História, Arqueologia e Cultura Material: Entre Ciência e Educação
(minicurso)
Ana Carolina Moliterno Lopes de Oliveira (UFF) Rennan de Souza Lemos (Museu Nacional/UFRJ)
Ementa
Neste minicurso discutiremos o estudo da cultura material em História e Arqueologia. Hoje em dia, os Estudos de Cultura Material consistem numa área consolidada dentro das humanidades. Arqueólogos, antropólogos, historiadores e pesquisadores de outras área vêm se engajando no estudo das relações entre os seres humanos e a materialidade. Nesse contexto, buscaremos apresentar novas possibilidades de pesquisa e de engajamento com a cultura material. Trataremos de exemplos dos mundos antigo e contemporâneo, com ênfase em questões como poder e política, paisagem, fenomenologia, arqueologia dos sentidos, novas tecnologias, patrimônio arqueológico, museus e educação.
Objetivos
• Apresentar aos alunos a cultura material como “a dimensão concreta das relações sociais”
• Discutir os potenciais da cultura material em pesquisas realizadas por historiadores
• Discutir as relações entre a cultura material, o estudo do passado e o mundo contemporâneo
• Discutir a aplicação de novas tecnologias na pesquisa e ensino a partir da cultura material
• Discutir o papel das universidades e museus para uma educação emancipatória a partir da cultura material
• Discutir o papel do pesquisador com os usos de novos métodos
• Apresentar novos caminhos de pesquisa utilizando a cultura material, tecnologias computacionais e a fenomenologia
Programa
Aula 1. Cultura material: de quem, para quem? – Ana Carolina Moliterno e Rennan de Souza Lemos
a. Definição de cultural Material
b. Estudos de Cultura Material: História e Arqueologia c. Quem trabalha com a cultura material?
d. Para que/quem serve a cultura material? Poder e política no mundo contemporâneo
e. “Arqueologia, disciplina das coisas”
f. Cultura material e arqueologia: fronteira entre passado e presente
g. Arqueologias: pré-‐histórica, histórica, do “mundo antigo”... – casos brasileiros e egípcios
Aula 2. Patrimônio arqueológico, poder e política no mundo contemporâneo: o desafio de preservar, estudar, ensinar e engajar – Rennan de Souza Lemos
a. O que é patrimônio arqueológico? Quem define? A partir do que se define? b. A quem pertence o patrimônio arqueológico? Nacionalismos e disputas
políticas no mundo contemporâneo
c. Repatriação de bens arqueológicos: patrimônio universal X patrimônio nacional
d. Por uma noção local de patrimônio
a. devolução de urnas marajoaras do Museu Nacional no Rio de Janeiro à Amazônia através de impressão 3D local
b. engajando comunidades no Egito atual
e. Arqueologia crítica: engajamento político e emancipação de grupos subalternos a partir da cultura material nos Estados Unidos, no Brasil e no Egito contemporâneos
f. Discutindo arqueologia e restos humanos: pessoas ou objetos? a. questões de ética e de agência (antiga e moderna) b. humanizando o estudo da cultura material
• os índios norte-‐americanos: reclamação de seus ancestrais • um cemitério islâmico no Egito contemporâneo
• um cemitério popular do Egito antigo
• restos humanos em museus: uma senhora pobre do Rio de Janeiro atual e uma senhora rica de 2500 anos
g. Graffitti e Revolução: por uma arqueologia revolucionária no Egito
Aula 3. Os novos caminhos da Arqueologia – Ana Carolina Moliterno a. O começo da Arqueologia até hoje: o que mudou?
• Os antiquários, a corrente histórico-‐cultural e as culturas materiais estudadas a partir do contexto histórico
• O processualismo e os grandes modelos explicativos
• O pós-‐processualismo, os estudos regionais e a mudança de foco: o pós-‐ colonialismo
b. Dos anos 90 aos dias de hoje: a inserção da paisagem – o fim do pano de fundo estático
• Estudos da Paisagem
• O estudo dos monumentos e seu papel na dinâmica social • O ritual – atos fora do cotidiano?
c. O agenciamento humano • Conceito de agência
• Como se observa a ação humana por meio de resquícios do passado? d. E os objetos? Também possuem agência?
• Os objetos e as emoções e. Os sentidos e as ações individuais
• A arqueologia dos sentidos • Fenomenologia como método? • (In)corporação
• Percepção versus experiência
• O papel do pesquisador – os limites da pesquisa
Aula 4. Paisagens e monumentos: modelos, simulações e experimentações – entendendo o passado – Ana Carolina Moliterno
a. É possível reconstruir o passado? • Reconstrução versus Simulação
• Tentativa de “cientificizar” as humanidades?
b. Interdisciplinaridade e os projetos colaborativos: parceria é o futuro dos projetos
• Foco no usuário: o pesquisador c. Métodos e ferramentas
• GIS • Lidar
• Maquetes 3D
• Metodologia mista, é possível? A utilização de métodos quantitativos conjuntamente com a fenomenologia
d. Do método à construção: as escolhas do pesquisador
• A escolha de métodos quantitativos e computacionais tornam a pesquisa mais próxima às ciências duras?
