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O designer como hacker do espaço urbano

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Academic year: 2021

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O designer como hacker do espaço urbano

Igor Gourlat Toscano Rios; William Girundi Gomes

___________________________________________________________________

resumo:

O presente estudo é um ponto de partida para compreender as novas atualizações de cidade. A arquitetura e o design moderno converteram a cidade em uma rede organizada de apelo e consumo, diminuindo a participação e a experiência corporal dos habitantes, uma vez que, eles preferiam fugir do caos urbano e se refugiar em locais privados (HENTSCHKE, 2012). No decorrer do século XXI, entretanto, a cidade volta a ser o palco de interação das pessoas, apresentando-se como um espaço de fluxos, e, principalmente, de informações e experiências. A mobilidade informacional, por exemplo, permite ao ser estar presente – mesmo que virtualmente – em diversos espaços. Essa virtualidade adiciona a cidade concreta e real diz respeito às cibercidades – termo relacionado ao que se compreende por ciberespaço. Ela é, acima de tudo, a anulação das distâncias entre os ocupantes, mesmo que seja a anulação de forma simbólica, pela comunicação sob forma digital (HENTSCHKE, 2012).

Assim como o ambiente virtual, a cibercidade é uma interface que pode ser manipulada de acordo com os interesses de seus moradores. Os moradores, assim como os hackers de computador, devem compreender o funcionamento da cidade e subverte-la a seu favor. O verbo “hackear” significa, literalmente, “rasgar”, “cortar”, “desmontar”. O trabalho de um hacker é igual ao trabalho das crianças que desmontam o ferro de casa para ver como é por dentro e entender como funciona (GUBITOSA, 2007). E, ninguém melhor do que os designers, criativos e conhecedores das técnicas de manipulação para hackear as cidades, potencializando o uso delas. Este artigo mais do que um referencial teórico, é uma forma de demonstrar e provocar aos criativos esse dever de trazer as pessoas de volta ao espaço que é delas por direto: a cidade.

palavras-chave:

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1. Introdução

O termo ‘cidade’, considerado aqui sinônimo de espaço urbano, hoje em dia, não está mais relacionado a visão de um espaço industrial modernista. A arquitetura e o design moderno converteram a cidade em uma rede organizada de apelo e consumo, diminuindo a participação e a experiência corporal dos habitantes, uma vez que, eles preferiam fugir do caos urbano e se refugiar em locais privados (HENTSCHKE, 2012). No decorrer do século XXI, entretanto, a cidade volta a ser o palco de interação das pessoas, apresentando-se como um espaço de fluxos, e, principalmente, de informações e experiências.

Conforme apresentado por Firmino (2005), os novos conceitos de cidade sugerem a superação da visão que trata o espaço como uma simples e asséptica porção física da vida urbana. É proposto que essa seja vista como um imbricado e heterogêneo ambiente de interações econômicas, políticas, sociais e culturais. (FIRMINO, 2005).

Dessa maneira, entende-se que a cidade não é feita somente do desenho de ruas e arquiteturas. O espaço urbano também é feito de sonhos, segredos, interpretações objetivas e subjetivas que vão colaborando em sua construção (ANDRADE, 2004). Adiciona-se atualmente ao desenho da cidade as redes virtuais que criam novos canais de informação e comunicação, operando mudanças nas relações sociais, econômicas e culturais (SOUZA; JAMBEIRO, 2011).

Neste contexto, a cidade vem sofrendo alterações estruturais nas relações tempo-espaço vivenciadas pelo cidadão (SOUZA; JAMBEIRO, 2011). Na relação com o espaço as distâncias diminuem e passam a não ser mais o único aspecto que influência na eficiência da mobilidade (HENTSCHKE, 2012). É nesse contexto que surge o conceito de cibercidades. Essa nomenclatura é utilizada para definir a intenção entre as cidades contemporâneas e os meios de propagação eletrônicos da informação através de redes virtuais (SOUZA; JAMBEIRO, 2011).

