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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

FACULDADE DE DIREITO

PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AMBIENTAL

DIREITO AGRO-AMBIENTAL

Tibério Bassi de Melo∗

Pelotas, 12 de novembro de 2002.

Sumário:

1. Introdução; 2. O Direito Ambiental; 3. O Direito Agrário; 4. Direito Agrário x Direito Ambiental; 5. Conclusão.

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1. INTRODUÇÃO.

Tomas Malthus, já no final do século XVIII, advertia quanto à escassez de alimentos para a humanidade, tendo em vista que o aumento populacional crescia a taxas muito superiores à produção agrícola.

Com o passar dos anos, em função da invenção de novas técnicas de produção e aproveitamento do solo, as previsões do reverendo Malthus não se concretizaram, sendo que atualmente, de acordo com a FAO, milhões de pessoas passam fome no mundo não pela escassez da produção agrícola, mas sim pela má distribuição desses bens de consumo.

Porém, os Governos de todos os países, visando fazer crescer suas economia, gerando emprego e renda à população e, consequentemente uma alta oferta de bens de consumo para um maior bem-estar, sempre incentivaram a produção agrícola, baseados em uma visão ilimitada dos recursos naturais não renováveis, que somente foi ou vem sendo modificada, a partir do estudo apresentado pelo Clube de Roma, na Conferência de Estocolmo em 1972.

Contudo, estes incentivos de produção agrícola permanecem até hoje, mas com uma outra visão, de ao mesmo tempo proteger o meio ambiente, que é a verdadeira e única fonte de riqueza da humanidade, sem a qual não há economia, emprego e até mesmo vida sob o planeta.

Este novo enfoque holístico, é o objetivo de se atingir um desenvolvimento auto-sustentável, visando um equilíbrio ecológico protegido não só para as presentes, mas também para as futuras gerações, que se otimiza com uma relação mais íntima e conjunta do direito agrário com o direito ambiental.

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2. O DIREITO AMBIENTAL.

Segundo Roxana Cardoso Brasileiro Borges o direito ambiental é “um dos instrumentos a serem usados para a proteção do meio ambiente, prevenindo, reprimindo e tentando reparar a degradação ambiental”.

Édis Milaré, conceitua este ramo do direito como um complexo de princípios e normas coercitivas das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando a sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações”.

O direito ambiental é uma ciência nova e autônoma, pois possui seus próprios princípios que o informam, declarados em Tratados Internacionais1, como também na Constituição Federal e em legislação infraconstitucional2, sendo eles:

O Princípio do Ambiente Ecologicamente Equilibrado, como Direito Fundamental da Pessoa Humana, segundo o qual, toda a pessoa humana tem direito a usufruir de um ambiente ecologicamente equilibrado, direito que passou a ser uma garantia constitucional, ganhando a condição de garantia fundamental, no “caput” do art.225 da CF, definida como uma das cláusulas

1 Em nível Internacional podemos citar, a título de exemplo, os seguintes diplomas: Decreto Legislativo 34,

de 16.06.1992, que aprova o texto da Convenção sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação, concluída na Basiléia, Suíça, em 22.03.1989; Decreto Legislativo 93, de 23.12.1992, que aprova o texto da Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares, concluída em Viena, Áustria, em 21.05.1963, como também, a Agenda 21, firmada na RIO-92, e do Tratado chamado de A Carta da Terra, firmado também no Rio de Janeiro, na chamada conferência RIO + 5, no dia 13 de março de 1997.

2 Em nível nacional, podemos citar, também a título de exemplo, a Lei 6.938/81 que dispõe sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente. A Lei 7.347/85 que dispõe sobre a Ação Civil Pública de Responsabilidade por danos causados ao meio ambiente. Constituição Federal de 1988. Lei 7.797/89 – Cria o Fundo Nacional de Meio Ambiente. Lei 8.171/91 – Disciplina sobre a Política Agrícola. Lei 9.605/98 – Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Lei 9.795/99 – Disciplina sobre a educação ambiental. Lei 9.985/00 que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).

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pétreas da Constituição Federal, uma vez que garante o direito à vida de todos os cidadãos brasileiros.

O Princípio da Natureza Pública da Proteção Ambiental, que também foi introduzido no ordenamento jurídico, tendo em vista que o direito ambiental, como decorrente das necessidades coletivas da sociedade em defender os bens de uso comum do povo, visando um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, tratam-se de interesses transindividuais, relativamente à proteção dos bens ambientais, bens difusos, que exige uma natureza e caráter públicos, instituindo assim, concomitantemente, o “in dubio pró ambiente”, pois trata-se de bens inalienáveis e inapropriáveis pelos interesses individuais.

