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ISSN CENTRO DE ESTUDOS DE ARQUITECTURA MILITAR DE ALMEIDA CEAMA ACTAS DO 11º SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE ARQUITECTURA MILITAR

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Academic year: 2021

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(1)

ACTAS DO 11º SEMINÁRIO

INTERNACIONAL SOBRE

ARQUITECTURA MILITAR

CENTRO DE ESTUDOS DE ARQUITECTURA MILITAR DE ALMEIDA

CENTRO DE ESTUDOS DE ARQUITECTURA MILIT

AR DE ALMEIDA

CEAMA

CEAMA

2017

17

17

(2)

CENTRO DE ESTUDOS DE ARQUITECTURA MILITAR DE ALMEIDA

N.º 17 - 2017

A capa do presente número dispõe de duas fotografias, mostrando a superior (autor, Rui Loza) uma parte da Guarda dos Recriadores Históricos internacionais prestando honras ao Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, o qual surge no punctum da imagem inferior (retirada do site oficial da Presidência da República), e representam um reconhecimento do significado da presença do Chefe de Estado em Almeida onde, entre outras actividades, presidiu à sessão de encerramento do 11º Seminário Internacional sobre Arquitectura Militar do CEAMA.

Produção Editorial

Câmara Municipal de Almeida Director

Presidente da Câmara Municipal de Almeida

Coordenação Editorial e

Direcção Gráfica João Campos Tradução

Adriana Veleda (Saudade Inc.) e João Campos Colaboraram neste número

Adler Homero de Castro, Adelino Matos Coelho, Athina Papadopoulou, Danuta Klosek-Kozłowska, Fernando Cobos-Guerra, Emilie d’Orgeix, Isabelle Warmoes. João Campos, João Marujo, Margarida Alçada, Moisés Cayetano Rosado, Milagros Flores-Román, Michael Losse, Michael Mathias, Philippe Bragard, Paulo Carlos, Paula Sousa, Ramón García Goméz, Rui Loza, Stephen C Spiteri.

Revisão João Campos

Impressão e acabamento Gráficas Lope Tiragem 500 Exemplares

ISSN 1646-9089

Depósito Legal n.º 272003/08 CEAMA

Publicação da Câmara Municipal de Almeida ACEP - Área Cultural, Estudos e Património Quartel das Esquadras n.º 5

6350- 130 Almeida geral.acep@cm-almeida.pt Telefone: 271 571 993

Os artigos da revista CEAMA são da exclusiva responsa-bilidade dos respectivos autores e não reflectem, neces-sariamente, o ponto de vista da direcção da publicação ou da Câmara Municipal de Almeida. Os textos e as imagens desta publicação não podem ser reproduzidos sem auto-rização prévia da Câmara Municipal de Almeida.

3

Discurso do Senhor Presidente da República na sessão de encerramento do 11º Seminário Internacional de Almeida /

Speech by the President of the Republic during the closing session of the 11th International Seminar of Almeida

10

Crónica do 11º Seminário Internacional sobre arquitetura militar de Almeida /Chronicle of the 11th International Seminar on military

architecture of Almeida

21

Una recensión externa sobre los trabajos - Celebrado el

“XI Seminário Internacional de Arquitectura Militar” de Almeida /

An external release on the Works - Celebrated the “XI International Seminar of Military Architecture” of Almeida

Moisés Cayetano Rosado

31

El “Patrimonio Mundial” al alcance de la mano / The “World

Heritage” to our reach

Moisés Cayetano Rosado

41

O estatuto de Património Mundial – um catalisador para o desenvolvimento sustentável / The World Heritage status – a

catalyst for sustainable development

Margarida Alçada

49

Excepcionalidade e Representação, Marcos e Síntese Tecnológica na fortificação de fronteira / Technological

Exceptionality and representation, Achievement and Synthesis in border fortifications

Fernando Cobos-Guerra

74

French Military Atlases in the Early Modern Period: Current State of Research and New Perspectives / Atlas Militares Franceses no

início do Período Moderno: Estado actual da investigação e novas perspectivas

Emilie d’Orgeix & Isabelle Warmoes

86

Jesuit’s and other technical treatises in 17th and 18th century. National or international culture? / Tratados técnicos de Jesuítas e

outros nos séc. XVII e XVIII. Cultura nacional ou internacional?

Philippe Bragard

91

A Raia como território de paz / The “raia” as a peace territory Rui Loza

104

O Revelim Doble – Desfazendo equívocos / The Double Ravelin –

Dispelling misconceptions

Paula Sousa

118

Identidade portuguesa na Guerra da Sucessão Espanhola (Colónia do Sacramento) / Portuguese identity in the Spanish War

of Succession (Colónia do Sacramento)

(3)

148

Fortified Bridges across the River Rhine as part of Germany’s border defences against France and symbols of national identity (1855-1919) / As pontes fortificadas do Reno como parte das

defesas de fronteira contra a França e como símbolos de Identidade Nacional (1855-1919)

Michael Losse

162

Virai costas a Castela. Las fortificaciones de la Beira Baixa portuguesa / Turn your back to

Castille. The fortifications of the Portuguese Beira Baixa

Ramón García Gómez

209

The Allure of Fortifications: The many meanings and significance of the military architecture heritage in today’s world / O fascínio das Fortificações: Os principais significados e significâncias

do património de arquitectura militar no mundo quotidiano

Stephen C Spiteri

216

Daniel Specklin (1536-1589), Wilhelm Dilich (1571-1650), Johan Wilhelm Dilich (1600-1657) e Georg Rimpler (1636-1683). Engenheiros militares e tratadistas da língua alemã / Military

engineers and treaties in German language. Daniel Specklin (1536-1589), Wilhelm Dilich (1571-1650), Johan Wilhelm Dilich (1600-1657) and Georg Rimpler (1636-1683)

Michael Mathias

228

Corografía de la Raia/Raya en la línea Madrid-Lisboa durante la Guerra de Sucesión (En plano

de Nicolas de Fer de 1709) / Chorography of the Raia/Raya in the Madrid-Lisbon line during the war

of Spanish Succession (According to the plan by Nicolas de Fer de 1709)

Moisés Cayetano Rosado

246

The Nicosia and Famagusta Fortification Monuments: Negotiating heritage towards a common identity / As fortificações monumentais de Nicosia e de Famagusta: negociando o património na

direcção duma identidade comum

Athina Papadopoulou

254

A formação de um país de dimensões continentais: o sistema de fortificações portuguesas na América Latina / The formation of a continent-sized country: the system of Portuguese fortification

in Latin America

Adler Homero de Castro

272

Interpretación y papel de las Fortificaciones como identidad nacional / The Interpretation and

role of the Fortifications as a national identity

Milagros Flores-Román

276

Comemorações das Jornadas Europeias do Património 2017 - Património e Natureza /

Celebration of 2017 European Journeys of Heritage - Heritage and Nature

Paula Sousa

279

A natureza essencial do património / The essential nature of heritage João Campos

292

Digitalización de las revistas del CEAMA / Digitization of the CEAMA magazines Moisés Cayetano Rosado

(4)

UM PEQUENO ESTADO, QUE TEM UMA, OU DUAS BOAS PRAÇAS DE GUERRA

Vamos iniciar o presente trabalho fazendo algo que a sabedoria popular chama de “ensinar o padre nosso ao vigário”, abordando um assunto que deve ser de amplo conhecimento aos leitores de Portugal: na verdade, eles possivelmente sabem mais sobre o tema que o autor dessas linhas. No entanto, consideramos necessário repassar esses pontos para podermos esta-belecer uma base de comparação com outro assunto, este sim, um que esperamos que seja uma novidade. Ou seja, vamos falar das políticas de defesa de Portugal na Europa e na Ásia, para então tratar do que foi feito no Brasil. Conforme vamos defender em nosso texto, um só país, uma só cultura – a portuguesa – encontrou soluções bem diversas para tentar resolver os problemas que enfrentou em sua expansão colonial nos séculos XVI a XVIII.

Assim, começamos repetindo o que escreveu o major dos Dragões do Beja, José de Almeida Moura em 1741: Um pequeno Estado, que tem

uma, ou duas boas Praças de Guerra, pode-se defender, e manter-se algum tempo, até que algum de seus vizinhos, que vê com zelos crescer o poder de um, e outro, junte as tropas para o socorrer.