• É uma questão de enfoque – a subjetividade existe
e. A agência nos modelos: o foco no indivíduo. O quanto é possível simular? f. Experiências sensoriais a partir das construções. É possível produzir
novos dados a partir das simulações?
g. Um segundo passo nas pesquisas: a participação do público
h. Estudos de caso de pré-‐ e proto-‐história europeia e contemporâneos
Aula 5: Museus, educação e novas tecnologias: alfabetizando o olhar para enxergar e agir no mundo (aula prática) – Rennan de Souza Lemos
a. Passado antigo, tecnologias modernas: transitando entre ciência e educação
b. Museus: o passado imutável congelado X o passado que nos pertence c. “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara” (José Saramago). Cultura
Material e Museus: o desafio da preservação e da educação
d. Tecnologias 3D e o estudo da cultura material, da ciência à educação patrimonial – tendências globais, aplicações locais
1. Escaneamento e impressão 3D 2. Tomografia computadorizada
3. Refletindo sobre patrimônio, originalidade, replicação e restauração de bens arqueológicos
e. O caso da coleção egípcia do Museu Nacional/UFRJ f. Por favor toque! Um novo conceito de museu
g. Inclusão social a partir da cultura material. Dois casos envolvendo uma cantora de Amon, Sha-‐Amun-‐em-‐su
h. Parte prática: escaneamento 3D e prototipagem de objetos arqueológicos – novos horizontes para uma prática pedagógica emancipatória
Bibliografia
Livros introdutórios:
FUNARI, Pedro Paulo (2006), Arqueologia, São Paulo, Contexto.
RENFREW, Colin and Paul Bahn (2012), Archaeology Essentials: theories, methods and practice, London, Thames and Hudson.
TRIGGER, Bruce G. (2004), História do Pensamento Arqueológico, São Paulo, Odysseus.
Bibliografia do curso:
ANSCHUETZ, Kurt F.; WILSHUSEN, Richard H.; SCHEICK, Cherrie L. (2001), An Archaeology of Landscapes: Perspectives and Directions, Journal of Archaeological Research, 9, p. 157-‐211.
BAHN, Paul (1984), Do not disturb? Archaeology and the rights of the Dead, Journal of Applied Philosophy, 1, p. 213-‐26.
BARRET, John (1999), The Mythical Landscapes of the British Iron Age, in A. Barnard Knapp and Wendy Ashmore eds., Archaeologies of Landscape – Contemporary Perspectives, Oxford, Blackwell Publishers, p. 253-‐265.
BELL, Catherine (1992), Ritual Theory, Ritual Practice, Oxford, Oxford University Press.
BELMONTE, Simone, Jorge Lopes e Antonio Brancaglion Jr., (2014) Tecnologias tridimensionais aplicadas em pesquisas arqueológicas de múmias egípcias, in Antonio Brancaglion Jr., Thais Rocha da Silva, Rennan de Souza Lemos e Raizza Santos orgs., Semna – Estudos de Egiptologia I, Rio de Janeiro, Seshat/Editora Klínē, p. 47-‐63, http://goo.gl/WsCk96.
BENDER, Barbara (1992), Theorizing Landscapes, and the Prehistoric Landscapes of Stonehenge, Man, 27, p.735-‐755.
BERGGREN, Åsa (2010), Emotional aspects of a fen, Archaeological Dialogues, 17, p 164-‐167.
BARRET, John, Richard Bradley and Martin Green (2009), Landscape, monuments and society: the prehistory of Cranborne Chase, Cambridge, Cambridge University Press. BRADLEY, Richard (1998), The Significance of Monuments: On the shaping of Human Experience in Neolithic and Bronze Age Europe, London, Routledge.
BRUCK, Joanna (1999), Ritual and Rationality: Some Problems of Interpretation in European Archaeology, European Journal of Archaeology, 2, p. 313-‐344.
DARVILL, T. (2002), The Concise Oxford Dictionary of Archaeology, Oxford, Oxford University Press.
DAY, Jo (2013) ed., Making Senses of the Past Toward a Sensory Archaeology, Carbondale, Southern Illinois University.
EVE, Stuart (2012), Augmenting Phenomenology: Using Augmented Reality Archaeological Phenomenology in the Landscape, Journal of Arcvhaeological Method and Theory, 19, 4, p. 582-‐600.