A cidade é vista agora como uma interface que transita entre os espaços concretos e virtuais. Conforme propõe Geraldo (2010), a cibercidade passa a ser um espaço dinâmico, intangível, ilimitado e multidimensional. E, o mais importante, ela passa a ser um espaço manipulado. Este é o ponto de partida para conseguir compreender melhor os espaço urbano atual e como os designers, sob a ótica tecnológica, podem manipular e potencializar a interação da cidade com os cidadãos.

2. A atualização da cidade contemporânea

O que se entende por cidade contemporânea até o início do século XXI, foi construído de acordo ao desenvolvimento das telecomunicações, da cibernética e da interação entre estes dois campos (SOUZA; JAMBEIRO, 2011). Construiu-se também a adoração a espaços público-privados recheados de consumo e de tecnologias que retiraram a presença corporal das pessoas dos espaços urbanos e os enclausuram dentre paredes.

Em tempo, a experiência urbana se atualiza constantemente. A configuração das cidades e seu limite territorial mudam de acordo com acontecimentos sociais, políticos, culturais. Dessa maneira, a mobilidade informacional possibilitou, agora no decorrer da segunda década do século XXI, a atualização do conceito de cidade. Mais do que um espaço físico e concreto, as cidades são interfaces de um ambiente real e virtual.

Conforme Hentsche (2012) afirma que o virtual não é oposição ao real, mas sim ao atual, no sentido de que o que é virtual pode ser facilmente atualizado. A virtualidade aumenta os graus de liberdade e cria um vazio motor que propulsiona a evolução e a criação de novas alternativas que originalmente não foram pensadas (HENTSCHKE, 2012).

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Pode-se dizer com alguma coerência que o que está em jogo são modificações espaço-temporais profundas que alteram, remodelam e inovam a dinâmica social (LEMOS, 2004). Assim como o sociólogo Zygmunt Bauman propõe, estamos diante de uma ‘modernidade líquida’. Somos forçados ou estimulados para nos transformarmos constantemente. Essa metáfora é relacionado ao fato que um líquido não se atém a qualquer forma e está constantemente pronto (e propenso) a mudá-la. O que importa, nesse caso, é o tempo e sua duração ao invés do espaço ocupado, que é preenchido momentaneamente (BAUMAN, 2001). E o mesmo acontece com as cidades contemporâneas que se atualizam constantemente. Elas são líquidas por natureza.

Segundo Lemos (2004), na medida em que as máquinas e o virtual desse ambiente contemporâneo vão se desplugando, a mobilidade informacional cresce sem parar. E assim mais do que apenas cidades contemporâneas, elas são atualizadas para cibercidades. A cibercidade é a cidade na cibercultura, preenchida e completada por novas redes telemáticas que se somam as redes de transporte, de energia, de saneamento, de iluminação e de comunicação (LEMOS, 2004). O espaço urbano é visto a partir de então como um sistema de serviços e experiências cuja sua potência é praticamente ilimitada (CUNHA, 2008).

É com a emancipação dos fios, desencadeando uma maior mobilidade informacional, que as pessoas voltam, agora com os seus telefones celulares, conectados às redes a todo o momento, a ocupar o espaço urbano (HENTSCHKE, 2012). De acordo com Lemos (2004), essa atualização do espaço urbano, o ciberespaço, é a anulação das distâncias entre os ocupantes, mesmo que seja de forma simbólica, pela comunicação sob forma digital. Como propõe Geraldo (2010), o ciberespaço atualiza a cidade para ser um espaço dinâmico, intangível, ilimitado e multidimensional.

3. Cibercidades

A cidade contemporânea não é mais e somente um objeto de consumo. Ela passa por transfigurações importantes com o advento das novas tecnologias da comunicação e informação (LEMOS, 2004). Mais do que compreender apenas o funcionamento de seu espaço concreto, é necessário entender as interações que o ambiente virtual possibilitam experimentar. Essa nova dimensão espacial propicia explorar novas formas de vivência que resulta nas interações e conexões entre hardware, software e pessoas (DARODA, 2012). Essa é a atual configuração das cidades contemporâneas, a cibercidade.

O termo cibercidade é relacionado ao que se compreende por ciberespaço. E é esse que proporciona uma das características mais fundamentais da vida de uma cidade: a anulação das distâncias entre os ocupantes, mesmo que seja a anulação de forma simbólica, pela comunicação sob forma digital (HENTSCHKE, 2012).

