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Estado brasileiro e as metamorfoses do mundo do trabalho no serviço público federal: a terceirização do Hospital Universitário Onofre Lopes - HUOL

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS

KAROLAYNE RIBEIRO DE GÓES

ESTADO BRASILEIRO E AS METAMORFOSES DO MUNDO DO TRABALHO NO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL: A TERCEIRIZAÇÃO DO HOSPITAL

UNIVERSITÁRIO ONOFRE LOPES - HUOL

NATAL/RN 2020

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ESTADO BRASILEIRO E AS METAMORFOSES DO MUNDO DO TRABALHO NO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL: A TERCEIRIZAÇÃO DO HOSPITAL

UNIVERSITÁRIO ONOFRE LOPES - HUOL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de doutora em Serviço Social. Área de concentração: Sociabilidade, Serviço Social e Política Social.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carla Montefusco de Oliveira

NATAL/RN 2020

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas – CCSA

NATAL/RN 2020 Goes, Karolayne Ribeiro de.

Estado brasileiro e as metamorfoses do mundo do trabalho no serviço público federal:a terceirização do Hospital Universitário Onofre Lopes - HUOL / Karolayne Ribeiro de Goes. - 2020.

186f.: il.

Tese (Doutorado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-graduação em Serviço Social. Natal, RN, 2020. Orientadora: Profa. Dra. Carla Montefusco de Oliveira.

1. Produção capitalista - Brasil - Tese. 2. Estado - Tese. 3. Precarização do trabalho - Brasil - Tese. 4. Trabalho - Tese. I. Oliveira, Carla Montefusco de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

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KAROLAYNE RIBEIRO DE GÓES

ESTADO BRASILEIRO E AS METAMORFOSES DO MUNDO DO TRABALHO NO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL: A TERCEIRIZAÇÃO DO HOSPITAL

UNIVERSITÁRIO ONOFRE LOPES - HUOL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de doutora em Serviço Social. Área de concentração: Sociabilidade, Serviço Social e Política Social.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carla Montefusco de Oliveira

________________________________________ Prof.ª Dr.ª Carla Montefusco de Oliveira

(Orientadora − PPGSS /UFRN)

Banca examinadora:

________________________________________ Prof.ª Dr.ª Hilderline Câmara de Oliveira

(Examinadora Externa – PPGA/UNP) _________________________________________

Prof.° Dr.ª Moema Amélia Serpa Lopes de Souza (Examinadora Externa – PPGCS/UEPB) _________________________________________

Profº Drª Silvana Mara Morais dos Santos (Examinadora interna – PGSS – UFRN) __________________________________________

Profº Draª Andrea Lima da Silva (Examinadora interna – PGSS – UFRN).

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quando eu penso nesses quatros anos do doutorado; eles me fizeram evoluir significativamente como ser humano. A esse sentimento de gratidão, de felicidade e de bem estar, eu atribuo a minha conexão com o divino, que eu não classifico por nenhum nome específico: Deus, Jesus, Maomé, ou qualquer outro. Agradeço apenas a força superior do universo, que eu acredito que habita em cada um de nós e nos mostra o caminho da espiritualidade, que, na minha compreensão, dá sentido a vida humana.

Agradeço de forma muito especial os incentivos e os esforços da minha mãe, que sempre compreendeu meu sonho de estudar e que nunca duvidou de que eu conseguiria finalizar um doutorado. Sou grata por todo amor, compreensão e paciência que ela teve em me ensinar o quanto eu poderia conseguir realizar um sonho, contanto que eu acreditasse, de verdade.

Ao meu amadíssimo irmão, que é um verdadeiro presente na minha vida. Ele teve um papel significativo na construção deste trabalho, não apenas na dimensão afetiva, apoiando-me nos períodos de maiores dificuldades, mas também no âmbito prático e concreto, na medida em que assumiu a responsabilidade de fazer muitas atividades domésticas para que eu pudesse dispor de mais tempo para me dedicar ao doutorado.

Aos meus avós, Josefa e José Ramo, por todo amor, ternura e cuidado que sempre tiveram comigo. Mesmo com o cansaço da idade, minha avó sentia um prazer genuíno em preparar um almoço com tudo que eu mais gosto para me receber quando eu retornava das viagens a Natal; assim como meu avô que me mimava comprando os alimentos que eu mais aprecio. O amor que vocês sentem por mim é um dos sentimentos mais profundos e sinceros que eu vivencio na vida. Muito obrigada, de coração!

Ao meu companheiro de quatro patas, que nunca vai conseguir ler esse agradecimento, mas que contribuiu significativamente para meu bem estar, dando-me muito amor e momentos de felicidade nessa jornada. Era Tarzan, ou Tatá, para os mais íntimos, que, ao ficar paradinho, pedindo colo para mim, lembrava-me de descansar um pouco da escrita e de dar pausas para eu me alimentar.

A Cléia, Leandro e Beatrice por me acolherem de forma única todas as vezes que eu precisava viajar de João pessoa para Natal, mostrando-me como o conceito de família pode ser ampliado. Amo vocês e sou grata por tudo o que fizeram por mim nessa jornada.

A todos os professores que contribuíram para minha formação até aqui, em especial, a minha orientadora do doutorado, professora Carla Montefusco, que de forma muito respeitosa

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As docentes que aceitaram participar da composição da minha banca de defesa: Moema Amélia, Hilderline Câmara, Silvana Mara e Andrea Lima. Eu realmente fiquei muito entusiasmada quando vocês aceitaram avaliar meu trabalho, pois cada uma marcou de forma particular minha trajetória até aqui. Moema, que foi minha orientadora de mestrado, sempre me acolheu de modo especial, ajudando-me a interpretar o mundo e foi quem me apresentou o que eu mais amo estudar: o mundo do trabalho.

A Silvana Mara e a Andrea Lima pelos memoráveis aprendizados que tive a partir da disciplina que ambas ministraram durante o doutorado (Serviço Social e questões contemporâneas) e que, para mim, foram as melhores aulas do Programa da Pós – Graduação e aumentou, ainda mais, a admiração que cultivo por vocês.

A Hilderline por ter aceitado o convite em participar da minha banca final de avaliação da tese, o que a torna uma pessoa marcante na minha trajetória profissional, pois o momento de defesa deste trabalho, sem dúvida, concretizasse como a memória mais feliz de todo o percurso do doutorado.

Agradeço a Maria Augusta Tavares pela relevante contribuição para que eu conseguisse fazer o doutorado sanduíche. Além dos importantes momentos em que pude aprender com ela e com a professora Raquel Varela no grupo de estudos “História Global do Trabalho e dos Conflitos sociais”, em Lisboa/Portugal. Agradeço imensamente, as duas, pela oportunidade.

A todos os meus colegas da turma do doutorado, especialmente a Luciana, com quem tive um estreitamento dos laços de amizade, compartilhando com ela refeições, reflexões, alegrias e ótimas risadas.

Aos meus companheiros de trabalho da Coordenação de Assistência Estudantil do IFPB, que sempre torceram por mim, especialmente a Gianni, que adequou o meu horário de trabalho, de modo que eu consegui cumprir as exigências do doutorado. Muito obrigada, Gi, sua contribuição foi imprescindível!

A todos os trabalhadores que aceitaram participar da pesquisa. Cada palavra dita por vocês expandiu minha compreensão de mundo e deu muito significado ao meu objeto de estudo. Sou muito grata a todos vocês!

A vontade de concluir essa etapa da minha vida não teria sido possível se não fossem as pessoas que me cercam, principalmente as que citei acima. Muitíssimo obrigada!

