorização por escrito” (art. 18) e do colaborador que, “Imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas” (art. 19).

O legislador brasileiro disciplinou três momentos para a realização da colaboração premiada: no § 2º do art. 2º a previu na fase pré-processual, podendo implicar a discricionariedade regrada na propositura da ação penal (§ 4º do art. 2º); no “caput” do art. 2º, cuidou de discipliná-la na fase judicial, a “requerimento das partes”; ainda no § 5º do mesmo artigo, fez menção a um acordo de colaboração na fase pós-processual, quando da execução da pena. Portando, na fase de investigação trata-se de um instituto puramente processual; nas demais fases, a colaboração premiada é um instituto de natureza mista, pois o acordo é regido por normas processuais; porém as consequências são de natureza material (perdão judicial, redução ou substituição da pena ou progressão de regime).

A Lei ainda tutelou a legitimidade para promover o acordo ao Ministério Público e ao delegado de polícia: o § 2º do artigo 4º da Lei nº 12.850/13, prevê que “...o Ministério Público, a qualquer tempo, e o

(3)

delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal); ademais, o § 6º do dispositivo dispõe que “O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor”.

Contudo, ao também disciplinar a realização de acordo ao delegado de polícia na fase pré-processual, o legislador divergiu da proposta inicial do Grupo de Trabalho que elaborou o anteprojeto que, à luz da titularidade exclusiva da ação penal conferida ao Ministério Público (art. 129, inciso I, da Constituição da República), apenas concebeu a possibilidade de acordo entre os representantes ministeriais e o colaborador, assistido por advogado, amparado no fato de que somente o titular da ação penal pública pode dela dispor, total ou parcialmente. Daí porque a lei é inconstitucional ao conferir tal poder ao delegado de polícia, via acordo com o colaborador, ainda que preveja a necessidade de parecer do Ministério Público e de homologação judicial, pois não pode dispor de atividade que não lhe pertence, ou seja, a atividade judicial de busca da imposição penal em processo-crime, vinculando o entendimento do órgão responsável pela acusação.

Na prática, pois, deverá a autoridade policial

representar para que o Ministério Público realize o acordo, ouvindo o colaborador e seu defensor, e em seguida encaminhe aos autos ao juiz para fins de homologação. Embora temerária ausência de prévio contato com o colaborador e seu defensor, nada impede que, concordando com os termos do acordo, o representante do órgão responsável pelo jus persequendi em juditio ratifique a proposta formulada pela autoridade policial.

(4)

Aliás, se persistir a sistemática legal, corre-se o risco de eventualmente o Ministério Público manifestar-se contrário ao acordo promovido pelo delegado de polícia e o juiz, por sua vez, homologá-lo, vinculando sua decisão final. Teríamos, então, por vias transversas, a hipótese de o delegado de polícia vincular a disponibilidade quanto à aplicação da sanção penal ou ao exercício do jus puniendi estatal, via perdão judicial, à revelia do órgão titular da ação penal, o que implicaria em manifesto cerceamento das funções acusatórias em juízo. Em caso semelhante, quando da discussão sobre a possibilidade de acordo entre o acusado e o juiz para fins de suspensão condicional do procedimento ex-officio (art. 89 da Lei nº 9.099/95), a jurisprudência dos Tribunais Superiores pacificou-se no sentido da impossibilidade de outro órgão dispor da ação penal pública.1

A propósito da legitimidade para promover a

colaboração processual, Oreste Dominioni assinala sem rodeios: seja como “contestador geral”, referido por Geremia Bentham, ou como “advogado do mérito”, mencionado por Melchiorre Gioia,2 a proposta para a aplicação da

1

Nessa linha a Súmula 696 do STF: “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas recusando-se o Promotor de Justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal”. Ainda a propósito: “Habeas corpus. Processual penal. Suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95). Iniciativa privativa do titular da ação penal. Proposta não formulada pelo Parquet em razão da existência de outro processo criminal em curso contra o réu. Recusa que ensejou a aplicação subsidiária do disposto no art. 28 do CPP. Súmula 696 do STF. Alegação de inconstitucionalidade da vedação ao sursis processual com fundamento na existência de outros processos em curso contra o réu, ainda não transitados em julgado, por suposta violação ao princípio da presunção de inocência. Questão não analisada na decisão impugnada. Impossibilidade de conhecimento do writ sob essa óptica. Dupla supressão de instância. Ordem parcialmente conhecida e denegada. 1. Não há falar em direito subjetivo do paciente: a imprescindibilidade do assentimento do Ministério Público está conectada estreitamente à titularidade da ação penal pública, a qual a Constituição lhe confiou privativamente (CF, art. 129, I). Precedentes. 2. A apreciação sobre a legalidade da recusa do Ministério Público ao oferecimento da proposta de suspensão condicional do processo em razão de o paciente responder a um outro processo penal ainda não transitado em julgado não foi apreciada nas instâncias anteriores, de sorte que seu conhecimento, de forma originária, neste ensejo, configuraria verdadeira supressão de instância. Precedentes. 3. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa medida, denegado” (HC 101369, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 25/10/2011,

ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-225 DIVULG 25-11-2011 PUBLIC 28-11-2011).