Não se trata de uma anulação das cidades de aço e concreto mas uma reconfiguração profunda (LEMOS, 2004). As cibercidades passam a evidenciar as relações complementares entre cidade física e a virtual e não a sua desmaterialização e substituição total (LEMOS, 2004). Em termos mais práticos, hoje as tecnologias da cibercidade estão reorganizando a distribuição do trabalho, do varejo, dos serviços e das atividades de manufatura e lazer (LEMOS, 2004).

A virtualização do espaço não altera apenas a natureza do espaço físico, mas amplia também o sentido de presença, estabelecendo um novo campo para experiências (DARODA, 2012). E, através de interfaces que conectam o mundo físico e o mundo virtual, transitamos entre os dois domínios (DARODA, 2012). As cidades expandem suas fronteiras, presas antes à espaços fechados, de forma ilimitada criando a ideia de urbanização infinita.

As telecomunicações não estão simplesmente substituindo o espaço. Elas definem como o espaço vai ser entendido, usado e controlado (LEMOS, 2004). Entende assim que a cidade é desafiada por ideias que consideram o espaço urbano completamente ‘sem limites’ e aterritorial, estimulando

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novas maneiras de se pensar e agir sobre ele (FIRMINO, 2005). Neste sentido, Bauman (2001) afirma que:

Quando a distância percorrida numa unidade de tempo passou a depender da tecnologia, de meios artificiais de transporte, todos os limites à velocidade do movimento, existentes ou gerados, poderiam, em princípio, ser transgredidos. Apenas o céu era agora o limite, e a modernidade era um esforço continuo, rápido e irrefreável para alcançá-lo (BAUMAN, 2001, p. 16).

Aparece, com a cibercidade, uma nova relação entre o espaço urbano e a interação comunicativa (LEMOS, 2004). No decorrer dos atuais cenários urbanos, pode-se perceber a experimentação de novas práticas sociais e de seu reflexo na cidade (DARODA, 2012).

Dessa forma, é a internet a principal tecnologia que direciona a essa mobilidade informacional e quebra a forma estática das cidade: emissor-mensagem-receptor, permite que o usuário também produza a mensagem. Contribuindo assim para democratizar os processos comunicacionais (FONTES; GOMES, 2013). O mesmo acontece com as cidade. O cidadão consumidor passivo transforma-se paulatinamente em um cidadão hiperconectado sendo obrigado a interagir cada vez mais com as redes e instrumentos de comunicação digitais (LEMOS, 2004). Os cidadãos produzem e manipulam a cibercidade.

Se na era da modernidade industrial ser excluído significava estar fora do círculo do consumo e produtos, bens e serviços, na cidade-ciborgue da era pós-industrial ser excluído significa não ter instrumentos materiais e/ou cognitivos para surfar o mundo do ciberespaço, para interagir de forma autônoma com o fluxo cada vez mais crescente de informações digitais em redes (LEMOS, 2005, p. 28).

Entre cidade e experiência, a interface tecnológica se apresenta como possibilidade de reconhecimento, conhecimento e produção das relações espaciais reais e potenciais das cidades (MARCHI, 2011). A cibercidade nada mais é do que um conceito que visa acentuar as formas de impacto das novas redes telemáticas no espaço urbano (SOUZA; JAMBEIRO, 2011). Assim como afirmam os mesmos autores, esse conceito de cibercidades não é para ser pensado como uma novidade radical, mas sim, como uma convergência das tecnologia de informação e de comunicação com o espaço urbano contemporâneo.

Extrapolando essa definição, o conceito de cibercidade diz mais do que quais técnicas e tecnologias, como a internet por exemplo, que são empregadas para compor a cidade. A cibercidade tratando a cidade como uma interface (entre o digital e o real) diz a respeito ao potencial que as pessoas tem em transformas o espaço urbano com o auxílio da ótica tecnológica. É uma forma de ampliar o olhar e as possibilidades de atuação em uma cidade e compreender da melhor maneira possível o seu dinamismo e seus – mesmo que líquidos – processos de transformação.