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Subiu a construção como se fosse máquina Ergueu no patamar quatro paredes sólidas Tijolo com tijolo num desenho mágico Seus olhos embotados de cimento e lágrima

Sentou pra descansar como se fosse sábado Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago Dançou e gargalhou como se ouvisse música

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote flácido Agonizou no meio do passeio público Morreu na contramão, atrapalhando o tráfego

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entender como o poder é exercido na história da sociedade. O objetivo principal desta tese é o de analisar o atual papel do Estado brasileiro na intensificação da precarização do trabalho, especificamente, no Hospital Universitário Onofre Lopes - HUOL. Para isto, delimitamos três objetivos específicos: investigar o papel do Estado no Modo de Produção Capitalista, analisar as particularidades da formação e atuação do Estado brasileiro e identificar como se expressam as atuais configurações da precarização do trabalho para os profissionais do HUOL após a transferência da sua gestão para a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH. Pautamo-nos no método de interpretação da realidade crítico dialético, por entendermos que os acontecimentos no mundo dos homens devem ser explicados por meio da história e por compreendermos que a realidade social é dinâmica, contraditória e impermanente. Esta pesquisa é de caráter bibliográfico, documental e empírico, uma vez que nos referendamos por estudos bibliográficos de autores que discutem as categorias centrais de nossas análises: trabalho, Estado e Modo de Produção Capitalista. Realizamos entrevistas presenciais, de cunho qualitativo, com doze trabalhadores do HUOL e com uma servidora pública, que atua no campus universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, totalizando treze entrevistas, analisadas a partir da técnica de análise de conteúdo. A intepretação dos nossos dados de pesquisa revelou que existe uma tendência estatal em quebrar a estabilidade do servidor público por meio das terceirizações dos serviços públicos, como forma de intensificar a dominação da classe trabalhadora e de flexibilizar o direcionamento do orçamento público para o capital financeiro. Nossas análises também revelaram os conflitos desencadeados pela convivência de trabalhadores com vínculos trabalhistas diferentes e, portanto, direitos trabalhistas diferentes, o que dificulta a gestão do trabalho e incita a competição entre a classe trabalhadora. Identificamos que a intensificação da precarização do trabalho no HUOL, hoje, não decorre apenas de vínculos trabalhistas diferentes, mas também devido a nova organização do trabalho executada pela lógica empresarial da EBSERH, intensificando a perda do sentido do trabalho, especialmente para os servidores públicos federais. Nossas considerações apontam, deste modo, para a progressiva perda de autonomia dos trabalhadores do serviço público, subjugados pela estrutura de poder do Estado brasileiro, e para o esfacelamento da real essência do trabalho: dar sentido à vida humana, através da construção de nossa identidade.

Palavras-Chave: Modo de Produção Capitalista. Trabalho. Estado. Precarização do Trabalho no Brasil.

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The State has its centrality on man by man exploitation, and to comprehend this is also to understand how the history of society has exerted power. This Doctoral thesis' main goal is to analyze the State's current part in intensifying work precarization, specifically, at the Hospital Universitário Onofre Lopes [Onofre Lopes University Hospital] – HUOL. For this purpose, we delimited three specific aims: comprehending the State's role in the capitalist mode of production, analyzing the particularities of the Brazilian State formation and performance, as well as identifying how the precarious work current configurations are expressed to HUOL professionals after its management was transferred to the Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares [Brazilian Company of Hospital Services] – EBSERH. Consequently, we relied on the critical-dialectical method of interpreting reality, as we consider that events in humanity should be explained through history, for we acknowledge that social reality is dynamic, contradictory, and impermanent. This thesis' character is bibliographic, documentary, and empirical, since we refer to bibliographic studies by authors who discuss the central categories of our analyses: State, capitalism, and work precarization. We conducted face-to-face, qualitative interviews with twelve HUOL workers and a public employee who works at the Universidade Federal do Rio Grande do Norte [Federal University of Rio Grande do Norte] – UFRN – campus, totaling thirteen interviews, analyzed using the content analysis technique. Our research data interpretation indicated that the State tends to disrupt the public employee stability through the outsourcing of public services, as a way to intensify the domination of the working class and to make the public budget targeting more flexible to the finance capital.Our analyses have revealed conflicts triggered by the coexistence of workers with different labor ties and, therefore, different labor rights, which makes labor-management difficult and incites competition among the working class. We identified that the increase in job insecurity at HUOL, today, is not only due to different labor ties but also the new work organization carried out by EBSERH's business logic, which intensifies the loss of meaning in work, especially for federal state employees. Thus, our considerations point to a progressive decrease in public service workers’ autonomy, subjugated by the Brazilian State power structure, and to the crumbling of the real essence of work: giving meaning to human life through identity construction.

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El Estado es fundamental para la explotación del hombre por el hombre, y comprender esto también es comprender cómo se ejerce el poder en la historia de la sociedad. El objetivo principal de esta tesis es analizar el papel actual del Estado brasileño en la intensificación de la inseguridad laboral, específicamente, en el Hospital Universitario Onofre Lopes - HUOL. Para esto, delimitamos tres objetivos específicos: comprender el papel del Estado en el modo de producción capitalista, analizar las particularidades de la formación y el desempeño del Estado brasileño e identificar cómo se expresan las configuraciones actuales del trabajo precario para los profesionales de HUOL después de la transferencia de su gestión para la Empresa Brasileña de Servicios Hospitalarios - EBSERH. Nos guiamos por el método de interpretación de la realidad dialéctica, porque entendemos que los eventos en el mundo de los hombres deben explicarse a través de la historia y porque entendemos que la realidad social es dinámica, contradictoria e impermanente. Esta investigación es bibliográfica, documental y empírica, ya que nos referimos a estudios bibliográficos de autores que discuten las categorías centrales de nuestros análisis: Estado, capitalismo y trabajo precario. Realizamos entrevistas cualitativas cara a cara con doce trabajadores de HUOL y un servidor público, que trabaja en el campus universitario de la Universidad Federal de Río Grande del Norte - UFRN, totalizando trece entrevistas, analizadas utilizando la técnica de análisis de contenido. La interpretación de nuestros datos de investigación reveló que existe una tendencia estatal a romper la estabilidad del servidor público a través de la subcontratación de servicios públicos, como una forma de intensificar el dominio de la clase trabajadora y hacer que la focalización del presupuesto público sea más flexible para el capital financiero. Nuestros análisis también revelaron los conflictos provocados por la coexistencia de trabajadores con diferentes lazos laborales y, por lo tanto, diferentes derechos laborales, lo que dificulta la gestión laboral e incita a la competencia entre la clase trabajadora. Identificamos que la intensificación de la inseguridad laboral en HUOL, hoy en día, no solo se debe a diferentes lazos laborales, sino también a la nueva organización del trabajo realizada por la lógica empresarial de EBSERH, que intensifica la pérdida del sentido del trabajo, especialmente para los funcionarios federales. Nuestras consideraciones apuntan así a la pérdida progresiva de autonomía de los trabajadores del servicio público, subyugada por la estructura de poder del Estado brasileño, y al desmoronamiento de la esencia real del trabajo: dar sentido a la vida humana, a través de la construcción de nuestra identidad.

