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Avaliação social multicritério: fundamentos metodológicos e consequências operacionais. Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

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Avaliação social multicritério: fundamentos metodológicos e consequências

operacionais

Autor(es):

Munda, Giuseppe

Publicado por:

Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

URL

persistente:

URI:http://hdl.handle.net/10316.2/24970

Accessed :

19-Jul-2021 03:58:55

digitalis.uc.pt

impactum.uc.pt

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GIUSEPPE M U N D A AVALIAÇÃO SOCIAL MULTICRITÉRIO: FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS E CONSEQUÊNCIAS OPERACIONAIS

CARLOS BASTIEN / JOSÉ LUÍS CARDOSO structuralismanddevelopmenteconomicsintheeuropean SEMI-PERIPHERY: THE CASE OF PORTUGAL

J O Ã O DUQUE / LÍGIA FEBRA MOTIVOS PARA O LANÇAMENTO DE OFERTAS PÚBLICAS INICIAIS EM PORTUGAL

LUÍS AGUIAR-CON RARIA THE ADEQUACY OF THE TRADITIONAL ECONOMETRIC approachtonon-linearcycles

A . SIMÕES LOPES GLOBALIZAÇÃO E DESCONTENTAMENTO: UM ENSAIO SOBRE A OBRA DE STIGLITZ

PEDRO PEZARAT CORREIA 25 DE ABRIL: UMA LEITURA GEOPOLÍTICA E GEOESTRATÉGICA

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Avaliação social multicritério:

fundamentos metodológicos

e consequências operacionais*7**

Giuseppe Munda Universidade Autónoma de Barcelona

résumé / abstract resumo

Este artigo defende essencialmente a possibilidade de utilização do conceito de “Avaliação Social Multicritério” como enquadramento da aplicação da escolha social aos problemas complexos de definição de políticas que este milénio levanta, numa altura “em que os factos são incertos, os valores discutíveis, os riscos elevados e as decisões urgentes”. O artigo desenvolve-se a partir de duas perguntas formuladas logo no início: qual a razão de uma avaliação “social” multicritério e como deve processar-se essa avaliação. A fundamentação da Avaliação Social Multicritério assenta nos princípios da teoria e da filosofia dos sistemas complexos, tais como a complexidade reflexiva, a ciência pós-normal e a

incomensurabilidade. Antes de propor qualquer orientação sobre o modo de aplicação da Avaliação Social Multicritério será necessário encontrar a forma de ultrapassar questões como a incomensu­ rabilidade técnica e a incomensurabilidade social, decidir qual o papel a atribuir aos pesos e analisar as implicações da axiomatização matemática dos métodos de agregação multicritério. O objectivo deste artigo é, assim, responder a estas questões com base não só em considerações teóricas, mas também na experiência adquirida com o estudo de casos reais.

Cet article traite essentiellement de la possibilité d'utiliser le concept dévaluation Sociale Multicritère” en tant qu'encadrement de l'application du choix social aux problèmes complexes de définition de politiques que soulève ce millénaire, à une époque “où les faits sont incertains, les valeurs discutables, les risques élevés et les décisions urgentes”. L'article se développe à partir de deux questions formulées dès le départ: quel est le pourquoi d'une évaluation “sociale” multicritère et de quelle manière doit se dérouler cette même évaluation?

Le fondement de l'Evaluation Sociale Multicritère repose sur les principes de la théorie et de la philosophie des systèmes complexes tels que la complexité réflexive, la science post-normale et l'incommensurabilité. Avant de proposer une orientation quelconque, il sera nécessaire, tout d'abord, de trouver la manière de résoudre des questions telles que l'incommensurabilité technique et l'incommensurabilité sociale, puis, de décider du rôle à attribuer aux poids et, enfin, d'analyser les implications de l'axiomatisation mathématique des conventions de l'agrégation multicritère. L'objectif de cet article est donc d'apporter une réponse à ces questions en se basant non seulement sur des considérations théoriques mais également sur l'expérience acquise grâce à l'étude de cas réels.

The main argument developed here is the proposal of the concept of “Social Multi-Criteria Evaluation” (SMCE) as a possible useful framework for the application of social choice to the difficult policy problems of our Millennium, “where facts are uncertain, values in dispute, stakes high and decisions urgent”. This paper starts from the following main questions: 1. Why “Social” Multi­ criteria Evaluation? 2. How such an approach should be developed?