O Princípio do Controle do Poluidor pelo Poder Público, que concede poder de polícia à administração pública, para intervir na esfera privada, que resulte na manutenção, preservação e restauração dos recursos ambientais, com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, cristalizados nos art.5º, §6º da Lei 7.347/95 (Lei da Ação Civil Pública, que dá poderes ao Ministério Público de ingressar em juízo para proteger os interesses difusos, relativamente aos direitos do consumidor e do meio ambiente) e na própria CF em seu art.225, §1º, IV.

O Princípio da Consideração da Variável Ambiental no Processo Decisório de Políticas de Desenvolvimento, surgido nos E.U.A, com a introdução da exigência dos Estudos de Impactos Ambientais, através do qual se procura prevenir as agressões à natureza, avaliando-se, antecipadamente os efeitos da ação do homem sobre o meio ambiente.

O Princípio da Participação Comunitária, consagrado na declaração do Rio de 1992, segundo o qual o Estado deve dar poderes à sociedade civil organizada em participar e cooperar com a proteção do meio ambiente, bem de uso comum do povo, o qual foi contemplado na CF em seu art.225 caput, quando refere-se à coletividade, que se realiza com a participação da ONGs agindo cooperação e auxílio ao poder público.

O Princípio do Poluidor-Pagador (polluter pays

principle), assentado na vocação distributiva do direito ambiental, inspirada na

teoria econômica de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo devem ser internalizados, ou seja, que os agentes econômicos devem

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levá-los em conta ao elaborar os custos de produção e, consequentemente, assumi-los.

O Princípio da Prevenção, que pode se confundir com o princípio da precaução, tem a ver com às prioridades que se deve tomar ou ter, anterior ao provável dano ao meio ambiente, no sentido de reduzir ou eliminar as causas suscetíveis de provocar algum dano, tendo em vista que a degradação do meio ambiente, como regra é irreparável, que se cristalizou na norma contida no art.225, §1º, IV da CF, tendo sido introduzido através da RIO 92, pela Agenda 21, declarado como princípio da precaução.

O Princípio da Função Socioambiental da Propriedade, através do qual foi deixado para trás aquele conceito de propriedade como direito absoluto, ilimitado e inatingível, para condicioná-lo ao bem-estar social, à medida em que a partir de então, não há só limites negativos ao uso da propriedade, mas também limites positivos, ou seja, aqueles ligados ao destino da propriedade, seu dever em relação com a sociedade de, ao mesmo tempo, produzir e proteger o meio ambiente. Esses dispositivos que incorporaram ao conceito de propriedade sua função socioambiental, refere-se tanto à propriedade urbana, no art.182, §2º, como também à propriedade rural, no art.186, ambos da CF.

O Princípio do Desenvolvimento Sustentável, que completa o princípio anterior, considerando que os recursos ambientais são finitos, buscando a harmonia entre economia e meio ambiente. O desenvolvimento deve ser alcançado de forma planejada para que os recursos não deixem de existir. Enfim, é o princípio que permite o desenvolvimento desde que sejam atendidas às necessidades do presente, sem comprometer as das gerações futuras.

O Princípio da Cooperação entre os Povos, esculpido no art.4º, IX da Constituição Federal, segundo o qual, demonstra a consciência de que o meio ambiente não tem fronteiras, assim como sua degradação não atinge somente as comunidades locais, mas também as globais. Portanto, esse princípio relaciona-se também com o princípio de que é necessário pensar globalmente e agir localmente, como também do acesso equitativo aos recursos naturais, para proteger o meio ambiente para toda a humanidade e não apenas para um grupo privilegiado dos habitantes terrestres, tanto para as presente, como às futuras gerações.

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Podemos afirmar ainda, que o Direito Ambiental é um ramo do direito público, destinado à proteção dos bens ambientais, chamados macrobens, que são os bens de uso comum do povo, que não se confundem com os bens públicos, pois tratam-se de bens de caráter difuso, que podem estar na esfera de responsabilidade dos interesses privados ou públicos, como por exemplo as áreas de preservação permanente, definidas pelo art.2º e 3º do Código Florestal (Lei 4.771/64), e as áreas de reserva legal, definidas pelos arts.16 a 44, também do C. Florestal, que afetam a propriedade, através da obrigatoriedade de sua proteção e manutenção integral.

