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A busca da formalização jurídica como mecanismo de consolidação das iniciativas de economia popular e solidária

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Academic year: 2021

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A busca da formalização jurídica como mecanismo de consolidação das iniciativas de economia popular e solidária

Emile Lima Oliveira1 Flávia Almeida Pita2 1. Introdução

Na medida em que as iniciativas de Economia Popular e Solidária atrelam-se, essencialmente, ao condomínio dos meios de produção, à repartição substancialmente igualitária do produto do trabalho e às formas democráticas e autogestionárias de organização – desafiando, portanto, a forma hegemônica de produção –, a população que delas se beneficia depara-se com uma diversidade de mecanismos inibidores, dentre os quais se destaca a ausência de formas jurídicas adequadas à aquisição de personalidade jurídica pelos grupos envolvidos. Neste vértice, sem o apropriado reconhecimento jurídico estatal, outros entraves são desencadeados, tais como falta de acesso às políticas públicas, formalização demasiadamente onerosa e complexidade dos procedimentos tributários e contábeis.

Inserida neste contexto, a Incubadora de Iniciativas da Economia Popular e Solidária da Universidade Estadual de Feira de Santana (IEPS-UEFS) desenvolve projetos de incubação de dois grupos informais, os quais atuam na comercialização de lanches nos espaços das cantinas do módulo I e VII desta Universidade. Neste âmbito, a formalização jurídica, essencial à firmação de negócios com o poder público/instituições bancárias e à regularização previdenciária dos integrantes, tem sido um árduo desafio, tanto para os grupos incubados, quanto para a equipe da Incubadora.

Nesse ínterim, foi efetuada uma pesquisa exploratória no âmbito dos grupos incubados pela IEPS-UEFS com o fito de compreender melhor a problemática envolvida na formalização jurídica dos grupos de produção não capitalista e, após, identificar caminhos menos burocráticos e alternativos, dentro do sistema jurídico vigente, para a formalização jurídica de iniciativas de Economia Popular e Solidária, tendo em vista sua consolidação e sobrevivência, bem como uma maior inclusão social da população envolvida.

2. Fundamentação teórica

A referida pesquisa baseou-se, a princípio, no marco teórico produzido pelos renomados autores Paulo Singer e Francisco Carlos Duarte, os quais dedicaram-se, também, ao estudo da Economia Solidária e do desenvolvimento local.

Ademais, os marcos teóricos pregressamente elaborados por membros da IEPS-UEFS, inclusive alguns de autoria da orientadora/coautora Flávia Almeida Pita, dentre os quais se

1Graduanda em Direito. Universidade Estadual de Feira de Santana. E-mail: emile_256@hotmail.com

2 Orientadora. Departamento de Ciências Sociais Aplicadas (DCIS). Universidade Estadual de Feira de Santana.

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destaca o texto “A Economia Solidária e o Estado: lições a partir de um caso concreto”, foram bastante utilizados como alicerces para o desenvolvimento da pesquisa em comento.

3. Discussão e resultados alcançados

Durante seu florescer, a investigação revelou-se muito rica e produtiva, malgrado não tenha sido alcançado, até a presente data, o marco final da formalização jurídica então almejada. Inicialmente, a pesquisa consistiu na leitura e análise do referencial teórico adotado e do ordenamento jurídico pátrio, pelo que buscou-se encontrar caminhos menos burocráticos e alternativos para a formalização de um dos grupos incubados pela IEPS-UEFS, qual seja a COPERMASOL, a qual atuava na comercialização de lanches na cantina do módulo VII da UEFS.

Corroborando com a pesquisa bibliográfica e documental acima apontada, também analisou-se a realidade vivenciada pelos grupos de Economia Popular e Solidária (especialmente a partir de reuniões ordinárias, realizadas semanalmente, e outras atividades do Programa), conduzindo a pesquisa a resultados que se compatibilizassem com as necessidades e peculiaridades desse modo de produção.

Com efeito, associando-se os produtos até então alcançados, passou-se à construção do contrato social do grupo incubado, desenvolvido com base nos preceitos da Economia Solidária e em parceria entre a pesquisadora, a orientadora, as integrantes do referido grupo e outros bolsistas da IEPS-UEFS.