Os Estados medíocres, que tem um Corpo de tropa, e boas Praças, podem se defender por elas mesmas: mas o corpo de tropas sem Praça, é forçado a desamparar tudo a um Exército superior: E as Praças sem Tropas são obrigadas a se render, quando os víveres começam a faltar. (...)

Devem-se defender, como os Estados medíocres, aqueles em que as províncias são separadas umas das outras1.

Essa passagem reflete uma situação com que Portugal tinha que conviver: a sede da monarquia, a metrópole, estava isolada por terra dos outros países europeus e tinha que enfrentar a ameaça dos exércitos espanhóis. Estes últimos, em teoria, poderiam mobilizar forças muito maiores que os lusitanos, nem que fosse devido à grande diferença populacional e tamanho dos dois países (ver gráficos 1 e 2).

Assim, nada mais lógico que uma proposta de proteger os acessos ao Reino com poderosas fortificações, capazes de resistir um tempo razoável, até que se mobilizassem o exército e as milícias ou se montasse uma aliança que pudesse auxiliar a defesa do país.

Daí o sistema de defesa, com suas praças fortes, não só na fronteira, mas escalonadas em profundidade: Elvas, Valença do Minho, Estremoz, Vila Nova da Cerveira, Évora, Vila Viçosa, Setúbal e Olivença, esta última perdida para a Espanha na Guerra de 1801. Eram obras de grande porte, originadas de ações governa-mentais, a maior parte dentro de contextos de projetos de longo prazo,2 adotando as melhores

técnicas do período. Cada uma delas tinha o potencial de resistir de um cerco em regra por forças muito superiores, dando tempo para que se organizar a defesa do país como um todo. Era como colocou o major José de Almeida Moura, um “Um pequeno Estado, que tem uma, ou duas boas Praças de Guerra”,3 tendo para apoiá-lo

um exército pequeno, mas não desprezível – na verdade, a mobilização militar portuguesa, com relação à população, era muito grande, como pode ser visto no gráfico 3, abaixo:

NO ULTRAMAR

Apesar da grande mobilização para a defesa de seu território, mais impressionante foi o esforço militar na expansão ultramarina, quando a 1 MOURA, José de Almeida e. Movimentos da

cava-laria com adição para Dragões e infantaria e Obra utilíssima para todo o Militar oferecida ao Sereníssimo senhor Infante D. Antônio por José de Almeida Moura, Cavaleiro Professo da Ordem de Cristo, Sargento mor de cavalaria Dragões de Beja etc. Lisboa: Oficina da

Música e da Sagrada Religião de Malta, 1741. pp. 355-356.

2 Vila Viçosa, Setúbal e Évora foram fortificadas com

obras complementares e temporárias na Guerra de Restauração. MALLET, Allain Manesson. Les Travaux

de Mars, ou l’Art de la Guerra: divise em trois parties.

Paris: Denys Tierry, 1691. p. 321 e segs.

3 MOURA, op. cit. p. 355.

Figura 1 – Gráfico da população da Espanha, Portugal e Brasil – 1500-1800 / Figure 1- Chart of the population of Spain, Portugal and Brazil – 1500-1800.

A população da Espanha sempre foi, pelo menos, cinco vezes superior à portuguesa, enquanto a do Brasil só atingiu um milhão de habitantes na primeira metade do século XVIII (MCEVEDY, Colin & JONES, Richard. Atlas of World Population History. Harmondsworth, Penguin, 1985. pp. 103, 105 e 306). The population of Spain was always at least five times higher than the Portuguese, whereas Brazil only reached one million during the first half of the 18th century (MCEVEDY, Colin & JONES, Richard. Atlas

of World Population History. Harmondsworth, Penguin, 1985.

(5)

pequena população de Portugal foi mobilizada para enfrentar dificuldades imensas em seu empreendimento colonial. Para alcançarem seu objetivo, um punhado de navegadores teve que superar povos que tinham um nível tecnológico semelhante ao da Europa, como era o caso dos otomanos da Península Arábica ou populações numericamente muito maiores do que as de seu próprio país, como os do subcontinente indiano. Muito pior era o isolamento geográfico e estra-tégico dos entrepostos portugueses na costa da África e da Ásia: um pedido de socorro podia levar meses para ser atendido pelo vice-rei do Estado da Índia. Poderia levar mais de um ano para se chegarem reforços da metrópole, quando esses podiam ser enviados.

Nesse caso, a política portuguesa foi a que o major Almeida Moura colocou em 1741 para os “estados medíocres”: uma tentativa de fazer “boas praças” e manter um corpo de tropa no Oriente. Isso não por uma questão de inferio-ridade lusitana, mas por causa do isolamento de seus fortes, que tinham que ser feitos pensando que pequenas guarnições teriam que resistir meses ou mesmo anos, antes de serem socor-ridas, se isso acontecesse.

Para que o esquema militar lusitano na Ásia fosse viabilizado, foi feito um grande esforço para fortificar as principais colônias na Ásia e África Oriental com o que de mais moderno no período. Para isso, o governo fez pesados inves-timentos para tanto, desde a construção dos castelos medievais, no final do século XV e início do XVI, até as imensas fortificações abaluar-tadas, erguidas por pessoal que tinha aprendido essas modernas técnicas no berço da arquitetura militar da Idade Moderna. Assim, Francisco de Holanda foi enviado por D. João III para a Itália em 1537 para desenhar as fortalezas de lá.4 Ao

retornar em 1541, ele participaria do desenho da praça de Mazagão, no Marrocos, já com um desenho abaluartado para substituir o castelo de estilo medieval, erguido em 1517.5

Assim, o pequeno tamanho das forças portu-guesas que poderiam ser dispersas por seu imenso império colonial implicou em uma neces-sidade que hoje consideraríamos moderna, ou seja, substituir o uso extensivo de mão-de-obra, os soldados, por um emprego intensivo de tecno-logia. Esse uso da tecnologia seria representado pelo emprego de navios a vela, que procuravam 4 BURY, John. Francisco de Holanda: a little known

source for the history of fortification in the sixteenth century. Fort: the international journal of fortification and

military architecture. Vol. 5, Spring, 1978. p. 23.

5 id. p. 44.

Figura 2 – Força dos exércitos de Portugal e Espanha / Image 2 - Strength of the armies of Portugal and Spain.

Não inclui milícias. Alguns pontos dos gráficos foram obtidos por extrapolação ou colocados com base nos dados disponíveis para as datas mais próximas. Entre os exércitos espanhóis, incluem-se os das suas possessões na Itália, Flandres e outras. Apontamos o notável esforço militar português, em comparação com a Espanha, especialmente a partir do final do século XVII, tendo em vista a disparidade populacional. (Dados para a Espanha: BLACK, Jeremy. A military revolution: military change and European society - 1550-1800 (London: Macmillan, 1991). p. 6. Para Portugal: MARQUES, Fernando Pereira. Exército e sociedade em Portugal: no declínio do Antigo Regime e advento do Liberalismo. Lisboa: A Regra do Jogo, 1981. pp 304-306.)

Not including militias. Some points of the charts have been obtained by extrapolation or based on the data available for the closest dates. The Spanish armies include those armies of their posses-sions in Italy, Flanders, and others. One should highlight the notable Portuguese military effort, when compared with Spain, especially from the late 17th century and especially considering the differences in population. (Data for Spain: BLACK, Jeremy. A military revolution: military change and European society - 1550-1800 (London: Macmillan, 1991). p. 6. For Portugal: MARQUES, Fernando Pereira. Exército e sociedade em Portugal: no declínio do Antigo Regime e advento do Liberalismo. Lisbon: A Regra do Jogo, 1981. pp 304-306).

Figura 3 – Percentual da participação militar na sociedade – Portugal e Espanha / Image 3 -

Percentage of military participation in society - Portugal and Spain.