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CAAE - Certificado de Apresentação de Apreciação Ética CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas

CUT - Central Única dos Trabalhadores

EBSERH - Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares EUA - Estados Unidos da América

FAT - Fundo de Amparo ao trabalhador

FGTS - Fundo de Garantia de Tempo de Serviço FHC - Fernando Henrique Cardoso

FMI - Fundo Monetário Internacional HU’s - Hospitais Universitários

HUAB - Hospital Universitário Ana Bezerra HUOL - Hospital Universitário Onofre Lopes

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MEJC - Maternidade Escola Januário Cicco MPC - Modo de Produção Capitalista

OIT - Organização Internacional do Trabalho

PDRAE - Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado PIB - Produto Interno Bruto

PIBIC - Programa de Iniciação Científica PROGESP - Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas

PROPESQ - Programa de Incentivo à Pós-Graduação e Pesquisa PT - Partido dos Trabalhadores

RJU - Regime Jurídico Único

SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SENAC - Confederação Nacional do Comércio

SENAI - Confederação Nacional da Indústria SENAR- Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

SENAT - Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte SESCOOP - Sistema Cooperativista Nacional

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Rio Grande do Norte

SUS - Sistema Único de Saúde

TCC - Trabalho de Conclusão de Curso

TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TCU - Tribunal de Contas da União

UEPB - Universidade Estadual da Paraíba UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo

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2.1. Ser natural x ser social 266 2.2. As particularidades do trabalho e do Estado no Modo de Produção Capitalista 344 2.3. Aspectos do Modo de Produção Capitalista e os impactos na mutação da forma do Estado

e do trabalho 399

2.4. A crise estrutural do capital e os seus impactos no Estado e na precarização do trabalho 522

3.BRASIL: UM PAÍS DE TODOS? 69

3.1. A inserção tardia do Brasil no Modo de Produção Capitalista 70

3.2 A consolidação da submissão brasileira ao capital externo e o papel do Estado militarizado 84

3.3 1990: a derrocada da Constituição Cidadã brasileira e o declínio dos direitos trabalhistas no Brasil 93

3.4. “Seis por meia dúzia”: a desilusão do Estado comandado por um governo de esquerda 104

4. EBSERH: SOLUÇÃO OU VENERAÇÃO AO CAVALO DE TRÓIA? 112

4.1 EBSERH: uma das faces da execução da "modernização" do aparelho do Estado brasileiro 113

4.1.1 Breve histórico da implantação da EBSERH no Hospital Universitário Onofre Lopes - HUOL 120

4.2 As condições objetivas e subjetivas do trabalho no HUOL frente a lógica produtivista da EBSERH 129

CONSIDERAÇÕES FINAIS 159

REFERÊNCIAS 167

APÊNDICES 175

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1. INTRODUÇÃO

No fim dos anos de 1970, o capitalismo entra no que estudiosos, a exemplo de Meszáros (2002), classificam como crise estrutural do capital, que irá exigir novas estratégias de dominação de classes, em que o Estado possui papel de destaque, pois, como afirma Antunes (1995), o Estado tem um papel relevante nesta etapa atual do capitalismo, já que ele atua historicamente no arcabouço jurídico-legal a fim de adequá-lo as formas de se organizar o trabalho.

A atual fase do capital requer que o Estado desregulamente o trabalho e, consequentemente, flexibilize a legislação trabalhista, que anula direitos da classe trabalhadora, promovendo uma expansão do trabalho desprotegido. A insegurança no mundo do trabalho alcança seu grau máximo não só para os que estão inseridos no mercado de trabalho, mas também, e especialmente, para aqueles trabalhadores que sequer conseguem vender sua força de trabalho para o capital, uma vez que a tendência em substituir trabalho vivo pelo trabalho das máquinas se intensifica e o avanço das tecnologias é um dos principais trunfos na competição capitalista monopolizada. Como afirma Mandel (1985), o capital monopolizado tende a intensificar a automação e liberar força de trabalho como meio de reduzir custos produtivos, que é um dos pilares fundamentais na atual competição capitalista.

Como consequência, temos a pauperização da classe trabalhadora, seja porque vivencia a redução sistemática do preço de sua força de trabalho, em especial por conta da desregulamentação do trabalho, que viabiliza o subemprego1 (trabalho informal, part in time, etc), seja pelo número crescente de desempregados no mundo, que, de acordo com a previsão da Organização Internacional do Trabalho – OIT, deve chegar a 190,5 milhões de desempregados neste ano de 20202, o que evidencia as reflexões de Meszáros (2002), referente à impossibilidade do capitalismo inserir a todos em seu processo produtivo, ocasionando o que o autor denomina como desemprego estrutural.

Nessa lógica, a disseminação da miséria é a tônica do capitalismo, que, ao impelir que os Estados assumam o neoliberalismo como forma de dominação política, agrava a situação de

1 De acordo com a Organização Internacional do Trabalho – OIT, quase 61% da força de trabalho no mundo realiza

trabalhos informais e mal remunerados, que oferecem pouco ou nenhum acesso à proteção social e à direitos trabalhistas.

2 Dados divulgados pela OIT antes da pandemia do coronavírus. Disponível em:

https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_735505/lang--pt/index.htm#:~:text=Essa%20tend%C3%AAncia%20de%20aumento%20do,%2C%20de%201%2C3%25. Acesso em 20 de junho de 2020.

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vida da maioria esmagadora da população do planeta, por meio da desregulamentação das leis trabalhistas e do redirecionamento do fundo público para o financiamento dos capitalistas individuais em detrimento dos investimentos em políticas sociais, responsáveis pela reprodução da classe trabalhadora. Isto significa dizer, nas palavras de Ianni (2004), que o Estado neoliberal reforma-se por meio da austeridade dos gastos públicos e incentivo especial ao capital especulativo ou financeiro, que dilapida a economia no âmbito produtivo e destrói milhões de empregos em todo o mundo.

O Estado neoliberal se torna mais trágico para os países de capitalismo periférico ou tardio, como os países da América Latina, a exemplo do Brasil, pois, como aponta Fernandes (2005), historicamente nossa classe dominante consubstancia-se como uma elite de rapina, que nunca se aliou a classe dominada e sempre a deixou a margem das decisões políticas do país, diferentemente dos países de revoluções burguesas clássicas, como a França. A classe dominante brasileira sempre atendeu aos interesses de outras nações, colocando-nos em condição subalterna na divisão internacional do trabalho, com perdas significativas para nossa classe trabalhadora.

Em tempos de monopolização e mundialização do capital, a dominação de países desenvolvidos sobre os subdesenvolvidos exerce uma pressão constante na direção da intensificação da precarização do trabalho dos trabalhadores, o que incide sobre as reflexões de Mandel (1985), quando este autor diz que a subordinação dos países periféricos, perante as nações internacionais, perpetua sua condição degradante de trabalho, sob as piores condições de trabalho, em que são pagos os piores salários, pois a mercadoria força de trabalho não é apenas vendida ao seu valor decrescente, mas mesmo abaixo desse valor.

Essa macro conjuntura da crise estrutural do capital delineia a reconfiguração do Estado como forma de perpetuar a dominação de classes embasada no modo capitalista de produção e como estratégia de intensificar a precarização do trabalho, que se constituí como tema deste estudo. O interesse em problematizar a precarização do trabalho surge de inquietações suscitadas ainda na graduação; período em que tive oportunidade de participar da pesquisa “Trabalho, Política Social e Serviço Social: as condições de assalariamento dos assistentes sociais no SUS”, vinculado ao Programa de Iniciação Científica e ao Programa de Incentivo à Pós-Graduação e Pesquisa – PIBIC/PROPESQ/UEPB/cota-2010/2012, que me possibilitou uma aproximação com os espaços sociocupacionais dos profissionais de Serviço Social na política de saúde e, por conseguinte, com as condições de trabalho destes profissionais.

Ao analisar as tendências do mercado de trabalho dos assistentes sociais, o tema precarização do trabalho começou a se desvelar enquanto interesse de estudo. Essa aproximação

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com a temática também se revela no Trabalho de Conclusão de Curso-TCC, defendido no ano de 2012, denominado “O trabalho do assistente social na saúde: os traços “ocultos” da precarização do trabalho”, no qual tive a oportunidade de aprofundar as reflexões obtidas na pesquisa da iniciação científica.

A temática da precarização foi ainda aprofundada no mestrado acadêmico, que cursei no Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Estadual da Paraíba - UEPB. Nesse momento, tive oportunidade, a partir de um estudo documental e bibliográfico, de amadurecer intelectualmente meus conhecimentos acerca do mundo do trabalho. A partir de minha dissertação, intitulada: “As novas configurações da precarização do trabalho no contexto da crise estrutural do capital: as evidências da precarização na realidade brasileira”, tive a chance de compreender que a precariedade do trabalho é condição sinequa non para a concretização do MPC, pois todo e qualquer trabalho, no capitalismo, assume a precariedade como condição de existência, tendo em vista que estamos nos referindo a um modo de produção que condiciona o homem3 a vender sua força de trabalho como único meio de sobrevivência.

