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O efeito do pulso de inundação no uso do habitat para felinos e outros mamíferos na amazônia: compreendendo a importância das áreas alagáveis para a sobrevivência e conservação das espécies

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA

Eduardo Matheus von Mühlen

Tese de Doutorado

O Efeito do Pulso de Inundação no Uso do Habitat

para Felinos e Outros Mamíferos na Amazônia

Compreendendo a Importância das Áreas Alagáveis

para a Sobrevivência e Conservação das Espécies

NATAL – RN – BRASIL

2018

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O Efeito do Pulso de Inundação no Uso do Habitat

para Felinos e Outros Mamíferos na Amazônia

Compreendendo a Importância das Áreas Alagáveis

para a Sobrevivência e Conservação das Espécies

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte das exigências para obtenção do título de Doutor em Ecologia.

Orientador:

Dr. Eduardo Martins Venticinque - UFRN

Coorientador do Estágio Sanduíche:

Dra. Rahel Sollman (University of Califórnia -Davis)

NATAL – RN – BRASIL

2018

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Leopoldo Nelson - -Centro de Biociências - CB

Mühlen, Eduardo Matheus Von.

O efeito do pulso de inundação no uso do habitat para felinos e outros mamíferos na amazônia: compreendendo a importância das áreas alagáveis para a sobrevivência e conservação das espécies /

Eduardo Matheus Von Mühlen. - 2018.

132 f.: il.

Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Biociências, Programa de Pós-Graduação em Ecologia.

Natal, RN, 2018.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Martins Venticinque.

Coorientador: Profa. Dra. Rahel Sollmann.

1. Pulso de inundação - Amazônia - Tese. 2. Áreas Alagáveis - Amazônia - Tese. 3. Conservação das espécies - Amazônia - Tese. I. Venticinque, Eduardo Martins. II. Sollmann, Rahel. III. Título. RN/UF/BCZM CDU 574(811.3)

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Àquelas pessoas que moram e cuidam da nossa floresta, é claro!

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A redação de uma tese de doutorado, este momento final de colocar no papel os resultados daquilo que um dia foram só ideias e curiosidades, é uma etapa árida, longa, cansativa e acima de tudo bastante solitária. É como aquela chegada à foz de um rio, de um Purus, depois de muito navegar. É ali que a margem fica longe, que o rio fica largo e que a correnteza bate forte, tentando te puxar de volta lá pra trás.... Mas aí a gente lembra que esta é somente a última curva deste rio tão bonito, desta viagem longa feita cheia de momentos fantásticos, paisagens maravilhosas e que foi navegada na companhia de muitas e muitas pessoas, sem as quais, remando junto comigo, eu nunca teria chegado.

Nesta canoa, teve muita gente diferente. Uns que me deram a honra de pegar uma carona, mesmo que rapidinha, e outros que fizeram a viagem quase completa. Mas também teve gente que participou lá do início até ao fim desta viagem, de quando a idéia desta tese ainda era uma canoa sem o calafeto, até chegar aqui e me ajudar amarrá-la no último porto. Neste último quesito, destaco três pessoas fundamentais. Uma delas é minha mãe. Gadinha, não teria chegado aqui, mesmo, sem você. Seu esforço solitário, seu orgulho dos seus curumins e seus conselhos e soluções tão simples pros meus problemas mais complexos foram fundamentais neste processo. Aprendi e continuo aprendendo com você! Tu és um espelho pra mim.

Outro companheiro antigo desta jornada é meu amigo, e também orientador, Dadão Venticinque. Dadão, muito obrigado! Pela discussão das ideias que nasceram antes do Chicão, ainda lá em Manaus! Pelas viagens e papos sobre a floresta e seus habitantes nas caminhadas na beira da praia. E por esta remada forte no final, quando muitas vezes eu tive que largar o remo por estar meio perdido ou cansado e você remou por nós dois. Tenho imensa alegria de ser seu amigo e de sua família bonita. Obrigado por tudo a todos vocês! Finalmente, o terceiro camarada bom de leme, o comandante que não largou o remo nem só um minuto, que foi o Assis. Assis, meu amigo, sem você eu tava perdido e com a canoa girando no banzeiro no meio do rio até hoje! Tocou sozinho tudo enquanto eu estava “no estrangeiro” e este trabalho pra mim é tanto seu como meu. Esta parceria, que já tem quase 15 anos, formou muito do que sou e da minha relação com esta floresta bonita onde você vive. O seu jeito calmo de tratar de tudo. A forma como todos em todos os lugares te admiram. Você e sua família são minha família no grande coração do Purus. Valeu camarada! Aqui, deixo meu enorme agradecimento também ao Victor e a Clara, que foram

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Deixo aqui também meu agradecimento às mais de 40 pessoas que vivem no Purus e que me acompanharam nas longas caminhadas pela floresta nestes anos todos. Ao pessoal da Piagaçu, em especial o Mário, maior pescador, escalador, cozinheiro, mateiro e conversador daquele beiradão. Também ao Felipe, Pedrinho, Socorro, família do Assis, em especial ao Seu Guerreiro e Dona dos Anjos, que são minha família na beira do Ayapuá e dentro do barco. Aos demais moradores da RDSPP, Barata, Seu Fino, Roque, Luiz, Dió, Chico Duro, Padre, Elton, Eliezer, Evandro, Val, Queven, Seu Zezinho, Marcio e família, Adelino, Seu Zé Vieira e tantos outros. Aos camaradas de Abufari, Angelita, Raimundo, e na linha de frente um especial ao Arnoldo e Magno, que foram corajosos ao aceitar trabalhar com um recém-chegado atrás de onça no mato quando ninguém queria.

Uma importante parte deste caminho foi junto ao povo Paumari. A experiência com vocês desde antes do doutorado me transformou de uma forma que nem sei bem como eu era antes disso. Um agradecimento especial ao Zé Lino e Chico Doido, que são dois dos maiores professores que já tive nessa vida. Também ao João, ao Germano e ao Silas, companheiros de conversa e caminhada no mato. Agradeço a todos por dividir o rapé e seu profundo conhecimento das águas e áreas alagadas comigo. Também agradeço ao pessoal da OPAN, em especial ao Gustavo, Diogo, Vinícius, Magno, Seu Chico, Raimundinho e Carlos por viabilizarem todo este projeto. Ao pessoal da FUNAI nas pessoas do Luiz e Armando, também pelos muitos auxílios prestados. E por último nesta saga Paumari, ao André Pardal, meu amigo nos muitos e muitos dias no barco, na floresta e nas tardes recheadas de pium neste lugar Jahaki! Valeu demais companheiro!

Á minha família querida, tão divertida! Meu pai querido, que muito orgulho tem desta minha etapa cumprida. A Rosa e meus irmãos Karlo, Kátia, Junior e Tefa, suas(eus) companheiras(os) e seus filhotes, alguns já maiores do que eu. Apesar de ainda não entenderem o que eu faço, isto aqui é pra vocês também! Sou muito sortudo de ter nascido na mesma família que vocês.

Aos amigos do INPA e de Manaus, uns que já foram para outra paragem e os que ainda lá permanecem. Minhoca, Leo, Pedro, Ingrato, Alemão, Liro, Diogo, Jone, Tulião. Valeu por tudo e por fazerem parte desta construção também. Vamos nos encontrando por estas curvas de rio da vida. Um agradecimento especial aqui vai ao Felipe Ximbinha, por ser meu amigo de vida e de trabalho, e por compartilhar quase 15 anos de viagens e objetivos junto aos mais diferentes povos do Purus. Valeu de coração meu camarada. À Claudia de Deus e

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ter.

Aos amigos e colegas de Natal, os que fiz aqui e os que me acompanham desde Manaus. Guiga, Dri, Jotinha, Júlia, Berna, Carol, Helder, Carolzinha, Eugenia, Juanka, Juampy, Pichi, Marinão, Mai, Angélica, Paulo, Gui (e sua paciência nas análises!), Raul, Ellen e Malu (pela ajuda na triagem dos dados), Maíra, Isa, Eli, tantos outros... A vida é melhor tendo vocês por perto. Sem vocês, o samba, a ajuda nas análises ou só no “bora lá parceiro” eu não teria conseguido.