Percentagem da população recrutada para o serviço militar, sem incluir as milícias (Dados obtidos em BLACK, op. cit. p. 6 e MARQUES, op. cit. pp. 304304, divididos pela população listada em MCEVEDY, op. cit. pp. 103, 105 e 306). Os dados da Espanha até meados do século XVII devem ser vistos com muito cuidado, pois incluem as forças de seu império europeu, dando uma impressão errônea da situação especificamente ibérica. Claramente, a participação militar na sociedade portuguesa foi mais expressiva a partir da Restauração (1640). Para efeito de comparação, as forças armadas de Portugal hoje compreendem 0,3% da população (As forças armadas. http://www.emgfa.pt/pt/organizacao (acesso em maio de 2017), sete vezes menos do que em meados do século XVIII. Em 1812, se forem incluídas as milícias, a participação dos militares cresce para um número perto de 11% da população, comparável com as mobilizações dos estados da atualidade em uma situação de guerra total. Percentage of the population drafted for military service, not including the militias (data obtained in BLACK, op. cit. p. 6 and MARQUES, op. cit. pp. 304604, divided by the population listed in MCEVEDY, op. cit. pp. 103, 105, and 306). The date from Spain until the middle of the 17th century must be taken with a pinch of salt, because they include the armies of their European Empire, giving an erroneous impression of the specific Iberian situation. Clearly, military participation in society was more expressive from the War of Restoration onwards (1640). For comparison effects, today in Portugal, armed forces make up 0.3% of the population (As forças armadas. http://www.emgfa.pt/pt/ organizacao (access in May 2017), seven times less than in the middle of the 18th century. In 1812, including militias, military participation grows to a figure close to 11% of the population, comparable to the mobilisations of States today at war.

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vencer as galeras árabes do índico por meio de artilharia, evitando o combate aproximado e o maior número de tripulantes que os islâmicos podiam colocar no mar. O mesmo raciocínio se aplicava às fortalezas abaluartadas, muito mais eficientes na resistência contra forças superiores que os antigos castelos, incapazes de resistir ao fogo de artilharia.

No entanto, um esquema militar baseado em tecnologia, em substituição ao uso de pessoas, assim como acontece nos dias de hoje, depende de capital, recursos financeiros para a o preparo dos navios, a fundição dos canhões ou a cons-trução das fortificações. Para isso, como no caso das fortificações da Raia com a Espanha, não era possível valer-se do antigo processo medieval, das comunidades locais financiarem suas próprias defesas. Era necessário que o governo administrasse a arrecadação de impostos em uma área mais ampla e, com esses recursos, fizesse os investimentos militares nos pontos que mais necessitavam deles, reforçando a impor-tância do governo na sociedade. Esse foi o fator fundamental na expansão portuguesa na África e na Ásia.

Assim, nos primeiros anos do século XVI, quando estava se consolidando a posse das feitorias no Índico e Pacífico, foram enviadas frotas que podiam contar até 21 navios, como ocorreu em 1505. Um imenso investimento, que poucos governos da época poderiam fazer – Portugal só o pode por causa da vontade de suas lide-ranças e devido aos imensos lucros obtidos com o comércio das especiarias.

Junto com a consolidação do domínio dos mares, foi necessário defender os portos de operação, com a edificação de fortificações: em 1525 uma relação de canhões existentes no Estado da Índia

apontou a presença de 1.063 bocas de fogo.,6 um

imenso dispêndio de recursos quando conside-ramos o elevado custo de uma dessas armas. No século XVII, outro documento, uma lista de fortifi-cações no Índico e Pacífico, aponta a existência de pelo menos 52 fortificações controladas pelos lusitanos na região.7

É importante notar que várias dessas grandes obras defensivas foram feitas no século XVI, ainda que em locais que não tinham uma grande impor-tância comercial ou mesmo onde houvesse uma população europeia capaz de os defenderem, como foi o caso dos fortes de São Sebastião, na Ilha de Moçambique ou o forte Jesus em Sofala (Tanzânia).

O forte de São Sebastião, construído em 1547 para substituir outro menor, de 1507, tinha um circuito de muralhas de perto de mil metros,8 com

uma área interna de 22.860 m2. No século XVII era a maior estrutura habitada ao sul do Saara.9

O forte Jesus, que tinha 580 metros de perímetro e uma área de 9.560 m2, foi iniciado em 1593 pelo engenheiro italiano Giovanni Battista Cairati10

que também projetou os fortes de Baçaim (Vasai) e Damão, na Índia. Baçaim também era um imenso circuito fortificado, com 2.860 metros de muralhas, englobando uma área de 408.000 m2 – um perímetro e área superiores aos de Almeida, se excluirmos as obras externas dessa última. Todos esses impressionantes fortes foram resultado de projetos governamentais – frisamos o plural, pois não se pode dizer que havia um único projeto estratégico, mas sim uma situação de adaptação à situações momentâneas.11 No

entanto, essas construções só seriam possíveis com a alocação de recursos do governo, pois 6 Cf. [Lembranças das cousas da Índia em 1525]

IN: FELNER, Rodrigo José de Lima. Subsídios para

a história da Índia Portuguesa. Lisboa: Tipografia da

Academia Real das Ciências, 1868. p. 10 [paginação irregular].

7 RELAÇÃO das Plantas e descrições de todas as

fortalezas, cidades, e povoações que os portugueses têm no Estado da Índia Oriental. Mss. Do século XVII. Lisboa: 1936.

8 A medição do circuito de muralhas e das áreas

internas foi feita usando o programa googleearth, não sendo, portanto, medidas precisas.

9 LABAND, John. Bringers of war: the Portuguese in

Africa during the Age of Gunpowder and Sail from the Fifteenth to the Eighteenth Century. London: Frontline

Books, 2013. p. 214.

10 KIRKMAN, James. Fort Jesus: a Portuguese Fortress

on the East African Coast. Oxford: Clarendon Press,

1974. p. 7.

11 DORÉ, Andréa. Sitiados: os cercos às fortalezas

portuguesas na Índia (1498-1622). São Paulo: Alameda,

2010. p. 98.

Figura 4 – Navios enviados para as Índias – 1500-1575 / Image 4 - Ships sent to the Indies-1500-1575

O envio de navios para a Ásia foi mais extenso nos anos iniciais da investida lusitana, justamente pela necessidade de criar bases e estabelecer sua supremacia sobre os habitantes locais (O ACHAMENTO do Atlântico Sul: relação dos capitães-mores e Barcos do Reino se tem ido vindo a Índia (1497-1696). IN: Anais da

Biblioteca Nacional. Vol. 112. Rio de Janeiro: 1994. pp. 9-34). Sending ships to Asia happened more frequently in the initial years of the Lusitanian rush, precisely due to the need of creating bases and establishing their supremacy over the locals (O ACHAMENTO

do Atlântico Sul: relação dos capi-tães-mores e Barcos do Reino se tem ido vindo a Índia (1497-1696).

IN: Anais da Biblioteca Nacional. Vol. 112. Rio de Janeiro: 1994. pp. 9-34).

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a população europeia na região sempre foi diminuta. Em alguns locais resumia-se simples-mente à guarnição da fortificação, em outros nem isso, o pessoal militar sendo obtido entre os nativos fiéis, como no caso de Quelba, no golfo Pérsico, guarnecida por um capitão e trinta soldados lascarins, hindus a serviço de Portugal.12

O gigantesco sistema de postos de comércio fortificados sofreu com a União das Coroas Ibéricas (1580-1640), quando Portugal perdeu boa parte de sua autonomia política para a Espanha, recebendo em troca os inimigos da monarquia habsburga, a Inglaterra e os Países Baixos. Em 1599 partiu a primeira frota da Companhia das Índias Orientais para o Índico, seguida por muitas outras anos depois, assim como navios ingleses. Assim, o esquema português foi sendo lentamente desmontando, se perdendo em sequência: Bahrain em 1602; Molucas e Amboina (1605); Masulipatão (1610); Surate (1612); Bandar Abbas (1615); Paliacate (1619); Ormuz, (1622); Melinde (1630); Hughli (1632); Arguim (1633); São Jorge da Mina (1637); Nagasaki (1639); Malaca (1641); Axim e Shema (1642); Mascate e Tidore 1650); Nagapattinam (1657); Thoothukudi e Ceilão (1658); Mangalore (1659); Coulão (1661); São Tomé de Meliapore e Cranganor (1662); Cochim e Cananor (1663); Macasar (1665) e Chittagong (1666).13

Essas perdas não podem ser associadas a uma má qualidade de projeto ou construção das fortificações, mas sim a falta de recursos da monarquia ibérica em comparação com seus adversários. Por exemplo, de 1602 a 1619 a Companhia das Índias Orientais dos Países Baixos enviou 246 navios para a Ásia, enquanto só 79 partiram de Lisboa para reforçar o oceano Índico.14 Os recursos do Estado da Índia eram

ainda mais limitados: em 1697 os holandeses atacaram o forte de São Sebastião em Moçam-bique com uma frota com 1.000 homens. Por sua vez, no forte só havia sessenta dos cem homens previstos para a guarnição, este número já sendo insuficiente, tendo em vista o tamanho das suas muralhas, que precisariam de, pelo menos setecentos homens. Mesmo assim, os atacantes foram repelidos. No ano seguinte, uma nova forma, de 1.840 homens, iniciou trabalhos de assédio, novamente nãos sendo bem suce-didos, por causa da resistência lusitana. No caso, 12 RELAÇÃO das Plantas, op. cit. p. 14.