3.1 O flâneur das cibercidades

A atualização do espaço urbano e do olhar sobre ele é para ser feita de forma subjetiva através de experiências, informações e pessoas que o vivenciam a todo momento. É caminhando e, principalmente, através das errâncias urbanas, que experimenta-se e constrói o que se compreende pelo espaço. Esse conceito diz respeito ao movimento de perder-se na cidade e apropriar-se, de certa forma, do espaço urbano (HENTSCHKE, 2012).

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Careri (2002) escreve que pode-se construir uma história do caminhar como forma de intervenção urbana que traz consigo os significados simbólicos do ato criativo primário: a errâncias como arquitetura da paisagem. Foi dessa maneira que os limites espaciais se mostraram menos rígidos. Entre o interior e exterior, entre o dentro e fora, entre público e privado (CARERI, 2002).

Perder-se significa que entre nós e o espaço não existe somente uma relação de domínio, de controle por parte do sujeito, mas também a possibilidade do espaço nos dominar (CARERI, 2013). O exercício de perder-se é o risco de não encontrar-se, é o medo de sair da rotina (YURGEL, 2012). Se orientar em uma cidade não significa muito. No entanto, perder-se numa cidade requer instrução (BENJAMIN 2004). E, saber instruir-se requer perder-se. É estando perdido que o indivíduo se descobre, mais do que nunca, entranhado na cidade (YURGEL, 2012).

Articulando os conceitos aqui apresentados a respeito do espaço urbano e de sua criação, surge a imagem do flâneur como referência da construção da paisagem através do caminhar, perder e olhar. Ser ótico por excelência, o flâneur reinventa a paisagem urbana através de articulações topológicas que invertem as relações espaço-temporais (RIBEIRO, 2004).

Descrito em obras de autores como o poeta francês Charles Baudelaire e o filosofo alemão Walter Benjamim, o flâneur é a representação de um observador que caminha tranquilamente pelas ruas, aprendendo cada detalhe, sem ser notado e que busca uma nova percepção da cidade (PASSOS et al. 2003). Como o Massagli (2008) bem define, diferentemente de filósofos ou sociólogos, o flâneur não procura por conhecimento e sim por experiência: ele gasta a maior parte do seu tempo simplesmente olhando o espetáculo urbano (WILSON, 2013).

A cidade é o templo para ele; o espaço sagrado de suas perambulações. Nela ele se depara com sua contradição: unidade na multiplicidade, tensão na indiferença, sentir-se sozinho em meio a seus semelhantes (MASSAGLI, 2008).

É esse, portanto, um cenário perfeito para o aparecimento dessa figura que está em todos os lugares e ao mesmo tempo em nenhum lugar (PASSOS et al. 2003). Ao errar entre as galerias e bulevares, ao passar pelos mercados, o flâneur é o ser que vê o mundo de uma maneira particular, sem a pretensão de explicar, mas com a intenção de mostrar, levando a vida para cada lugar que vê (MASSAGLI, 2008).

Contudo a imagem do flâneur apresentada referência a um espectador apenas de um espaço real. Sabe-se que o espaço urbano atual incorpora além desse espaço real, o espaço virtual - o ciberespaço. Assim como propõe Geraldo (2010), o espaço real é estático, tangível, finito, mensurável, territorial, enquanto o ciberespaço dinâmico, intangível, ilimitado, multidimensional.

E dessa maneira, quando se trata das cibercidades, líquidas também por natureza, quem caminha pelos espaços é agora o ciberflâneur. O sujeito fruidor passa a dispor de possibilidades alternativas de contato e [ciber] percepção com os ambientes urbanos e públicos (MATUCK e SILVA, 2015). Esse surge, assim como seu antecessor, em um contexto de grandes transformações promovidas desta vez pela popularização das novas mídias (GERALDO, 2010) e a virtualidade delas.

O ciberflâneur torna-se observador que olha sem julgar, que busca a imersão e não a compreensão, que clica desesperadamente sendo levado à novos espaços digitais (LEMOS, 2005). O ciberespaço passa a ser pensado metaforicamente como um imenso hipertexto formado por espaços heterogêneos que se conectam através do exercício do flâneur: o andar/clicar (LEMOS, 2005).

