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Percepção de adolescentes masculinos de baixa renda sobre sexualidade

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Percepção de adolescentes masculinos de baixa renda sobre

sexualidade

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Morvan de Mello Moreira ♣ Fátima Juarez ♠

Nos últimos anos tem sido realizado um intenso esforço, tanto por parte de políticas públicas como por meio de ações de organizações da sociedade civil, para se garantir a cidadania jovem, em especial no que concerne aos seus direitos sexuais e reprodutivos e modificar o comportamento dos adolescentes e jovens sexualmente ativos, incentivando-os à prática do sexo seguro e ao uso do condom como estratégias essenciais de combate à disseminação da aids e das outras doenças sexualmente transmissíveis, assim como de redução da fecundidade adolescente.

Desse prolongado e continuado esforço um sucesso teria sido observado: após um crescendo desde os anos 70, a fecundidade da população de 15 a 19 anos apresenta redução de sua taxa específica, de 91 nascimentos por mil mulheres, em 2000, para 79 nascimentos por mil mulheres, em 2004, retornado, assim, aos níveis de fecundidade dos anos 80 (80 nascimentos por mil mulheres de 15 a 19 anos).1

Por outro lado, apesar do Brasil ser referência mundial no controle e prevenção da aids, não houve, ainda, ganhos significativos no combate à doença, tendo sido observado aumento, em termos absolutos e relativos, da transmissão heterossexual do HIV, ampliação da incidência da aids entre as mulheres, com estabilização entre os homens e manutenção da taxa de mortalidade por aids, acompanhada por aumento na taxa de mortalidade feminina.2

Sub-registro e eventual subnotificação de doenças sexualmente transmissíveis não permitem avaliar o impacto de tais esforços sobre o contingenciamento das mesmas, mas reconhece-se que é muito elevado o número de casos no Brasil e que entre 10 e 12 milhões de casos novos ocorrem anualmente.3

A mudança de comportamento de adolescentes e jovens em direção ao sexo seguro deve ser contabilizado como um dos principais alavancadores dos eventuais sucessos obtidos, em particular no que respeita à redução dos níveis de fecundidade. O alto percentual de usuários de preservativo, tanto na última relação sexual, em particular quando se trata de parceiro eventual, quanto o uso regular do mesmo, é mais elevado entre os adolescentes e jovens de 15 a 24 anos do que em qualquer outro grupo etário.4 Este elevado percentual de adolescentes e jovens atualmente

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Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú- MG – Brasil, de 18 a 22 de setembro de 2006

Gerente de Cooperação do Projeto Rondon – Secretaria de Estudos e de Cooperação/Ministério da Defesa; Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco; Professor da Universidade Federal de Pernambuco.

Centro de Estúdios Demográficos y Urbanos – El Colegio de México 1 IBGE. Censo Demográfico de 1980 e PNAD 2004.

2 Boletim Epidemiológico-Aids; v.18, n.1, jan./jun. 2004.

3 Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Plano estratégico:

programa nacional de DST e Aids - 2005. Brasília: 2005.

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utilizando preservativo contrasta com as evidências de menos de uma década atrás, quando a pesquisa de 1996 apontava muito modestas frações de uso. 5

Este trabalho insere-se dentro da preocupação de se identificar facetas dos mecanismos que contribuem para a prática do sexo seguro por adolescentes e jovens de baixa renda. Seu objetivo central é explorar a possibilidade de se criar indicadores que auxiliem o esforço de conscientização do adolescente de baixa renda sobre as questões de saúde sexual e reprodutiva e as relações de gênero, a partir de percepções dos adolescentes sobre sexualidade. Os dados provêm de uma pesquisa-intervenção em uma comunidade de baixa renda da Cidade do Recife – Chão de Estrelas - na qual adolescentes do sexo masculino, de 13 a 19 anos de idade, participaram de um programa de conscientização e uso de preservativos.