A realização das supracitadas pesquisas constituiu-se como acúmulo teórico para a construção desta tese, que amadurece e aprofunda as reflexões sobre o mundo do trabalho e o Estado e evidencia os direcionamentos da classe dominante em aparelhar o Estado brasileiro de forma a dilapidar os direitos trabalhistas do país e, desta forma, atender aos preceitos dos organismos internacionais, no tocante a reprodução capitalista.

É neste direcionamento que apresentamos o presente estudo, que tem por objetivo principal analisar o atual papel do Estado brasileiro na intensificação da precarização do trabalho no serviço público federal, especificamente no Hospital Universitário Onofre Lopes - HUOL. Para tanto, traçamos os seguintes objetivos específicos: investigar o papel do Estado no Modo de Produção Capitalista, analisar as particularidades da formação e atuação do Estado brasileiro e identificar como se expressam as atuais configurações da precarização do trabalho para os profissionais do Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL após a transferência da sua gestão para a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH.

Nosso lócus de pesquisa, o HUOL, é localizado no município de Natal e é um dos três hospitais universitários da Universidade Federal do Rio Grande do Norte -UFRN, que ainda conta com a Maternidade Escola Januário Cicco – MEJC e a Maternidade e Hospital Ana Bezerra – HUAB, localizada na cidade do interior do estado do Rio Grande do Norte, em Santa Cruz. A escolha do HUOL aconteceu por este ser o maior hospital escola da UFRN, sendo

3 Utilizamos a expressão “homem” de forma generalista, reportando-nos à espécie humana, constituída, portanto,

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referência na área da saúde do Rio Grande do Norte, ofertando serviços que evolvem mais de quarenta especialidades médicas, como psiquiatria, reumatologia, dermatologia e neurologia, como também por possuir tecnologias avançadas na área de saúde. Além disso, o HUOL congrega o maior número de servidores ativos, que em abril de 2020, segundo pesquisa no Sistema Integrado de Gestão de Recursos Humanos da UFRN – SIGRH, está em 505 (quinhentos e cinco) servidores públicos. Já o quantitativo de empregados públicos perfaz um total de 1192 trabalhadores, de acordo com a última atualização, feita em maio de 2019, pelo site da EBSERH.

Ademais, a minha experiência profissional, por três anos, como assistente social, na gestão de pessoas da UFRN, também se constituiu como determinante para a escolha do HUOL como lócus de pesquisa, já que, no período em que trabalhei na gestão de pessoas daquela universidade, acompanhei alguns momentos da transição da gestão do HUOL para a EBSERH, assim como as contradições e conflitos que permearam esse processo.

Embora compreendamos que a essência do Estado, no capitalismo, seja a de sustentar esse modo de produção, por meio da exploração do homem pelo homem, especialmente, através do trabalho assalariado, partimos do pressuposto de que a forma como o Estado articula e implementa estratégias de dominação da classe trabalhadora se reconfigura no decorrer da historia do capital, influenciado pelas contradições do MPC, pela luta de classes, como também pelas características de desenvolvimento e subdesenvolvimento dos diversos países do globo. No caso do Brasil, o princípio de intensificar a exploração do trabalho se perpetua no decorrer de nossa história, demonstrando o papel do Estado na dinâmica de desenvolvimento capitalista, em que, a lógica de expansão e progresso capitalista necessariamente exige o desenvolvimento desigual do MPC nos diversos lugares do mundo.

Partimos do pressuposto de que a forma como o Estado brasileiro atende as necessidades de expansão do capital mundial, na atualidade, implica a perpetuação de sua submissão aos países de capitalismo central, por meio da adoção da política neoliberal, em que a proposta do Estado, de modernizar a gestão dos hospitais universitários, não passou de uma oportunidade para ampliar a política neoliberalista no país e desresponsabilizar o ente estatal da prestação direta dos serviços públicos e terceirizar tais serviços, bem como de desmoralizar o serviço público brasileiro e intensificar a precarização do trabalho, principalmente por meio da quebra da estabilidade do vínculo trabalhista dos novos trabalhadores do serviço público federal.

Consideramos que a criação da EBSERH, pelo governo Luís Inácio Lula da Silva, no ano de 2010, efetiva os princípios do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado

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Brasileiro – PDRAE, escrito durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990, anos em que o neoliberalismo se espraia na política brasileira.

A proposta de criação da empresa foi a de imprimir um novo modelo de gestão nos hospitais universitários, que passariam a ser administrados através de uma gestão gerencial, em substituição à burocrática. Disseminava-se, a nível nacional, o discurso da ineficiência da gestão dos hospitais universitários por meio das universidades. O governo, então, evidenciou a necessidade de modernizar a gestão dos referidos hospitais, conferindo-lhes maior eficiência por meio da gestão da EBSERH.

De acordo com Varandas apud CFESS (2014), criou-se uma pessoa jurídica de direito privado para prestar uma atividade essencial de utilidade pública. Conforme o procurador Eduardo Varandas, a natureza jurídica da empresa pública retirou o protagonismo do Estado na prestação de serviços públicos, os repassando para terceiros. Temos, portanto, uma clara evidência da mercantilização dos serviços públicos, que privatiza tais serviços em benefício da esfera privada, diminuindo o papel do Estado e maximizando as possibilidades de atividades lucrativas para o empresariado.

Além do mais, a EBSERH criou, dentro dos HU’s, vínculos trabalhistas diversos: os trabalhadores terceirizados celetistas e o estatutário do quadro efetivo, o que, nas palavras de Andreazzi (2013), submete os profissionais a direitos trabalhistas diferentes, ainda que o processo de trabalho seja exatamente igual. Desta forma, a criação da EBSERH evidencia o papel do Estado brasileiro na intensificação da precarização do trabalho, não apenas porque visa destruir a estabilidade no emprego, mas também por outros condicionantes que impactam na vida da classe trabalhadora, como a fragmentação desta classe, que contribui para o esfacelamento das lutas coletivas contra o capital e a consequente desorganização das lutas sindicais.

O caminho metodológico do trabalho envolveu a pesquisa bibliográfica que se debruçou nas principais categorias do estudo - Modo de Produção Capitalista, Estado e precarização do trabalho – além de pesquisa documental que investigou documentos como o contrato de gestão firmado entre a UFRN e a EBSERH (contrato nº 055/2013), o acórdão 1520/2006 do Tribunal de Contas da União – TCU e o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado - PDRAE, do ano de 1995. Também realizamos uma pesquisa empírica, por meio de entrevista semiestruturada, com os trabalhadores do Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL, que contemplou indagações sobre a gestão da EBSERH e seus impactos no âmbito do trabalho do hospital. Os sujeitos entrevistados foram escolhidos a partir de critérios que visaram priorizar a representatividade dos trabalhadores nas seguintes situações: aqueles que trabalham no

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HUOL por meio do vínculo do Regime Jurídico Único - RJU com e sem função de chefia, os que são vinculados por meio da Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT, também com ou sem função de gestor e os que, além de trabalharem no HUOL, atuam nos sindicatos4. Destacamos que entrevistamos dois trabalhadores de cada categoria citada, exceto para o empregado da EBSERH que também é sindicalista5. Ressaltamos, ainda, que entrevistamos uma gestora que trabalha na UFRN e que acompanhou o processo de transferência da gestão do HUOL para EBSERH, o que totaliza treze entrevistados, descritos no quadro abaixo, que traça um perfil sintético dos profissionais6:

QUADRO 1 - Perfil dos entrevistados

Nome Fictício Perfil Sexo Tempo de trabalho

no HUOL Cargo Função

Jornada de trabalho Vínculo emprega tício Representante sindical Caetano Veloso

M 2 meses Enfermeiro Gestor 40h CLT

Não Raul M 4 anos Técnico em

radiologia

X 24h CLT

Sim Gilberto

Gil M 5 anos Médico

Gestor 24h CLT

Não Elis F 5 anos Assistente

social

X 30h CLT

Não Elza F 5 anos Enfermeira X 36 h CLT

Não Frida F Mais de 20 anos Aux. de enfermagem X 30h RJU Não Chanel F 24 anos Aux. de

enfermagem

X 30h RJU

Sim Cecília F 21 anos Aux. de

enfermagem X 30h RJU Sim Vinícius de Morais M 5 anos Administrador Gestor 40h RJU Não

4 As pessoas dentro desses critérios, que se dispuseram a participar da pesquisa, resultaram em uma mescla de

diversas profissões, o que contribuiu para a interpretação da realidade do trabalho dos diferentes trabalhadores do HUOL. Assim, em nossas entrevistas, constam relatos de médico, enfermeiro, assistente social, técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem, técnico em radiologia, psicólogo e administrador.