The foundations of SMCE are set up by referring to concepts coming from complex system theory and philosophy, such as reflexive complexity, post-normal science and incommensurability. To give some operational guidelines on the application of SMCE basic questions to be answered are: 1. How is it possible to deal with technical incommensurability? 2. How can we deal with the issue of social incommensurability? 3. Which is the role of weights? 4. Which are the implications of SMCE for the mathematical

axiomatization of multi-criteria aggregation conventions? To answer these questions, by using theoretical considerations and lessons learned from real-world case studies, is the main objective of the present article.

* Este estudo foi parcialmente financiado pelo projecto de investigação da Comissão Europeia, Development

and Application of a Multi-Criteria Decision Analysis Software Tool for Renewable Energy Sources (MCDA_RES), Contrato NNE5-2001-273.

** Tradução de Teresa Lello. A tradutora agradece as sugestões apresentadas pelo Prof. Doutor José Figueira e a revisão final da Prof. Doutora Maria João Alves.

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Avaliação Social M ulticritério: fundamentos metodológicos e consequências operacionais

Giuseppe Munda

1. Fundamentos metodológicos da avaliação social multicritério (SMCE)1: complexidade, ciência pós-normal e incomensurabilidade

O grande ponto de partida das ideias que aqui defendo é que o mundo em que vivemos se caracteriza por uma grande complexidade. Daí que possa optar-se por uma via reducionista, e abordar apenas uma das suas múltiplas dimensões, ou aceitar declaradamente essa

complexidade! A via que aqui se segue é exactamente a última, na certeza, porém, de que qualquer representação de um sistema complexo apenas reflecte um subconjunto de todas as suas representações possíveis. Considera-se, então, que um sistema é complexo quando os aspectos pertinentes de um determinado problema não podem ser apreendidos com base numa única perspectiva (Funtowicz et a i, 1999; O'Connor et al., 1996; Rosen, 1977).

Para dificultar as coisas, os sistemas humanos são sistemas reflexivos complexos. As duas principais características dos sistemas reflexivos são o “conhecimento” e a “fin a lid a d e A descrição destas características implica subir mais um “degrau” de complexidade. O facto de haver conhecimento próprio e finalidades (a reflexividade) pressupõe que esses sistemas estejam continuamente a acrescentar novas qualidades/atributos pertinentes a ter em conta quando se descreve o seu comportamento (ou seja, são sistemas de aprendizagem). Um factor importante que convém não esquecer é que a reflexividade implica que a forma da

representação de um problema de definição de políticas reflicta necessariamente as concepções, os valores e os interesses de quem o estruturou.

Acresce, ainda, que a existência de diferentes níveis e escalas de análise de um sistema hierárquico implica, forçosamente, a existência de descrições não equivalentes. Daí que o problema das identidades múltiplas dos sistemas complexos não possa ser interpretado apenas em termos da pluralidade epistemológica decorrente da existência inevitável de observadores não equivalentes, mas também pelas características ontológicas do sistema observado (Giampietro, 1994; Giampietro e Mayumi, 2000). De acordo com M. Giampietro, mesmo a descrição simples e “objectiva” da orientação geográfica de um ponto não é, de facto, possível sem uma decisão subjectiva e arbitrária sobre a escala a utilizar. De facto, um mesmo local, por exemplo, nos Estados Unidos, pode situar-se geograficamente no norte, no sul, no leste ou no oeste conforme a escala de representação escolhida seja o país inteiro, um único estado, etc.2 A determinação da escala tem consequências importantíssimas na análise multicritério, nomeadamente na definição dos critérios de avaliação (por exemplo, definir que actores sociais podem ser considerados interlocutores pertinentes na avaliação do impacto da construção de infra-estruturas para a prática de ski numa região de montanha, onde tanto os habitantes locais, como os potenciais utilizadores oriundos das zonas urbanas e até os movimentos ambientalistas e os ecologistas de qualquer ponto do mundo parecem constituir hipóteses razoáveis), no

cálculo dos valores de impacto (por exemplo, definir se um indicador de contaminação deve ser

calculado à escala local ou a uma escala mais vasta: no caso dos automóveis a hidrogénio, por exemplo, a sua utilização, do ponto de vista local, é indiscutivelmente vantajosa, mas à escala mundial pode não o ser, já que as emissões poluentes dependem da técnica usada na produção do hidrogénio, mero transmissor e não fonte de energia) ou na escolha dos factores de

ponderação (um assunto que será aprofundado mais adiante).