O Direito Ambiental, além de ter uma relação muito próxima com o direito administrativo, através do qual, pelo poder de polícia dos órgãos da administração pública, impõe os limites de uso e fruições adequadas à propriedade rural, como também, de forma prática é o meio pelo qual efetiva a função socio-ambiental dessa propriedade, como também é, fundamentalmente, multidisciplinar, à medida em que, não só tem relações com outros ramos do direito, mas extrapola às ciências sociais, uma vez que necessita da biologia, da engenharia, da geologia e tantas outras ciências que se relacionam para definir os limites e as formas de proteção e manutenção, quer de forma integral ou de manejo sustentável, dos espaços territoriais especialmente protegidos.

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3. O DIREITO AGRÁRIO.

O que marcou o nascimento e autonomia própria do Direito Agrário foi a Emenda Constitucional n° 10, de 10.11.64, que outorgou competência à União para legislar sobre a matéria ao acrescentar ao art. 5°, inciso XV, a anlíea “a”, da Constituição de 1946, a palavra agrário. O exercício legislativo dessa competência ocorreu em 30.11.64, quando foi promulgada a Lei n° 4.504, a qual foi denominada de Estatuto da Terra.

Segundo Wellington Pacheco Barros “O Direito Agrário pode ser conceituado como o ramo do direito positivo que regula as relações jurídicas do homem com a terra”3.

Já, para Raymundo Laranjeira o Direito Agrário é o conjunto de princípios e normas que, visando a imprimir função social à terra, regulam relações afeitas à sua pertença e uso, e disciplina a prática das explorações agrárias e da conservação dos recursos naturais”4.

Os princípios fundamentais que norteiam e informam toda a legislação sobre o Direito Agrário são os seguintes:

O Princípio da Função Social da propriedade, que é considerado uma regra de direito constitucional, pois abrange qualquer imóvel, tanto rural quanto urbano, traduz uma obrigação social de primeiramente atender às necessidades coletivas e só depois satisfazer as do indivíduo proprietário. Segundo Wellington Pacheco Barros: “No campo específico do direito agrário, tem-se a função social da propriedade quando ela produz, respeita o meio ambiente e as regras inerentes às relações de trabalho”5.

3 BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário, p. 16.

4 JÚNIOR, Vicente Gonçalves de Araújo. Direito Agrário, Doutrina, Jurisprudências e Modelos, p. 8 5 BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário, p. 20.

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O Princípio da Justiça Social, que baseia-se na aplicação das regras de direito agrário visando e buscando justiça social no campo, tendo como fim o homem trabalhador e a produção agrícola.

O Princípio da Prevalência do Interesse Coletivo sobre o Individual, tendo em vista que como a propriedade deve cumprir com sua função social, os interesses da coletividade, não só no sentido de que o titular do direito de propriedade dar a ela sua destinação exigida, de produzir alimentos para a sociedade, mas também, respeitando os bens ambientais, que são de uso comum do povo, não sendo plausível que o proprietário degrada esses bens, somente visando deleite individual.

O Princípio da Reformulação da Estrutura Fundiária, segundo o qual, como as regras de direito agrário são muito amplas, o sentimento do legislador era mostrar a necessidade de se reformular a estrutura fundiária até então existente, com o surgimento deste novo ramo do direito, relativamente à extinção da propriedade improdutiva ou extremamente explorada, levando a degradação do meio ambiente.

Princípio do Progresso Econômico e Social, através do qual as mudanças propostas visavam inovar nas relações fundiárias, buscar aumento de produtividade, não só individualmente, mas também socialmente com uma elevação na produção primária do país. Neste sentido, todos sairiam beneficiados: o homem do campo, cujo sustento advém do cultivo da terra, sua família e em escala maior, a sociedade.

Podemos acrescentar ainda, que o direito agrário, relativamente ao Estatuto da Terra, regula não só as relações do homem com a terra, exigindo que ele produza, mas também as relações contratuais relativas ao Arrendamento rural e Parceria Agrícolas, definindo um dirigismo a estes instrumentos, sempre privilegiando a produção de alimentos.

Nesse diapasão, o art.186, I, da CF, determina que a propriedade está cumprindo com sua função social quando atende ao

aproveitamento racional adequado. A lei 8.629/93, que trata da reforma agrária,

estabeleceu em seu art.9º, §1º, que considera-se racional e adequado o aproveitamento, que atinja os Graus de Uilização da Terra (GUT) e o Grau de Eficiência na Exploração (GEF), definidos no art.6º, §§1º a 7º.