13 BOXER, C. R. The Portuguese seaborne Empire :

1415-1825. Harmondsworth; Penguin, 1973. pp. 46 e

segs.

14 LABAND, op. cit. p. 128.

o importante é que o forte não recebeu ajuda, mesmo despois do primeiro ataque, sua situação só piorando com o tempo.15

Encontros desiguais marcam a história do Estado da Índia, como na tomada de Colombo a capital do Ceilão. Em 1656 quando um exército de 5.000 soldados aliado aos holandeses cercou a fortaleza por oito meses, forçando a entrega da cidade pela fome: quando da rendição, saíram da cidade os 73 defensores que tinham sobrevivido, um número tão reduzido que causou surpresa aos holandeses, dada a valorosa e prolongada resistência feita.16

Ou seja, na Ásia a existência de “boas praças”, como colocou o major Almeida Moura, foi a maneira encontrada para remediar os problemas estratégicos da região. Mas, como o próprio major Almeida Moura alertara, isso era uma solução temporária, pois seria necessária uma aliança com outra potência ou um exército forte para garantir a sobrevivência contra um inimigo mais forte. Ambos não estavam disponíveis na Ásia, acontecendo o que o major dizia que aconteceria: “as Praças sem Tropas são obri-gadas a se render, quando os víveres começam a faltar”.17 Isso pela incapacidade portuguesa de

fazer uma defesa coordenada e interdependente em suas possessões asiáticas, ao contrário do que ocorria na Europa: as distâncias entre os portos ocupados na área e, principalmente, até a 15 id. pp. 126 e segs.

16 NELSON, W. A. The Dutch Forts of Sri Lanka : the

Military Monuments of Ceylon. Edinburgh: Canongate,

1984. p. 18.

17 MOURA, op. cit. p. 356.

Figura 5 – Fortaleza de Baçaim / Image 5 - Fortress of Bassein

Do “Livro das plantas de todas as

fortalezas cidades e povoações do Estado da Índia Oriental”, c.

1635 (BOCARRO, António. O livro das plantas de todas as fortalezas cidade e povoações do Estado da Índia Oriental. Vol. 3. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1992. Estampa XXII.) Of “Livro das plantas de todas as

fortalezas cidades e povoações do Estado da Índia Oriental”, c.

1635 (BOCARRO, António. O livro das plantas de todas as fortalezas cidade e povoações do Estado da Índia Oriental. Vol. 3. Lisbon: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1992. Estampa XXII.)

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metrópole era grande demais para permitir essa ação coordenada com os recursos disponíveis.

UM ESTADO MEDÍOCRE

O sistema colonial de defesa implantado pelos portugueses no Brasil teve motivadores, origens e desenvolvimento bem diferentes do que tinha ocorrido na Europa e na Ásia. Em 1492, as coroas ibéricas assinaram o tratado de Tordesilhas, que dividiu o mundo entre Espanha e Portugal. A esta última caberia no hemisfério ocidental uma parcela de território situada a 370 léguas das ilhas do Cabo Verde. A questão dos limites era muito complexa: não se definiu que ponto das ilhas seria usado como a partida da medição da linha, nem o tamanho da légua, de forma que imensas variações eram possíveis. Isso sem falar na definição da longitude, muito difícil na época. Finalmente, desde o início Portugal procurou obscurecer a questão, através da cartografia, apresentando mapas que mostravam a linha demarcatória indo da foz do rio da Prata até a foz do Amazonas, uma impossibilidade física, mas que atendia aos interesses lusitanos, ao tentar se aproveitar do princípio jurídico da época, de quem se controlasse a boca de um rio, mesmo que parcialmente, poderia se valer da navegação do mesmo.

Independente da exata demarcação vale a pena voltar à citação o major Almeida Moura. Por esta, o Brasil não poderia ser visto de outra forma que

não como um “estado medíocre”, pois Portugal assumiu na América uma área de tamanho imenso: de Paranaguá (PR), onde foi inicialmente implantado o marco Sul da ocupação lusitana nas Américas18 até a foz do Amazonas,

direta-mente ao norte, são mais de 5.000 km19 de costa,

o espaço entre a linha de Tordesilhas e o mar abarcando uma área de 2,6 milhões de km2, um quarto da área de toda a Europa.

Assim, a questão em torno da delimitação real das posses lusitanas na América teve um papel importante na política colonial portu-guesa para a região até meados do século XVIII. Ao contrário do que ocorria na Ásia, não havia riquezas evidentes a serem exploradas no terri-tório americano de Portugal: não se encontraram de imediato metais preciosos, joias, especiarias ou mesmo uma cultura local que produzisse bens de valor para exportação, como a sede e porcelana da china. O território era habitando por nativos com um nível tecnológico semelhante ao do neolítico, dominando apenas ferramentas de madeira, osso ou pedra.

A consequência lógica foi que as iniciativas portuguesas para garantir a posse do território americano inicialmente ficaram no campo diplo-mático, apenas três feitorias fortificadas foram fundadas. Estas eram obras de pequeno porte: duas delas foram destruídas, uma, no Rio de Janeiro,20 por ação indígena e outra, a de Igaraçu

(Pernambuco), por ação de piratas francesas.21

Uma terceira, a de São Vicente (São Paulo), foi saqueada por espanhóis, mas a pequena povoação conseguiu sobreviver.22 É óbvio que

essas três posições não seria capazes de garantir a posse do território.

A solução era a ocupação da terra, mas conti-nuava a não haver um interesse maior econômico no Brasil, e a coroa portuguesa ainda se concen-trava na rota para a Índia e suas possessões asiá-ticas, de forma que a partir de 1534 se procurou 18 LEME, Pedro Taques de Almeida Pais. História da

capitania de São Vicente. Brasília: Senado Federal,

2004. p. 79.

19 Novamente, medido pelo Googleearth.

20 TRIÁS, Rolando A. Laguarda. Cristóvão Jaques e as

armadas guarda-costa. IN: His tória Naval Brasileira. Vol. 1. Tomo 1. Rio de Ja neiro, Serviço Geral de Documen-tação da Marinha, 1975. p. 254.

21 VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral

do Brasil: antes de sua separação e independência

de Portugal. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1981. v. 1. p. 137.

22 CHARLEVOIX, Pierre François Xavier de. Histoire

du Paraguay. Tome premier. Paris: Desaint, David et

Durand, 1757. p. 52.

Figura 7 – Mapa das capitanias hereditárias, 1574 / Image 7 - Map of the hereditary captaincies, 1574

De autoria de Luís Teixeira, faz parte do atlas “Roteiro de todos

os sinais, conhecimentos, fundos, baixos, alturas, e derrotas que há na costa do Brasil”, da Biblioteca

da Ajuda. Mostra a América do Sul distorcida, para que a foz do Prata fosse incluída entre as possessões portuguesas. O autor do mapa deixa implícito o erro da demarcação, ao colocar a última capitania brasileira bem ao norte do Rio da Prata. By Luís Teixeira, it is part of the atlas called “Roteiro de todos os sinais, conhecimentos, fundos, baixos, alturas, e derrotas que há na costa do Brasil”, of Biblioteca da Ajuda. It shows a distorted South America, making sure the mouth of River Plata was included in the Portuguese possessions. The author of the map implies the error by placing the last Brazilian captaincy well north of the River Plate.