• Um dos reflexos destas acentuadas subjectividades na representação dos problemas de definição de políticas é o facto de em qualquer classificação ordenada das diferentes políticas alternativas ter de se estabelecer uma definição operacional de “ valor, apesar de haver tantas

1 NT: Mantém-se a sigla inglesa correspondente à designação Social Multi-Criteria Evaluation.

2 Os sistemas de identidade múltipla e de escala múltipla podem designar-se “holarquias de aprendizagerrí’. Um holon é um todo constituído por parcelas mais pequenas (por exemplo, o corpo humano é constituído por órgãos, tecidos, células, átomos) e, simultaneamente, é parte constitutiva de um todo maior (um indivíduo é parte de uma família, de uma comunidade, de um país, da economia mundial) (Koestler, 1969).

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I definições quantos os actores sociais com interesses, objectivos e identidades culturais diferentes. Quer isto dizer que, para se proceder a uma classificação ordenada das várias I alternativas, é fundamental determinar não só aquilo que é importante para os vários actores

sociais, mas também aquilo que é pertinente para a representação da realidade que o modelo pretende descrever.

• Em geral, a investigação científica não atribuiu, até agora, grande importância a estas preocupações. Por outro lado, a novidade dos problemas trazidos pelo terceiro milénio (como as vacas loucas ou os organismos geneticamente modificados) significa que, muitas vezes, quando é preciso tomar uma decisão sobre problemas com eventuais consequências a longo prazo, se enfrentam situações “em que os factos são incertos, os valores discutíveis, os riscos elevados e

as decisões urgenteé ’ (Funtowicz e Ravetz, 1991, 1994).

Nestas circunstâncias, os cientistas só podem fornecer dados úteis se interagirem com a sociedade, da mesma forma que a sociedade só pode tomar decisões correctas se interagir com os cientistas. Ou seja, a questão do “aperfeiçoamento do processo de definição de políticas” deve rapidamente inscrever-se no programa de acção não só dos “cientistas” e dos “agentes de decisão”, mas da sociedade inteira. Este alargamento da “comunidade de pares” é fundamental para que, no caso de sistemas reflexivos complexos, a qualidade do processo de decisão se mantenha. Para tal, Funtowicz e Ravetz propuseram um novo enquadramento epistemológico, a que chamaram “Ciência pós-normal” , que, em matéria de definição de políticas, permite resolver com mais facilidade questões relacionadas com dois aspectos fundamentais da ciência: a

incerteza e os conflitos de valores. A designação “pós-normal” pretende denotar a diferença

relativamente aos quebra-cabeças da ciência normal, no sentido kuhniano (Kuhn, 1962). A ciência pós-normal pode ser caracterizada por oposição a outras estratégias científicas complementares, como se vê no diagrama apresentado na Figura 1, construído a partir de dois eixos: o eixo horizontal corresponde ao grau de “incerteza” do sistema e o eixo vertical aos “ riscos da decisão” . Quando a incerteza e os riscos são reduzidos, está-se no domínio da ciência académica “normal” , em que é seguro confiar nos “conhecimentos especializados codificados”. Quando a incerteza e os riscos atingem um nível médio, já não basta a aplicação das técnicas habituais e dos conhecimentos normalizados e vulgarizados. Esses casos exigem perícia, discernimento e, às vezes, coragem para adaptar o “conhecimento geral” à “situação específica”. Segundo Funtowicz e Ravetz, trata-se de “opiniões de especialistas” , precisamente o que um cirurgião ou um engenheiro faz em situações difíceis. Por fim, há os casos em que as conclusões não são inteiramente ditadas por dados científicos e as deduções são (natural e legitimamente) condicionadas pelos valores pessoais do actor em causa. Quando os riscos são muito elevados (por exemplo, quando uma determinada política pode abalar profundamente uma instituição), impõe-se, então, uma atitude cautelosa que questione as sucessivas conclusões científicas apresentadas (o que se aplica também aos casos em que o grau de incerteza do sistema é reduzido). Este procedimento só é incorrecto se for dissimulado, por exemplo, se um cientista se declarar imparcial, mas na realidade, defender um determinado ponto de vista. Quando uma tese científica é abertamente contestada por opiniões antagónicas legítimas, entra-se no domínio da ciência pós-normal.