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O Estatuto da Terra (lei 4.504/64) já definia a função social da propriedade e os requisitos exigíveis em seu art.2º §1º que foram mantidos praticamente sem modificações, alterados apenas na alínea “b” que dispunha: “mantém níveis satisfatórios de produtividade” para: “mantém

aproveitamento racional e adequado”, que, por sua vez, foram regulamentados

pela lei 8.629/93.

Para que a propriedade esteja cumprindo com sua função social, mantendo aproveitamento racional e adequado da terra, o GEF deve ser igual a 100% correlacionado com o GUT, que não poderá ser inferior a 80%.

O conceito do GUT é definido por duas expressões da lei 8.629/93: área efetivamente aproveitável e área aproveitável total do imóvel, definidos em seu art.6º §3º, donde se depreende que a preservação ambiental não está incluída nas exigências, com o que Getúlio Targino Lima e Celso Ribeiro Bastos, entendem que somente a atividade agrária pode dar a terra a sua função social, através da produção agrícola.

Como a atividade agrícola irracional é completamente contrária à noção de função ambiental da propriedade, sendo que em determinados casos a propriedade estaria cumprindo com sua função social quando não tivesse nenhuma atividade econômica.

Otávio de Mello Alvarenga entende que caracteriza-se como não utilizadas as áreas que não estejam sendo exploradas diretamente com atividade agrícola, e mantenham suas florestas, preservando o meio ambiente a biodiversidade e o controle da erosão.

Contudo, a lei deve ser interpretada de forma sistemática e não analítica e, desta forma, o art.10 que determina que para o efeito desta lei (8.629/93), consideram-se não aproveitáveis, IV as áreas de efetiva preservação permanente e demais áreas protegidas por legislação relativa à conservação dos recursos naturais e à preservação do meio ambiente.

Porém para Otávio Mello Alvarenga, esse dispositivo é excessivamente limitado não constituindo um incentivo a que o proprietário realmente proteja o meio ambiente, pelo contrário, estará incentivado ainda à sua degradação com o objetivo de tornar essas áreas também aproveitáveis e serem classificadas como produtivas, tirando-as do alvo da desapropriação para fins de

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reforma agrária, tendo em vista que o INCRA tende a desconsiderar a proteção ambiental para o critério da produtividade.

Sendo que a parte final do dispositivo amplia o leque de abrangência para toda a legislação ambiental, relativamente aos espaços territoriais de proteção especial, não somente a reserva legal e as área de preservação permanente.

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4. DIREITO AGRÁRIO X DIREITO AMBIENTAL

Como as atividades agrárias tem alto impacto sobre o meio ambiente, as políticas públicas relativamente ao meio ambiente devem observar esses incentivos, pois, segundo Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues, em muitos casos o princípio da ubiquidade, que objetiva a proteção do meio ambiente, localizado no epicentro dos direitos humanos, deve ser levado em consideração, sempre que uma política, atuação ou legislação sobre qualquer tema, atividade ou obra, tiver que ser criada e desenvolvida, o que não está sendo observado em muitos casos.

Pois, o órgão responsável pela reforma agrária, o INCRA, quase sempre se choca com o IBAMA, não respeitando as áreas de preservação permanente para declarar determinada área como sendo improdutiva, sem consultar o IBAMA, sobre se ali há ou não uma RPPN, por exemplo, a despeito do §1º do art.15 da lei 9.393/97, que determina a possibilidade de convênios entre o INCRA e o IBAMA e entre o INCRA e a FUNAI.

Desta forma, deve haver uma maior organização e otimização das políticas públicas e dos órgãos governamentais para melhor compatibilizar as ações, tanto agrárias como ambientais, considerando para tanto as legislações pertinentes, como a lei 8.629/93, a lei 4.504/64, (Estatuto da Terra), a lei 4.771/66 (código florestal) e a lei 9.393/97 (dispões sobre o ITR).

Além disso, é necessário esclarecer um conflito existente entre produtividade da propriedade rural, objeto do direito agrário e a proteção do meio ambiente e sua função social, relativamente aos dispositivos do art.186, II com o art.185, II da CF.

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Segundo Giselda Fernandes Hironaka, afirmou que a lei cristalizou o absurdo da inexpropriação da propriedade produtiva, ficando descompromissada com relação ao atendimento de sua função social.