Em ambos os processos está em jogo um arranjo do espaço (físico ou cibernético) através de um modelo de conexão generalizada, descentralizada, cujo ponto de partida é constantemente deslocado através da atividade da errância (LEMOS, 2005). O importante é que para ambas personagens (o flâneur e o ciberflâneur) a relação com o espaço continua mediada pelo olhar (RIBEIRO, 2004). E, portanto, é possível visualizar este cruzamento entre espaços físicos e virtuais

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como um espaço de relacionamentos que faz parte da vida cotidiana, como a cidade foi e continua a ser (GERALDO, 2010).

3.2 A cibercidade como espaço cíbrido

Daroda (2012) referência Mitchell (2002) ao definir as cibercidades como espaços híbridos formada pela sobreposição de objetos virtuais em relação ao meio físico, apontando a conectividade e a mobilidade como principais articuladoras de novas formas de sociabilidade urbana configurada por meio de redes invisíveis. O espaço urbano configura-se hoje como um espaço hibrido, ou como alguns autores definem, espaço cíbrido, formado por camadas digitais e físicas.

Os dispositivos móveis proporcionam aos usuários acesso imediato e universal a novos serviços, e consequentemente, proporcionam novas formas de interatividade no espaço urbano (DARODA, 2012). É importante ressaltar que não se trata da substituição das cidade de aço e concreto, mas de uma reconfiguração profunda (LEMOS, 2004).

As barreiras e os limites impostos à cidade, aos poucos são quebrados e dissolvidos por essa possibilidade de penetrar em todos espaços configurando mais ainda a cidade como um ambiente híbrido. Segundo Lemos (2004) estamos diante a mutações importante no que vem a ser o espaço urbano (suas práticas, suas formas econômicas, o exercício da política, a constituição e transição de cultura) e não a sua dissolução meramente no espaço eletrônico-virtual. A cibercidade é a cidade mundial (LEMOS, 2004).

FIGURA 1 – Modelo da cidade híbrida contemporânea Fonte: Firmino (2005, p.8)

O que é importante sobre esta conceituação de um espaço hibrido e simbiótico, é a natureza integrativa e pervasisa com que as tecnologias telemática são consideradas partes do espaço como um todo (FIRMINO, 2005).

Diante de novas possibilidades, reais e virtuais, os eventos efêmeros, por exemplo, juntamente com as redes virtuais, podem contribuir para os novos usos do espaço público (DARODA, 2012). Grupos sociais estão estabelecendo relações de proximidade por meio online formando organizações virtuais que ocupam o espaço real.

O conceito de cibridismo foi introduzido por Beilguelman (2004) para nomear as produções culturais atuais em um realidade online e off-line. Mais do que um ambiente híbrido digital, o espaço cíbrido expande sua potência às relações pessoais em quaisquer uma dessas realidades por considerar

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essa também parte da formação das cidades. Esse ambiente possibilita não só navegar, mas mergulhar e explorar o território em derivas mapeadas por softwares (MATUCK; SILVA; 2015).

Neto (2013) ao explicar esse novo espaço cíbrido referência Domingues (2008):

As conexões cíbridas, hibridizam o ciber com o físico, em computação ubíqua, ligando lugares diferentes, por hardware e software, portados na mão handless, unicamente

off-line, no lugar, ou on-off-line, e sem fio em conexão móvel em relação a rede. Ao interagir

com ambientes digitais ou sintetizados em gráficos 3D, renderizados em tempo-real, ou por abstração em visualização de dados de imagens que não eram imagens, como mapas e traçados geolocalizando lugares, vasculhando o corpo nas ciências médicas, o cosmos se revela graficamente em códigos de geografias e topografias de textualidades numéricas. (DOMINGUES, 2008, p. 101).

4. Hackear as cibercidades

“Na sociedade da interface pode tornar mais fácil hackear o tecido urbano e apropria-lo para nossos usos1.” (AMPATZIDOU et. al, 2015, tradução pelos autores).