Estas afirmações, tributárias da teoria dos sistemas complexos e da ciência pós-normal, são também corroboradas pelo conceito filosófico de comparabilidade fraca3 (Martinez-Alier et a i, 1998; O'Neill, 1993). A comparabilidade fraca pressupõe incomensurabilidade, ou seja, a existência de um conflito de valores irredutível quanto à escolha do termo comum de

3 Em termos de lógica formal, a diferença entre comparabilidade fraca e forte e a opção pela comparabilidade fraca pode exprimir-se utilizando a distinção de Geach entre adjectivos atributivos e predicativos (Geach, 1967). O adjectivo A é predicativo se satisfizer as seguinte condições lógicas:

(1) se X for AY, então X é A e X é Y;

(2) se X for AY e todo os Y forem Z , então X é AZ.

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Avaliação Social M ulticritério: fundamentos metodológicos e consequências operacionais

Giuseppe Munda

comparação que deve utilizar-se na hierarquização das acções alternativas. Aceitando que a existência de identidades múltiplas nos sistemas complexos pode ser explicada pela pluralidade epistemológica e pelas características ontológicas do sistema em causa, creio que é possível distinguir ainda os conceitos de incomensurabilidade social e de incomensurabilidade técnica. A

incomensurabilidade social pode ser derivada dos conceitos de complexidade reflexiva e de

ciência pós-normal e refere-se à existência de uma multiplicidade de valores legítimos na sociedade. A incomensurabilidade técnica deriva da complexidade da natureza multidimensional e relaciona-se com o problema da representação das identidades múltiplas nos modelos descritivos.

A partir daqui, se aceitarmos que os sistemas do mundo real são, por natureza,

multidimensionais, temos de aceitar igualmente que a avaliação de projectos públicos tem de basear-se em processos que explicitamente exijam a integração de um vasto número de opiniões discordantes. Assim sendo, a avaliação multicritério (MCE)4 é, em princípio, a forma de abordagem adequada.

Figura 1 - Representação gráfica da ciência pós-normal

Riscos da decisão

Fonte: S. Futowicz; J. Revetz

Factos incertos Valores discutíveis Riscos elevados Decisões urgentes ^ p ^ -

Ciência

pós-normal j / Opiniões ( especialistas1 'Ciência académica Incerteza

Vejamos um exemplo: o conceito de desenvolvimento sustentável tem grande aceitação, sobretudo por não criar um acentuado antagonismo entre o crescimento económico e a preservação do ambiente. A noção de desenvolvimento sustentável comporta, bem pelo contrário, a ideia de harmonização ou de concretização simultânea do crescimento económico e das preocupações ambientais. Infelizmente, a teoria da decisão multicritério diz-nos que uma das consequências de se contemplarem várias dimensões ao mesmo tempo é a impossibilidade da optimização simultânea de todos os objectivos. Assim, devemos aprender a encontrar “soluções

de compromisso”, ou seja, um equilíbrio entre as diferentes dimensões e valores

incomensuráveis (Munda, 1997). O que se defende nesta secção é que pode haver, pelo menos, duas soluções de compromisso: uma solução social de compromisso, suscitada pelo conflito de valores, e uma solução técnica de compromisso, ditada pelas representações divergentes e não equivalentes das mesmas alternativas.

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Através da chamada abordagem NAIADE (Munda, 1995), procurou-se operacionalizar estes dois tipos de soluções de compromisso. Uma particularidade da abordagem NAIADE é a integração dos processos da análise de conflitos nos resultados da análise multicritério, o que permite obter:

• a hierarquização das alternativas segundo o conjunto de critérios de avaliação (ou seja, uma ou mais soluções técnicas de compromisso);

• o grau de divergência das posições dos diferentes grupos de interesses (ou seja, possibilidade de convergência de interesses ou de coligações);

• a hierarquização das alternativas segundo a influência ou as preferências dos actores (solução social de compromisso).

Neste ponto, as perguntas fundamentais a exigirem resposta são: 1. Como é possível ultrapassar a incomensurabilidade técnica? 2. Como é possível ultrapassar a incomensurabilidade social? 3. Qual é o papel dos pesos?