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“privatizar” a defesa, seguindo um processo que já tinha sido adotado nas ilhas do Atlântico, o da doação de capitanias hereditárias. Por esse, se davam grandes extensões de terra – 50 léguas (278 km) de costa – para uma pessoa, o capitão donatário seria responsável pela colonização e defesa do território, usando recursos próprios. Em compensação o donatário, receberia grandes poderes administrativos e legais, assim como a autoridade para cobrar alguns impostos.

O sistema de capitanias não foi um sucesso pleno no Brasil. Apenas quatro das quinze capitanias criadas conseguiram sobreviver aos primeiros anos dos inevitáveis embates com os indígenas e poucos anos depois a coroa decidiu ter uma presença mais ativa, fundando um “governo geral” no Brasil, na cidade de Salvador, em 1548. No entanto, o sistema básico implantado com as capitanias continuou: a ocupação e defesa do território continuaram a ser uma atividade a ser realizada basicamente pelos capitães heredi-tários e seus prepostos: no início o máximo que a coroa auxiliava era vendendo canhões a preço de custo para os colonos.23

Esse procedimento da primeira metade do século XVI teria uma imensa influência no sistema militar do Brasil. Ao contrário do estado da Índia, onde havia uma proposta estratégica de ação gover-namental para garantir a posse e exploração econômica do território. Esse planejamento não existia na América Portuguesa, o sucesso da colonização de cada região dependia exclusi-vamente da economia local e a riqueza encon-trada foi a exploração de grandes plantações de açúcar, usando mão-de-obra escrava, indígena ou africana, mas gerenciada por colonos vindos da Europa.

Em termos de defesa, a proposta de exploração econômica tinha suas implicações: o sistema dependia da presença de um maior número de colonos europeus no país, atraídos pela possi-bilidade da obtenção de algo que era considero como uma das maiores riquezas na forma de ver da Idade Moderna: a posse de terras. As plan-tações também resultaram em um número rela-tivamente elevado de povoações de pequeno porte, servindo de portos para a exportação do açúcar.

Mais importante, em termos militares, cada capitania, para todos os efeitos, era indepen-dente das outras e, em grande escala, livre de 23 CERTIDÃO que passou o provedor mor ao provedor

Antônio Cubas provedor da fazenda de Sua Alteza nas capitanias de São Vicente e Santo Amaro, Salvador, 13 de fevereiro de 1552. DOCUMENTOS históricos. Vol. XIV. Rio de Janeiro: Tipografia Monroe, 1929. p. 399.

intervenções do próprio governo central. Cada uma deveria resolver, por si, seus problemas de defesa, apesar de estarem espalhadas em uma larga extensão de território e de não poderem contar com o apoio militar de Portugal por causa da distância até o velho continente. Não havia, portanto, grandes e complexos sistemas forti-ficados no Brasil nos primeiros 150 anos de colonização. O que havia eram obras menores, que podiam ser feitas pelos recursos das comu-nidades locais sem que as obras fossem um grande encargo econômico para os moradores que, no final, pagavam pelos fortes. Por exemplo, em 1618, na capitania da Paraíba, que tinha sido conquistada 34 anos antes, o governo geral determinou que fosse construído um forte para a defesa da povoação que surgira na área, mas os moradores se recusaram a arcar com os valores pedidos para a obra. O forte que acabou sendo feito, de terra, foi menor e demorou a ser mais tempo construído que o esperado, por causa da resistência dos moradores que financiariam a construção.24

Assim, mesmo a nova capital do Governo Geral, Salvador, inicialmente foi protegida apenas por uma muralha de terra, que durou poucos anos por causa da dificuldade de se obter localmente recursos para sua manutenção. Alguns dona-tários, como o de Pernambuco, construíram “torres” de pedra, que devem ter sido obras semelhantes às dos castelos medievais, resi-dências fortificadas, mas mesmo estas foram poucas e de pouca importância, por causa do grande custo das obras de defesa com relação à capacidade de levantar fundos das comuni-dades.

A consequência disso é que das 66 fortificações construídas pelos colonizadores primeiros 100 anos da colonização, apenas quatorze eram de alvenaria de pedra, e só seis delas eram obras mais duradouras. Essas últimas foram feitas em capitanias que tinham passado a ser controladas pelo Rei, como na Bahia ou Rio de Janeiro e eram obras muito pequenas. Para efeito de compa-ração, a cidade de Diu, na Índia portuguesa, tinha três circuitos de muralhas, o mais moderno, feito em 1546, tendo 1.290 metros de extensão, protegendo uma área de 52.000 m2. A maior “fortaleza” portuguesa no Brasil do século XVI era a de Reis Magos, no Rio Grande do Norte, iniciado em 1599. Esta tinha 260 metros e uma 24 EXPOSIÇÃO de Olinda de 1618, feita pelo próprio

punho do engenheiro mor Francisco de Frias Mesquita. s.l.n.d. SILVA NIGRA, Clemente Maria de. Francisco de Frias da Mesquita, engenheiro mor do Brasil. Revista do

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área de 2.270 m2. A própria capital do Governo Geral era protegida por apenas quatro obras de alvenaria, isoladas entre si, feitas em 1584, com um desenho decididamente arcaico, lembrando os fortes de transição manuelinos, sendo, além disso, diminutos: o maior, Nossa Senhora de Monserrate, tinha 96 metros de perímetro e uma área de 623m2.

Essa foi uma característica comum das obras defensivas feitas no Brasil do final do século XVI e início do XVII: eram pequenas, de desenho muito precário, pouco eficiente e concentradas nas capitanias controladas pelo rei: mesmo a capi-tania privada mais rica de todas, Pernambuco, só teve fortificações permanentes, muito precárias, construídas depois que Recife foi saqueada pelo pirata inglês James Lancaster, em 1595, a razão disso sendo a visão que as próprias capitanias deveriam pagar por sua defesa. Para efeito de comparação, como dissemos, no início do século XVI já havia mais de 1.000 canhões na Índia Portuguesa. Cem anos depois, em todo o Brasil, o número de armas era de apenas um décimo: em 1624 só havia 131 bocas de fogo no país25.

A situação militar começa a mudar a partir do final do século XVI. Em parte, o maior número 25 MORENO, Diogo de Campos (suposto autor). Livro

que dá razão ao estado do Brasil. Rio de Janeiro:

Instituto Nacional do Livro, 1968. p. 24 e segs.

de colonos no Brasil, necessários para fazer funcionar a economia do açúcar, permitia que se formassem tropas locais. Assim, foram colonos de São Vicente, com uma ajuda do Governo Geral, que destruíram a colônia Francesa no Rio de Janeiro em 1567, criando uma capitania do Rei. Pouco depois, pernambucanos procurando terras, se expandiram para o norte, fazendo guerra contra os indígenas e ocupando suces-sivamente as terras que formariam as capitanias da Paraíba (1577) e Rio Grande do Norte (1597). Já no século XVII, o rei de Espanha autorizou que moradores do Brasil se expandissem para a região Amazônica, que estaria na área espanhola definida pelo Tratado de Tordesilhas. Outros colonos formaram a expedição que tomou a colônia francesa no Maranhão (1615) e seguiu para a foz do Amazonas para destruir os vários fortes ingleses e holandeses na região. Ações feitas por forças locais, com nenhum apoio da Europa. Mais tarde, em 1648, os grandes senhores de engenho de açúcar do Rio de Janeiro montariam localmente uma expedição para liberar Angola, que tinha sido ocupada pelos holandeses sete anos antes e que era a fonte de escravos para a economia local.26

Este último caso é relevante, pois mostra como a situação europeia só viria a criar problemas. A presença dos inimigos da Espanha na América Portuguesa vai se tornando mais marcante, com ataques de piratas ingleses, como Cavendish, em São Vicente (1586 e 1591); Robert Withrington e Christopher Lister, na Bahia (1587) ou Lancaster, em Pernambuco (1595). Forças holandesas e francesas também atuavam no Brasil, como Hartmann e Broer, novamente na Bahia e Van Noort, no Rio de Janeiro e São Vicente, esses em 1599.27 Este último ano também veria a

cons-trução de fortificações holandesas na bacia do Rio Amazonas, os fortes de Maturu e Nassau. Depois do fim da trégua dos doze anos, assinada entre a Espanha e Holanda em 1609, a presença holandesa aumentou em muito, começando com o ataque à Salvador em 1624. Nesse caso, o governo da Espanha ainda conseguiu montar no ano seguinte uma imensa expedição, de 10.000 homens, para libertar a colônia ocupada, juntando forças portuguesas, espanholas e napo-26 BOXER, C. R. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e

Angola, 1602-1686. São Paulo, Cia. Editora Nacional,

1973. pp. 270 e segs.