Um agradecimento especial aqui vai pra Helô. Moça, com certeza esta tese aqui também é tua. Não tenho nem palavras pra agradecer por todas as etapas que você me ajudou nesta jornada, no campo, na cidade, logística, grana, em tudo. Sério. Pegamos rumos diferentes em um destes repartimentos do rio, mas sigo aqui torcendo para que tenha somente aguas tranquilas pela sua frente! E desfrute da jornada agora no exterior. Eles têm é sorte de te ter por aí, mostra pra eles! Aproveito e estendo um agradecimento gigante à Nora, que sem ela talvez os últimos campos fossem por água abaixo, junto com as várzeas amazônicas!

Ao meu parceiro do Club de Regatas, Ciência e Cultura de Cotovelo, Gustavão, por estes últimos meses finalizando a tese na caverna, a base de comida e hábitos nem tão saudáveis, mas com muita risada, parceria e violão. Valeu demais Hommie!

A Jana! Um agradecimento do tamanho do rio Purus. Neste último trecho da viagem, seu apoio e presença foi muito mais do que especial. Obrigado demais pelo carinho, pelas correções, por tudo. Sem sua ajuda eu também não teria terminado!

À Rahel Sollman pela coorientação, amizade, sabedoria e paciência durante o período sanduiche nos EUA. E aos amigos “americanos” que fiz por lá. Bruno, LuiS e LuiZ, meus filhotes, amo vocês. Um especial à Renatinha e Paola, que dividiram o teto comigo (e pela Salsa!), ao Fiotão (muita ajuda nas análises!), Wilson, Paulo, Andrea, Koala, Letícia, Eric, Fernanda e Fernandinha, Tiago, Mari e Wellington, e ao casal do meu coração Paulo e Thaiza. Vocês todos que aqueceram minha vida no período mais gelado dela.

Aos companheiros da Aliança Onça-Pintada, em especial ao Emiliano e John, por viabilizarem muito deste projeto com ideias, apoio e até recursos financeiros. Que este trabalho seja útil aos nossos objetivos de conservação desta espécie magnífica.

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equipamento, sem o qual muito do que aqui eu apresento não poderia ter sido feito.

Aos que financeiramente possibilitaram isso tudo acontecer. O recurso desta pesquisa veio a partir da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, da Wildlife Conservation Society, da Liz Clairborne Art Ortenberg Foudation, USAID (através da OPAN) e da Petrobrás pelo do programa Petrobras Socioambiental. O apoio logístico veio do Instituto Mamirauá, Instituto Piagaçu, Petrobrás, OPAN e Aliança Onça-Pintada. À FAPEAM e CAPES pelas bolsas de doutorado e para o período Sanduiche, respectivamente.

À UFRN e seu ambiente maravilhoso, com o departamento mais legal do planeta. A todos os professores e funcionários. Um especial aos avaliadores da minha qualificação, Carlinhos, pelas correções, pelo apoio sempre presente, pelas sugestões e pela empolgação com meu trabalho, e ao Mauro, pela ajuda com ideias, com sugestões no texto e auxílio para destravar as análises. Espero poder continuar contando com vocês. Aos demais professores que me auxiliaram com sugestões e comentários durante as “qualificações” anuais, Coca, Márcio, Miriam e Alexandre, meu muito obrigado.

Mais uma vez, agradeço a todos vocês, os aqui citados e os que, por virtude desta cabeça fraca, possa não ter mencionado. Mas estão também aqui comigo e nas páginas desta tese. Valeu a todos de coração por me trazerem até aqui. Esta viagem vai acabando, mas um rio maior se abre aí na frente. Espero poder continuar contando com todos vocês nesta próxima remada.

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O Efeito do Pulso de Inundação no Uso do Habitat para Felinos e Outros Mamíferos na Amazônia: Compreendendo a Importância das Áreas Alagáveis para a Sobrevivência e

Conservação das Espécies

RESUMO ... 1

ABSTRACT ... 2

Introdução Geral ... 3

Apresentação e Estrutura da Tese ... 6

Referências Bibliográficas ... 8

Capítulo 1 _______________________________________ ... 11

O Efeito do Pulso de Inundação Sobre o Uso de Habitats Por Mamíferos de Médio e Grande Porte na Floresta Amazônica ... 11 RESUMO ... 1 ABSTRACT ... 2 INTRODUÇÃO ... 3 MATERIAL E MÉTODOS ... 5 Área de Estudo ... 5 Coleta de Dados ... 7 Análises Estatísticas ... 10

Padrão geral da ordenação das comunidades de mamíferos ... 10

Entendendo os efeitos do habitat e do pulso de inundação sobre a comunidade de mamíferos... 10

Variabilidade espacial e temporal da comunidade de mamíferos na Várzea e Terra Firme ... 11

RESULTADOS... 12

Estatística Básica ... 12

Efeito do Habitat e do Pulso de Inundação Sobre a Comunidade de Mamíferos Terrestres ... 16

Padrão Geral da Ordenação das Comunidade de Mamíferos ... 16

Entendendo os Efeitos do Habitat e do Pulso de Inundação Sobre a Comunidade de Mamíferos ... 19

Efeito do Habitat e do Pulso de Inundação Sobre as Espécies de Mamíferos Terrestres ... 22

Análise dos Modelos Completos ... 22

Analise dos Modelos Resumidos pelo Procedimento Stepwise... 24

Carnívoros... 24

Xenarthas ... 25

Herbívoros ... 26

Variação Espacial versus Variação Temporal: Quem é Quem no ‘Vai e Vem’ das Águas ... 28

Variação Dentro e Entre Habitats: Como os Grupos Respondem as Variações Temporais e Espaciais? ... 29

Variação Entre Habitats ... 29

Variação Dentro do Habitat ... 29

Variação Temporal e Espacial entre Grupos Dentro de Cada Habitat. ... 30

DISCUSSÃO ... 32

Entendendo os efeitos de habitat e do pulso de inundação sobre a comunidade de mamíferos ... 33

Herbívoros ... 33

Carnívoros... 34

Xenarthas ... 35

O efeito do pulso sobre a comunidade de mamíferos em outras regiões da Amazônia. ... 36

Variação espacial versus variação temporal ... 38

Como a hierarquia da ordem de drenagem pode estruturar a comunidade de mamíferos terrestres? ... 39

Implicações para a Conservação ... 40

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 44

ANEXOS ... 48

Capítulo 2 _______________________________________ ... 53

Uso de Habitats de Terra Firme e Várzea por Felinos na Amazônia: A Importância da Complementaridade de Habitats... 53

RESUMO ... 54

ABSTRACT ... 55

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Coleta de Dados ... 62

Análises ... 65

Probabilidades de ocupação entre várzea e terra firme ... 66

Probabilidades de ocupação entre fases do ciclo hidrológico na terra firme ... 68

RESULTADOS... 71

Uso do habitat em ambientes de Terra Firme e Várzea ... 71

Uso do habitat entre fases do ciclo hidrológico na terra firme ... 76

DISCUSSÃO ... 82

Conservação de Felinos na Amazônia: Considerando a Complementariedade de Habitats ... 84

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 87

Capítulo 3 _______________________________________ ... 93

O Efeito das Populações Humanas na Ocorrência de Felinos em Áreas Protegidas na Amazônia Central, Brasil. ... 93 RESUMO ... 94 ABSTRACT ... 95 INTRODUÇÃO ... 96 MATERIAL E MÉTODOS ... 98 Área de estudo ... 98 Coleta de Dados ... 100

