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Habermas, J. (2004). O futuro da natureza humana: A caminho de uma eugenia liberal?

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(1)Encontro Revista de Psicologia Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007. RESENHA: HABERMAS, J. (2004). O FUTURO DA NATUREZA HUMANA: A CAMINHO DE UMA EUGENIA LIBERAL? (K. JANNINI & E. A. SOUZA, TRADS.). SÃO PAULO: MARTINS FONTES. REVIEW. Aluísio Ferreira de Lima Universidade Federal do Ceará - UFC aluisiolima@ufc.br. RESUMO. Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP. 13.278-181 rc.ipade@unianhanguera.edu.br Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Resenha Recebido em: 17/06/2007 Avaliado em: 23/06/2007 Publicação: 27 de outubro de 2008 275.

(2) 276. Resenha: Habermas, J. (2004). O futuro da natureza humana: A caminho de uma eugenia liberal?. Esta resenha refere-se a tradução para o português feita por Karina Jannini e revisada por Eurídes Avance de Souza, da obra alemã: Die Zukunft Der Menschlichen Natur: Auf Dem Weg Einer Liberalen Eugenik?(2001), escrita por Jürgen Habermas. Publicado pela editora Martins Fontes em 2004, com o título O futuro da natureza humana, o livro aborda, a partir da perspectiva filosófica/epistemológica, as implicações da técnica genética na liberdade humana. Sendo um trabalho imprescindível para profissionais, pesquisadores e estudantes que hoje presenciam debates cada vez mais acirrados entre a comunidade, a igreja e a ciência frente aos avanços dos estudos com células-tronco e demais práticas de alteração genética. Se uma resenha do livro em si nos parece importante para as Psicologias, a apresentação prévia de seu autor torna-se fundamental, uma vez que ele ainda é pouco conhecido nesse campo de conhecimento, ao contrário do que ocorre no Direito, Sociologia, Filosofia, História e outras. Claro que realizar um itinerário preciso que pudesse localizar todas as contribuições desse teórico para as ciências humanas seria impossível e quebraria o sentido que a resenha teria, que é o de discorrer sobre o conteúdo do livro em questão, entretanto, de forma esquemática, podemos apresentar o perfil de Jürgen Habermas e indicar os caminhos que o levaram a escrever o texto que apresentaremos em seguida. Diferente de seus professores, que viveram o auge do nazismo, Jürgen Habermas nasceu em Dürsseldorf, em 18 de junho de 1929, tendo vivenciado sua carreira acadêmica entre as Universidades de Zurique, Göttingen e Bonn, estudando as áreas de História, Filosofia, Psicologia, Economia e Literatura Alemã. Doutorou-se na Universidade de Bonn no ano de 1954, passando a colaborar com vários jornais e revistas. Foi assistente de Theodor Adorno no período de 1956-1959, no Instituto de Pesquisa Social. Em 1961 muda-se para Marburgo onde elabora e defende sua tese de livredocência: Mudança estrutural da esfera pública, sob a orientação de Wolfgang Abendroth, publicando-a em 1962 (esta tese foi traduzida e publicada pela editora Tempo Brasileiro, estando atualmente na segunda edição – 2003). Essa mudança de orientação se deve ao fato de Habermas apresentar algumas idéias que não eram partilhadas pelos representantes frankfurtianos. Assume a partir de então atividades acadêmicas, primeiro como professor de Filosofia na Universidade de Heidelberg nos anos de 1961 e 1964, posteriormente como professor de Sociologia e Filosofia na Universidade de Frankfurt, sendo sucessor da. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 • p. 275-281.

