1
DISCURSO PROFERIDO PELO PRESIDENTE DA ANM, ACAD. JORGE
ALBERTO COSTA E SILVA, DURANTE A CERIMÔNIA DE POSSE DO NOVEL
ACADÊMICO JOSÉ SUASSUNA NA DATA DE 16/10/2018
Estamos aqui nesta noite para celebrar a chegada do Novel Acadêmico
José Suassuna a esta casa. José Suassuna tem todos os méritos, seja
como pessoa, como profissional, chefe de família, para aqui estar.
Chegou, sem sombras de dúvidas, fruto de seus méritos intelectuais,
científicos e profissionais. Parabenizo em nome da Academia Nacional
de Medicina do Brasil o Acadêmico José Suassuna. Parabenizo também
sua família, esposa, filhos e etc...
Apesar de aqui não estar nesta noite sua mãe e seu pai. Quero dizer que
seu pai, Prof. Ítalo Suassuna, meu mestre, homem admirável, a quem
tive a honra de suceder na Direção da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, etc. (falar).
Acadêmico José Suassuna, o acolhemos com muito júbilo, e muita honra.
Esta é também uma celebração, não somente para Vossa Excelência,
família e amigos, mas também para esta casa, casa de cultura e saber,
2
de tradição e de rituais que guarda a memória médica do nosso país,
pois a memória é um atributo fundamental para a existência de
qualquer fenômeno no universo, e no nosso caso, a memória científica e
cultural que nos permite olhar, conhecer, respeitar o passado e com isto
contribuir para a construção do futuro na Medicina.
Cabe como Presidente desta casa, ao final desta cerimônia, fazer alguma
reflexão dirigida, não somente ao Novel Acadêmico, família e amigos,
mas também aos demais convidados. Como médicos temos um
compromisso com a doença e o doente em todas as suas latitudes. O
papel do médico assim como a compreensão da doença e do doente vem
mudando através dos tempos. O médico na sociedade primitiva era um
sacerdote, o bruxo, que sabia como acalmar os deuses, conjurar os maus
espíritos, a par de algumas experiências do uso das ervas. Devia
consultar os oráculos para conhecer a natureza da doença de uma
pessoa e ser capaz de curá-la.
Todos os tempos tiveram pacientes que buscaram melhorias na religião
e não somente na medicina. Cada cultura deu lugar a formas definidas
3
Esculápio. Nas primeiras igrejas cristãs os doentes eram tratados durante
as orações.
O componente racional, empírico da medicina primitiva evoluiu
paralelamente ao desenvolvimento da civilização para um sistema da
medicina que excluía o transcendental que estava baseado na
observação e na razão. O médico hipocrático já não era mais um
sacerdote e muito menos bruxo, mas um artesão e como tal se formava.
No início da idade médica a maioria dos doutores eram clérigos,
mantidos pela igreja e seus serviços eram caritativos. Essas condições
tradicionais se mantiveram por vários séculos ainda depois, em que
muitos leigos ingressaram na sua prática. Mas, já aí na prática privada,
todos deveriam cumprir os rigorosos critérios aprovados pelas
faculdades de medicina.
O mundo medieval era um mundo estático e cada um nascia com um
status bem definido, onde todos os aspectos da vida eram regulados por
um organismo com plena autoridade. Porém no século XVI as condições
mudam, quando começa a se desenvolver uma nova ordem econômica
que apelava a livre iniciativa, livre competência aos valores individuais
4
para conservar seu poder tradicional aferrando-se as tradições. O poder,
então, de regular a prática médica foi assumido gradualmente por
entidades estatais. Esta nova ordem afetou de maneira muito profunda
a profissão médica. Encontrou no mundo competitivo em que as
profissões deixaram de ser missões divinas para ser um modo de ganhar
a vida.
Novamente os médicos tiveram que vender seus serviços a quem podia
comprá-los, como fazia o médico artesão grego. Ao mesmo tempo,
contudo, perdurou e ainda se estendeu o ponto de vista cristão segundo
o qual, todo mundo, pobre ou rico, teria direito a atenção médica,
surgindo daí uma contradição que ainda estamos sofrendo.
Os médicos lutaram heroicamente contra a comercialização da medicina,
mas no mundo regido por suas necessidades econômicas, tiveram que
vender seus serviços competindo entre si para sobreviverem e se
manterem. Novamente no mundo de hoje essa contradição se aguça. No
momento em que é cada vez maior o número dos que necessitam de
cuidados, mais os serviços sofisticam não chegando a todos, mas
somente àqueles que podem pagar por esta medicina de excelência. Daí
5
doente, de uma medicina voltada para a massa necessitada de
tratamento e com pleno direito a ele, independentemente de poder
pagar ou não e passível de ser avaliado dentro de um modelo de
atendimento médico e o que não é.