Modelos de Ocupação e Variáveis Ambientais ... 101

RESULTADOS... 104

Onça-pintada (Panthera onca) ... 107

Onça-parda (Puma concolor) ... 107

Jaguatirica (Leopardus pardalis) ... 108

DISCUSSÃO ... 111

Conservação de Felinos em UCs de Uso Sustentável ... 117

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 120

ANEXOS ... 128

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1

RESUMO

Com uma área de aproximadamente sete milhões de hectares, a Amazônia é a maior floresta tropical contínua do planeta e lar de uma das maiores riquezas de espécies mamíferos em todo o mundo. Nesta Bioma, estas espécies estão distribuídas pelos dois principais tipos habitats regionais, as florestas não alagáveis (terra firme) e as florestas alagáveis (florestas aluviais, de várzea ou igapó). As áreas alagáveis são aquelas que, devido ao pulso de inundação da Amazônia, ficam completamente submersas durante longos períodos do ano. Estas áreas, de grande produtividade, têm sido apontadas como uma importante fonte de recursos para diversos grupos de animais em determinados períodos do ano. Diante disto, o objetivo principal deste trabalho é compreender como espécies de predadores e presas utilizam estes tipos de habitat em resposta ao pulso de inundação da Amazônia. Este estudo foi desenvolvido em diferentes localidades e áreas protegidas da bacia do rio Purus, um dos mais importantes tributários do Solimões-Amazonas, composto por paisagens bastante heterogêneas de várzea e terra firme. Para responder esta questão, esta tese foi dividida em três capítulos. No primeiro capítulo, procuramos medir o efeito do pulso de inundação no uso destes habitats pela comunidade de mamíferos terrestres de médio e grande porte nas terras indígenas Paumari, no médio rio Purus. Quase todas as espécies avaliadas, reconhecidamente associadas à habitats de terra firme, utilizaram as áreas de várzea durante o tempo das águas baixas. De forma geral, a composição de mamíferos foi bastante distinta entre a várzea e a terra firme para a comunidade geral e principalmente para os herbívoros, que foram os principais responsáveis por esta diferença na estruturação da comunidade.No segundo capítulo, avaliamos como ocorre o uso do espaço por felinos nestes mesmos ambientes, em uma escala espacial maior na região do baixo rio Purus. Quatro das cinco espécies de felinos da Amazônia ocorreram em ambos os ambientes (Panthera onca, Puma concolor, Leopardus pardalis e Leopardus wiedii), mas a resposta de cada uma delas ao pulso de inundação foi distinta, com Panthera onca e Leopardus wiedii utilizando com mais intensidade as áreas de várzea do que terra firme na época seca e Puma concolor e L. pardalis raramente utilizando os habitats alagados. No último capítulo, medimos o efeito da pressão antrópica na ocorrência da comunidade de felinos em uma área protegida de uso sustentável (RDS Piagaçu-Purus). Não encontramos um padrão que explicasse a ocupação de todas as espécies conjuntamente, com cada uma respondendo de forma diferente às variáveis utilizadas. Nossos resultados demonstraram, ao contrário de nossas premissas iniciais, que uma maior proximidade com populações humanas residentes em áreas sob algum grau de proteção na Amazônia, não afetaram negativamente a probabilidade de ocupação dos dois maiores carnívoros da região. Quase todas as espécies avaliadas, reconhecidamente associadas à habitats de terra firme, utilizaram as áreas de várzea durante o tempo das águas baixas. Isso confirma a importância das áreas alagadas também para a fauna de mamíferos terrestres e reforça a ideia da complementaridade de habitats entre estes dois sistemas para as espécies Amazônicas.

Palavras Chave: Mamíferos; Felinos; Amazônia; Áreas protegidas; Áreas Alagadas; Terras

Indígenas; Complementaridade do Habitat; Armadilhas Fotograficas; Conservação de Mamíferos

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ABSTRACT

The Amazon is the largest tropical forest on earth, with an area of 7 million hectares, it is home to the highest richness of mammals species across the world. In this biome, mammals are distributed among two key regional habitats types: unflooded forests (terra firme) and flooded forests (alluvial forests, várzea or igapó forests). Flooded forests are those completely submerged during long periods of the year due to the flood pulse of Amazon rivers. These highly productive areas have been identified as an important source of resources for several groups of animals at certain times of the year. The main objective of this thesis is to understand how mammal species of predators and preys use these habitat types in response to flood pulses. This study was developed in different localities and in protected areas of the Purus river basin, one of the most important tributaries of the Solimões-Amazonas, composed of very heterogeneous landscapes with várzea and terra firme areas. This thesis in organized in three chapters. In the first chapter, we measured the effect of flood pulse on the use of habitats by the community of medium and large size terrestrial mammals occurring in the Paumari indigenous lands in the middle Purus river. Almost all the species evaluated, which are known to be associated with terra firme, also used the areas of várzea during low water periods. In general, the composition of mammals was quite distinct between várzea and terra firme for the general community and mainly for herbivores, that were the main drivers of differences in community structure. In the second chapter, we evaluated the use of space by felids in the same environments but on a larger spatial scale, in the lower Purus River region. Four of the five Amazonian felids species occurred in both environments (Panthera onca, Puma concolor, Leopardus pardalis and Leopardus wiedii), but the effect of flood pulse was distinct between species, with Panthera onca and Leopardus wiedii using floodplain areas more intensely than unflooded forests in the dry season and Puma concolor and L. Pardalis rarely occurring in flooded habitats. In the third chapter, we measured the effect of anthropic pressure on the occupancy of felids in a protected area of sustainable use (RDS Piagaçu-Purus). There was no general occupancy pattern for all the community, instead, each species responded differently to the variables. Contrary to our initial assumptions, our results demonstrated that greater proximity to human populations in Sustainable Development Reserves did not negatively affect the probability of occupancy of the two largest carnivores in the region. Almost all evaluated species, which are known to be associated with terra firme habitats, used várzea areas during the low water period. This confirms the importance of flooded areas for the fauna of terrestrial mammals, reinforcing the idea of habitat complementarity for Amazonian mammal species.

Keywords: Mammals; Felids; Amazon Forest; Protected Areas; Flooded Forest; Habitat

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INTRODUÇÃO GERAL

Cobrindo uma área de aproximadamente sete milhões de hectares, a Amazônia é a maior floresta tropical contínua do planeta e abriga uma das maiores riquezas de espécies mamíferos em todo o Globo. Somente no Brasil, possui uma riqueza de 399 espécies de mamíferos, sendo o Bioma Brasileiro com maior número de espécies deste grupo (Paglia, 2012). Destas, cerca de 50 espécies são de médio e grande porte. Longe de ser uma floresta homogênea, as florestas tropicais da Amazônia podem ser classificadas majoritariamente em duas categorias, as áreas não alagáveis (localmente conhecidas como terra firme) e as áreas alagáveis (florestas aluviais, onde se inserem as várzeas e igapós) (Pires e Prance, 1985). As áreas alagáveis são aquelas submetidas ao alagamento causado pelo pulso de inundação característicos da bacia Amazônica, que ocorre ciclicamente todos os anos no período da cheia dos rios. Estes ambientes sujeitos a alagação ocupam aproximadamente 17% da área da bacia amazônica (Hess et al 2015) sendo que, deste montante, cerca de 70% é composta por florestas (Melack & Hess 2010). Essa proporção de áreas alagáveis pode ser ainda maior se consideramos os solos hidromórficos ao longo dos pequenos cursos d’água no interior das florestas de terra firme da Amazônia (Junk et al 2011; Pitman et al 2014; Wittmann et al 2017), o que elevaria a um total de 30% da área total da floresta. A composição e estrutura da vegetação entre estes ecossistemas variam, sendo a flora das áreas alagáveis responsável por 53% das 6727 espécies de árvores taxonomicamente confirmadas para a toda a bacia Amazônica (Luize et al 2018), podendo compartilhar um grande número de espécies com a terra firme (Wittmann et al., 2010; 2013).

Parte da diversidade na composição e estrutura das florestas alagadas pode ser explicada pelo tempo em que ficam submersas (Junk et al, 2011) e ao tipo de água a qual está submetida, que genericamente é classificada como igapós (áreas alagadas por rios de água preta e clara) e as várzeas (rios de água branca) (Prance, 1979). Destas, as áreas de várzea

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são as mais produtivas do Bioma, podendo atingir até 33,6 toneladas /ha /ano para a vegetação lenhosa e 50 a 100 toneladas/há/ano para a vegetação herbácea, em contraste com a produção da terra firme de 12-27 toneladas/há/ano (Worbes, 1997).

Um dos fatores responsáveis por esta alta produtividade das várzeas é o pulso de inundação. As florestas de várzea se distribuem por áreas mais recentes da bacia Amazônica, e os rios associados a esta paisagem carregam grande quantidade de sedimentos, provenientes do processo de erosão de seus leitos que tem início na região andina. Este pulso de inundação sazonal anual ao qual as florestas de várzea estão submetidas, confere a estas áreas uma alta fertilidade do solo, através da deposição destes sedimentos nestas planícies aluviais (Junk, 1997).