FAHLANDER, Fredrik and Anna Kjellstrom (2010) eds., Making Sense of Things Archaeologies of Sensory Perception, Stockholm, TMG Sthlm.
FORTE, Maurizio and Eva Pietroni (2009), 3D Collaborative Environments in Archaeology: Experiencing the Reconstruction of the Past, International journal of architectural computing, 1, p. 57-‐66.
FOWLER, Chris and Vicki Cummings (2003), Places of Transformation: Building Monuments from Water and Stone in the Neolithic Irish Sea, Royal Anthropological Institute, 9, p. 1-‐20.
GILLINGS, Mark (2012) Landscape Phenomenology, GIS and the Role of Affordance, Journal of Archaeological Method and Theory, 19, p. 601-‐611.
GOSDEN, Chris (2005), What do the objects want?, Journal of Archaeological Method and Theory, 12, 3, p. 193-‐211.
HAMILAKIS, Yannis (2013), Archaeology and the senses. Human Experience, Memory, and Affect, Cambridge, Cambridge University Press.
HARRIS, Oliver J. T. and Tim Flohr Sørensen (2010), Rethinking emotion and material culture, Archaeological Dialogues, 17, p 145-‐163.
HARRIS, Oliver J. T. and Tim Flohr Sørensen (2010), Talk About Passion, Archaeological Dialogues, 17, p 186-‐198.
HICKS, Dan (2010), The material-‐cultural turn: event and effect, in Dan Hicks and Mary C. Beaudry eds., The Oxford Handbook of Material Culture Studies, Oxford, Oxford University Press
HICKS, Dan and Mary C. Beaudry (2010), Introduction. Material culture studies: a reactionary view, in Dan Hicks and Mary C. Beaudry eds., The Oxford Handbook of Material Culture Studies, Oxford, Oxford University Press. p. 1-‐21.
HODDER, I. (1986), Reading the Past: Current Approaches to Interpretation in Archaeology, Cambridge, Cambridge University Press.
HODDER, Ian (1992), Theory and practice in Archaeology, London, Routledge. HODDER, Ian (2012) ed., Archaeological theory today, Cambridge, Polity Press.
HODDER, Ian (2012), Entangled: an archaeology of the relationship between humans and things, Oxford, Willey.
INGOLD, Tim (1993), The temporality of the landscape, World Archaeology, 25, p. 152-‐ 174.
INGOLD, Tim (2000), The perception of environment, London, Routledge.
INSOLL, Timoty (2011), The Oxford Handbook of The Archaeology of Ritual and Religion, Oxford, Oxford University Press.
KUS, Susan (2010), The matter with emotions, Archaeological Dialogues, 17, p 167-‐ 172.
LATOUR, Bruno (1994), Jamais fomos modernos, São Paulo, Editora 34.
LATOUR, Bruno (2012), Reagregando o social: uma introdução à teoria do Ator-‐ Rede, Bauru (São Paulo), Edusc.
LEMOS, Rennan de Souza (2013), Enxergar a materialidade para agir no mundo: o Egito antigo no III Curso de Formação de Mediadores do Museu Nacional, http://goo.gl/198IyS.
LEMOS, Rennan de Souza (inédito), 3D Egyptology and the potential of using 3D technologies for scientific and educational purposes in Archaeology.
LIMA, Tania Andrade (1994), Restos humanos e Arqueologia Histórica: uma questão de ética, Historical Archaeology in Latin America, 5, p. 1-‐24.
LIMA, Tania Andrade Lima (2001), A proteção do patrimônio arqueológico no Brasil: omissões, conflitos, resistências, Revista de Arqueologia Americana, 20, p. 53-‐79. LIMA, Tania Andrade (2007), A Arqueologia na construção da identidade nacional: uma disciplina no fio da navalha, Canindé, 9, p. 11-‐24.
LIMA, Tania Andrade (2011), Cultura material: a dimensão concreta das relações sociais, Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, 6, 1, p. 11-‐23.
LIMA, Tania Andrade (2013), Arqueologia como ação sociopolítica: o caso do Cais do Valongo, Rio de Janeiro, século XIX, Vestígios – Revista Latino-‐Americana de Arqueologia Histórica, 7, 1, p. 177-‐207.
LOPES, Jorge, Antonio Brancaglion Jr., Sérgio Alex Kugland Azevedo, Heron Werner Jr., (2013) orgs., Tecnologias 3D: desvendando o passado, modelando o futuro, Rio de Janeiro, Lexicon.
MARTÍN-‐BUENO, Manuel (2001) El monumento com fuente documental: La materialidad útil, SALDVIE II, p. 247-‐266.