Os espaços cíbridos são conectados a todo momento. São feitos de uma interface digital em detrimento ao real. Entretanto, deve-se ficar atento a essa conectividade: Martijn de Wall em seu livro The city as

interface enfatiza que as cidades podem possuir as melhores redes de informação, servir ao virtual da

melhor maneira possível, desde que, e sempre que, souberem para quem essa virtualidade está sendo projetada. A cidade é feita para e por pessoas e isso não deve ser esquecido. O autor crítica a visão de que é a magia do software com que uma cidade funcione. Os softwares na verdade, exercem as atividades escritas - por pessoas - em seu código.

O autor crítica ainda que, quase sempre, coloca-se todo o foco em deixar as cidade mais eficientes. Contudo, uma das coisas mais excitantes da cidade são as ineficiências, os confrontos, os espaços públicos, os diferentes tipos de pessoas2.

Os softwares foram feitos para regular tudo isso. O que eu estou tentando dizer é que nós não devemos pensar na tecnologia como algo neutro. Essa ferramenta pode ajudar, mas ela também molda o mundo de um jeito particular. E de que jeito nós queremos que a tecnologia molde a cidade? Essa é uma discussão enorme, que não é muito feita. Nós só pensamos em deixar a cidade mais eficiente.3

Muito se fala de ‘smart city’ ou ‘cidade inteligente’ como uma proposição de cidades. Conforme Sá (2015) acrescenta, esse é um conceito associa, por exemplo, a possibilidade crescente de vincular o virtual e a rede a objetos e componentes construtivos contidos nos espaços urbanos – internet das coisas –, e tornando a presença da computação no ambiente cada vez menos perceptível e mais intuitiva. A visão atual das ‘smart city’ se concentram no desenvolvimento de plataformas que tornam a cidade mais eficiente.

1 In the platform society it may become easier to ‘hack’ the existing fabric of our cities and appropriate it for our own uses. 2 WALL, Martijn. Superinteressante, 2015. Entrevista concedida a Camila Almeida.

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Entretanto, essa visão se concentra na noção mal definida de ‘inteligência’ e a relação do termo com as cidades. Ela refere a uma visão simplificada do que as cidades realmente são

4(AMPATZIDOU et. al, 2015, tradução pelos autores). O que é considerado ‘inteligente’ ou

intervenções inteligentes são implicitamente conduzidos por uma lógica de consumo e controle e não na capacitação dos cidadãos a serem jogadores, desbravadores e articuladores ativos em suas cidades

5(AMPATZIDOU et. al, 2015, tradução pelos autores).

Dessa maneira, Martijn de Wall juntamente com outros autores propõe que deve-se ‘hackear’ as cidades e escrevem o manifesto The Hackable City 6(2015). A cidade deve ser entendida como uma

interface manipulável. E, uma das formas mais eficientes de manipular essa interface é, assim como no ambiente virtual, através da presença dos hackers. Extrapolando a visão pejorativa que desenvolve-se a respeito dos hackers, o termo hacking diz respeito a usar algo além de sua função prevista. Diz respeito a quem se dedica, com intensidade incomum, a conhecer e modificar os aspectos mais internos de dispositivos, programas e redes de computadores.

Os ‘hackers da cidade’, com conhecimento de técnicas, de tecnologias, do espaço concreto e do espaço virtual, subvertem a ordem dela em detrimento aos usuários. O verbo “hackear” significa, literalmente, “rasgar”, “cortar”, “desmontar”. O trabalho de um hacker é igual ao trabalho das crianças que desmontam o ferro de casa para ver como é por dentro e entender como funciona 7(GUBITOSA,

2007, tradução pelos autores). De modo geral, os hackers são aqueles que não sentam para teorizar sem parar, eles apenas começam a agir 8(AMPATZIDOU et. al, 2015 tradução pelos autores).