Devido a esta alta produtividade, grande parte resultado da produção de frutos e na germinação de plântulas no sub-bosque, as florestas alagáveis são reconhecidas como uma possível fonte de recursos alimentares para a fauna e estudos recentes tem evidenciado que são áreas que podem ser utilizadas por várias espécies de mamíferos, que buscam nelas diferentes recursos quando as águas estão baixas (Bodmer 1990; Costa et al., 2018, Alvarenga et al., 2018). Esses recursos são especialmente atrativos para as espécies de herbívoros e frugívoros, mas também para algumas espécies de carnívoros, tanto os que se alimentam de frutos como o quati (Nasua nasua) e a irara (Eira barbara), como também os grandes predadores que podem explorar estas áreas em busca das suas presas.

Os mamíferos carnívoros são importantes reguladores dos ecossistemas e têm sido foco de pesquisas e ação em conservação nos diferentes biomas do mundo (Brodie, 2009). Por serem predadores, com grandes requerimentos nutricionais e espaciais, aliado a uma alta rejeição por parte das populações humanas, suas populações estão em constante declínio e a magnitude dessa diminuição pode trazer importantes consequências ecológicas (Estes et al, 2011). Para os felinos, esta situação é ainda mais dramática, com cerca de metade das

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espécies do grupo sob algum risco de ameaça em todo o planeta (Macdonald & Loveridge, 2010).

Apesar dos esforços de grupos governamentais e não-governamentais, o Brasil não desenvolve uma política eficiente em âmbito nacional de programas de manejo conservacionista para espécies ameaçadas e, apesar de existirem iniciativas construídas em conjunto entre governo e representantes da sociedade civil (ex. planos de ação para espécies ameaçadas-MMA), muitas destas costuma permanecer em suas fases iniciais. Ao longo dos anos, a mais eficiente estratégia adotada para a conservação destas espécies de felinos tem sido a criação de áreas protegidas (Sollmann et al, 2008). Mas para isso, o planejamento adequado é essencial, visto que para manter populações viáveis de felinos, estas áreas necessitam de grandes dimensões, uma baixa vulnerabilidade frente às pressões antrópicas e uma satisfatória abundância de presas (Crooks et al, 2011). Consequentemente, para atender todos estes critérios, é necessário compreender como as espécies, tanto de predadores como de suas presas, exploram e respondem aos diferentes componentes da paisagem onde se encontram.

Diante disto, o foco desta tese é compreender como estas espécies de predadores e presas respondem aos dois principais tipos de habitats que encontramos na Amazônia, as florestas de várzea e as florestas de terra firme, influenciados pelo marcante pulso de inundação da região. Nosso estudo foi desenvolvido em diferentes localidades e áreas protegidas da bacia do rio Purus, um dos mais importantes tributários do Solimões-Amazonas tanto nos aspectos econômicos, sociais, culturais e ecológicos. O Purus possui paisagens bastante heterogêneas, com vastas porções de floresta de terra firme e uma grande variedade de ambientes alagáveis de diferentes origens. Suas várzeas constituem uma infinidade de lagos e canais, o que lhe conferem uma alta produtividade o status de região de alta diversidade biológica e prioritária para a Conservação (Instituto Piagaçu, 2010)

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Apresentação e Estrutura da Tese

Para responder a esta questão, esta tese foi dividida em três capítulos. No primeiro capítulo, o objetivo foi identificar o efeito do pulso de inundação no uso dos habitats de terra firme e várzea pela comunidade de mamíferos terrestres de médio e grande porte em um conjunto de terras indígenas da etnia Paumari, localizadas na bacia do rio Tapauá, um afluente da margem direita do médio rio Purus. Procuramos responder como a comunidade de mamíferos é estruturada nestes ambientes nas diferentes fases do ciclo hidrológico, e de que forma as diferentes espécies e grupos de espécies respondem às mudanças no nível do rio. Este estudo foi realizado ao longo de quatro anos, em colaboração com os povos indígenas Paumari e organizações indigenistas que atuam na região. O povo Paumari é notoriamente conhecido como “o povo das águas”, visto sua grande relação com os rios e lagos e sua habilidade em explorar os ambientes alagáveis de seu território (Bonilla, 2005), e por isto, a conservação destas áreas de várzea é um aspecto fundamental para esta população.

No segundo capítulo, avaliamos como ocorre o uso do espaço por felinos nas florestas de várzea e terra firme no baixo rio Purus, em duas áreas protegidas limítrofes: A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus e a Reserva Biológica de Abufari. Especificamente, nós avaliamos as diferenças nas taxas de ocupação entre os ambientes para quatro espécies de felinos, a onça-pintada (Panthera onca), a onça-parda (Puma concolor), a jaguatirica (Leopardus pardalis) e o gato-maracajá (Leopardus wiedii) e como o possível uso das áreas alagáveis pode afetar a ocupação destas espécies nas diferentes fases do ciclo hidrológico.

No terceiro e último capítulo, o objetivo principal foi avaliar o efeito da pressão antrópica na ocorrência da comunidade de felinos em uma área protegida de uso sustentável (RDS Piagaçu-Purus). Nos últimos anos, esta categoria de Unidade de Conservação teve um

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aumento considerável na região Amazônica, e tem a premissa principal de aliar a conservação da biodiversidade à melhoria da qualidade de vida das populações residentes. Diante deste cenário de uso dos recursos naturais aliado à conservação, ainda não é muito clara a efetividade deste tipo de área protegida para a conservação destas espécies, principalmente pelo seu largo histórico de conflitos com populações humanas residentes em áreas naturais.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Alvarenga GC, Ramalho EE, Baccaro FB, da Rocha DG, Ferreira-Ferreira J, Bobrowiec PED (2018) Spatial patterns of medium and large size mammal assemblages in varzea and terra firme forests, Central Amazonia, Brazil. PLoS ONE 13(5):e0198120. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0198120

Bodmer, R.E. (1990). Responses of ungulates to seasonal inundations in the Amazon floodplain. Journal of Tropical Ecology, 6, pp 191201 doi:10.1017/S0266467400004314 Bonilla, O. 2005. Cosmologia e organização social dos Paumari do médio Purus

(Amazonas). Revista de Estudos e Pesquisa – FUNAI. 2: 7-60.

Brodie, J.F. 2009. Is research effort allocated efficiently for conservation? Felidae as a global case study. Biodiversity Conservation 18, 2927-2939.

Costa HCM, Peres CA, Abrahams MI. (2018) Seasonal dynamics of terrestrial vertebrate

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Capítulo 1 _______________________________________

O Efeito do Pulso de Inundação Sobre o Uso de Habitats

Por Mamíferos de Médio e Grande Porte na Floresta

Amazônica

Eduardo Matheus von MÜHLEN1, Rahel SOLLMANN2, André Pinassi ANTUNES,

Emiliano RAMALHO3, Eduardo Martins VENTICINQUE1

1. Departamento de Ecologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 59072-970, Natal, Brasil.

2. Wildlife, Fish and Biology Conservation, University of California Davis, 1075 Academic Surge, Davis, California, USA

3. Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Tefé, Amazonas, Brasil

Eduardo Matheus von Mühlen

Endereço: Departamento de Ecologia – Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal - Rio Grande do Norte – Brasil CEP 59072-970