MENEZES, Ulpiano Bezerra (2012), História e imagem: iconografía/iconología e além, in Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas orgs., Novos domínios da História, São Paulo, Elsevier, p. 243-‐262.
MERLEAU-‐PONTY, Maurice (2011), Fenomenologia da percepção, São Paulo, Martins Fontes.
MESKELL, Lynn (1998), Archaeology Under Fire – Nationalism, Politics and Heritage in the Eastern Mediterranean and Middle East, London, Routledge.
MILLER, Daniel (2005), Materiality: an introduction, in Materiality, Durham, Duke UNiversity Press, p. 1-‐50, http://goo.gl/QoDIfJ.
MILLICAN, Kirsty (2012) The Outside Inside: Combining Aerial Photographs, Cropmarks and Landscape Experience, Journal of Archaeological Method and Theory, 19, p.548–563.
MILLICAN, Kirsty (2012), The Outside Inside: Combining Aerial Photographs, Cropmarks and Landscape Experience, Journal of Archaeological Method and Theory, 19, 4, p. 548-‐563.
OLSEN, Bjønar, Michael Shanks, Timothy Webmoor and Christopher Witmore (2012), Archaeology: discipline of things, Los Angeles, University of California Press.
OWOC, Mary-‐Ann (2005), From the Ground Up: Agency, Practice, and Community in the Southwestern British Bronze Age, Journal of Archeological Method and Theory, 12, p. 257-‐281.
PEARSON, Anne (1984), Please Touch: an exhibition of animal sculptures at the British Museum, The International Journal of Museum Management and Curatorship, 3, p. 373-‐378.
PITKIN, Melanie (2013), Excavating an ancient Egyptian cemetery: pondering the ethics of working with human remains, goo.gl/Jdd0dT.
POLLARD, J. (2008), Prehistoric Britain, Oxford, Blackwell Publishing.
PYBURN, K. Ann (2007), Uma questão nada simples, Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 33, p. 25-‐25.
RAHAMAN, Hafizur and Beng-‐Kiang Tan (2011) Interpreting Digital Heritage: A Conceptual Model with End-‐Users’ Perspective, International Journal of architectural computing, 01, p. 99-‐114.
REDE, Marcelo (2012), História e cultura material, in Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas orgs., Novos domínios da História, São Paulo, Elsevier, p. 133-‐150.
RENNELL, Rebecca (2012), Landscape, Experience and GIS: exmplorion the potential for archaeological dialogue, Journal of Archaeological Method and Theory, 19, 4, p. 510-‐ 525.
RICHARD, François G. (2010), Recharting Atlantic encounters. Object trajectories and histories of value in the Siin (Senegal) and Senegambia, Archaeological Dialogues, 17, p 1-‐27.
SARAMAGO, José (1995), Ensaio sobre a cegueira, São Paulo, Companhia das Letras. SCHIMIDT, Sascha et al. (2005), LIDAR -‐ High Resolution Raster Data as a survey tool, The world is in your eyes -‐ Proceedings of the XXXIII Computer Applications in Archaeology Conference, Tomar, CAAPortugal, p. 255-‐260.
STOCKHAMMER, Philipp W. (2012), Conceptualizing cultural hybridization in Archaeology, in Philipp W. Stockhammer ed., Conceptualizing cultural hybridization: a transdisciplinar approach, Heilderberg, Springer, p. 43-‐58.
TILLEY, Chris, Webb Keane, Susanne Kuechler, Mike Rowlands and Patricia Spyer (2006) eds., Handbook of material culture, London, Sage.
WARNIER, Jean-‐Pierre (1999), Construire la culture matérielle. L’homme qui pensait avec ses doigts, Paris, Presses Universitaires de France.
WILKIE, Laurie and Kavin Bartoy (2000), A critical archaeology revisited, Current Anthropology, 41, 5, p. 747-‐777.
Sobre os instrutores
Ana Carolina Moliterno Lopes de Oliveira – mestranda em História Social no Programa de Pós-‐graduação em História e pesquisadora do NEREIDA – Universidade Federal Fluminense. Possui graduação em História pela UFF. Desenvolve pesquisa sobre Arqueologia Sensorial no Neolítico Irlandês.
Rennan de Souza Lemos – mestrando em Arqueologia e pesquisador do Laboratório de Egiptologia do Museu Nacional/UFRJ. Participa em atividades de preservação e ensino das coleções de arqueologia do Museu Nacional. Participou de escavações no Egito (Tell el-‐Amarna e Luxor) e realizou pesquisas no Instituto Francês de Arqueologia Oriental do Cairo. Atualmente é membro do Projeto de Conservação da Tumba de Neferhotep – Missão Arqueológica Argentina-‐Italiana em Luxor, Egito.