(3) Aluísio Ferreira de Lima. cadeira de Horkheimer. Leciona nesta Universidade até 1971, período em que vai para os Estados Unidos como professor visitante na Universidade de Princeton; um curto período pois interrompe suas atividades acadêmicas e assume o Instituto Max Plank, em Starnberg. Em 1975, é convidado a retornar a suas atividades acadêmicas na Alemanha, após receber o título de Professor Honorário da Universidade de Frankfurt, mas só retorna a esta universidade em 1982, quando renuncia ao cargo de diretor do Instituto Max Plank. Recebeu diversos prêmios pelo reconhecimento de seu trabalho como, por exemplo, o Prêmio Hegel, recebido na cidade de Stuttgart em 1974; o Prêmio Adorno, na cidade de Frankfurt em 1985; o Prêmio Sigmund Freud, agraciado pela Academia para Linguagem e Poesia da cidade de Darmstadt em 1976, entre outros. Habermas se aposentou das funções de professor e diretor da Faculdade de Filosofia da Universidade Wolfgang Goethe, em Frankfurt, em 1994, porém, ao longo desses anos mantém constante produção, fato que pode ser observado pela extensão e atualidade de sua obra, tornando-o um autor instigante e ao mesmo tempo complexo, dada a diversidade de temas que aborda, como é o caso d’O futuro da natureza humana. Cada livro desse autor aparece carregado de expectativas referentes a análise sistemática, ampla e com profusas intuições. O futuro da Natureza Humana. A caminho de uma eugenia liberal? não nos parece uma exceção. Neste trabalho o autor apresenta elementos que possibilitam uma leitura criativa e identificação das tendências normativas. O tema biotecnologia parece preocupar muito esse autor de origem alemã, discípulo direto da Escola de Frankfurt, sendo foco de dois trabalhos anteriores: Progresso técnico e mundo social da vida (2001b) e Escravidão genética? Fronteiras morais dos progressos da medicina de reprodução (2001a), em particular no que se refere a um movimento que toca as feridas da Alemanha: a possibilidade das políticas eugênicas. Diferentemente de seus antecessores frankfurtianos, Habermas acredita que, pelo menos por enquanto, existe uma impossibilidade de uma eugenia “autoritária” que estaria próxima do terrível passado nazista. Entretanto, demonstra claramente seu “ceticismo não derrotista” no que se refere às tendências naturalistas e darwinistas que atualmente tentam guiar essas práticas, sobretudo na atual esfera neoliberal. Mostra-se muito esclarecido ao tratar da dificuldade de se definir uma fronteira entre aquilo que poderia ser denominada terapia e aquilo que deveria ser denominada eugenia. Da mesma forma, mostra-se muito ciente da possibilidade de uma mudança evolutiva impulsionada por essas práticas, que “levariam” a uma metamorfose. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 • p. 275-281. 277.

(4) 278. Resenha: Habermas, J. (2004). O futuro da natureza humana: A caminho de uma eugenia liberal?. da vida humana, o que não é, por sua vez, algo inevitável. Partindo dessa tese, convoca-nos à uma postura crítica frente às práticas genéticas, propondo que não deixemos o futuro da natureza humana nas mão apenas dos especialistas. Nós é que devemos propor barreiras normativas à intervenção da Ciência na vida humana, na herança genética e na pesquisa com embriões, em outras palavras, não devemos permitir que a racionalidade sistêmica, burocrática, intervenha no mundo da vida e no destino dos indivíduos. Essa forma de pensamento se opõe certamente à utilitária e arbitrária definição subjetiva voltada a fins e meios, na qual a razão interesseira vê o mercado como depositário das decisões individuais. O que Habermas defende segue os pressupostos de sua Teoria da ação comunicativa (1987), embora, os conceitos desse trabalho não apareçam diretamente no livro. Inicia sua argumentação com uma frase do romance Stiller, de Max Frisch: “O que o homem faz com o tempo de sua vida?” E com ela discute a impossibilidade da Filosofia, e poderíamos dizer de qualquer conhecimento, propor uma idéia única de vida boa, dada a sociedade pluralista em que vivemos. Pois se em um determinado momento de nossa história as doutrinas da boa vida e de sociedade justa, como a ética e a política, eram ainda doutrinas com uma base única, que formavam um todo, com a secularização, pluralismo ideológico e crescente incentivo à individualização, a vida boa seria um critério que cada um deveria desenvolver, “iniciar com o tempo de suas vidas.” (p.05) Por outro lado, Habermas também nos mostra que com esse pluralismo, responsável por aumentar as possibilidades de escolha, herdamos uma ética filosófica enfraquecida na orientação de sentido. A problemática maior na opinião desse autor é que com isso abre-se o campo para as psicoterapias, que passariam a encarregar-se da tarefa de orientar a vida. Resgata então o núcleo filosófico da psicanálise de Alexander Mistscherich, para mostrar que a doença psíquica começa a ser vista como uma lesão no modus vivendi humano. As terapias que muitas vezes surgem para adequar os indivíduos à ordem social estabelecida deveriam proporcionar um aumento de autonomia frente a dominação. E mais do que propor diagnósticos e nomes para patologias, deveria transformar àquilo que denominam doença em sofrimento, que elevasse o autoconhecimento e aumentasse a liberdade. Ao fazer essa articulação relembra a ética de ser si-mesmo de Kierkegaard, entendida como o momento em que o indivíduo “apropria-se do seu passado histórico, efetivamente encontrado e concretamente rememorado, tendo em vista as possibili-. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 • p. 275-281.