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RESUMO

A Amazônia abriga cerca de 50 espécies de mamíferos terrestres de médio e grande porte, distribuídos por seus diferentes tipos de ecossistemas. As florestas de várzea, além de suportarem uma comunidade própria de animais adaptados a vida neste tipo de ambiente, são uma importante fonte de recursos sazonais para animais das florestas de terra firme adjacentes. Considerando a alta produtividade das áreas de várzea e sua curta disponibilidade para forrageio por espécies terrestres ao longo do ciclo hidrológico, o objetivo principal deste estudo foi testar o efeito do pulso de inundação, da fase do ciclo hidrológico (enchente ou vazante) e do habitat (várzea ou terra firme) sobre a fauna de médios e grandes mamíferos terrestres da Amazônia. Testamos o efeito destas variáveis sobre (1) a composição da comunidade completa, (2) a composição dos grandes grupos ecológicos (Carnívoros, Herbívoros e Xenarthas) e (3) para cada uma das espécies separadamente, visando compreender a especificidade das respostas frente aos efeitos testados. Também buscamos descrever o padrão de variabilidade temporal e espacial das assembleias de mamíferos entre os diferentes ecossistemas. Este estudo foi desenvolvido nas três Terras Indígenas Paumari situadas nas bacias dos rios Tapauá e Cuniuá, afluentes do rio Purus, no estado do Amazonas, entre os anos de 2012 e 2015 através da técnica de armadilhamento fotográfico. A amostragem da terra firme foi realizada em períodos tanto da estação seca quanto da cheia, enquanto que as áreas alagadas foram amostradas somente durante a estação seca. Para analisar as diferenças entre a composição das espécies, aplicamos uma análise de ordenação NMDS sobre uma matriz de dissimilaridade de Bray-Curtis. Para apoiar a interpretação das ordenações, calculamos a dissimilaridade entre os Habitats a partir da técnica de SIMPER (Similarity Percentages) utilizando a distância de Bray-Curtis, que foi a mesma utilizada na ordenação NMDS. A posteriori os scores dos eixos do NMDS foram utilizados como um índice de composição na analises subsequentes. Testamos modelos em três níveis distintos de organização: (1) a comunidade geral (2) pelos grupos e (3) para cada uma das 21 espécies selecionadas para este trabalho. De forma geral, a composição de mamíferos foi distinta entre a várzea e a terra firme para a comunidade geral e para os herbívoros. Quase todas as espécies avaliadas, reconhecidamente associadas à habitats de terra firme, utilizaram as áreas de várzea durante o tempo das águas baixas. Isso confirma a importância das áreas alagadas também para a fauna de mamíferos terrestres e reforça a ideia da complementariedade de habitats entre estes dois sistemas para as espécies Amazônicas. Desta forma, nossos resultados apontam para a importância de considerar essa heterogeneidade da paisagem na criação de Unidades de Conservação, sendo que a proteção destes mosaicos de terra firme e áreas alagadas, podem prover de forma mais eficiente a manutenção das populações de mamíferos por longos períodos, além de manter esse processo de transferência de energia das áreas alagadas para as florestas de terra firme.

Palavras Chave: Assembléia de Mamíferos; Amazônia; Áreas Alagadas; Terras Indígenas;

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ABSTRACT

The Amazon is home to about 50 species of terrestrial mammals of medium and large size, distributed across different ecosystems types. Várzea forests supports a community of animals adapted to this type of environment and are an important source of seasonal resources for animals living in adjacent terra firme forests. Considering the high productivity of floodplain areas and their short availability for foraging by terrestrial species due to the hydrological cycle, the main objective of this study was to test the effect of flood pulse, hydrologic cycle phase (flood or rising) and habitat (várzea or terra firme) on the terrestrial mammals fauna of the Amazon. We tested the effect of these variables on (1) the community composition, (2) the composition of large ecological groups (Carnivores, Herbivores and Xenarthas) and (3) for each species separately. We also describe patterns of temporal and spatial variability of mammalian assemblages between different habitats. This study was developed between the years of 2012 and 2015 through the technique of camera trapping in the three Paumari Indigenous Lands, located in the Tapauá and Cuniuá river basins, tributaries of the Purus river, in the state of Amazonas. We used NMDS ordination with Bray-Curtis dissimilarity and the SIMPER (Similarity Percentages) technique to compare differences in community composition. We used NMDS axes to run models across different organization levels: (1) community, (2) ecological groups. We found distinct community compositions between várzea and terra firme for the general community and for herbivores. The majority of species, known to be associated with terra firme, were also found in várzea during low water periods. This result, suggests that flooded areas are important for terrestrial mammals, reinforcing the idea of habitat complementarity across Amazon species. Our results, highlight the relevance of accounting for landscape heterogeneity in the creation of conservation areas in the Amazon since protecting várzea and terra firme mosaics can favor the effective maintenance of mammals populations through time.

Keywords: Mammals Assembly; Amazon Forest; Flooded Forest; Indígenous Lands;

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INTRODUÇÃO

Cobrindo uma área de aproximadamente sete milhões de hectares, a Amazônia é a maior floresta tropical contínua do planeta e abriga cerca de 50 espécies de mamíferos terrestres de médio e grande porte (Paglia et al., 2012). Longe de ser uma floresta homogênea, a Amazônia é formada por diferentes categorias de ambientes ao longo de toda sua extensão. As florestas tropicais da Amazônia podem ser classificadas majoritariamente em duas categorias, definidas coma as áreas não alagáveis (florestas de terra firme) e as áreas alagáveis (florestas aluviais) (Prance, 1979). As áreas alagáveis são aquelas submetidas ao alagamento causado pelo pulso de inundação característicos da bacia Amazônica, que ocorre ciclicamente todos os anos no período da cheia dos rios. Este mosaico de diferentes categorias florestais explica em grande parte a extraordinária diversidade de mamíferos da Amazônia (Voss & Emmons, 1996), não só aumentando a diversidade de habitat, mas também promovendo o fornecimento contínuo de alimentos durante todo o ano, devido à assincronia de picos de frutificação em diferentes tipos de floresta (Janson & Emmons, 1990).

Dentre as diferentes categorias de áreas alagáveis, destacamos as florestas de várzea, que são aquelas que ocorrem às margens dos grandes rios de águas brancas da planície Amazônica. Devido à sua alta produtividade, superior a qualquer outra categoria de ambiente do Bioma (Worbes, 1997), estas áreas desempenham um importante papel no contexto regional, tanto para a manutenção da biodiversidade local como para a sobrevivência do homem amazônico. Essa alta produtividade das áreas de várzea pode sustentar grandes populações de vertebrados, uma vez que parte desta produtividade está diretamente ligada à produção de frutos e na germinação de plântulas no sub-bosque. Esta disponibilidade de recursos é especialmente importante para diversas espécies de herbívoros e frugívoros, mas pode servir também como fonte de recursos para algumas espécies da ordem carnívora, tanto

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as que complementam sua dieta com frutos como os quatis (Nasua nasua) e iraras (Eira

barbara), como os predadores, que buscam estas áreas conforme a disponibilidade de presas.

Diversos estudos relatam diferenças nas assembleias de mamíferos entre estes ambientes como mamíferos de médio e grande porte (Haugaasen & Peres, 2005), primatas (Peres, 1997; Haugaasen & Peres, 2009) e morcegos (Bobrowiec et al., 2014). Ao contrário de morcegos, primatas e outras espécies arborícolas, os mamíferos terrestres de médio e grande porte ficam limitados ao uso destas áreas nos períodos de águas baixas, visto que a inundação sazonal é um fator limitante para sua distribuição a medida que diminui a área de terra disponível.

Além de suportarem uma comunidade própria de animais adaptados a viverem neste tipo de ambiente, estas áreas de várzea são reconhecidas como uma importante fonte de recursos alimentares sazonais para animais das florestas de terra firme adjacentes (Kubitzki, 1985; Bodmer, 1990). Para mamíferos, estudos recentes demostram que são áreas regularmente utilizadas por várias espécies de médio e grande porte, que buscam nelas diferentes recursos no período das águas estão baixas, quando o solo fica exposto e disponível para forrageio (Bodmer 1990; Alvarenga et al., 2018; Costa et al., 2018). Existe uma diferença temporal na disponibilidade de recursos entre terra firme e várzea, principalmente frutos e sementes, e que o mesmo ocorre em pulsos sincronizados com o período da cheia (Ferreira & Parolin 2010; Parolin et al., 2013). Um estudo de Haugaasen & Peres (2007), no baixo Purus, demonstrou que o aumento da disponibilidade de frutos e sementes depositadas no solo e o brotamento que ocorre nas áreas alagadas na fase de diminuição do nível do rio coincide com a migração de vertebrados frutíferos e comedores de sementes da floresta de terra firme.