A partir do reportado instrumento contratual, constituiu-se uma sociedade simples pura, cujo nome social foi “COMPANHEIRAS DE MÃOS SOLIDÁRIAS COPERMASOL SOCIEDADE SIMPLES”. Vale ressaltar, aqui, que os termos e cláusulas do contrato foram devidamente analisados e discutidos com as integrantes da sociedade recém-criada, tendo em vista, principalmente, a ciência das mesmas para com seus deveres e direitos a partir de então, como sociedade simples de caráter não empresarial.

Após ser devidamente assinado, o contrato foi levado a registro no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas deste município, ação desenvolvida em parceria entre a pesquisadora e as integrantes da COPERMASOL, haja vista o caráter participante da pesquisa sob análise. Tal processo revelou-se exacerbadamente intricado, especialmente pela grande quantidade de taxas que tiveram que ser pagas, em dias diferentes e com diferentes finalidades (atinentes, por exemplo, à emissão de certidões negativas), protelando o referido registro.

Outrossim, imperioso ressaltar que houve certo impasse no referido registro, haja vista que, no Cartório, a forma jurídica adotada constava, equivocadamente, no rol de pessoas jurídicas com fins empresariais, o que ia de encontro aos ideais da Economia Popular e Solidária, além de aumentar o valor que seria pago a título de registro. Desse modo, fizeram-se necessárias novas diligências no sentido de prestar esclarecimentos perante o cartório, tanto sob a forma escrita, quanto na forma oral, culminando na correta adoção da taxa correspondente às pessoas jurídicas com fins não empresariais.

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Após o delongado processo de registro, o qual evidenciou a complexidade e os obstáculos impostos à consolidação e sobrevivência da Economia Popular e Solidária, fez-se necessária a inscrição da sociedade no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ).

Como já esperado, vários óbices foram encontrados, dentre os quais se destacam a difícil acessibilidade aos serviços da Receita Federal, fazendo-se necessária a aquisição de uma senha de atendimento que, além de relacionar-se a períodos distantes, tinha que ser obtida por meio eletrônico, no site da Receita Federal, o que, por si só, já dificulta o acesso da população, vez que nem todos os demandantes têm conhecimento e/ou acesso aos meios eletrônicos.

No caso específico da COPERMASOL, prestou-se o devido apoio e auxílio, viabilizando a aquisição de referida senha, ainda que para data distante. Ocorre que, chegada a data agendada, apesar do correto comparecimento das integrantes e da pesquisadora, o serviço havia sido suspenso, tendo sido informado simplesmente que “os servidores estavam em um curso”. Neste azo, houve instrução de retorno em data posterior, com a mesma senha.

Acontece que, apesar de os servidores estarem em serviço na nova data indicada, o serviço também não foi prestado, sob o argumento de que se faziam necessários outros documentos (além do registro da sociedade em questão), o que em momento algum foi esclarecido pelos funcionários do referido órgão, em que pese os reiterados comparecimentos do grupo. Fazia-se necessário, também, o Documento Básico de Entrada (DBE) e a Ficha Cadastral de Pessoa Jurídica (FCPJ). Com efeito, verificou-se a necessidade de um acompanhamento contábil para aquisição dos referidos documentos.

Nesse trilhar, as integrantes da COPERMASOL optaram por realizar os serviços com um contador de sua relação pessoal, sob alegação de que o processo seria mais fácil e menos oneroso. A partir deste momento, a formalização entrou num período de estagnação. Em verdade, não era perceptível um desejo inconteste por parte de todas integrantes quanto à formalização, especialmente por conta de conflitos internos, os quais colocavam em dúvida o futuro da sociedade. Ademais, o receio quanto à tributação e responsabilizações futuras decorrentes do contrato era evidente, mesmo com as instruções e acompanhamento por parte dos integrantes da IEPS-UEFS. É importante lembrar que o período de permanência do grupo no espaço da cantina da UEFS já estava chegando ao fim, sendo incerta a identificação de uma nova sede para a continuidade das atividades das trabalhadoras. Este é um elemento a justificar compreensivelmente a insegurança quanto à conclusão do processo de formalização. Foi assim que se notou que a formalização não fazia-se compatível com a realidade vivenciada pelas integrantes da COPERMASOL naquele momento. Esta ainda se mostra um desafio, assim como o fortalecimento de práticas que resguardem os princípios da autogestão e da repartição substancialmente igualitária do produto do trabalho, essenciais às iniciativas da Economia Popular e Solidária.