4. Quais são as implicações da SMCE na axiomatização matemática dos métodos de agregação multicritério?

Encontrar as respostas a estas perguntas é o que agora vai procurar fazer-se neste artigo.

2. Incomensurabilidade técnica e multi/interdisciplinaridade

Para se definir uma política que seja eficaz e realista, não basta considerar apenas as componentes elementares do sistema susceptíveis de serem medidas e comparadas, o que apesar de eventualmente complicado, pode ser tecnicamente simulado (incomensurabilidade

técnica). É preciso também considerar as dimensões superiores do sistema, como as relações

de poder, os interesses ocultos, a participação social, as condicionantes culturais e outros valores “intangíveis” que se tornam variáveis pertinentes e inevitáveis, componentes que afectam profundamente, mas não de forma determinista, os eventuais resultados das estratégias a adoptar (incomensurabilidade social). Esta secção vai ser dedicada à análise das dimensões técnicas dum sistema complexo, sendo o problema da incomensurabilidade social analisado nas duas secções seguintes.

É preciso ter em conta que a construção de um modelo descritivo de um sistema do mundo real depende dos pressupostos assumidos relativamente: (1) à finalidade dessa construção, por exemplo, a avaliação da evolução sustentável de uma cidade; (2) à escala da análise, por exemplo, um bairro duma cidade ou uma unidade administrativa que pode ser um concelho ou uma área metropolitana; e (3) ao conjunto de dimensões, objectivos e critérios utilizados no processo de avaliação. Na construção de um modelo descritivo, uma abordagem reducionista pode definir-se como sendo a utilização de um único indicador mensurável (por exemplo, o produto monetário per capita de uma cidade), uma dimensão (por exemplo, económica), uma

escala de análise (por exemplo, o concelho), um objectivo, (por exemplo, a maximização da

eficiência económica) e um único horizonte temporal. Para se evitar o reducionismo, é fundamental ter em conta dimensões incomensuráveis que utilizam linguagens científicas diferentes provenientes de outras tantas representações legítimas do mesmo sistema. Isto constitui aquilo a que Neurath (1973) chamou a necessidade de “orquestração das ciências É evidente que a abordagem multicritério, multidimensional por natureza, parece ser um forma interessante de aplicação do conceito de Neurath. Para explicar melhor esta questão, vou recorrer ao estudo de um caso real em que participei e que me parece ser uma história de sucesso curiosa. O problema em causa era a rede de distribuição de água da cidade italiana de Palermo, na Sicília, que se inseria num projecto encomendado pela Região da Sicília e realizado com o apoio dos fundos estruturais da DG XVI da Comissão Europeia. O estudo efectuou-se ao longo de dois anos e envolveu, essencialmente, uma equipe multidisciplinar e a direcção do

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Avaliação Social M ulticritério: fundamentos metodológicos e consequências operacionais

Giuseppe Munda

serviço de abastecimento de água da cidade de Palermo (na fase final do estudo, intervieram alguns actores sociais)5.

A gestão dos recursos hídricos caracteriza-se pela conflituosidade entre os diferentes tipos de consumo de água e, por consequência, entre vários grupos de interesses. Surgem também conflitos entre a utilização de água para consumo geral e a “utilização ecológica” que pretende limitar o desvio da água dos seus cursos naturais para preservar o equilíbrio dos ecossistemas. Este permanente estado de tensão pode converter-se num verdadeiro conflito em caso de seca, isto é, quando haja uma redução acidental ou temporária do fornecimento de água devido a um prolongado e acentuado decréscimo de chuva (em comparação com os valores médios ou medianos normalmente registados). Os problemas de escassez de água motivados por secas assumem uma importância especial no sul da Europa. Na Sicília, a questão da distribuição da água é tão grave que, segundo relatos históricos, as lutas pela controlo da água estão na origem da Mafia.

A falta de água depende não só das secas hidrológicas resultantes das secas meteorológicas, mas também das características dos sistemas de distribuição e dos níveis da procura, uns e outros afectados pelas medidas aplicadas para atenuar as secas. Daí que as soluções hidrológicas puramente técnicas não sejam dissociáveis dos seus efeitos no sistema sócio- -económico. Embora, na fase inicial do projecto isso não tivesse sido evidente, depois de algumas reuniões, os hidrologistas concordaram que um economista como eu podia ajudar a resolver problemas deste tipo. No entanto, foi muito difícil encontrar uma linguagem comum e descobrir qual podia ser o contributo de cada um na procura de uma solução para este complexo problema (ou, pelo menos, para um melhor conhecimento da situação).