27 BERGER, Paulo et alii. Incursões de corsários

e piratas à Costa do Brasil – 1500-1622. IN: História Naval Brasileira. Vol. I, Tomo II. Rio de Janeiro: Serviço

de Documentação Geral da Marinha, 1975. pp. 486 e segs.

Figura 8 – Forte de Monserrate, Bahia / Image 8 - Fort of Monserrate, Bahia

Desenho de Caldas, c. 1759 (CALDAS, José Antônio. Notícia Geral de toda esta capitania da Bahia desde o seu descobrimento até o presente ano de 1759. Salvador: Tipografia Beneditina, 1951, edição fac-similar, p. 376). mostrando o forte de Monserrate, Bahia, construído em 1584. Desenho de Caldas, c. 1759 (CALDAS, José Antônio. Notícia Geral de toda esta capitania da Bahia desde o seu descobrimento até o presente ano de 1759. Salvador: Tipografia Beneditina, 1951, edição fac-similar, p. 376). showing the Fort of Monserrate, Bahia, built in 1584.

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litanas para isso. Foi uma vitória considerada como parte de um grande ano para os Espa-nhóis, que também tinham obtido a rendição de Breda – o primeiro ministro espanhol, Olivares, chegou a dizer que “Deus é espanhol e luta por nossa nação nesses dias”.28 No entanto, foi o

último grande esforço luso-espanhol na defesa direta do Brasil no século XVII.

Em termos práticos, a efetivação da ameaça holandesa contra a sede do governo colonial viu um aumento nos esforços de defesa de todas as capitanias, esses passando a ser, até certo ponto, coordenados pela metrópole e pelo Governo Geral: em 1616, pouco antes da invasão, só havia fortes e tropas do governo em Pernambuco e nas sete capitanias que o Rei passara a controlar. Nessas havia 950 soldados, dos quais 530 estavam envolvidos com a conquista das três capitanias mais ao norte, feita naquele ano.29 Ou seja, não havia praças fortes

e não havia um corpo de tropa. Com a ameaça holandesa, a solução foi levantar forças de orde-nanças (milícias) na maior parte das capitanias, bem como um terço regular na capital e um terço português vindo em 1625 ficou no Brasil. Entretanto, a ação de reforço não foi suficiente. Considerando a imensa distância que havia entre as capitanias, uma força inimiga vinda da Europa sempre teria a iniciativa, pois poderia escolher o momento e local a atacar. Isso ocorreu em 1630, quando os holandeses novamente atacaram, tomando a capitania de Pernambuco, pratica-mente indefesa. Isso geraria uma longa guerra, que durou 24 anos, travada com uma série de pequenos socorros vindos da Europa, mas a maior parte do esforço sendo feito por tropas e recursos locais. Sob a constante ameaça de ataques e contra-ataques, se fez um grande esforço de construção de fortificações tempo-rárias, tanto por um lado como pelo outro. No período de 1624 a 1654 foram feitos nada menos do que 217 fortificações no Brasil, 145 por lusi-tanos, os outros pelos holandeses.30

Todas as obras feitas naquele momento eram caracterizadas por suas dimensões, relativa-mente reduzidas, e pelo uso de materiais impro-28 PARKER, Geoffrey. The Thirty Years’ War. New York:

Routledge, 1984. p. 103.

29 LIVRO segundo do governo do Brasil. Folha geral da

despesa ordinária que se faz em cada ano no Estado do Brasil. Revista do Museu Paulista, t. III, 1926. pp. 16 e segs.

30 Esses dados foram consolidados das pesquisas

realizadas para a publicação do livro: CASTRO, Adler Homero Fonseca de. Muralhas de pedra, canhões de

bronze, homens de ferro: fortificações do Brasil, 1503-2006. Rio de Janeiro, 2009-2015. 3 vols.

visados, como a terra e madeira – os holandeses, inclusive, chegaram a desenvolver uma técnica para a edificação de fortes usando areia, algo que parece difícil de executar. O grande número de fortificações e sua baixa qualidade construtiva, em termos de materiais, se justificam dentro do contexto de um conflito, mas mesmo depois de encerradas as operações militares – e ainda que o a Paz com a Holanda só tinha sido assinada em 1661 – não se fizeram obras de maior qualidade ou permanentes. Deve-se dizer que obras de pequeno porte não proviam uma real segurança para os habitantes, mas criavam uma sensação de proteção, de que algo estava sendo feito. Isso muitas vezes era considerado como sufi-ciente, ao invés de defesas reais complexas, mas dispendiosas.

Obras de alvenaria de pedra, contudo, tornam-se mais comuns no Brasil no final do século XVII. No entanto, deve-se dizer que, ao contrário do que ocorreu em Almeida, por exemplo, onde era necessário se montar uma poderosa defesa contra um possível ataque espanhol, a escolha por obras de alvenaria no final do século não foi por uma visão estratégica de defesa, mas por um problema de custo. Construções de terra e madeira têm que ser refeitas e reparadas cons-tantemente – anualmente em climas chuvosos como o dos trópicos – e como eram os mora-dores que pagavam pelas obras esses viam esse encargo como algo a ser evitado. Assim, quando foi necessário substituir os fortes cons-truídos em areia e terra pelos holandeses na região Nordeste do Brasil, os moradores soli-citaram sua reconstrução em pedra: em 1669, quando o forte do Brum desabou, a câmara de Olinda (Pernambuco) escreveu ao Rei sobre a manutenção da obra: “que para se evitarem os gastos com ela se fazem estava o povo resolvido a fabricá-la de pedra e cal”.31 Um pedido que

deve ser visto considerando que, novamente, quem pagaria a obra seriam os próprios pernam-bucanos, sem nenhuma ajuda do governo: para a obra foi criado um imposto extraordinário de quatro vinténs (cerca de cinco Euros de hoje) aplicado sobre as caixas de açúcar de 500 kg exportadas.32

31 CARTA que se escreveu ao Governador de

Pernambuco Bernardo de Miranda Henriques. Alexandre de Sousa Freire, Salvador, 28 de abril de 1669. IN: DOCUMENTOS HISTÓRICOS. 1663-1685,

Documentos Históricos. 1663-168. Vol. IX da série e VII dos docs. da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Augusto Porto & C., 1929. p. 333

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Essa forma de agir, que mantinha os procedi-mentos implantados desde o início da coloni-zação era uma que dava às populações locais uma grande autonomia. É verdade que foram iniciados procedimentos visando aumentar o controle administrativo sobre assuntos militares, mas foram ações que podem ser consideradas parciais e pouco eficientes: as capitanias prin-cipais, que tinham tido um papel na luta contra os estrangeiros, receberam a incumbência de apoiar as outras. Assim, a região Amazônica ficou a cargo do Pará, o Nordeste Brasileiro, ao norte do Rio São Francisco, era a zona de defesa de Pernambuco, a Bahia cuidava de duas outras capitanias e o Rio de Janeiro de toda a região ao sul do Brasil.

A medida de subordinação de algumas capi-tanias a outras pode parecer uma proposta de coordenação de defesa, mas não era bem assim. A autonomia local era muito grande e mesmo nas capitanias controladas pelo governo a situação não era muito melhor. Em 1767, tendo passado quatro anos da criação do vice-reinado do Brasil e sua instalação a cidade do Rio de Janeiro, foram enviados vários oficiais para atualizar as tropas e defesas locais, com base nas reformas do marquês de Pombal e do conde de Lippe. O general Böhm, enviado por Portugal para assumir o comando das forças coloniais, fez uma avaliação das defesas do Rio de Janeiro.

Esta mostrava um dos problemas da autonomia local, mesmo na capitania mais importante do Brasil e onde os rendimentos do ouro das Minas Gerais eram coletados: Gastei o tempo que me

restava para fazer uma visita aos fortes e forta-lezas nesta cidade e na baía, mas seu número é excessivo, quase como que cada governador teve vontades diferentes das de Seus Antecessores, deixando pela metade os trabalhos que cada um começou, para construir outros, de acordo com os planos de defesa, que ele mesmo tinha feito; um terceiro fez outro tanto e desta forma as fortificações (a maior parte das quais foi feita por oficiais talvez zelosos, mas sem grandes conhe-cimentos) se acumularam e o que era necessário foi desprezado33.