O Programa de Intervenção-Pesquisa

O programa de intervenção-pesquisa foi realizado na comunidade de Chão de Estrelas, encravada no bairro da Campina do Barreto, em Recife, com o intuito de identificar subsídios para a elaboração de políticas orientadas para a prática do sexo seguro por meio do uso do condom entre adolescentes masculinos em situação de vulnerabilidade social.

A intervenção-pesquisa foi realizada em três etapas: baseline, intervenção, propriamente dita, e avaliação. Na primeira etapa – baseline – foi entrevistado o universo de jovens residentes em Chão de Estrelas, no total de 1038 adolescentes entre 13 e 19 anos de idade, e outros 400 jovens de mesmas idades em uma área-controle, similar à de Chão de Estrelas, mas não afetada pela intervenção.

O trabalho de campo durante o baseline envolveu pesquisa quantitativa através de um questionário estruturado, acompanhado por algumas entrevistas em profundidade e complementada por informações qualitativas derivadas de três grupos focais que permitiram refinar o questionário e identificar informações contextuais sobre o conhecimento e comportamento dos adolescentes quanto à sexualidade e à saúde reprodutiva.

A intervenção ocorreu durante de 15 meses tendo sido realizadas palestras, shows, festas, concursos de grafitagem, gincanas, peças teatrais, como forma de sensibilização dos adolescentes e jovens da comunidade, ocasiões nas quais foram disseminadas informações sobre o uso de preservativos, acompanhadas pela distribuição gratuita dos preservativos. A estratégia central de disseminação de conhecimentos e de estímulo ao uso do condom, por outro lado, se deu por meio dos treinamentos participativos em saúde sexual e reprodutiva conduzidos por adolescentes da própria comunidade – os promotores – especialmente treinados para tal e orientados por uma equipe supervisora de profissionais qualificados.

Na fase de avaliação do projeto foram reinquiridos todos os adolescentes entrevistados no baseline, complementado tal levantamento quantitativo por entrevistas em profundidade dos adolescentes de ambas as áreas.

5 Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil – BEMFAM. Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde – 1996.

Rio de Janeiro, 1997; _________. Adolescentes, jovens e a Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde; um estudo sobre fecundidade, comportamento sexual e saúde reprodutiva. Rio de Janeiro, 1999.

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Contexto

A comunidade de Chão de Estrelas é uma das muitas comunidades recifenses nascidas dos processos de relocação de moradores pobres em razão da expansão urbana do complexo Recife-Olinda. Ainda que habitada por trabalhadores com baixos níveis de escolaridade, dedicados às atividades de modesta qualificação e, portanto, de baixos níveis de renda, Chão de Estrelas é reconhecida como importante pólo de organização comunitária, pela combatividade de seus moradores na construção de melhores condições de vida, pelas suas manifestações culturais e trabalhos junto a adolescentes carentes.

As entrevistas em profundidade e os grupos focais, ao lado dos contatos com o cotidiano da comunidade e a convivência com os adolescentes do sexo masculino, mostram tratar-se Chão de Estrelas de um espaço social no qual, hegemonicamente, os adolescentes são socializados em um cenário cultural marcado pelo machismo, com uma arraigada presença de um duplo padrão quanto à sexualidade, que sanciona e estimula a atividade sexual masculina pré-matrimonial e que veda e estigmatiza as mulheres que têm relações sexuais fora do casamento. As interações entre os adolescentes masculinos e femininos são de natureza a confirmar este padrão normativo, mas outras instâncias sociais como a escola, organizações da sociedade civil, movimentos culturais, ONGs e esforços como a da pesquisa-intervenção, direcionam-se no sentido último de não se permitir que tal cenário cultural seja recriado e sobreviva. As mudanças das relações de gênero, no sentido da igualdade, no âmbito da sexualidade, decorrem das mudanças das relações intersubjetivas dos adolescentes de ambos sexos, por meio da crescente consciência dos adolescentes masculinos da igualdade sexual, adquirida pelo mais amplo conhecimento dos direitos iguais de homens e mulheres sobre a saúde sexual e reprodutiva.