Para VIKTOR VON WEISZACKER a maior característica da medicina atual
foi a introdução do sujeito no pensamento e nos trabalhos do médico. O
doente deixa de ser um simples objeto e até mesmo por vezes deixou de
ser objetivado e passou a ser visto e tratado como sujeito. Mas esta
introdução do sujeito na medicina não foi possível se realizar
historicamente, sem aquilo que LAIN ENTRALGO chamou de revolta do
sujeito que se apresenta como elemento social e elemento clínico.
A revolta social consiste exatamente nas conquistas no campo social,
político e econômico que possibilitaram a imposição e colocação da
medicina como extensiva a todos os homens, portanto a possibilidade
de uma medicina de massa. No elemento clínico, a revolta do sujeito foi
aquela em que na relação médico paciente, o coloca como pessoa e não
mais simples objeto, sendo um sujeito dotado de inteligência,
6
Na comunicação entre médico e doente, os elementos que devemos
entender hoje em dia por esta prática, são os elementos de ordem
afetiva, cognitiva, cooperativa e ética da relação médica e a condição
social do doente.
A doença é a essência de um fenômeno que se substancializa no homem
doente. O individualiza num homem concreto, único, que vem ser a
pessoa com sua trajetória existencial e tudo que ela comporta.
Todos os conceitos expostos mostram que a doença humana ao
encontrar suas substancialidades no homem concreto que a sofre, a
personaliza e a individualiza e o faz com seu caráter biográfico, pessoal
levar ao desenvolvimento de uma medicina antropológica. Dentro desta
medicina o homem é compreendido como uma totalidade indissolúvel
onde se busca, portanto, em ciência, a superação da divisão cartesiana
do homem. Novas dimensões naturalmente são trazidas assim a
compreensão do fato mórbido. Com isso se procura hoje em dia uma
reformulação dos critérios, nos quais se fundamentam a prática clínica,
desde o diagnóstico, semiologia, nosologia, à interpretação dos modelos
7
adoecimento humano ter, conduz a uma reformulação das estruturas de
assistências hospitalares e extra hospitalares.
Também, como não deveria deixar de ser, o desenvolvimento de uma
medicina social, de uma medicina preventiva e preditiva, com a
identificação do que vem a ser a doença para que o médico possa mais
precisamente, mais eficientemente, fazer aquilo que é um dos objetivos
fundamentais da medicina, o tratamento e a prevenção da doença.
Temos assistido no nosso século uma profunda modificação nos
conceitos técnicos, científicos da medicina e isto impacta a prática
médica, assim como a formação toda do médico, a gestão da saúde,
como a ampliação da equipe de saúde que hoje não somente de
médicos, mas também paramédicos e não médicos, pois contamos hoje
com a contribuição importante, em função da mecanização, da
informatização da medicina, a presença de engenheiros, físicos,
matemáticos, especialistas em informática, etc., assim os profissionais
responsáveis pela pesquisa, ensino, diagnóstico, atenção ao paciente, ela
é realmente multiprofissional. Porém, o fundamento da clínica médica
está na relação médico paciente. Como disse BALINT, no primeiro
8
sintomas nítidos e o doente vai construir com o médico a sua doença a
partir do seu primeiro contato.
Daí a importância que o médico tem por fazer parte do universo do
doente e como este passa a fazer parte do seu universo também. Sem
compreender a importância dessa relação dual, homem a homem,
concreto que se estabelece entre médico e paciente jamais poderemos
exercer bem a prática médica. Para isso o médico precisa compreender
não somente um pouco da sua dinâmica interior e conhecer a sua
própria pessoa, como conhecer a pessoa do paciente e da importância
àquele homem concreto que sofre diante de si, não somente debaixo de
suas queixas objetivas, mas em toda história que ele traz dentro de si.
Além disso conhecer sua posição de médico dentro da sociedade que o
molda e que atua sobre ele impondo determinado papel.
Não existe patologia local nem fenômenos reativos locais sem uma
inter-relação de órgãos e um sistema ao serviço do todo. Se falamos de
fenômenos locais é puramente a título convencional em caso da
repercussão totalitária, pouco aparente, ainda que nunca inexistente. Já
Hipócrates considerava o doente em sua totalidade e assim atualmente
9
organismo que a suporta e falamos de uma linguagem do neo
Hipocratismo.
Fazer algumas reflexões.
Citação de Voltaire em Cartas Inglesas.
"Devemos o nosso respeito àquele que domine sobre os espíritos pela
força da verdade e não àqueles que os escravizam pela violência; àquele
que conhece o universo e não àqueles que o desfiguram. "
Seja bem-vindo Acadêmico José Suassuna!
Presidente da ANM