Ou seja, ainda que tivesse se passado um longo tempo desde a criação da colônia continuava a não haver uma organização e uma direção política capaz de coordenar a defesa territorial – pior, como os gastos eram pagos pelas câmaras municipais, essas relutavam em fazer gastos em capitanias distantes, gerando constantes recla-mações das áreas periféricas e mais pobres que, por si, não tinham como arcar com as despesas 33 CARTA de João Henrique Böhm ao conde de Oeiras,

julho de 1767, citada em MAGALHÃES, J. B. A defesa do Rio de Janeiro no Século XVIII (estudos e obras de época). IN: Revista Trimestral do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro, vol. 200, 1948. pp. 7-8.

Figura 9 – Forte de São Luís / Image 9 - Fort of São Luís

O grande forte de São Luís (em primeiro plano) foi construído em 1776 unicamente para proteger a fortaleza de Santa Cruz (ao fundo) de um desembarque que pudesse a colocar em perigo, pois era a principal defesa da baía de Guanabara. O acesso ao local onde foi feito São Luís já era defendido por outras duas fortificações e o general Böhm apontava que bastaria um pequeno reduto ali, pois era de acesso muito difícil (CARTA de João Henrique Böhm ao Conde de Azambuja sobre a defesa do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 1768. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n°. 33, 1870. p. 291). No entanto, o vice-rei, marquês do Lavradio, preferiu ignorar a recomendação fazendo grandes investimentos com a obra, que nunca chegou a ser efetivamente guarnecida, um desperdício de recursos. The great fort of São Luís (in the

foreground) was built in 1776 solely to protect the fortress of Santa Cruz (in the background) from a landing that could put it in arms way, since it was the main defense of the Guanabara Bay. The access to the location where São Luís was built was already defended by two other fortifica-tions and General Böhm pointed

out that a small redoubt would suffice there, since accesses were quite difficult (LETTER by João Henrique Böhm to the Count of Azambuja on the defence of Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 25th February 1768. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n°. 33, 1870. p. 291). However, the viceroy, Marquis of Lavradio, preferred to ignore the recommendation by making large investments with the work, which was never properly garrisoned, a waste of resources.

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de defesa. Ainda em 1704, o governador geral escrevia ao Espírito Santo que o capitão heredi-tário “donaheredi-tário é obrigado, a fazer a fortaleza e mais fortificações dessa Capitania, à sua custa para defensa dela”,34 um grave problema para o

Espírito Santo, uma região pobre.

No caso do Espírito Santo e outras no Brasil, uma das soluções encontradas foi que pessoas ricas pagaram pela construção de fortificações com seus próprios recursos, como uma forma de obter o comando dessas. Isso não por patrio-tismo, mas para obterem a patente de oficial, equivalente a um título de fidalguia.35 Esse

proce-dimento, que foi relativamente comum, implicava em obras de baixa qualidade e ineficazes, já que essas pessoas privadas não tinham condições ou interessem em fazer mais do que o mínimo necessário para obter a patente e o título de fidalguia.

A ingerência dos interesses locais podia ir até contra decisões específicas dos representantes do Rei. Um exemplo bem visível disso foram as consequências do saque do Rio de Janeiro pelos franceses em 1711, na conjuntura da Guerra da Sucessão Espanhola. As fortificações da cidade eram típicas das capitanias ricas do Brasil, com um grande número de pequenos fortes, com um principal, a fortaleza de Santa Cruz, fechando a entrada da baía de Guanabara. Em 1710 uma esquadra francesa preferiu não enfrentar as defesas existentes, desembarcando longe e marchando por um mês até chegar à cidade, sendo derrotados pelas milícias locais: não havia defesas permanentes que protegessem a cidade de um ataque por terra.

No ano seguinte, outra esquadra francesa conseguiu forçar a passagem pelo forte da barra e, novamente, as pequenas fortificações isoladas 34 CARTA para o provedor da Fazenda Real da

Capi-tania do Espírito Santo Francisco Monteiro de Morais sobre ficar suspenso o descobrimento das minas daquela capitania em razão das guerras, e que não assista com coisa alguma da Fazenda Real às obras da fortaleza, por pertencer esta despesa ao Donatário. Dom Rodrigo da Costa, Salvador, 24 de outubro de 1704. IN: DOCUMENTOS HISTÓRICOS. 1675-1709.

Correspondência dos Governadores gerais, 1664-1668. Provisões. Vol. XI. Rio de Janeiro: Augusto Porto, 1929.

p. 379.

35 Por exemplo, ver o caso de João de Castro, que

negociou a obtenção de uma série de vantagens: a patente de major, duas comendas da ordem de Cristo, uma pensão para si e para seu filho e um cargo com rendimento mínimo em troca da construção de um forte em Santos. Cf. RELAÇÃO das mercês que pedia João de Castro Oliveira, em recompensa da fortaleza que se oferecia. [Santos, 30 de outubro de 1710]. Mss Arquivo Ultramarino.

da cidade foram incapazes de resistir aos fran-ceses, a cidade sendo tomada e saqueada, os habitantes pagando um imenso resgate aos invasores para que estes não queimassem suas casas. No caso, para evitar a repetição do inci-dente Portugal enviou um engenheiro, o briga-deiro Massé, para reformar as defesas do Rio de Janeiro, Massé projetando diversos fortes e uma muralha para proteger a cidade de um ataque por terra. Esta muralha foi iniciada, paga pela câmara municipal, mas passados poucos anos os próprios habitantes começaram a sabotar o projeto, expandindo a cidade para além dos muros e a própria câmara solicitou o uso das pedras dos muros para suas obras.36

O caso do Rio de Janeiro não é único: em Salvador, a capital do Brasil, foram feitos sete conjuntos de muralhas de terra protegendo a cidade. Entretanto, elas foram sendo sucessi-vamente neutralizadas por construções feitas extramuros, obrigando ao progressivo aumento do circuito protegido – isso apesar da existência de leis proibindo isso,37 só que o cumprimento

36 CAVALCANTI, Nireu Oliveira. O Rio de Janeiro

Seten-centista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da Corte. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 2004. p. 51.

37 Por exemplo: CARTA régia sobre se não edificarem

casas nos lugares que tocam as fortificações, e livros que se entregaram ao Engenheiro. Lisboa 1º de

Feve-Figura 10 – Fortificações do Rio de Janeiro em 1710 / Image 10 - Fortifications of Rio de Janeiro, 1710

O grande número de fortificações de pequeno porte que não se apoiavam mutuamente implicava em dispersão de esforços, sem efetivamente proteger o mais importante, a cidade. Davam, contudo, uma sensação de segurança aos moradores. The great number of small forti-fications that did not support each other involved a dispersion of effort without effectively protecting what was the most important, the town. They did, however, give residents a sense of safety.

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dessas leis contrariava os interesses locais e esses acabaram se sobressaindo sobre as ordens do governo. De fato, só uma cidade na América Portuguesa teve uma muralha permanente, de alvenaria de pedra, a Colônia do Sacramento, no Uruguai. Mas esta tinha uma situação que se assemelhava mais às cidades portuguesas na Ásia, de uma pequena povoação cercada por povoações adversárias, sustentada por recursos do governo central – um caso único na coloni-zação da América Portuguesa.

O resultado dessa forma de agir de Portugal com relação ao Brasil foi a existência de um imenso número de fortificações – foram feitos mais de 1300 fortes, a imensa maioria cons-truída no período colonial. No entanto o número é enganoso, pois isso daria a impressão da exis-tência de um grande número de fortes no País. Não era bem assim, as obras feitas, sendo na maior parte dos casos provisórias e feitas de forma emergencial, quando Portugal enviava um alerta sobre um risco de invasão.38 Dessa forma,

reiro de 1707. IN: Documentos históricos: 1692-1712. Vol. XXXIV. Rio de Janeiro: Tip. Arch. de Hist. Brasileira, 1936. p. 288.