O que ocorre é que a CF em seu art.185, II, excepciona a propriedade produtiva da desapropriação por interesse social, independentemente de estar cumprindo a sua função social ou não, tendo em vista que a função social é cumprida com o atendimento de todos os incisos do art. 186 e não somente do inciso I, que exige seu aproveitamento racional e adequado, através dos critérios acima definidos.

Isto significa que o proprietário que tiver uma propriedade produtiva não poderá ser desapropriado através da desapropriação por interesse social, em função do descumprimento da função social. E, sendo assim, poderá ser desapropriado, mas não através da desapropriação sanção, por descumprimento da função social o que lhe dará o direito de ser indenizado em dinheiro e não com títulos da dívida Agrária, resgatáveis em 20 anos.

Desta forma, a propriedade que estiver atingindo os graus de eficiência definidos pela lei 8.629/93, e, mesmo que não esteja utilizando adequadamente os recursos naturais, não terá sua propriedade desapropriada por não estar cumprindo com sua função social, independentemente de seu tamanho, conforme leciona Leandro Paulsen.

A regra geral do art.5º, XXIV da CF determina que a desapropriação por utilidade pública, por necessidade ou por interesse social será feita mediante justa e prévia indenização em dinheiro, havendo duas exceções a essa regra: a desapropriação do imóvel urbano que não esteja cumprindo sua função social, nos termos do art.182, §4º, indenizável com títulos da dívida pública resgatáveis em 10 anos, e, a desapropriação do imóvel rural que também não esteja cumprindo com sua função social, através de TDAs, nos termos do art. 184.

Além dessas exceções, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o inciso II do art.185 também excetua a propriedade produtiva da desapropriação, mesmo que não esteja cumprindo com sua função social, nos termos do art.184.

Parece haver uma antinomia insolucionável, diante das normas acima referidas, que somente pode ser solucionado através dos critérios

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da hierarquia, cronologia e especificidade. Porém, no caso do art.185, II, nenhum desses critérios parece ser adequado para solucioná-lo. Assim, é preciso recorrer à interpretação sistemática e não analítica e separada, a fim de dar um sentido que possa ir de encontro aos fins da ordem jurídica geral.

O art.184 autoriza a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, do imóvel que não estiver cumprindo com sua função social, função social essa definida pelos critérios do art.186 da CF.

Como pode então a CF no art.185, II, ignorar essas disposições e tornar inexpropriável a área que possa não estar cumprindo com sua função social, porque não desconsidera a legislação ambiental, a legislação trabalhista e exista em desacordo com o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores, somente porque é produtiva?

A lei 8.629/93 define o que é propriedade produtiva em seu art.6º. Ora, a propriedade produtiva, assim definida pela lei acima referida, atende apenas um dos requisitos do art.186 da CF, assim como apenas um dos requisitos do art.9º da lei 8.629/93, muito embora a função social somente é atendida quando estiverem presentes, simultaneamente, todas as exigências do art.186 e não apenas uma, estando aberta uma exceção a desapropriação, definida pelo art.185, II.

Marcelo Dias Varella entende que, se isso fosse possível, não seria importante a análise dos outros requisitos, pois se a propriedade for improdutiva poderia ser desapropriada, se produtiva não e, na prática, esta seria a única regra a ser observada.

Para o autor, a única exceção que realmente pode existir é a do inciso I do art.185, que desautoriza, para fins de reforma agrária, a desapropriação da pequena e média propriedade rural, desde que o proprietário não possua outra, estímulo que se dá à manutenção desses tipos de propriedade, que contribuem para fixar o homem no campo e distribui riqueza.

Desta forma, se optar-se pela prevalência do art.185, II, são anulados todo o art.186, o caput do art.184 e o inciso XXIII do art.5º, como também seria necessário afirmar a prevalência do art.185, II, sobre o art.7º e todos os seus 34 incisos, que tratam dos direitos dos trabalhadores rurais, pois o proprietário que não estivesse cumprindo com eles e, portanto, não estar cumprindo com sua função social, não poderia ser punido com a desapropriação

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de sua área, assim como a prevalência também sobre o Carpítulo VI que trata do meio ambiente.

Contudo, segundo Marcelo Dias Varella, é justamente esta a interpretação da maioria dos magistrados e do próprio INCRA nos casos concretos, contra a CF, contra o meio ambiente, contra o bem estar da sociedade brasileira e contra o direito de igualdade ao acesso ao progresso humano.