Assim como o ferro de passar, as redes de computadores, os programas e os dispositivos, a cibercidade é uma espaço ‘hackeavel’. Martjin de Waal escreve ainda que na esfera da colaboração, hackear a cidade é trabalhar na direção do bem comum. A cidade precisa ser vista como uma plataforma aberta que pode ser hackeada³. Mais do que vista como um organismo vivo, a cidade deve ser compreendia como um sistema ou uma interface passível de modificação. A cidade está agora aberta a novas possibilidade pelas quais uma ampla variedade de atores decidem, projetam, progridem, administram e apropriam a cidade física de forma virtual 9(AMPATZIDOU et. al, 2015, tradução pelos

autores).

Mais do que dizer que as cidades são apenas inteligentes, como defende o próprio manifesto, as cidades cíbridas são inteligentes quando usam as infraestruturas urbanas de maneira mais eficiente encontrando formas mais flexíveis de programar as cidades, mobilizar multidões, organizar comunidades. Conforme pode-se observar no diagrama da Figura 2, a cidade não é mais uma interface construída e manipulada apenas por uma diretriz, como o governo por exemplo. Ela é uma estrutura que deve ser compreendida e usada por todas as pessoas interessadas.

4By and large these criticisms have focussed on the ill-defined notion of “smartness” in smart city visions, targeted the simplified view of

what cities actually are.

5Many so-called “smart technologies” or smart interventions are implicitly driven by a logic of consumption, control, and capsularization

but do not empower citizens to become active players in their cities.

6http://www.publishinglab.nl/wp-content/uploads/2016/01/HvA_HackableCities_DEF_spreads-cover.pdf

7

Il verbo “to hack” significa letteralmente “fare a pezzi”, “smontare”, e il lavoro dei primi hacker è simile a quello di quei bambini che smontano il ferro da stiro di casa per vedere come è fatto dentro e capire come funziona.

8Hackers don’t sit down to endlessly theorize, they just start patching up any problem with the means they happen to have at hand. 9The ways in which a broad variety of actors decide upon, design, program, manage and appropriate the physical city and its social life.

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FIGURA 2 – Diagrama da hackeamento das cidades composto por (i) design profissionais; (ii) tecnologia digital e novas mídias; (iii) cidadãos e (iv) instituições – tradução pelos autores

Fonte: The Hackable city (2015, p.9)

É importante ressaltar que o conceito de cidade hackeável não diz respeito a um ‘remédio’ simples que pode ser aplicado às cidades. Em vez disso, é uma lente através da qual pode-se discutir questões relacionadas a estrutura das cidades10 (AMPATZIDOU et. al, 2015, tradução pelos autores).

Para concluir o raciocínio até então, uma cidade hackeável é uma cidade que permite que cidadãos e/ou designers se imaginem como agentes de mudança social11 (AMPATZIDOU et. al, 2015, tradução pelos autores). Se tratando de espaços públicos, por exemplo, o hackear não tem apenas o objetivo de criar espaços que obriguem os usuários a interagirem (DARODA, 2012). Os usuários utilizam ferramentas digitais para ‘hackear' o meio ambiente, a infraestrutura ou os recursos, não tanto para o ganho pessoal, mas sim na perspectiva de um objetivo comum ou interesse coletivo12 (AMPATZIDOU et. al, 2015, tradução pelos autores).

A proposta é oferecer dinâmicas criativas e, agora sim, inteligentes que o convidem e guiem para o espaço público, já que as pessoas precisam do estimulo enquanto orientação, para se movimentarem (DARODA apud THWAITES; SIMKINS, 2007).

4.1 O designer como hacker do espaço urbano

Tendo em mente que a cidade é uma interface a ser manipulada de acordo com interesses de quem nela habita, são os designer, assim como os arquitetos e urbanistas, profissionais que devem frente a essas mudanças. Não está sendo desconsiderado aqui que todas as pessoas podem, de maneira mais simples - desde que eficiente - hackear a cidade. Esse estudo é um incentivo ao designer como profissional na área de criação e manipulação, a responsabilidade de repensar a cidade. E não precisa de muito.

10The concept of the hackable city is not a simple remedy that we can apply to our cities. Rather, it’s a lens through which we can discuss

issues related to the use of digital media in citymaking.

11To conclude, for us a hackable city is a city that allows citizens or designers to envision themselves as social change agents.