A crescente independência e auto-suficiência feminina, resultante de transformações que extrapolam a micro-sociedade de Chão de Estrelas, contribuem para a redefinição das relações de gênero no âmbito da comunidade e minam a cultura machista que, continuamente é dilapidada como norma hegemônica.

Outras transformações advindas de uma postura das mães, se não feminista, mas muito próxima dela, nascida da consciência feminina da sobrecarga representada pela fecundidade adolescente de seus filhos e filhas, freia a “não-responsabilidade” dos adolescentes masculinos quanto à fecundidade não desejada de suas parceiras. A desautorização das mães, quanto a assumirem as conseqüências dos nascimentos anteriores aos seus filhos e filhas terem condições de constituir um domicílio independente, induz um maior comprometimento dos jovens junto às moças na prevenção da gravidez. Esta é, talvez, a principal razão do compartilhamento do controle da reprodução por meio do uso do preservativo pelos adolescentes e jovens do sexo masculino, principalmente quando de parceiras eventuais. Isto, porque, não faz parte das percepções dos jovens que a namorada poderia ter antecedentes sexuais ou seria portadora de doenças sexualmente transmissíveis previamente adquiridas e, portanto, com elas, o uso do condom só ocorreria para evitar a gravidez. Com as parceiras eventuais não só para evitar a gravidez como para prevenir-se contra as DSTs e o HIV.

DST, HIV e aids constituem, ainda, uma consciência difusa de riscos sexuais que demandariam o uso de preservativo. Este só é usado, por esta razão, em situações em que a parceira é reconhecidamente de risco, desconhecida ou trabalhadora do sexo e na eventualidade de relações homossexuais.

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Relações homossexuais, se ocorrem na comunidade, acontecem de forma extremamente velada, porquanto a prática homossexual é muito pouco tolerada e intransigente a repressão à manifestação por esta opção sexual. A intolerância para com a homossexualidade muitas vezes implica, para o seu pleno exercício, não só no apartamento dos jovens de seu grupo prévio, mas, também, em seu distanciamento geográfico. Uma relativa abertura para a correta percepção das relações de gênero traz consigo uma fresta para a aceitação de que a opção sexual é uma escolha individual e afirmação da liberdade em ser diferente6.

Metodologia e Dados

Neste trabalho é realizada uma análise exploratória dos dados relativos a alguns aspectos da sexualidade dos adolescentes masculinos de baixa renda de Chão de Estrelas, em particular aqueles associados ao discurso hegemônico na comunidade quanto à da tolerância do monopólio masculino nas relações pré-maritais. Distribuições de freqüências permitem traçar um esboço classificatório dos adolescentes da comunidade e tabulações cruzadas selecionadas auxiliam na identificação de traços marcantes de algumas diferenças existentes entre os mesmos.

A variável central selecionada, que permite identificar o padrão de comportamento sexual quanto às relações pré-matrimoniais, é fruto da posição dos adolescentes sobre a afirmação: “é aceitável que o sexo seja praticado antes do casamento”, tendo como alternativas de resposta:verdadeiro, falso, não sabe. A combinação desta característica com a derivada do posicionamento do adolescente sobre “sexo só deve ser feito quando existe amor”, afirmação com a qual o entrevistado pode concordar plenamente, concordar, não concordar/nem discordar, discordar e discordar completamente, permite construir um padrão de sexualidade pré-marital baseado no envolvimento afetivo (e sua intensidade) preexistente ao estabelecimento da relação sexual.

Os dados referem-se ao universo de 1438 adolescentes moradores da Comunidade de Chão de Estrelas (área de intervenção) e dos Bultrins (área-controle), não se tendo feito nenhuma discriminação dos mesmos, porquanto, até o início da intervenção, tratava-se de populações de feições similares. Neste trabalho este conjunto pesquisado é referido apenas por Chão de Estrelas.

Nas tabulações cruzadas a estatística do χ2

foi o elemento determinante para a seleção das características apresentadas. O pacote utilizado no processamento das informações foi o SPSS versão 10.