Deveras, tudo estava a revelar que o grupo ainda não estava apto a vivenciar o fim do processo de incubação, ainda demandando auxílio, não apenas para ratificar os princípios da Economia Popular e Solidária, mas também para se fortalecer frente aos desafios impostos pela forma hegemônica de produção, cujo contexto de lucro, exploração e competição lhes é imposto.

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Nesse diapasão, em comum acordo com os demais integrantes da IEPS-UEFS, estendeu-se o período de incubação do referido grupo e optou-se pela interrupção do processo de formalização, dando margem ao fortalecimento e à comunhão do grupo, protelando os aspectos jurídico-formais para mais adiante.

Os obstáculos encontrados na fase final da pesquisa tornaram possível compreender mais claramente a realidade vivenciada pelos grupos ligados à Economia Popular e Solidária, os quais, além de precisarem manter a horizontalidade nas relações internas, devem estar preparados para ultrapassar os freios impostos pelo capitalismo, o qual controla não só a economia, mas toda dinâmica jurídico social.

O excesso de burocracia, a falta de compromisso dos órgãos públicos, as excessivas barreiras de ordem formal e econômica são empecilhos que se mostram intransponíveis para a maior parte das iniciativas populares, justificando o grande número de grupos na informalidade. A Economia Popular e Solidária é, antes de mais nada, uma forma de resistência ao corolário capitalista, o qual induz à desigualdade nas relações de trabalho, contribuindo para a mais valia e para exploração humana. Os princípios solidários devem, portanto, fazerem-se assentes para que a formalização - crucial à firmação de negócios e às questões previdenciárias – contribua para a sobrevivência deste modelo econômico.

Analisando-se o caso concreto, tem-se que as integrantes da COPERMASOL precisavam, primeiramente, consolidarem-se como autêntico grupo de Economia Popular e Solidária, contíguo da autogestão e distante da hierarquização das relações trabalhistas, fazendo com que a formalização se tornasse instrumento de homogenização social.

4. Considerações finais

A ausência de um marco legal compatível com os princípios da Economia Popular e Solidária certamente não é uma coincidência. O Direito brasileiro é capitalista, clarividentemente construído para atender os interesses das camadas mais favorecidas da sociedade, configurando-se inacessível para a maior parte da população.

Ainda assim, indubitável o papel da formalização jurídica como instrumento de sobrevivência e consolidação da Economia Popular e Solidária, podendo contribuir para o fortalecimento da reação ao capitalismo e ao seu corolário. É imperioso ressaltar que tal finalidade só é alcançada quando os princípios da Economia Popular e Solidária encontram-se assentes nos grupos que dela se utilizam, evitando, assim, que a formalização caminhe na contramão, revigorando a segregação social capitalista por meio de “ilegítima” ordenação solidária.

5 Referências

PITA, Flávia Almeida. Formalização jurídica e economia popular e solidária: reflexões a partir de uma experiência de incubação. Anais do 8º Congreso Chileno de Sociología y

Encuentro Pre- ALAS, Chile, 2014.

GAIGER, L. I. G. A economia solidária diante do modo de produção capitalista. Disponível em:<http://www.ecosol.org.br>. Acesso em: 30 de jun. 2016.

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LIMA, Thaise Nascimento da Silva. A ausência de um marco legal e de uma legislação

específica para os grupos que atuam na economia solidária. Monografia (Trabalho de

Conclusão do Curso de Direito). Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, Brasil, 2012.

Série Pensando o Direito. Regime Jurídico de Cooperativas Populares e Empreendimentos de

Economia Solidária. Núcleo de Economia Solidária da Universidade de São Paulo

(NESOL-USP), 2012.

VIEIRA, Arlete Cândido Monteiro. Desafios a formalização legal de empreendimentos

solidários. Faculdade de Pindamonhangaba, São Paulo. Disponível em:

http://www.conpes.ufscar.br/wp-content/uploads/trabalhos/gt8/sessao-5/vieira-arlete-candido-monteiro.pdf. Acesso em 05 de julho de 2016.

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