Considerando a alta produtividade das áreas de várzea e sua curta disponibilidade para forrageio por espécies terrestres ao longo do ciclo hidrológico, o objetivo principal deste

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estudo foi testar o efeito do pulso de inundação, da fase do ciclo hidrológico (enchente ou vazante) e do habitat (várzea ou terra firme) sobre a fauna de médios e grandes mamíferos terrestres da Amazônia. Em particular, testamos o efeito destas variáveis sobre (1) a composição da comunidade completa, (2) a composição dos grandes grupos ecológicos (Carnívoros, Herbívoros e Xenarthas) e (3) para cada uma das espécies separadamente, visando compreender a especificidade das respostas frente aos efeitos testados. Posteriormente, buscamos descrever o padrão de variabilidade temporal e espacial da comunidade de mamíferos entre os ambientes avaliados neste estudo, visando compreender qual tipo de variação é mais importante entre os habitats.

MATERIAL E MÉTODOS Área de Estudo

Este estudo foi desenvolvido nas três Terras Indígenas Paumari situadas nas bacias dos rios Tapauá e Cuniuá, afluentes do rio Purus, no estado do Amazonas (Figura 1). Esta região está inserida num mosaico de áreas protegidas de aproximadamente cinco milhões de hectares, no interflúvio Juruá́-Purus, sendo que as bacias do Cuniuá́ e Tapauá́ foram reconhecidas como de extrema importância para a conservação, uso sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade brasileira (Brasil, 2007).

A vegetação da área de estudo é principalmente do tipo Floresta Ombrófila Densa, sendo Aluvial ao longo dos rios Cuniuá́ e Tapauá́, e de Terras Baixas sobre a terra firme. Contudo, há manchas de Floresta Ombrófila Aberta Aluvial e de Terras Baixas (IBGE, 2004). No baixo curso do rio Tapauá́, há grande influência do pulso de inundação do rio Purus, o que fornece um aporte de nutrientes considerável nas épocas de águas altas e influencia diretamente na produtividade destas áreas.

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Esta região é habitada desde o período colonial pelos indígenas da Etnia Paumari. Atualmente, eles apresentam uma população aproximada de cerca de duzentas pessoas que habitam cinco aldeias distribuídas nas três Terras Indígenas: Aldeia Manissuã, na TI Paumari do Lago Manissuã, que possui uma área de 22.970 ha; Aldeias Abaquadi e Terra Nova, na TI Paumari do Lago Paricá com uma área de 15.792 ha; e Aldeias Xila e Açaí, na TI Paumari do Cuniuá́, com uma área de 42.828 ha.

Figura 1. Mapa da área de estudo, com as Terras Indígenas Paumari do Lago Manissuã, Paumari do Lago

Paricá e Paumari do Cuniuá́ e a distribuição das armadilhas fotográficas nos ambientes de várzea (círculos verdes) e terra firme (círculos vermelhos)

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Coleta de Dados

Entre 2012 e 2015, os dados sobre a fauna de médios e grandes mamíferos foram coletados através de armadilhamento fotográfico. Para fins de comparação entre as assembleias de mamíferos de médio e grande porte, as armadilhas fotográficas foram instaladas em áreas de terra firme e em áreas alagadas de várzea (Figura 1). A amostragem da terra firme foi realizada em períodos tanto da estação seca quanto da chuvosa, enquanto que as áreas alagadas foram amostradas somente durante a estação seca. Foram instalados 103 pontos na terra firme e 93 pontos na várzea, procurando-se espacializar as armadilhas de ambos os habitats por toda a área de estudo. Os pontos de coleta foram definidos a priori em conjunto com pesquisadores e indígenas, através de um mapeamento da área. Cada câmera foi instalada através de incursões a pé pelas áreas, sem o auxílio de trilhas, mantendo-se uma distância mínima de cerca de mil metros entre cada câmera e as câmeras vizinhas. Para cada ponto pré-determinado, foi escolhido o local mais adequado para a detecção de mamíferos em um raio de até 200 metros do ponto original, contando com a participação direta dos Paumari e seu conhecimento sobre a fauna da região.

As câmeras fotográficas foram programadas para permanecerem ativas 24 horas por dia, e seu datador foi ajustado para registrar a data e o horário em que cada animal era fotografado. Foram considerados independentes todos os registros da mesma espécie registrados em um intervalo superior a uma hora do primeiro registro. Para cada câmera, tomamos sua coordenada geográfica (Datum WGS 84) e o tipo de ambiente conforme em que se encontrava (várzea ou terra firme).

O esforço total de coleta variou entre anos e entre habitats. No total, foram instaladas armadilhas fotográficas em 196 pontos, totalizando um esforço de 17009 dias*câmera. Esse esforço foi dividido em 10580 dias*câmera na terra Firme e 6429 dias*câmera na várzea. O ano com maior esforço de amostragem foi 2013 (6860 dias*câmera) e o menor 2012 (1601

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dias*câmera). No ano de 2012 somente a várzea foi amostrada, e o mesmo ocorreu para a terra firme no ano de 2015. Portanto os dois habitats foram amostrados simultaneamente somente em 2013 e 2014, totalizando 11414 dias*câmera (67% do esforço de amostragem) (Tabela 1).

Tabela 1. Esforço amostral em noites/câmera e número de câmeras (entre parênteses) para utilizado

para a amostragem de mamíferos de médio e grande porte, nos habitats de Várzea e Terra Firme da Terra Indígena dos Paumari no médio curso do Rio Purus entre os anos de 2012 e 2015.

Ano Terra Firme Várzea Total

2012 --- 1601 (41) 1601 (41)

2013 4125 (44) 2735 (26) 6860 (70)

2014 2461 (24) 2093 (26) 4554 (50)

2015 3994 (35) --- 3994 (35)

Total 10580 (103) 6429 (93) 17009 (196)

Para as análises, considerou-se o dia de instalação da primeira armadilha fotográfica como o dia zero (25 de outubro de 2012). A partir deste dia, os dados foram agrupados em janelas de 10 dias. Sobre estes totais aplicamos um filtro para remover janelas de 10 dias com esforço menor que 100 noites/câmeras, o que eliminou 2329 noites/câmera, ficando um esforço total analisado de 14680 noites/câmera (Tabela 2). Este procedimento causou a eliminação de todas as amostras da cheia de 2014 e de boa parte da vazante de 2015 (Figura 2). A ausência de coleta na cheia de 2014 se deve a somente poucas câmeras estarem em operação e consequentemente não atenderem o critério de esforço necessário para entrarem nas análises.

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Tabela 2. Esforço amostral em noites/câmera utilizado nas análises do número de registros de

mamíferos de médio e grande porte após a aplicação do filtro de esforço mínimo de 100 noites/câmera/10 dias por intervalo, nos habitats de Várzea e Terra Firme da Terra Indígena dos Paumari no médio curso do Rio Purus entre os anos de 2012 e 2015. Os valores entre parênteses é o número de câmeras usados em cada habitat por ano e no total.

Ano Terra Firme Várzea Total

2012 --- 1480 (41) 1480 (41)

2013 3670 (44) 2470 (26) 6140 (70)

2014 2470 (24) 1090 (26) 3560 (50)

2015 3500 (35) --- 3500 (35)

Total 9640 (103) 5040 (93) 14680 (196)

Figura 2.Variação da cota do rio Purus na estação da ANA no município de Tapauá e data das coletas nos habitats de Terra Firme (TF) e Várzea (VZ). As amostras com X foram excluídas por não atenderem o critério mínimo de representarem 100 noites/câmera em uma janela temporal de 10 dias.

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Análises Estatísticas

Padrão geral da ordenação das comunidades de mamíferos

Para analisar as diferenças entre a composição de espécies de mamíferos de médio e grande porte, aplicamos uma análise de ordenação NMDS sobre uma matriz de dissimilaridade de Bray-Curtis entre os blocos de 10 dias de amostragem (compostos por todas as câmeras ativas naquele período em cada Habitat). A porcentagem de explicação retida em cada eixo foi obtida pela correlação de Pearson entre a distância dos pontos em cada eixo e a matriz de dissimilaridade de Bray-Curtis. Utilizamos o stress como uma medida do ajuste da ordenação. Essas ordenações foram aplicadas para toda a comunidade, para o grupo dos carnívoros, herbívoros e Xenarthas. Para apoiar a interpretação das ordenações, calculamos a dissimilaridade entre os Habitats a partir da técnica de SIMPER (Similarity Percentages) utilizando a distância de Bray-Curtis, que foi a mesma utilizada na ordenação NMDS. Esta análise indica a contribuição de cada espécie para a dissimilaridade entre as amostras e permite identificar as espécies que são mais importantes na criação do padrão observado (Clarke, 1993). A posteriori os scores dos eixos do NMDS foram utilizados como um índice de composição na analises subsequentes.