(5) Aluísio Ferreira de Lima. dades de ações futuras” (2004, p.10), e que possibilita imaginar o indivíduo como pessoa insubstituível, inconfundível. Com essa argumentação construída passa a apresentar os nós presentes na proposta de manipulação genética. A questão que direciona ao diálogo estabelecido entre o autor e o leitor é: como seria dada essa apropriação histórica por parte dos indivíduos sujeitos às intervenções técnicas? A legitimidade dessa essa indagação aparece principalmente no segundo ensaio do livro e pode ser visto de forma vigorosa principalmente nesta passagem: Por essa razão, para mim, junto com a instrumentalização da vida pré-pessoal está em jogo uma autocompreensão ética da espécie, que determina se ainda podemos continuar a nos compreender como seres que agem e julgam de forma moral. Quando nos faltam razões morais que nos forcem a determinada atitude, temos de nos ater aos indicadores éticos da espécie. (2004, p.98). O desenvolvimento da problemática envolvendo a intervenção genética é levada ao nível político, presente nos discursos dos partidários do “Pro Life” e “Pro Choice”, que dirigem sua atenção para o humano que ainda não nasceu. Os primeiros concebendo a vida humana como iniciada após o nascimento, sendo o embrião no estágio prematuro de desenvolvimento apenas “um ‘amontoado de células” (2004, p.44), os segundos, por sua vez, defendendo a essência humana, cuja a fertilização do óvulo humano é entendida como “início relevante de um processo de desenvolvimento já individualizado e controlado por si próprio.” (: 44) Habermas utiliza do debate entre os dois partidos para problematizar a concepção de vida e demonstra algumas das implicações decorrentes na maneira como me relaciono com o outro a partir disso. Ele afirma que faz muita diferença compreender “a configuração genética como resultado de um processo casual da natureza, ou como parte de um plano secreto, ou, religiosamente, como graça, ou como determinação divina” (2001a: 218) Seus argumentos ganham ainda mais força quando recorre a filosofia e interroga o próprio significado da natureza humana e pergunta: O que nos faz humanos? Como devemos proteger essa autocompreensão? Longe de querer dar uma resposta normativa e acabada, propõe uma distinção preliminar entre a “dignidade humana” e a “dignidade da vida humana”, defendendo que a dignidade da vida humana está na capacidade de escolher quem desejamos ser. Com isso as teses inicialmente levantadas pelo autor são ampliadas e direcionadas para os limites éticos dos cientistas e médicos, principalmente no que se refere aos propósitos terapêuticos.. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 • p. 275-281. 279.