O serviço de distribuição de água de Palermo tem que abastecer utilizadores urbanos, agrícolas e industriais recorrendo a águas de superfície e águas subterrâneas. Há também uma barragem para produção de energia hidroeléctrica.

Chegou-se à conclusão de que as medidas a aplicar em situação de seca se dividiam em dois grandes grupos:

• medidas que procuram satisfazer 100% da procura de água, e • medidas que não satisfazem completamente a procura de água.

No momento de especificar as alternativas, foi preciso estudar a rede de distribuição de água da cidade, e imediatamente se concluiu que esse trabalho competia aos hidrologistas! No entanto, as alternativas tinham de ser avaliadas com base na seca mais prolongada de que havia registo (4 anos) e segundo critérios que contemplavam a dimensão económica (por exemplo, os custos e os benefícios da empresa de abastecimento de água e da empresa de produção de energia), a dimensão social (por exemplo, os riscos para a saúde pública e os incómodos para a população), e a dimensão ambiental (por exemplo, o caudal mínimo necessário para preservar um ecossistema fluvial ou um habitat aquático). Nesta fase, tornou-se evidente a vantagem da estruturação multicritério do problema, e todos os especialistas souberam de imediato qual a sua vantagem comparativa e as questões a que podiam facilmente esclarecer!

Há uma lição a tirar da experiência obtida com o estudo deste caso: o enquadramento é um eficaz instrumento para aplicar uma abordagem inter ou multidisciplinar. O projecto envolvia especialistas de várias áreas, essencialmente engenheiros, economistas e a matemáticos. Se inicialmente a comunicação entre todos foi muito difícil, quando se decidiu estruturar o problema através de uma abordagem multicritério, a rapidez com que se estabeleceu uma linguagem comum foi surpreendente. Em termos de interdisciplinaridade, a questão é chegar a um acordo sobre os critérios a utilizar; em termos de multidisciplinaridade, a questão é propor e calcular os

5 Para mais informação sobre este caso, ver o POP Sicília, relatório final completo da Comissão Europeia, contrato No. 10122-94-03 TIPC ISP I, ou uma versão resumida em Munda et ai, 1998.

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desempenhos dos critérios adequados. Isto vai permitir uma melhor e mais eficaz interactividade ao longo de todo o processo6.

No caso do estudo de Palermo, concluiu-se também que o facto de se entrar explicitamente em linha de conta com problemas de distribuição aumentava a transparência da análise e permitia uma interactividade produtiva entre vários actores sociais. Esta segunda lição leva-nos para o campo da incomensurabilidade social e da participação pública.

3. Incomensurabilidade social: participação pública e transparência

Neste ponto da discussão, surge a dúvida sobre quem é que decide. Algumas das vozes que contestam a avaliação multicritério afirmam que, enquanto numa análise de custos-benefícios, os votos publicamente expressos por uma população podem, em princípio, ser tidos em conta (admitindo, evidentemente, que os votos são atribuídos com base na distribuição do

rendimento), numa avaliação multicritério é provável que só sejam consideradas as prioridades e as preferências de alguns agentes de decisão (digamos que se aceita que o facto de terem sido escolhidos lhes confere o direito de estabelecerem as prioridades). Esta crítica pode ser válida quando se adopta uma “abordagem tecnocrática”, em que o analista constrói o problema baseando-se apenas em opiniões de especialistas (entendendo-se por especialistas os que conhecem as “especificidades técnicas” de um determinado problema).