12That is: they make use of digital tools to appropriate (‘hack’) one’s environment, infrastructure or resources, not so much for personal

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Para ilustrar de forma simbólica, um dos projetos mais conhecidos que subverteu a ordem da cibercidade de forma simples e prática foi o projeto ‘Paraiso do golfe’13. Desenvolvido pelo coletivo

porto-alegrense Shoot the shit, o projeto teve a intenção de dar visibilidade ao péssimo estados das ruas de Porto Alegre. Transformando o asfalto esburacado em um grande campo de golfe e vestidos como golfistas, carregando tacos, bolas e uma bandeira, os membros do coletivo caminharam pelas ruas dos bairros da cidade jogando golfe aproveitando os buracos que encontravam. E, em uma semana com o vídeo viralizado na web, a prefeitura tampou os buracos.

FIGURA 3 – Paraiso do golfe

Fonte: < http://www.shoottheshit.cc/paraso-do-golfe/ > Acesso: 06 de junho de 2017

De maneira simples e prática o que esse coletivo fez foi hackear a cidade. Descobriram os problemas do sistema e da interface da cidade, uma forma lúdica que repercutiriam esses problemas e por fim descobriram um meio de fácil acesso – e virtual - para transmitir as informações. Assim como as crianças que desmontam o ferro para conhecer o funcionamento; eles desmontaram a cidade. E, para concluir, o designer tem autonomia e conhecimento para isso, basta utilizar das ferramentas e do conhecimento em prol da cidade.

5. Considerações finais

O presente estudo é um ponto de partida para compreender a atual formação das cidades contemporâneas. Como apresentado anteriormente, se a arquitetura e o design moderno converteram a cidade em uma rede de apelo e consumo (HENTSCHKE, 2012), tem-se no decorrer do século XXI, a volta da cidade como palco de interação entre pessoas.

Essa volta está acontecendo no agora, no presente momento e a todo instante. Os estudos a respeito de cidade ainda vislumbram as cidades futuristas ou mesmo das cidades inteligentes deixando de lado que os acontecimentos que estão tomando conta da cidade – e sendo transmitidos para o mundo virtual – estão atualizando a noção de espaço urbano. De maneira paralela as cidades contemporâneas, fechadas em seus espaços limitados, a cibercidade compreende a própria sociedade e suas experiências como parte do seu desenho. A cidade é uma interface e precisa ser manipulada e atualizada constantemente. Mais do que esperar e cobrar ações de apenas uma esfera da cidade, como

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a prefeitura, por exemplo, a cibercidade possibilita que as pessoas voltem a ocupar o espaço urbano e reivindicar o seu uso.

Dessa maneira, esse estudo, mais do que deixar apenas um referencial teórico paras as próximas gerações compreenderem como a cidade do século XXI era, é uma forma de provocação. Uma provocação para as pessoas, e principalmente os designers, deixem os espaço público-privados com suas tecnologias e invenções que satisfazem apenas o ego do próprio inventor de lado. É uma provocação para compreender, manipular e hackear a cidade. É uma provocação para fazer com que as pessoas voltam a ter o que é de direito: a cidade.

7. Referências bibliográficas

AMPATZIDOU, Cristina; BOUW, Matthijs; KLUNDERT, Froukje van de; LARGE, Michiel; WALL, Martijin de. The hackeable city: a research manifesto and design toolkit. Amsterdam: 2015.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Liquida, Zahar. Rio de Janeiro: 2001. BENJAMIN, W. Passagens. Belo Horizonte: 2004.

CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como pratica estética, Loyola. São Paulo: 2013. CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como pratica estética, Loyola. São Paulo: 2002.

CUNHA, Erika Jorge Rodrigues da. A natureza do espaço urbano: formação e transformação de territoriais na cidade contemporânea. Belo Horizonte: 2008.

DARODA, Raquel Ferreira. As novas tecnologias e o espaço público da cidade

contemporânea, Porto Alegre: 2012

DOMINGUES, Diana; VENTURELLI, Suzete. Cibercomunicação cíbrida no ontinuum virtualidade aumentada e realidade aumentada – era uma vez ... a realidade. IN: Revista ARS, ECA-USP, São Paulo, 2008.

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Referências

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