5 Nosso objetivo era de entrevistar dois trabalhadores celetistas do HUOL que possuem atuação no sindicato,

porém, não conseguimos devido a resistência deles.

6 Os nomes presentes no quadro, em que consta o perfil dos profissionais entrevistados, são nomes fictícios, que,

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Chico M 24 anos Psicólogo Gestor 40h RJU Não Maria Bethânia F 5 anos e 6 meses Enfermeira X 30h RJU Não Ana

Carolina F 14 anos Assistente social

X 30h RJU Não

Rosa F 34 anos Ass. em administração

Gestora 40h RJU Não

Fonte: Elaboração da autora, 2020

A maior parte das entrevistas (11) aconteceu de modo presencial no mês de maio e junho de 2019, por meio de gravação de voz, com a devida autorização dos entrevistados, que também assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE. As outras duas, os sujeitos redigiram suas respostas e passaram para a entrevistadora, com as devidas assinaturas que autorizam o uso dos relatos7; o que, ainda que não tenha inviabilizado, dificultou um pouco a interpretação das respostas, uma vez que a entrevista presencial, que utiliza a gravação de voz, nos dá maiores elementos para observações e avaliações da compreensão dos entrevistados acerca da gestão da EBSERH, pois para além das palavras ditas, há também os gestos, o tom de voz e as pausas nas falas, que enriquecem as interpretações sobre o posicionamento dos indivíduos sobre determinados temas.

Também tivemos dificuldade, no decorrer das entrevistas, para saber sobre a disponibilidade de participação de alguns trabalhadores, especialmente os vinculados ao sindicato dos empregados públicos, pois existiu resistência com a temática deste estudo, uma vez que, no título do projeto de pesquisa, utilizamos a palavra terceirização, que não foi bem aceita por alguns entrevistados. Além do que, como existem conflitos de trabalho, no HUOL, alguns sujeitos não se sentiam à vontade para falar sobre o tema. Mas, na medida em que houve persistência para a realização da entrevista, bem como disponibilidade em apresentar o teor do projeto e a cautela em apresentar a intenção da entrevistadora, os trabalhadores acabaram aceitando colaborar com o estudo.

Nossa pesquisa foi de cunho qualitativo, o que nos remete a uma valorização do conhecimento científico que, como afirma Minayo (2012), tem como matéria prima opiniões,

7 Isto se faz imprescindível em qualquer trabalho científico que siga as normas da resolução 466/12, do Conselho

Nacional de Saúde (CNS), que versa sobre a ética da pesquisa com seres humanos, que é o caso do presente estudo. Também seguimos as orientações da resolução 510/2016 do Ministério da Saúde, que dispõe sobre as regras aplicáveis a pesquisas em ciências humanas e sociais.

Ressaltamos, ainda, que nossa pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética do HUOL, no mês de maio do ano de 2019, com o seguinte número de Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE): 11393619.8.0000.5292.

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crenças, valores, representações, relações e ações humanas e sociais sob a perspectiva dos atores entrevistados. Isto implica dizer que nossa interpretação considera, para além das falas propriamente ditas dos sujeitos, o contexto social em que eles estão inseridos.

No que se refere ao tratamento dos dados coletados, optamos pelo uso da análise de conteúdo, em que, incialmente, reunimos e lemos todas as entrevistas realizadas e retomamos os pressupostos e os objetivos iniciais de nossa pesquisa. Posteriormente, analisamos e contamos os assuntos mais relatados nas entrevistas para, só então, agruparmos os dados por categorias de análise (processo de implantação da EBSERH na UFRN, diferenças dos direitos trabalhistas entre empregados e servidores públicos, condições objetivas de trabalho após a implantação da EBSERH, impactos subjetivos para os trabalhadores após a organização do trabalho pela EBSERH e a atuação dos sindicatos dos empregados e dos servidores públicos), o que viabilizou a interpretação das falas dos sujeitos, analisadas por meio da influência de estudiosos que compreendem o mundo do trabalho pelo viés da teoria critico-dialética.

Na segunda sessão da tese, a fim de respaldar este estudo, trazemos discussões de autores que dedicam suas reflexões sobre a categoria trabalho, demonstrando que ela faz parte do mundo dos homens e que é o trabalho quem funda o ser social. Também abordamos a origem do Estado e seu papel enquanto guardião da divisão dos homens em classes sociais para, posteriormente, situar a configuração do trabalho no Modo de Produção Capitalista e o papel do Estado nesta nova organização do trabalho social.

Para tanto, utilizamos autores que possuem uma vasta bibliografia sobre o tema, como Lukács (2013), Lessa (2012), Marx (1989), Engels (1987), Gramsci (2007) e Hobsbawm (2015), passando, posteriormente, a utilizar a bibliografia de Mandel (1985), Saway (2017) e Baran e Sweezy (1978), dentre outros, para abordar o trabalho e o Estado na estrutura do estágio monopolizado do capitalismo. Por fim, para contribuir na compreensão da crise estrutural do capital, contamos com os estudos de Meszáros (2002), Braga (1997) e Harvey (2008), dentre outras obras.

Já no terceiro capítulo, apresentaremos as conformações do passado histórico do Brasil, realizando mediações entre a origem de nossa burguesia e a composição de nossa atual elite brasileira, que se articula na estrutura de poder do Estado, como forma de deixar à margem a massa da população brasileira. Mostramos também as consequências de nosso passado para a formação de nossa classe trabalhadora, que se encontra em escalas inferiores na divisão internacional do trabalho, já que historicamente serve como mão de obra barata para os interesses do capital internacional.

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Ao realizarmos este resgate histórico, damos base para a compreensão do papel do Estado brasileiro na atual crise estrutural do capital, que irá exigir, em especial dos países periféricos, a intensificação do trabalho precário, seja no rebaixamento do preço da força de trabalho, como também na retirada de direitos da classe trabalhadora, por meio da desregulamentação do trabalho protegido. Com a finalidade de atender a estes propósitos, utilizamos autores consagrados na literatura brasileira, como Fernandes (2005), Prado Júnior (1978) e Chico de Oliveira (1987), que abordam a formação sócio-histórica do Brasil. Já na compreensão da luta de classe, na fase monopólica do capital, utilizamos estudiosos como Netto (2010), Toussaint (2019) e Macarini (2018). E para nos situar na macro conjuntura que deu base para a criação da EBSERH, no Brasil, recorremos a Antunes (2005), Behring (2003) e Braga (1997).

No quarto e último capítulo desta pesquisa, situaremos a origem da EBSERH no arcabouço da política neoliberal no Brasil, que tem como símbolo o documento do PDRAE, em que constam as diretrizes a serem seguidas pelo Estado brasileiro nas questões ligadas as políticas sociais e ao trabalho. Aqui, enfatizaremos, a partir dos dados empíricos da pesquisa, a criação da EBSERH como meio de desregulamentar o trabalho no âmbito do serviço público federal.

Nesse processo, são utilizados autores como Antunes (2005), Behring (2003) e Mandel (1985), além de estudiosos da área da psicologia social, respaldada na tradição marxista, a exemplo de Holzkamp (2016), a partir de suas considerações acerca da potencialidade humana na busca de uma verdadeira emancipação de sua vida. No campo do sofrimento do trabalhador, decorrente da atual organização do trabalho, utilizamos o francês Dejours (2019), que considera o trabalho como fundante do gênero humano.