Entendendo os efeitos do habitat e do pulso de inundação sobre a comunidade de mamíferos

Testamos modelos em três níveis distintos de organização: (1) a comunidade geral (na qual a variável dependente que representou a variação na composição da comunidade foi o score da ordenação NMDS), (2). A comunidade formada pelos grupos dos Herbívoros, Carnívoros e Xenarthas (na qual foi realizada uma ordenação, e assim como a comunidade geral, e os valores dos scores foram utilizados como variável dependente nas análises) e (3) análise para cada uma das 21 espécies selecionadas para este trabalho.

Testamos basicamente o modelo saturado com as seguintes variáveis: Nível do rio (Cota extraída da estação fluviométrica da cidade de Canutama), Fase do Ciclo (Enchendo ou

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vazando) e Habitat (Várzea ou Terra firme) e todas as suas interações possíveis. Entre os fatores isolados, testamos o nível do rio que representa, em parte, o pulso de inundação, sendo que valores maiores da cota representam a fase cheia e menores a seca. Estas relações foram testadas com modelos de regressão linear simples. Os valores da cota foram obtidos na plataforma da ANA (Agência Nacional de Águas) e utilizamos o valor da estação hidrológica de Canutama. Outra variável testada isoladamente foi o habitat, divido em terra firme e várzea. A classificação de qual habitat era cada ponto de armadilhagem foi baseada em dois critérios: O primeiro foi a classificação das áreas alagadas de Hess e colaboradores (2015) que mapeou as áreas alagadas para a Amazônia e segundo a inspeção de campo, uma vez que a classificação de Hess não foi realizada com o nível máximo da cheia, o que pode ter ocasionado a não detecção de certas áreas alagadas. E finalmente testamos a Fase do Ciclo que foi representada por dois níveis, enchendo e vazando. Essa variável foi incluída nos modelos devido a representarem estados fenológicos distintos das áreas alagadas, o que resulta em uma oferta diferencial de recursos, mesmo quando o rio estiver na mesma cota.

Variabilidade espacial e temporal da comunidade de mamíferos na Várzea e Terra Firme Para descrever o padrão de variabilidade temporal e espacial da comunidade de mamíferos da várzea e Terra firme, primeiro calculamos a média e erro padrão temporal para cada uma das espécies amostradas neste estudo. Para estes cálculos, consideramos que uma amostra era composta por todas as armadilhas ativas, exclusivamente em um dos habitats (várzea ou terra firme) em uma janela de 10 dias, aonde o valor mínimo de esforço fosse de 100 dias/câmera (N=63). Janelas temporais com menos esforço que isso foram removidas das análises. O índice de variação temporal foi calculado dividindo erro padrão pela média do número de registros para cada espécie. O mesmo processo foi empregado para estimar o índice de variação espacial, só que as réplicas, neste caso foram as estações de armadilhagem consideradas individualmente (N=196).

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Em posse destes índices de variação espacial e temporal, realizamos comparações para detectar qual variação era mais pronunciada em qual Habitat. Para isso realizamos dois testes t pareados, um comparando a variação espacial entre várzea X terra firme e o outro a variação temporal entre várzea X terra firme. Essas comparações nos forneceram informações sobre qual tipo de variação é mais importante entre os habitats. Para estas análises o fator de pareamento foram as espécies. Para a comparação de qual variação era mais forte dentro de cada habitat, repetimos o mesmo procedimento comparando variação espacial X variação temporal para cada um dos habitats. Para estas análises o fator de pareamento foram as espécies. Essas comparações foram repetidas para cada grupo de mamíferos considerado neste estudo (Carnívoros, Herbívoros e Xenarthas). Por último, comparamos com uso de ANOVA e teste a posteriori de Tukey qual grupo de mamíferos tinha os maiores índices de variação temporal e espacial para cada um dos dois habitats

RESULTADOS Estatística Básica

Este trabalho registrou 6574 ocorrências de mamíferos de médio e grande porte, sendo 5177 (média = 0.573 registros/dias*câmera) na terra firme e 1577 (média = 0.313 registros/ dias*câmera) na várzea. A espécie com maior número de ocorrências registrada no geral foi

Dasyprocta fuliginosa (1558), seguida por Mazama americana (1318), Cuniculus paca

(1031), Pecari tajacu (823), Tapirus terrestres (549), Mazama nemorivaga (235) e Tayassu

pecari (220). Em terra firme, a espécie mais registrada também foi Dasyprocta fuliginosa

(1455), seguida por Mazama americana (808), Cuniculus paca (800), Pecari tajacu (705),

Tapirus terrestres (282) e Mazama nemorivaga (201). Na várzea a espécie mais registrada

foi Mazama americana (510), seguida de Tapirus terrestres (267), Cuniculus paca (231),

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Tivemos duas espécies que ocorreram exclusivamente na terra firme (Dasypus kappleri e Myoprocta pratii) ao longo de toda a amostragem. A espécie que apresentou a maior diferença entre terra firme (média ± erro padrão - 15.183 ± 0.985) e várzea (média ± erro padrão - 1.622 ± 0.362) foi Dasyprocta fuliginosa, seguida por Pecari tajacu (terra firme: 7.054 ± 0.512 - várzea: 2.181 ± 0.196) e Cuniculus paca (terra firme: 8.629 ± 0.623 - várzea: 3.909 ± 0.582). Por outro lado, as espécies que foram mais registradas na várzea do que na terra firme foram Mazama americana (várzea: 10.18 ± 0.662 - terra firme: 6.411 ± 0.74),

Tapirus terrestres (várzea: 4.754 ± 0.537 - terra firme: 2.422 ± 0.287) e Leopardus pardalis

(várzea: 1.352 ± 0.217 - terra firme: 0.465 ± 0.068). No geral a maior parte das espécies foi mais registrada na terra firme que na várzea (tabela 4. Para os mapas com distribuição e frequências do registros, ver o material Sulementar MS_Cap1_01 ).

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Tabela 3. Estatística básica do número de capturas fotográficas/(dias*câmera*100) para um intervalo de tempo de 10 dias para mamíferos de médio e grande porte de todas

espécies analisadas, nos habitats de Várzea e Terra Firme da Terra Indígena dos Paumari no médio curso do Rio Purus entre os anos de 2012 e 2015. Ep – Erro padrão, IC – Intervalo de confiança a 95%, Ocorr – número de ocorrências; N. ind. – Número de indivíduos e Ocorrências – Definido pelo número de registros e não pelo número de indivíduos, sendo especialmente importante para as espécies que vivem em grupos.