Resultados

Na Tabela 1 são apresentados alguns valores e percepções dos adolescentes sobre questões associadas à construção da sexualidade e, subsidiariamente, às relações de gênero.

Os dados revelam um discurso politicamente correto pela grande maioria dos entrevistados, a indicar mudanças intergeracionais significativas no que tange aos valores que guiam gerações de pais e filhos quanto à sexualidade. Assim, em que pese provirem de arranjos familiares e viverem em um contexto em que os homens são socializados em acordo com valores machista, as novas gerações já incorporam novos padrões de saber, pensar e agir nos quais a hegemonia masculina é contestável e a igualdade de gênero uma possibilidade.

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Mesmo que haja indícios positivos de novas gerações, guiadas por valores diferentes das de seus pais regendo as relações entre homens e mulheres da comunidade, e, ademais, descontando-se o imperativo de se mostrar politicamente correto frente a um desconhecido, há, ainda, uma fração significativa de entrevistados compartilhando, abertamente, valores e condutas desejáveis de serem mudados ou que, quando das respostas simples, aparentemente, mostram-se conscientes, mas, quando da conjugação das respostas, revelam a primazia destes valores antiquados.

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Tabela 1 Chão de Estrelas

Valores e percepções dos adolescentes do sexo masculino sobre temas associados à sexualidade

Discriminação N % Discriminação N %

Sexo deve ser agradável Sexo só deve ser feito quando existe amor

Concorda 1293 89,9 Concorda 1009 70,2

Não conc./nem disc. 70 4,9 Não conc./nem disc. 139 9,7

Discorda 65 4,5 Discorda 280 19,5

Total 1428 99,3 Total 1428 99,3

Não Respondeu 10 0,7 Não Respondeu 10 0,7

Sexo é uma necessidade biológica É responsabilidade do rapaz garantir que a garota não engravide

Concorda 980 68,2

Não conc./nem disc. 157 10,9 Não 379 26,4

Discorda 289 20,1 Sim 1052 73,2

Total 1426 99,2 Total 1431 99,5

Não Respondeu 12 0,8 Não Respondeu 7 0,5

É correto uma garota solteira trazer consigo camisinha e pedir ao parceiro para usá-la

È correto o rapaz usar a camisinha mesmo quando a garota não pede a ele para usar

Não 253 17,6 Não 165 11,5

Sim 1179 82,0 Sim 1265 88,0

Total 1432 99,6 Total 1430 99,4

Não Respondeu 6 0,4 Não Respondeu 8 0,6

Rapazes têm mais necessidade de sexo do que as garotas

É aceitável que o sexo seja praticado antes do casamento

Sim 954 66,3 Sim 999 69,5

Não 477 33,2 Não 433 30,1

Total 1431 99,5 Total 1432 99,6

Não Respondeu 7 0,5 Não Respondeu 6 0,4

Tem amigo com quem conversar sobre questões pessoais e confidenciais, inclusive sexo

Tem amiga com quem conversar sobre questões pessoais e confidenciais, inclusive sexo

Não 581 40,4 Não 960 66,8

Sim 853 59,3 Sim 474 33,0

Total 1434 99,7 Total 1434 99,7

Não Respondeu 4 0,3 Não Respondeu 4 0,3

Tem muita facilidade em conversar com o pai sobre questões pessoais e confidenciais

Tem muita facilidade em conversar com a mãe sobre questões pessoais e confidenciais

Não 1183 82,3 Não 1190 82,8

Sim 253 17,6 Sim 248 17,2

Total 1436 99,9 Total 1438 100,0

Não Respondeu 2 0,1 Não Respondeu --- ---

Total 1438 100,0 Total 1438 100,0

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A partir das informações apresentadas na Tabela 1 é possível traçar um perfil de adolescentes que associam à sexualidade aspectos positivos e que são movidos por valores positivos na construção de relações sexuais saudáveis, prazerosas e igualitárias.