O critério proposto por Bóbbio para dirimir tal antinomia seria a eliminação do art.185, II e do art.186, não prevalecendo o critério segundo o qual a propriedade produtiva estaria livre de cumprir com sua função social.

Por outro critério, mantém-se as regras constitucionais, porém definindo que a propriedade produtiva de que fala o art.185, II, obedece também aos critérios da função social do art.186.

Portanto, a propriedade cuja exploração não respeita a vocação natural da terra, degradando o seu potencial produtivo, que não mantém as características próprias do meio natural, que agride a qualidade dos recursos naturais, não contribuindo para a manutenção do equilíbrio ecológico, nem é adequada à saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas está sujeita a sofrer desaproprieação.

A produtividade não pode ser compreendida e absorvida sem a atenção que merece a proteção ao meio ambiente. A propriedade produtiva não deve degradar o meio ambiente em nome da produção estará desautorizada a degradação dos componentes naturais, podendo assim, ser desapropriada por não estar cumprindo com sua função social.

Não se está defendendo a desapropriação da propriedade produtiva de forma descriteriosa, mas sim, trazendo à discussão a questão da função social, relativamente em um país que possui tanta terra improdutiva no domínio privado e, na mais das vezes, classificadas como latifúndios não por sua extensão, mas sim por sua inexploração.

Em última análise, o que se deve ter em pauta, é a proteção do meio ambiente, e a consequente desapropriação da propriedade que não o respeite, tendo em vista que é um bem de uso comum do povo e uma só pessoa não tem o direito de destruí-lo, única e exclusivamente para deleite individual. E, mantendo-se apenas o critério da produtividade, como é o que poderá ocorrer.

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Assim, os interesses difusos, relativos à proteção do meio ambiente e a qualidade de vida de todos, justificaria a desapropriação da propriedade produtiva que esteja descumprindo sua função social, em especial a legislação relativa ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, para as presentes e futuras gerações.

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5. CONCLUSÃO

Em última análise, podemos afirmar que a boa relação do direito agrário com o direito ambiental é o objetivo teleológico de ambos os ramos do direito, que definem, por outro lado, o próprio conceito de

Sustentabilidade, tão falado e tão almejado, tendo em vista que para o

cumprimento da função social e ambiental da propriedade rural, são exigidos, simultaneamente, que a propriedade atenda ao “aproveitamento racional e

adequado”, como também à “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”.

Pois, assim, como há o interesse social de que haja produção agrícolas, indispensáveis, não só ao bem-estar da população do país, que garantam a observância dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, insculpidos no incisos III e IV do art.1º da CF, há também o interesse social, não menos importante, à observância do direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, preservando-o para as presentes e futuras gerações, nos termos do “caput” do art.225 da CF.

Esta simbiose entre produção agrícola, dirigida pelo direito agrário e a proteção e manutenção do meio ambiente, dirigido pelo direito ambiental, é que se efetiva a Sustentabilidade.

Esta dupla função protetora decorre da proteção ao meio ambiente e, consequentemente, da própria propriedade, visando a manutenção de sua produtividade; como também, subjetivamente, dos interesses difusos da sociedade, relativamente ao bom uso dos bens ambientais, patrimônio da humanidade e da produção de alimentos.

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Consequentemente, estarão sendo protegidos os próprios interesses individuais do proprietário, ligados à sua remuneração pelo trabalho e produção desempenhados, desde que, respeitando o meio ambiente.

A propriedade rural é uma pequena casa inserida na Terra e deve ser preservada às futuras gerações, evitando a erosão, a degradação do solo e das águas o assoreamento dos rios e tudo o mais que afetam diretamente a propriedade rural.

As gerações pré-crise ambiental não tinham consciência da verdadeira degradação do meio ambiente, pois estavam ligadas a conceitos de inesgotabilidade dos recursos naturais, entendendo que uma mera redistribuição e o avanço tecnológico resolveriam esses problemas. Ocorre que a superexploração dos recursos naturais não renováveis, muitos deles já esgotados, não podem prosseguir sob pena de um colapso a curto prazo e, este é o desafio de ambos os ramos do direito, tanto do agrário como do ambiental.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.

- BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário. v. 1. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1998.

- BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade. São Paulo: LTr, 1999.

- FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000.

- JÚNIOR, Vicente Gonçalves de Araújo. Direito Agrário, Doutrina, Jurisprudências e Modelos: Belo Horizonte: Inédita, 2002.

- MILARÉ, Edis. Curso de Direito Ambiental, 2.ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2001.

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