Espécies

x ± ep IC (95%) Ocorr x ± ep IC (95%) Ocorr N. ind. Ocorrências

Carnivoros Atelocynus microtis 0.075 ± 0.052 (-0.033 ─ 0.183) 5 0.306 ± 0.071 (0.161 ─ 0.45) 28 33 33 Eira barbara 0.308 ± 0.081 (0.141 ─ 0.475) 17 0.69 ± 0.091 (0.506 ─ 0.873) 71 98 88 Leopardus pardalis 1.352 ± 0.217 (0.905 ─ 1.799) 76 0.465 ± 0.068 (0.328 ─ 0.602) 52 132 128 Leopardus wiedii 0.153 ± 0.066 (0.018 ─ 0.289) 9 0.175 ± 0.05 (0.073 ─ 0.277) 19 28 28 Puma concolor 0.444 ± 0.094 (0.251 ─ 0.637) 22 0.342 ± 0.061 (0.219 ─ 0.466) 37 59 59 Nasua nasua 0.184 ± 0.078 (0.023 ─ 0.344) 12 0.08 ± 0.027 (0.027 ─ 0.134) 9 75 21 Panthera onca 0.463 ± 0.126 (0.204 ─ 0.722) 23 0.258 ± 0.056 (0.144 ─ 0.372) 29 53 52 Procyon cancrivorus 0.178 ± 0.082 (0.009 ─ 0.348) 8 0.114 ± 0.049 (0.014 ─ 0.215) 11 19 19 Herbivoros Cuniculus paca 3.909 ± 0.582 (2.711 ─ 5.107) 231 8.629 ± 0.623 (7.365 ─ 9.893) 800 1065 1031 Dasyprocta fuliginosa 1.622 ± 0.362 (0.877 ─ 2.368) 103 15.183 ± 0.985 (13.185 ─ 17.18) 1455 1628 1558 Mazama americana 10.18 ± 0.662 (8.817 ─ 11.543) 510 6.411 ± 0.74 (4.910 ─ 7.911) 808 1344 1318 Mazama nemorivaga 0.669 ± 0.15 (0.360 ─ 0.979) 34 2.15 ± 0.289 (1.564 ─ 2.736) 201 236 235 Myoprocta 0.997 ± 0.172 (0.648 ─ 1.346) 87 91 87 Pecari tajacu 2.181 ± 0.196 (1.776 ─ 2.585) 118 7.054 ± 0.512 (6.015 ─ 8.093) 705 1061 823 Tapirus terrestris 4.754 ± 0.537 (3.648 ─ 5.860) 267 2.422 ± 0.287 (1.84 ─ 3.004) 282 564 549 Tayassu pecari 1.137 ± 0.193 (0.740 ─ 1.534) 55 1.484 ± 0.186 (1.107 ─ 1.862) 165 767 220 Edentata Dasypus kappleri 1.26 ± 0.204 (0.847 ─ 1.673) 111 111 111 Dasypus novemcinctus 0.707 ± 0.165 (0.367 ─ 1.047) 35 1.388 ± 0.202 (0.978 ─ 1.798) 131 174 166 Priodontes maximus 0.276 ± 0.1 (0.069 ─ 0.483) 14 0.49 ± 0.081 (0.325 ─ 0.654) 49 63 63 Myrmecophaga tridactyla 0.596 ± 0.15 (0.288 ─ 0.904) 33 0.924 ± 0.114 (0.693 ─ 1.155) 100 137 133 Tamandua tetradactyla 0.084 ± 0.042 (-0.002 ─ 0.171) 5 0.261 ± 0.055 (0.15 ─ 0.373) 27 32 32 Total 1577 5177 7770 6754 Total (N=63) Terra Firme (N=37) Várzea (N=26)

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Tabela 4. Estatística básica do número de capturas fotográficas/noite *100 noites por câmera para mamíferos de médio e grande porte de todas espécies

analisadas, nos habitats de Várzea e Terra Firme da Terra Indígena dos Paumari no médio curso do Rio Purus entre os anos de 2012 e 2015. Ep – Erro padrão, IC – Intervalo de confiança a 95%, Ocorr – número de ocorrências; N. ind. – Número de indivíduos e Ocorrências – Definido pelo número de registros e não pelo número de indivíduos, sendo especialmente importante para as espécies que vivem em grupos.

Espécies média ± ep IC (95%) Ocorr média ± ep IC (95%) Ocorr N. ind. Ocorrências Carnívoros Atelocynus microtis 0.046 ± 0.024 (-0.001 ─ 0.093) 5 0.236 ± 0.059 (0.12 ─ 0.352) 28 33 33 Eira barbara 0.213 ± 0.087 (0.04 ─ 0.386) 17 0.658 ± 0.15 (0.361 ─ 0.955) 71 98 88 Leopardus pardalis 1.406 ± 0.312 (0.787 ─ 2.025) 76 0.455 ± 0.089 (0.279 ─ 0.631) 52 132 128 Leopardus wiedii 0.137 ± 0.053 (0.032 ─ 0.242) 9 0.183 ± 0.072 (0.04 ─ 0.326) 19 28 28 Puma concolor 0.253 ± 0.11 (0.034 ─ 0.471) 22 0.086 ± 0.029 (0.028 ─ 0.143) 37 59 59 Nasua nasua 0.266 ± 0.083 (0.102 ─ 0.43) 12 0.278 ± 0.072 (0.135 ─ 0.422) 9 75 21 Panthera onca 0.25 ± 0.074 (0.103 ─ 0.398) 23 0.338 ± 0.085 (0.169 ─ 0.507) 29 53 52 Procyon cancrivorus 0.074 ± 0.036 (0.003 ─ 0.145) 8 0.118 ± 0.044 (0.031 ─ 0.205) 11 19 19 Herbívoros Cuniculus paca 4.262 ± 1.52 (1.244 ─ 7.28) 231 7.259 ± 1.268 (4.744 ─ 9.774) 800 1065 1031 Dasyprocta fuliginosa 2.115 ± 1.129 (-0.129 ─ 4.358) 103 13.935 ± 1.394 (11.169 ─ 16.7) 1455 1628 1558 Mazama americana 7.013 ± 0.916 (5.193 ─ 8.833) 510 8.141 ± 1.317 (5.53 ─ 10.753) 808 1344 1318 Mazama nemorivaga 0.449 ± 0.266 (-0.078 ─ 0.977) 34 1.997 ± 0.418 (1.167 ─ 2.827) 201 236 235 Myoprocta 0.696 ± 0.26 (0.18 ─ 1.211) 87 91 87 Pecari tajacu 1.939 ± 0.529 (0.889 ─ 2.989) 118 6.718 ± 0.759 (5.214 ─ 8.222) 705 1061 823 Tapirus terrestris 4.174 ± 0.873 (2.439 ─ 5.908) 267 2.889 ± 0.522 (1.854 ─ 3.924) 282 564 549 Tayassu pecari 0.849 ± 0.248 (0.356 ─ 1.341) 55 1.713 ± 0.327 (1.065 ─ 2.361) 165 767 220 Edentata Dasypus kappleri 1.498 ± 0.511 (0.484 ─ 2.512) 111 111 111 Dasypus novemcinctus 0.563 ± 0.389 (-0.21 ─ 1.336) 35 1.029 ± 0.264 (0.506 ─ 1.552) 131 174 166 Priodontes maximus 0.514 ± 0.202 (0.112 ─ 0.916) 14 0.888 ± 0.122 (0.645 ─ 1.13) 49 63 63 Myrmecophaga tridactyla 0.165 ± 0.07 (0.026 ─ 0.304) 33 0.438 ± 0.084 (0.271 ─ 0.606) 100 137 133 Tamandua tetradactyla 0.064 ± 0.031 (0.002 ─ 0.126) 5 0.25 ± 0.065 (0.122 ─ 0.378) 27 32 32 Total 1577 5177 7770 6754

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Para os carnívoros, as comparações do número de registros das espécies em função do espaço e tempo foram complet6amente congruentes, indicando exatamente os mesmos resultados. O mesmo ocorreu para os Xenarthas, que sempre foram mais registrados na terra firme, tanto temporalmente como espacialmente. Já [para os Herbívoros, ocorreram três diferenças entre os resultados espaciais e temporais. A primeira foi para M. americana, que embora tenha sido temporalmente mais presente na Várzea, apresentou o mesmo número de registros entre os dois habitats. O T. terrestris foi igualmente comum nos dois Habitats, mas usou de forma mais intensa a várzea ao longo do tempo. E finalmente, T. pecari, espacialmente ocorreu de forma mais abundante na Terra firme e não apresentou diferença em relação as taxas de registro entre os dois habitas ao longo do tempo.

Efeito do Habitat e do Pulso de Inundação Sobre a Comunidade de Mamíferos Terrestres

Padrão Geral da Ordenação das Comunidade de Mamíferos

A solução do NMDS em duas dimensões apresentou resultados melhores para a ordenação da comunidade total e dos Herbívoros, retendo 84.24% da informação da matriz de dissimilaridade de Bray-Curtis, com stress, respectivamente de 13.39 e 13.02. Já para os Xenarthas e Carnívoros, ocorreu uma divisão mais equilibrada da quantidade de informação retida em cada eixo, e um nível de distorção alto para os Xenarthas (stress=23.31) e especialmente alto para os Carnívoros (stress=29.57). Esses resultados indicam que devemos interpretar com cautela os resultados derivados do NMDS para os Xenarthas e Carnívoros (Tabela 6; MS_Cap1_02 e MS_Cap1_03).

Referências

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