Para finalizar este estudo, logo após o quarto capítulo desta tese, encontram-se as considerações finais, que ratificam nossos pressupostos de pesquisa referente ao papel do Estado na intensificação da precarização do trabalho no Hospital Universitário Onofre Lopes - HUOL e também apresenta, considerando os dados das entrevistas realizadas, algumas tendências que se desenham, no atual panorama da política neoliberal do Estado brasileiro, para os hospitais universitários do país.

Entendemos que só a partir da interpretação mais aproximativa possível da realidade social somos capazes de planejar ações que possam incidir sobre as condições de nossa vida e é no entendimento de que somos classe oprimida que podemos nos libertar dos grilhões do trabalho assalariado. Para tanto, o conhecimento da realidade precede a ação de nossa classe

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trabalhadora, em uma perspectiva de emancipação do trabalho humano, por isto a relevância da temática deste estudo.

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2 OS FUNDAMENTOS DO TRABALHO, DO ESTADO E DO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA

Estudar qualquer dimensão da realidade constitui um desafio, pois o real possui, como uma de suas principais características, a dinamicidade, o aspecto de impermanência - a particularidade da constante transformação. Logo, capturar a realidade tal qual ela é configura uma impossibilidade, devido às suas constantes mudanças, bem como suas diversas dimensões. Neste presente estudo, o máximo que conseguiremos expor é uma aproximação do real. Nas palavras de Lukács (2013), o que é possível fazermos é uma apreensão do reflexo da realidade, que, por ser reflexo, não possui uma identidade com a realidade em si.

Transcrever para o papel um estudo que se consubstancia na dinamicidade da realidade é uma tarefa complexa. É difícil porque dar, a tal estudo, um cariz mínimo de movimento significa evitar a linearidade dos fatos presentes no real, já que os acontecimentos muitas vezes surgem na realidade de modo simultâneo e entrelaçado, o que dificulta o isolamento de um único fenômeno social a ser estudado.

Sendo a realidade um complexo de complexos, apresentar uma pesquisa que se proponha abordar determinada temática é, antes de tudo, compreender que apenas alguns aspectos do real serão desvelados, mas não a sua totalidade. Esse esclarecimento é algo de fundamental importância em qualquer pesquisa que almeje seguir o método crítico dialético, como é o caso do presente estudo. Para analisar a realidade, de maneira mais aproximada possível, precisamos observar os determinantes sociais como situações criadas a partir do movimento do real e carregadas de passado histórico.

A apreensão dos fundamentos do trabalho e do Estado, bem como o entendimento do Modo de Produção Capitalista, exige, do pesquisador, abordar tais categorias em uma perspectiva histórica, de modo que elas não apareçam como uma descoberta da humanidade, ou como estruturas de produção que condicionam a humanidade repentinamente, de uma hora para outra, mas sim, como categorias que estão inscritas na história dos homens, e conduzidas pelos homens, através de relações entre esses enquanto seres sociais. Este estudo requer, ainda, trabalhar com as dimensões sociais, pautadas a partir de um processo, e não como algo que surge inesperadamente e como fruto da realidade imediata.

Deste modo, abordar o papel do Estado na intensificação da precarização do trabalho, na cena contemporânea, exige, inicialmente, expor a reflexão que temos sobre as categorias centrais deste estudo: trabalho, Estado e Modo de Produção Capitalista – (MPC). Isso se faz

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necessário porque, dentre tantas perspectivas diferentes de análises, delimitar a compreensão de tais categorias nos dá base para problematizar os objetivos da presente pesquisa, assim como indica a perspectiva teórica que optamos por seguir.

Iniciaremos abordando a categoria trabalho, que compreendemos como a categoria que funda o ser social. Para tanto, recorremos a estudiosos que possuem uma vasta bibliografia sobre o tema, como Lukács (2013) e Lessa (2012). Em seguida, apresentaremos nossa reflexão sobre o trabalho e o Estado no Modo de Produção Capitalista, utilizando autores como Marx (1989), Engels (1987), Gramsci (2007) e Hobsbawm (2015), passando, posteriormente, a utilizar a bibliografia de Mandel (1985), Saway (2017) e Baran e Sweezy (1978), dentre outros, para abordar o trabalho e o Estado na estrutura do estágio monopolizado do capitalismo. Por fim, para contribuir na compreensão da crise estrutural do capital, contaremos com os estudos de Meszáros (2002), Braga (1997), Harvey (2007), entre outras obras.

Ressaltamos, ainda, que, no intercurso de todas nossas reflexões teóricas, utilizamos as falas dos sujeitos de nossas entrevistas, a fim de imprimir, neste trabalho, aspectos de maior dinamicidade. Dessa maneira, reafirmamos que o abstrato pensado e refletido parte da realidade e para ela retorna eivado de um pensamento organizado e capaz de interpretar o mundo.

2.1 SER NATURAL X SER SOCIAL

Refletir sobre a história da humanidade exige que suspendamos o cotidiano e problematizemos aspectos do real que dificilmente faríamos se não déssemos esta pausa em nossas atividades e hábitos que estão imersos na nossa rotina. Acordar e ir trabalhar é uma ação que, de tão habitual, nos dá a impressão de que isso sempre existiu na vida dos homens. Possuir uma profissão, inserir-se no mercado de trabalho, ter uma carga horária e atribuições especificas a serem realizadas é algo que almejamos e que a vida na sociedade atual dita como o esperado. Isso porque, por mais que o trabalho tenha passado por profundas transformações na história da humanidade, até chegar a esta configuração que conhecemos hoje, e por mais que milhares de anos separem o homem da era primitiva do homem da sociedade capitalista, o trabalho continua sendo o meio pelo qual o ser humano atende as suas necessidades (desde as mais básicas, como a de saciar a fome, até as mais complexas, como a de comer seguindo regras de etiqueta).

Iniciar este estudo abordando a categoria trabalho constitui uma decisão fundamental na presente pesquisa, pois desvelar dimensões do mundo do trabalho, na cena contemporânea,

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requer uma base teórica fundamentada na compreensão da centralidade do trabalho na humanização8 do mundo dos homens9. Tal humanização inicia-se no meio natural, mas o extrapola a partir das relações sociais que são desenvolvidas pela humanidade, graças à uma diferença fundamental que distingue o homem de qualquer outro ser vivo: sua capacidade de trabalhar.

O que particulariza a atividade denominada trabalho de qualquer outra ação presente no reino animal, é a capacidade humana de planejar sua intervenção, uma vez que projeta, em sua mente, uma ação que ainda será realizada. A célebre reflexão marxiana sobre a questão esclarece de forma ímpar nossa argumentação:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar ao qual tem de subordinar a sua vontade (MARX, 1987, p. 202).

Deste modo, a capacidade de projetar, em sua mente, a intenção de sua atividade, ou melhor, a capacidade de pensar teleologicamente, distingue o homem de qualquer outro ser vivo. É pela atividade do trabalho que o homem se apropria dos recursos da natureza e atribui forma útil à vida humana.

Conforme reflete Lessa (2012), a nossa capacidade teleológica nos dá potências exclusivas do gênero humano, em que a principal delas consubstancia-se em nossa capacidade de trabalhar. Nos tempos primitivos, até mesmo as escolhas mais rudimentares, como a de atender a nossa necessidade de alimentação, possuía um cariz teleológico, que foi complexificado no decorrer da história da humanidade por meio do trabalho.

A fim de atender as suas necessidades básicas, o homem ativou o seu potencial de pensamento direcionado para um determinado fim, o que o possibilitou intervir na natureza de modo diferenciado se comparado aos outros animais. O pensar teleológico viabilizou um horizonte de possibilidades que nos proporcionou realizar escolhas diante da realidade que se apresentava para nós. Quais são os melhores meios para se atingir determinados fins? Foi nossa

8 Humanizar a vida dos homens remete-nos a certa ambiguidade e pode parecer uma expressão inapropriada. Tal

dubiedade, porém, pode ser descartada quando apontamos a palavra humanização como processo de evolução dos homens. É com este sentido que utilizaremos tal expressão no decorrer deste estudo.