Como pano de fundo, considere-se que pais e mães não se afiguram como pessoas com as quais os adolescentes sentem facilidade em conversar sobre questões pessoais e confidenciais. São os iguais, em especial as moças que são apontadas como parceiras com as quais tal intimidade é possível, em percentual mais elevado do que os próprios amigos. Esta interação, em si mesmo, já constituiria um elemento de aproximação dos sexos e contributivo para relações mais igualitárias.

Frações substantivas dos inquiridos não se escondem atrás do sexo como necessidade biológica para advogar uma eventual primazia sexual; vêem na relação sexual uma ocasião de prazer e consideram que a relação deve acontecer quando existe amor. Há, entretanto que se imaginar o que estariam respondendo tais adolescentes quando contestam a afirmação que lhes é apresentada de que “sexo só deve ser feito quando existe amor” e se lhes pede que concordem ou discordem do afirmado. Que interpretação terá dado cada respondente ao conceito de amor: afeto, empatia, carinho, atração, interesse, desejo, simpatia? Mesmo considerando-se amor como uma relação que constrói uma solidariedade afetiva mútua e que ultrapassa o momento, 1 em cada 5 respondentes discorda da afirmação, separando, de forma cabal a relação sexual da relação afetiva, qualquer que seja a interpretação que possa dar a esse sentimento.

De uma forma semelhante, é ainda muito elevado o percentual dos que concordam que os rapazes precisam de sexo mais do que as moças. Isso apesar de ser majoritária a compreensão de que cabe ao rapaz garantir que a garota não engravide como fruto da relação; de o mesmo usar preservativo mesmo quando a parceira não o solicita; da liberalidade quanto à moça portar camisinha e pedir que seja usada.

Em síntese, as características individuais dos adolescentes de Chão de Estrelas configuram um perfil de um adolescente que já incorpora valores distantes daqueles enraizados na cultura machista e que se pautaria por atitudes e comportamentos que o colocaria na condição de pessoa sensível aos desafios da igualdade de gênero.

A partir dos valores explicitados pelos adolescentes sobre as relações pré-maritais e envolvimento afetivo para que a relação sexual aconteça é possível, à semelhança do proposto por Reiss (1960)7 identificar-se um padrão de sexualidade para esse conjunto de adolescentes. Assim, jovens que, em seu discurso, posicionam-se de maneira similar àqueles que aderem à abstinência seriam aqueles contrários às relações sexuais anteriormente ao casamento. De outro lado, uma fração significativa dos adolescentes professa que deveria existir amor para que a relação sexual acontecesse e só um número relativamente reduzido não a condiciona ao afeto, mas, tão somente a atração física contaria. Este padrão de sexualidade adolescente, com base na atitude quanto à relação pré-matrimonial e o grau de envolvimento afetivo requerido para acontecer a relação sexual, permitiria, então, classificar os adolescentes como abstinentes, tolerantes com afeto e tolerante sem afeto.

Na Tabela 2 tal padrão de sexualidade é apresentada por grupos de idades.

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O fato de que a maior parcela dos adolescentes de Chão de Estrelas pertença à categoria dos tolerantes com afeto é uma evidência adicional de um novo padrão de relacionamento entre sexos, porquanto é esperado que em uma sociedade tradicional, permeada de valores machistas, o contingente masculino maior revele crenças que o situa entre os tolerantes sem afeto, qual seja, os que aceitam a relação pré-matrimonial e não a associam com o afeto. A interdependência entre idades menores e ser tolerante com afeto e de outro lado, das idades mais velhas com a tolerância sem afeto, aponta para uma possível trajetória na qual os adolescentes jovens transitam de tolerantes com afeto para tolerantes sem afeto à medida que envelhecem. É também possível supor que esta transição em direção à tolerância sem afeto tenderia a ocorrer com os abstinentes? È bem possível que sim, o que sugeriria que, ao envelhecerem, os adolescentes perdem a feição romântica da relação sexual, passando a tê-la, quase exclusivamente, como resultado da mútua atração.