38 Por exemplo, nas guerras da Revolução Francesa

foram feitas várias fortificações por causa da presença de corsários franceses, em função de alertas enviados por Portugal. Ver, por exemplo: OFÍCIO de D. Rodrigo

o trabalho feito nessas ocasiões se perdia nos períodos de paz, tendo que ser refeito quando era enviado um novo alerta e o número de fortifi-cações existentes em um dado momento sendo bem menor do que poderia parecer.

A TENTATIVA DE REFORMA POMBALINA

Em termos militares houve uma significativa mudança em meados do século XVIII: a proposta de garantia do território, por meios diplomá-ticos e discussões sobre a situação do tratado de Tordesilhas, deixou de ser uma ferramenta de proteção da expansão nas Américas. Nesse momento, colonos já estavam minerando ouro no Mato Grosso, muito além da linha demarca-tória com os domínios espanhóis. Além disso, a cartografia castelhana já tinha avançado, a ponto de deixar evidente que os argumentos lusitanos não faziam sentido e estouraram conflitos de fronteira. Dessa forma, começaram a ser cons-truídos fortes nas fronteiras Norte, Oeste e Sul, edificações que delimitaram a extensão atual do Brasil, com obras feitas em condições extremas: do forte de Tabatinga, no extremo Oeste do rio Amazonas, até Belém, na foz do rio, são 2.830 km pelo rio, um pouco menos da distância de Lisboa a Berlim. Na época, uma viagem de semanas, feita em canoas.

O marquês de Pombal tomou outras medidas visando corrigir a situação de excessiva auto-nomia local em termos de defesa. De início, acabou com o sistema de capitanias hereditárias, comprando as últimas ainda em mãos privadas. Emitiram-se ordens para a organização dos Auxi-liares (milícias) em todas as capitanias,39 a

mobili-zação da sociedade sendo imensa: na Amazônia, por exemplo, estudos sobre a atividade militar apontam que cerca de 5% da população estava envolvida em uma das diferentes formas de mobilização para defesa: tropas de linha, milícias

e ordenanças.40 Como esses 5% eram apenas

homens brancos livres em idade militar (18-50

de Sousa Coutinho a D. Fernando José de Portugal, governador da Bahia, recomendando a maior vigi-lância contra provável ataque de franceses e espa-nhóis. Queluz, 2 de novembro de 1798. Mss. Biblioteca Nacional.

39 OFÍCIO do governador e capitão general da

capi-tania de São Paulo, Morgado de Mateus, D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, ao rei D. José I, dando conta do estado em que achou a capitania. São Paulo, 1 de dezembro de 1767. Mss. Arquivo Ultra-marino.

40 NOGUEIRA, Shirley. Razões para Desertar: a

institu-cionalização do Exército no Grão-Pará no último quartel dos setecentos. Belém: UFPA, 2000. Dissertação de

Mestrado (mimeo).

Figura 11 – Fortificações do Brasil em 1829 / Image 10 - Fortifications of Brazil in 1829

Mapa feito com dados colhidos pouco depois da Independência, mostra, basicamente, o sistema de defesa criado no período de dominação portuguesa, inclusive os fortes no Uruguai, a Província Cisplatina. Os números ao lado dos símbolos de fortes indicam o número de fortificações existentes em cada região. Eram 179 no total. Map made with data collected shortly after independence, which basically shows the defence system created during the period of Portuguese rule, including the forts in Uruguay, the CisPlatina Province. The numbers next to the fort symbols indicate the number of fortifications in each region. There were 179 in total.

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anos), percebe-se o imenso envolvimento da população na defesa.

Também foram enviados três regimentos europeus para o Brasil, como uma forma de homogeneizar as práticas das forças locais, para que “todas elas constituam um só, e único exército debaixo das mesmas regras, de da mesma idêntica disciplina, sem diferença

alguma”41 com as forças de Portugal. Uma

medida importante, pois a defesa colonial, ao contrário do que acontecia nas colônias de outros países, antes era um encargo totalmente “brasileiro”, não se enviavam forças portuguesas para o Brasil, o esforço militar, mesmo em termos de tropas, sendo local.

Simbólico de um esforço de criar um programa de defesa estratégico, foi do período Pombalino a construção dos dois maiores e mais aperfei-çoados fortes em termos técnicos do País, os de Macapá e Príncipe da Beira, feitos nas fronteiras Norte e Oeste, em áreas pobres e vazias, onde era necessário o investimento do governo central, pois de outra forma fortificações eficientes não seriam possíveis ali.

A FORMAÇÃO DE UM PATRIMÔNIO CULTURAL

No entanto, essas medidas não tiveram conti-nuidade e depois da paz de 1777 e da queda de Pombal se voltou ao padrão de defesas feitas sem em um programa estratégico maior. O resultado prático foi um grande número de fortificações sido feito no Brasil, estas de qualidade variável e de desenho em geral que pode ser consi-derado como pobre. Esse tipo de obra também foi comum em outros países: em Portugal, as obras feitas na linha das Torres Vedras em 1810 também foram muito numerosas – 154 fortes –, de construção menos permanente e feitas sem uma grande preocupação com desenhos sofisti-cados e complexos.42 No entanto, a maior parte

dos outros países, inclusive as colônias euro-peias nas Américas, tinha também fortificações de maior porte construídas como forma de um projeto estratégico maior. Isso seria o caso das cidades muradas em que o governo obrigava à obediência das leis, mesmo que isso não fosse 41 CARTA de 20 de junho de 1767 enviada pelo Conde

de Oeiras ao Conde da Cunha sobre o desprezo que os ingleses fazem, depois da Guerra dos Sete Anos (1756-63), das forças de todas as outras potências da Europa.

In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,

n° 35, Parte 1, 1872, p. 233.

42 JONES, John T. Memoranda relative to the lines

thrown up to cover Lisbon in 1810. Uckfield: The Naval

& Military Press, s.d. pp. 186.

do agrado das elites locais. As praças fortes de Quebec, Montreal, Louisbourg, Saint Louis e Caiena, na América Francesa e Havana, San Juan, Campeche, Cartagena, Lima e Montevidéu na América Espanhola são bons exemplos disso. Eram as “boas praças em estados medíocres”, mencionadas pelo major Moura, mas algo que não foi feito no Brasil. Mesmo assim a política portuguesa foi extremamente eficiente em garantir a posse de um território de dimensões continentais, uma situação que aparentemente desafia a lógica, considerando as várias tenta-tivas de ocupação estrangeira do Brasil, mas que é representação da realidade.

Hoje em dia ainda restam 134 fortificações no Brasil, em vários estados de conservação. São efetivamente marcos da formação do país, marcando suas fronteiras. São o resultado da ação de Portugal e, mais especificamente, de um processo de formação nacional bem espe-cífico, estando associadas à contatos entre diferentes civilizações e ações militares contra forças armadas estrangeiras e piratas. Estas ações bélicas, afastadas no tempo, são vistas como românticas e parte de um passado idea-lizado, que é um dos componentes da identidade nacional. Por isso 68 fortificações são protegidas como monumentos nacionais.

Considerando a relevância e unicidade desse sistema, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, o órgão brasileiro encarregado pela preservação do Patrimônio Cultural no Brasil, decidiu acrescentar à sua lista indicativa para a lista do patrimônio mundial da UNESCO o conjunto de fortificações brasileiras. Este conjunto de obras não foi selecionado por sua imponência, aspecto técnico avançado ou apuro construtivo, mas sim por sua diversidade, para exemplificar um tipo de ocupação do terri-tório com características únicas, que gerou o quinto maior país do mundo.

*ADLER HOMERO FONSECA DE CASTRO, graduado, mestre e doutorando em história. Trabalha há 35 anos com pesquisas relativas à preservação do patrimônio cultural, especialmente no que tange à cultura material ligada às forças armadas: artilharia, armas portáteis e fortificações. Agraciado com as medalhas do Pacifi-cador e do Mérito Militar, grau de cavaleiro. Pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), sócio emérito do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB), pesquisador do Centro de Pesquisas e Historia Militar do Exército (CEPHiMEx) e da Fundação Cultural Exército Brasileiro (FUNCEB). Escreveu cinco livros sobre história das fortificações brasileiras e é autor de vários artigos sobre assuntos ligados à história militar e à preservação do patrimônio cultural.

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