9 Utilizamos a expressão “homens ou homem” de forma generalista, reportando-nos à espécie humana, constituída,

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capacidade de pensar teleologicamente que possibilitou essa indagação, realizada, inicialmente, a partir do trabalho.

A constante intervenção na natureza, a partir do pensar teleológico, possibilitou transformações significativas no ser humano como a complexidade cognitiva elevada deste em relação a outros animais. A teleologia, posta a serviço do trabalho, proporcionou ao gênero humano realizar escolhas; optar entre as alternativas que se apresentavam, no real, para nós. O nosso poder de escolher, na forma como interferimos na natureza, nos tornou únicos entre todo o reino animal.

Aqui encontramos a argumentação que nos dá fundamento para considerar o trabalho como fundante do ser social e como categoria central da vida dos homens. Isso porque a dimensão da vida humana que, a princípio, viabiliza a exteriorização das nossas potências enquanto seres humanos é, justamente, o trabalho.

É por isso que o trabalho funda o ser social: ele foi o responsável por ativar as potências humanas. Pensar teleologicamente faz parte da natureza humana; possuímos esta capacidade já ao nascer, mas tal potência só foi efetivamente posta em prática quando o homem precisou intervir na natureza para garantir sua sobrevivência, isto é, quando o ato de trabalhar foi executado.

É preciso ter clareza que – como já elucidou Lukács (2013) – o fato do trabalho fundar o ser social não significa dizer que ele é cronologicamente anterior a outras categorias também imprescindíveis na constituição e evolução humana, como a consciência, o pôr teleológico e a linguagem, mas sim que ele é portador das determinações ontológicas que ativaram, de forma única, as demais potências da espécie humana. Isso fez com que, cada vez mais, o homem se distanciasse do seu ser natural e se aproximasse ao seu aspecto de ser social. O trabalho é, como afirmou Lukács (2013), o salto da humanidade para fora da natureza.

Com isso, queremos dizer que, por mais que a natureza seja determinante na constituição da espécie humana, as potencialidades inatas ao homem lhe possibilitaram romper – ainda que não em sua totalidade – com o mundo meramente natural em que a espécie humana se originou. Nossas potencialidades efetivadas, a partir do trabalho, criaram as condições necessárias para a constituição do mundo do ser social, que tem a capacidade de agir de modo planejado, o que nos viabiliza o domínio sobre aspectos humanos instintivos, e, mais que isso, também abre espaço para dominarmos a natureza, mesmo que de modo parcial. Sendo assim:

(...) a objetividade primária do ser se subordina a dadas posições teleológicas as quais tem o poder de articular as propriedades da natureza em novas formas e relações, dando origem a uma nova objetividade (o mundo dos homens); mas tendo também o

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limite de não poder alterar o caráter ontologicamente primário do ser. (LESSA, 2012, p. 64).

Temos, portanto, um mundo que se diferencia do puramente natural, constituído por seres sociais e que, por conta disso, é permeado por relações construídas coletivamente. Relacionamo-nos para além dos aspectos biológicos, com potencialidades que nos permitem mudar o mundo ao nosso redor, bem como mudarmos a nós mesmos, sendo possível falarmos em uma evolução da humanidade enquanto espécie, não apenas em uma evolução adaptativa e biológica – como ocorrem aos demais animais – mas também a partir de uma evolução social.

A mudança que provocamos na natureza é capaz de transformar radicalmente a realidade que nos permeia. Exteriorizar nossa capacidade teleológica é efetivar transformações objetivas no real. De acordo com Lukács (2013), ao interferimos na natureza, através do trabalho, estamos objetivando nossa capacidade teleológica e, com isso, temos como resultado uma nova causalidade, denominada pelo autor como causalidade posta.

O estado da natureza dado, ou seja, intocado pela ação humana, Lukács (2013) chama de causalidade. A partir do momento em que o homem interfere em tal causalidade, ela passa a ser causalidade posta, uma vez que foi modificada segundo o pensamento teleológico da espécie humana. Ao objetivar-se teleologicamente, o homem insere, na realidade, algo de material que, diante da natureza, apresenta alguma coisa radicalmente e qualitativamente nova. A posição teleológica faz surgir uma objetividade totalmente diferente em relação aos elementos primitivos (LUKÁCS, 2013).

A pedra não perdeu sua qualidade em si – não deixou de ser pedra - quando transformada, pelo homem, em machado de pedra, mas ganhou novos contornos que lhe deram outras qualidades que em seu estado primitivo seria impossível. Aqui existe uma ação em que a natureza é transformada, mas não apenas ela, uma vez que o machado de pedra permitiu ao homem novas possibilidades em sua maneira de caçar, por exemplo. Isso implica dizer que relações sociais foram modificadas, já que a necessidade da caça, na pré-história, manteve-se intacta, mas a forma como esta ação foi praticada pelo homem mudou completamente após a criação do mencionado instrumento de trabalho. Temos, assim, o surgimento de uma nova necessidade social: a prática da caça com o auxílio do machado de pedra10.

Além de mudar o estado natural dos aspectos orgânicos e inorgânicos da natureza, ao agir objetivamente no meio natural, o próprio homem se modifica, pois sua consciência passa

10 Uma vez objetivado, o machado passa a ter uma objetividade independente em relação ao seu criador. Sujeito e

objeto, embora articulados, não são idênticos. Deste modo, por mais que o machado seja uma criação humana, ele se torna, em alguma medida, independente do sujeito que o objetivou materialmente.

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a não ser mais a mesma, uma vez que está enriquecida pela causalidade posta realizada pela ação humana. Ao começar a adquirir conhecimento de como fazer o machado de pedra, o ser humano passa a interpretar a realidade de forma diferente, na medida em que precisa compreender de forma mais assertiva possível as leis da natureza que o cerca, a fim de realizar escolhas que o possibilite construir o seu instrumento de trabalho para intervir na natureza de forma eficaz, já que o meio natural possui dinâmica própria. De acordo com as afirmações lukacsianas:

a base do trabalho é que o ser, o movimento etc, da natureza são completamente indiferentes para com as nossas decisões; é apenas seu conhecimento correto que permite dominá-los praticamente. Ora, o acontecer social tem certamente, também ele, uma legalidade imanente “natural” e neste sentido se move independentemente de nossas alternativas, do mesmo modo como o faz a natureza (LUKACS, 2013, p. 69).

Assim, interpretar a realidade de modo mais aproximativo possível se torna condição fundamental para que o homem consiga modificá-la de modo previamente idealizado11. É esta interpretação que conduzirá a escolha dos meios necessários para se atingir a finalidade idealmente pensada. É através da intervenção na natureza, como modo de atender suas necessidades básicas, ou seja, pelo trabalho, que o homem realiza suas primeiras interpretações sobre o mundo que o cerca.

Tais interpretações vão diferir de indivíduo para indivíduo, uma vez que cada ser humano possui subjetividades diversas. Tais subjetividades são formados, inicialmente na história dos homens, pelo modo como transformamos a causalidade em causalidade posta. Isso implica dizer que nem mesmo as características herdadas biologicamente pelo indivíduo podem determinar, a princípio, qual será a dinâmica de evolução de sua subjetividade (Lessa, 2012).

As dimensões biológicas possuem importância na constituição da subjetividade humana, mas não é só esse aspecto que é determinante, pois as experiências e escolhas realizadas pelo homem ao longo de sua vida possuem lugar de destaque na formação de sua subjetividade.