2

Geremia Bentham, com sua célebre obra Teoria das recompensas, datada de 1811, e Melchiorre Gioia, que escreveu Do mérito e das recompensas também na primeira metade do século XVIII, são considerados os fundadores do direito “premial” (Mario Pisani, Attualità..., cit., p. 44/53). Enquanto Bentham postulava pela figura de um sobreposto de oficial público para examinar todos os títulos dos aspirantes às recompensas, por ele denominado contestatore

(5)

colaboração premiada deve ser reservada a um sujeito que desenvolva funções assemelhadas àquelas hoje desenvolvidas pelo Ministério Público no processo penal, ainda que se trate de uma função contrária à acusação penal, pois terá que atuar em favor do acusado. Em outros termos, segundo o autor, a solução a ser encontrada deve passar pela discussão do delicado tema da discricionariedade da ação penal, para que com base na realidade e de forma motivada, legitimamente o órgão responsável pela acusação possa avaliar, na própria investigação, quais vantagens podem advir da colaboração.3

No direito norte-americano a iniciativa para fins

colaboração processual de é exclusiva do órgão responsável pela acusação, cujo representante tem ampla discricionariedade para negociar com o acusado colaborador (plea bargaining), podendo inclusive dispor da ação penal, estando reservado ao juiz a homologação desse acordo.4 Este sistema é mais coerente com a finalidade do instituto da colaboração processual, que se destina à obtenção de prova para a acusação, afigurando-se conveniente para o seu sucesso que o órgão acusador tenha liberdade para indagar do colaborador as provas que entenda conveniente.

Em suma, pois, apenas o órgão responsável por deduzir a acusação em juízo, como parte processual, nos termos do art. 129, inciso I, da Constituição República, pode dispor de eventual imposição penal,

dos órfãos, para ativar o que designava “procedimento remuneratório” (Mario Pisani, Diritto premiale e sistema penale: rapporti e intersezioni, in Diritto premiale e sistema penale, AA.VV., Milão: Giuffrè, 1983, p. 30).

3

Ainda na visão do autor italiano, a iniciativa para acordos de colaboração processual deve passar, se possível, pela discussão do delicado tema da discricionariedade da ação penal, para que com base na realidade e de forma motivada, legitimamente o órgão responsável pela acusação possa avaliar, na própria investigação, quais vantagens podem advir da colaboração (Diritto preliale e processo penale, “in” Diritto premiale e sistema penale, AA.VV., Milão: Giuffrè, 1983, p. 172 e 176).

4

Na sistemática estadunidense a disciplina da immunity é considerada uma ferramenta de investigação decisiva e insubstituível à disposição do prosecutor, o qual tem a possibilidade de negociar com o suspeito para que renuncie ao seu direito ao silêncio e comprometa seus cúmplices, em troca da garantia de não ser processado penalmente. Para a apuração do crime organizado, tal mecanismo constitui a retaguarda do desenvolvimento das investigações e procedimentos, que dependem cada vez mais das palavras da state witness contra seus companheiros. O êxito processual da utilização das palavras dos colaboradores está confirmado por estatísticas que indicam que os casos em que a declaração do suspeito levou a condenação dos imputados supera o setenta por cento do total (Román Julio Frondizi et al.,

(6)

via acordo com o colaborador para fins de perdão judicial, afigurando-se, pois, tal poder conferido ao delegado de polícia, cuja missão constitucional é a atividade de polícia judiciária e a apuração de infrações penais (art. 144, § 4º, da Constituição da República), manifestamente inconstitucional.

Referências

Documentos relacionados

(IPO-Porto). Moreover, we attempted to understand how and in which patients sFLC can be used as a differential marker in early disease relapse. Despite the small cohort, and the

Determination of heavy metals in activated charcoals and carbon black for Lyocell fiber production using direct solid sampling high-resolution continuum

F I G U R E 1   Schematic representation of the experiment undertaken to test different routes of oestradiol benzoate administration for cervical dilation prior to

Este artigo apresenta a influência dos sistemas agropecuários sobre os fluxos hidrogeoquímicos em águas fluviais de dezoito microbacias sob diferentes usos da terra na

Foi nossa preocupação manter o contacto com os nossos atletas, pelo que fomos obrigados a encontrar inúmeras soluções, nomeadamente uma grande aposta nos contactos via online, não

3 O presente artigo tem como objetivo expor as melhorias nas praticas e ferramentas de recrutamento e seleção, visando explorar o capital intelectual para

Os vários modelos analisados mostram consistência entre as diferenças de precipitação do experimento do século vinte e os experimentos com cenários futuros, no período de

libras ou pedagogia com especialização e proficiência em libras 40h 3 Imediato 0821FLET03 FLET Curso de Letras - Língua e Literatura Portuguesa. Estudos literários