Tabela 2 Chão de Estrelas

Padrão de sexualidade por grupos de idades

Padrão de sexualidade Tolerante com

afeto

Tolerante sem

afeto Abstinente Total

Grupos de Idades N % N % N % N % 13 e 14 anos 219 15,2 68 4,7 137 9,5 424 29,5 15 a 17 anos 293 20,4 154 10,7 192 13,4 639 44,4 18 e 19 anos 163 11,3 108 7,5 104 7,2 375 26,1 Total 675 46,9 330 22,9 433 30,1 1438 100,0

Fonte: dados de pesquisa de campo

Ainda que não seja o objetivo desse trabalho, a distribuição de outras características dos adolescentes de acordo com sua pertinência a uma ou outra categoria dos padrões de sexualidade permite-nos aventar a possibilidade de se predizer se os mesmos se engajam ou não em relações sexuais e em que contexto elas ocorrem/não ocorrem, o que nos permitiria então identificar linhas de ação educativas sobre relações de risco.

Na Tabela 3 algumas associações entre os padrões de sexualidade e outras características dos adolescentes são apresentadas. Os resultados consideram tão somente algumas das variáveis para as quais a estatística do χ2

mostrou-se estatisticamente significante.

Os resultados da Tabela 3 mostram que quando se trata das características dos participantes do grupo tolerante com afeto não há diferenças significativas e marcantes das mesmas na definição do perfil de seus aderentes. Assim, tendo em conta as distribuições relativas das categorias das variáveis consideradas na identificação dos grupos componentes do perfil de sexualidade, exceto no que tange ao fato de se ter muita facilidades de diálogo com os pais, pai e mãe em igual importância, e a ampla discordância quanto à concepção de que sexo é uma necessidade biológica, todas as demais características apresentam uma participação relativamente homogênea na definição dos contornos desse grupo (em torno de 40-50%). Observe-se, por outro lado, que grande parte dos membros do grupo tolerante com afeto é constituído por adolescentes com dificuldades de diálogo com seus pais – em termos absolutos -, mas em termos de distribuição relativa na composição do perfil, eles se diferenciam em participação.

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Tabela 3 Chão de Estrelas

Padrão de sexualidade por características específicas dos adolescentes

Padrões de Sexualidade Discriminação Categorias Tolerante

com afeto

Tolerante

sem afeto Abstinente Total

Não 301 104 237 642 Sim 374 226 196 796 Sexualmente Ativo Total 675 330 433 1438 Baixo ou médio 181 67 113 361 Alto 494 262 320 1076

Auto-avaliação de bem estar físico

Total 675 329 433 1437

Concordo 498 233 249 980

Sem opinião 74 31 52 157

Discordo 103 60 126 289

Sexo é uma necessidade biológica

Total 675 324 427 1426

Não 159 120 100 379

Sim 516 203 333 1052

É responsabilidade do rapaz garantir que a garota não engravide

Total 675 323 433 1431

Não 106 47 100 253

Sim 569 277 333 1179

È correto uma garota solteira trazer consigo camisinha e pedir ao parceiro para usá-la

Total 675 324 433 1432

Não 67 31 67 165

Sim 607 292 366 1265

É correto o rapaz usar a camisinha mesmo quando a garota não pede a ele para usar

Total 674 323 433 1430

Sim 477 213 264 954

Não 198 110 169 477

Rapazes têm mais necessidade de sexo do que as garotas

Total 675 323 433 1431

Sim 298 135 242 675

Não 377 194 191 762

Se você conhecer bem a garota com quem você tem relações, então não há risco de se

pegar Aids Total 675 329 433 1437

Não 266 118 197 581

Sim 408 209 236 853

Tem amigo com quem conversar sobre questões pessoais e confidenciais e sexo

Total 674 327 433 1434

Não 540 285 358 1183

Sim 135 45 73 253

Tem muita facilidade em conversar com o pai sobre questões pessoais e confidenciais