11 A natureza é a base do mundo dos homens, mas este mundo está longe de se resumir as leis naturais. Quanto

mais se complexifica o conhecimento humano acerca da realidade, mas o homem torna-se capaz de realizar escolhas que dominem de modo eficaz o mundo natural, o que, segundo Lessa (2012), denota o surgimento de um complexo social particular: o conhecimento científico. Este fixa, a partir de categorias universais, o conhecimento adquirido da natureza e da realidade. A universalização do conhecimento científico viabiliza o conhecimento do real sem que o sujeito dependa exclusivamente do seu ato singular; isso possibilita que ele interprete o real e realize escolhas de como isso será feito a partir de intervenções e interpretações do passado, universalizados no tempo presente.

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Por subjetividade, entendemos o âmbito íntimo e individual do pensamento do sujeito, que é conectado a um contexto mais amplo, como a sociedade, a história, a política e a cultura. Esse espaço íntimo do ser, que é a subjetividade, não pode ser separado do contexto maior e exterior que o cerca, pois é diretamente influenciado por ele. Coadunamos com as reflexões da psicologia crítica, que considera o estudo dos homens e da sociedade como requisitos indispensáveis para a compreensão das subjetividades dos sujeitos e do modo como produzem em sociedade.

Klaus Holzkamp (2016) afirma que o desenvolvimento da subjetividade humana tem como possibilidade o controle consciente das próprias condições de vida. Para tanto, devemos transcender nossa individualidade com a perspectiva de participar nas decisões e determinações coletivas. O que diferencia uma subjetividade das demais é justamente a qualidade das decisões e de nossa relação com o mundo, adotadas ao longo de nossa existência.

O trabalho, como já mencionado, será o ponto inicial do pôr teleológico e, portanto, de nossas escolhas de como interferir no meio natural; da forma como interpretamos a realidade. O Trabalho é o fundamento inicial de nossa subjetividade. É ele quem determina a forma como produzimos em sociedade. Tal produção conduzirá, em um movimento dialético do real, a reproduções sociais que partem do trabalho, mas não se limitam ou se identificam com ele. Isso porque a reprodução da vida em sociedade coloca o homem diante de outras dimensões da vida. A interpretação da realidade, que conduzirá as escolhas a serem feitas no processo de trabalho, será o impulso inicial que desencadeará processos valorativos para além do trabalho, como aqueles que têm como nódulo o comportamento do indivíduo diante dos dilemas, das alternativas, das possibilidades etc, que a sociabilidade em que vive coloca a cada momento histórico (LESSA, 2012).

A complexidade da reprodução social foi e continua a ser direcionada pelas escolhas humanas de produção, não pelos atos singulares em si, mas sim pela totalidade da vida social. Nossas escolhas, no ato produtivo, determinam o movimento de nossa reprodução enquanto indivíduo social, mas, ao mesmo tempo, são determinadas por esta mesma reprodução.

Os complexos de mediações sociais oriundos da vida em sociedade, como a criação do Estado, do direito, da ética, da moral e dos costumes, são aspectos da reprodução social que compõem dimensões da vida do indivíduo social, e que, ao mesmo tempo em que são diretamente influenciadas pela ação humana, também influenciam na subjetividade do homem. Com isso, compreendemos que, no decorrer da história da humanidade, existiram várias formas de ser homem ou do ser social, determinantes e determinados pelo complexo social da produção e reprodução da vida em sociedade, em que o trabalho possui lugar de destaque.

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Certamente que o homem da pré-história não possuía as mesmas necessidades, comportamentos e os mesmos valores do homem da época das tribos, dos grandes impérios, do período feudal e da atual era do capitalismo. A forma de produzir e de trabalhar em cada momento histórico é diverso, assim como a reprodução das subjetividades humanas.

No caso das primeiras organizações sociais humanas, o trabalho nos possibilitou criações autônomas, que possuíam aspectos que correspondiam à subjetividade e as necessidades de quem o fez. Nesse sentido, o produto do trabalho, como aponta Marx (1987), consubstanciava-se como um valor de uso12, algo adaptado às necessidades humanas. O trabalho estava incorporado no objeto sobre o qual o homem atuou, resultado do dispêndio de força de trabalho humano que, nessa qualidade de trabalho concreto útil, produzia valores de uso.

Esta relação de liberdade no processo produtivo possibilita criações autônomas para o homem, o que repercute na forma como esse sujeito se identifica no mundo em que vive; impactando em sua subjetividade. Esta relação livre e autônoma, no entanto, fica comprometida com o surgimento do excedente econômico, com a apropriação privada do produto do trabalho e com o surgimento das classes sociais e exploração do homem pelo homem, que fazem emergir novas necessidades sociais e irão requerer:

Uma instituição que não só assegurasse as novas riquezas individuais contra as tradições comunistas da constituição gentílica, que não só consagrasse a propriedade privada, antes tão pouco estimada e fizesse dessa consagração santificadora o objeto mais elevado da comunidade humana, mas também imprimisse o selo geral do reconhecimento da sociedade as novas formas de aquisição da propriedade (...) Não só perpetuasse a nascente divisão da sociedade em classes, mas também o direito da classe possuidora explorar a não possuidora e o domínio da primeira sobre a segunda. E esta instituição nasceu. Inventou-se o Estado (Engels, 1987, p. 119-120).

O Estado, portanto, segundo Engels (1987), nasce da necessidade de conter o antagonismo das classes, e, simultaneamente, nasce em meio ao conflito delas. Ele representa, por regra geral, o interesse da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante, classe que por intermédio do Estado se converte também em classe politicamente dominante, adquirindo novos meios para a repressão e exploração do trabalho da classe oprimida.

O homem que se encontra na classe social subordinada e economicamente inferior passa a atender aos interesses de uma classe de homens que o domina; tal classe encontra-se no topo da pirâmide econômica da sociedade, impondo suas vontades ao resto da humanidade, já que,

12 Valor de uso é quando o trabalhador produz para satisfazer as suas necessidades imediatas. Quando o trabalhador

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como afirmou Marx (1968), o exercício do poder está intimamente relacionado ao status econômico de um grupo.

Isso afeta a liberdade humana, pois a relação teleologia/causalidade passa por mudanças significativas. As escolhas feitas pelo trabalhador, na gama de alternativas que se apresentam no real, começam a ser balizadas por restrições, tendo em vista que as necessidades a serem atendidas não têm como objetivo principal satisfazer o sujeito criador, mas sim atender aos interesses dos homens que se encontram na classe superior, o que rebate em toda complexidade da reprodução social, estendendo-se para além do trabalho.

O trabalho, para as classes subalternas, torna-se um sacrilégio. Nesta perspectiva, de acordo com Lukács (2013), os valores a serem objetivados não carregam em si a tendência a autenticidade, pelo contrário, colocam os homens a serviço de potências transcendentes e superiores. O que começa a prevalecer são os interesses particulares em detrimento dos interesses e necessidades do gênero humano, o que denota a emersão da precariedade do trabalho, marcada pela exploração do homem pelo homem e pela sociedade dividida em classes sociais, representada, na história humana, pelo escravismo, feudalismo e, atualmente, pelo Modo de Produção Capitalista.

No capitalismo, o homem tem seu poder de escolha e ação cada vez mais limitado em seu processo de trabalho, já que a finalidade da produção condiciona o homem a vender sua força de trabalho, pois este passa a não representar unicamente a satisfação de necessidades, tendo em vista que, tanto o produto do trabalho transforma-se em mercadoria, como também a própria força de trabalho vendida para o capitalista. O trabalho, nesta lógica, produz mercadorias no menor tempo possível e passa a se constituir num mecanismo de acumulação e concentração de riquezas para um reduzido número de pessoas, afetando as condições objetivas e subjetivas da relação homem-natureza.

Braverman (1987) aponta que o detentor dos meios de produção – o capitalista – compra a força de trabalho mediante um contrato de compra e venda. O trabalhador, por sua vez, submete-se à venda da sua força de trabalho por ser despossuído dos meios de produção e porque as condições sociais não lhe dão alternativas como meio de sobrevivência. Esta relação social estabelecida é mediada por meio do Estado capitalista, através de seu poder regulador, que resguarda o “direito” da venda e compra da força de trabalho, conforme demonstraremos no decorrer deste estudo.

Referências

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