(6) 280. Resenha: Habermas, J. (2004). O futuro da natureza humana: A caminho de uma eugenia liberal?. Habermas lembra que como cientistas costumamos assumir o compromisso de consenso e o consentimento da pessoa sujeita a intervenções, sendo assim, corremos o perigo de cair na pressuposição que a pessoa submetida a “melhoria” genética faria a escolha “correta”. O problema maior, segundo Habermas, seria os perigos das práticas caírem nos ditames do mercado, em que o uso técnico do corpo implicaria em transformar as pessoas em “máquinas” projetadas para o alto rendimento. O problema das gerações, as relações entre pais e filhos, ocupa lugar no livro. O problema das gerações foi foco de estudo de diversas linhas psicológicas, sobretudo da Psicanálise, que demonstra a tendência dos pais projetarem em seus filhos suas frustrações e desejos; transformando-os muitas vezes naquilo que não conseguiram ser, um lugar no qual muitos indivíduos jamais conseguem sair. A superação da dominação paterna estaria no fato dos indivíduos poderem “se libertar da assimetria das decisões dos pais retrospectivamente, mediante uma renovação crítica da gênese de processos de socialização restritivos, mesmos quando esses levam a fixações neuróticas” (2004, p.85-86, grifos do autor) - possibilidade humana que se relaciona diretamente com o fato de somente o indivíduo poder escolher “qual o tempo de sua vida”, visto que sua programação natural segue a um jogo do acaso. Esse exemplo é utilizado por Habermas para reforçar que com a intervenção genética, essa lógica torna-se comprometida, uma vez que essa intervenção impede o indivíduo desse processo de revisão. O adulto ficaria preso à intenção de uma terceira pessoa, o que limitaria sua autonomia. A partir da prática eugênica as pessoas cairiam no risco de serem “fabricadas” ao invés de “geradas”. A guisa de conclusão, podemos dizer que nesse trabalho Habermas abre espaço para pensarmos que é chegada a hora de discutirmos novos parâmetros para a vida humana, porém, parâmetros que abram para a criação, para as possibilidades de emancipação, e que neguem qualquer forma de “padronização” humana, principalmente àquelas que transformarem a própria noção de humanidade. Nos parece que O futuro da natureza humana permanecerá relevante mesmo quando chegarmos a desenvolver uma visão clara de onde a biotecnologia nos levou. No que se refere a sua importância para as psicologias, podemos dizer que se a resenha não tiver demonstrado por si mesma e provocado ao mergulho no texto completo, indicamos que o mesmo é uma oportunidade ímpar para pensar e repensar nossas práticas, sobretudo a clínica, e o nosso lugar como agentes de mediação de sentido ou fabricação de indivíduos. Nesse último caso, lembramos que não seria necessário uma euge-. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 • p. 275-281.

(7) Aluísio Ferreira de Lima. nia fascista, mas sim, a simples pactuação do psicólogo com a administração da realidade. Enfim, essa discussão terá que ficar para outro texto. Vale reforçar que o ensaio habermasiano nos ajuda a refletir acerca do nosso projeto ético-político e de que lado do tabuleiro de xadrez escolhemos jogar.. REFERÊNCIAS HABERMAS, J. (1987). Teoria de la acción comunicativa: Racionalidad de la acción y racionalización social. Madrid: Taurus. Tomo I, 1987. ____________. (2001a). Escravidão genética? Fronteiras morais dos progressos da medicina da reprodução. In, HABERMAS, J. A constelação pós-nacional: Ensaios políticos. Portugal: Littera Mundi. ____________. (2001b) Progresso Técnico e mundo social da vida. In, HABERMAS, J. Técnica e ciência como “ideologia”. Lisboa: Edições 70. ____________. (2003). Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 2ª edição. ____________. (2004). O futuro da natureza humana: A caminho de uma eugenia liberal? São Paulo: Martin Fontes. Aluísio Ferreira de Lima Professor da Universidade Federal do Ceará – UFC / Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP. Doutorando e Mestre em Psicologia Social pela PUCSP. Especialista em Saúde Mental pela USP. Membro do Núcleo de Pesquisa da Identidade e Metamorfose – NEPIM/PUCSP.. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 • p. 275-281. 281.

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