Total 675 330 431 1436

Não 548 285 357 1190

Sim 127 45 76 248

Tem muita facilidade em conversar com a mãe sobre questões pessoais e confidenciais

Total 675 330 433 1438

Sim 127 85 66 278

Não 548 245 362 1155

Já teve um(a) ou mais parceiros(as) ao mesmo tempo

Total 675 330 428 1433

Fonte: dados de pesquisa de campo

Mesmo não tendo uma contribuição tão importante como o diálogo com os pais ou a negação do biológico na relação sexual, chama a atenção o número absoluto de adolescentes

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pede. Em menores números absolutos, mas muito significativo como diferenciador do perfil do tolerante com afeto, é seu posicionamento favorável a que a garota solteira porte a camisinha e solicite que a mesma seja usada. Estas características sugeririam que o adolescente tolerante com afeto deveria, majoritariamente, incluir-se no conjunto cuja personalidade seria marcada pela determinação de se proteger, independentemente do desejo e pedido da parceira par a não uso do preservativo. Os resultado empíricos, entretanto, não mostram que essa seria uma característica diferenciadora dos tolerantes com afeto.

Visto da perspectiva dos números absolutos, tolerantes sem afeto não diferem dos tolerantes com afeto em termos dos atributos característicos dos mesmos. Ambos os grupos apresentam, essencialmente, os mesmos atributos quando considerados os números absolutos. Os maiores diferenciadores entre ambos os grupos são as proporções com que compõem o grupo. Assim os sexualmente ativos são proporcionalmente mais elevados entre os tolerantes com afeto, o mesmo ocorrendo em relação aqueles de auto-estima mais baixa, enquanto entre os tolerantes sem afeto é maior o percentual dos que não acham que seria de responsabilidade do rapaz garantir que a garota não engravidasse e afirmarem que tiveram mais de uma parceira .

O grupo abstinente tem como características principais uma maior proporção de virgens e de posicionamentos diferenciados dos demais em relação a ser o sexo uma necessidade biológica, ser correto a garota portar o condom e pedir que seja usado e quanto ao uso do preservativo pelo rapaz e o número de parceiras. Este grupo tem postura razoavelmente distinta dos outros dois, principalmente na proporção dos que não acham correto o rapaz usar a camisinha mesmo quando a garota não pede para ele usar. Eles se aproximam dos outros dois grupos em muitos aspectos, mas diferenciam-se mais dos tolerantes sem afeto, em particular quanto a serem sexualmente ativos, às suas percepções sobre serem os rapazes responsáveis pela garota não engravidar e o número de parceiras simultâneas já experimentadas. Aparentemente seriam mais conservadores em suas relações com as garotas, posicionando-se em maiores proporções de uma maneira negativa sobre a igualdade sexual.

Em síntese, as informações sobre o padrão de sexualidade construído com base nas posturas dos adolescentes sobre as relações pré-maritais e o grau de afeto envolvido nas relações sexuais mostram que as categorias que compõem tal padrão guardam estritas relações com outras características destes adolescentes, o que permitiria antecipar comportamentos a partir de percepções.

Sumário e Conclusões

A possibilidade de identificar um padrão de sexualidade a partir de crenças, valores e percepções de adolescentes sobre sexualidade, em especial a partir de percepções sobre relações pré-maritais abre espaço para se estabelecer importantes contribuições ao processo de construção de relações de gênero igualitárias e de educação sexual dos adolescentes do sexo masculino de baixa renda. Os resultados derivados da pesquisa com os adolescentes de Chão de Estrelas mostra que o padrão de sexualidade erigido a partir de posturas sobre as relações sexuais pré-matrimoniais, acompanhadas por posicionamentos sobre o grau de afeto envolvido nas relações sexuais, associam-se com outras características específicas destes adolescentes e oferecem importantes pistas para se estimular a prática do sexo seguro, estimular as relações de gênero igualitárias, assim como antecipar-se comportamentos a partir de informações sobre crenças e valores e o contexto em que as relações sexuais tendem a ocorrer.

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Bibliografia

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