Actualmente, em matéria de definição de políticas públicas é difícil imaginar uma alternativa viável às comunidades alargadas de pares (Funtowicz e Ravetz, 1991, 1994; Funtowicz etal., 1999). São cada vez em maior número, e surgem quando as autoridades se encontram num beco sem saída, ou quando reconhecem que nenhuma política pode ter êxito se não for apoiada por um vasto consenso. As designações são múltiplas, desde “júris de cidadãos”, “grupos alvo”7 a “painéis de consenso”, e múltiplas são também as suas formas e poderes. Têm, no entanto, um importante factor comum: avaliam a qualidade das medidas propostas, incluindo a componente científica e técnica, e os seus veredictos têm peso moral e, consequentemente, influência política. Nestes casos a qualidade não reside apenas na verificação, mas também na criação, porque os habitantes locais conseguem conceber soluções e reformular os problemas de formas que os especialistas credenciados, por maior boa vontade que tenham, não conseguem encontrar naturalmente. Convém não esquecer, no entanto, que mesmo um processo participativo pode sempre ser condicionado por juízos de valor do tipo: Será que os actores sociais têm todos a mesma importância (ou seja, peso)? Uma ordenação socialmente vantajosa deverá basear-se no princípio da maioria? Deverão as minorias ter direito de veto? Os efeitos da distribuição do rendimento são importantes? E por aí fora... O processo de elaboração de qualquer política implica decisões de natureza e graus diferentes, e requer a existência de diálogo entre as várias partes interessadas, sejam elas individuais ou colectivas, formais ou informais, locais ou não (ver, por exemplo, De Marchi e Ravetz, 2001; Guimarães Pereira, 2001; Kasemir etal., 2002). Esta necessidade, cada vez mais reconhecida no domínio do Apoio Multicritério à Decisão (MCDA)8, é defendida de forma convincente e bem estruturada em Banville etal., 1998. Embora concorde com estes autores quanto à necessidade de alargar o MCDA através da inclusão do conceito de parte interessada, para que o processo multicritério social seja tão participativo e

transparente quanto possível, defendo que a participação é uma condição necessária, mas não suficiente. É sobretudo esta razão que me leva a preferir a designação de “Avaliação Social

Multicritério” (SMCE) à de “Avaliação Multicritério Participativa” (PMCE)9 ou à de “Apoio

6 Refiro-me aqui ao conceito de orquestração das ciências enquanto conjugação da multidisciplinaridade com a interdisciplinaridade, ou seja, no primeiro caso cada especialista contribui com os seus conhecimentos e no segundo discutem-se as alternativas metodológicas das diferentes áreas.

7 NT: Em inglês a expressão utilizada é “focus groups”.

8 NT: Mantém-se a sigla inglesa correspondente à designação Multi-Criteria Decision-Aid.

9 NT: Mantém-se a sigla inglesa correspondente à designação Participative Multi-criteria Evaluation.

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Avaliação Social M ulticritério: fundamentos metodológicos e consequências operacionais

Giuseppe Munda

multicritério à decisão pelas partes interessadas” (SMCDA)10 (Banville et al., 1998). Para clarificar este ponto essencial vou de novo socorrer-me dos casos práticos em que participei, começando pelo chamado Projecto VALSE (ver o relatório final VALSE, Capítulo 9, Comissão Europeia ENV4-CT96-0226, ou a sua síntese em De Marchi et a i, 2000).

Troina é uma cidade pequena, com cerca de 10 mil habitantes, situada no nordeste da Sicília. Se por um lado todos concordavam que havia um verdadeiro problema de escassez de água, eventualmente solucionável com uma melhor utilização dos recursos existentes (embora o problema da falta de água seja comum na Sicília, Troina é, curiosamente, uma excepção), por outro lado, havia e há um intrincado conjunto de interesses heterogéneos ligados à questão da água que, até essa altura, não tinham ainda entrado em diálogo. Na fase inicial, foi por isso muito importante estruturar convenientemente o problema, para que as negociações posteriores entre os diferentes actores sociais tivessem maiores possibilidades de êxito. Na Figura 2 estão representadas todas as fases do processo de avaliação.

Convém ter em conta que a avaliação de uma política não se resume a um acto único e isolado, mas que, pelo contrário, se desenrola ao longo de um processo de aprendizagem. Há que compreender que o processo de avaliação é quase sempre muito dinâmico, a ponto de as conclusões sobre a importância política dos factores, das alternativas e das consequências poderem sofrer alterações súbitas, sendo por isso conveniente que a análise da política a definir tenha um carácter flexível e adaptável. Daí que seja legítimo afirmar que os processos de avaliação têm carácter cíclico, entendendo-se por tal eventuais ajustamentos dos elementos do processo de avaliação, fruto das constantes cadeias de reacção que se vão gerando ao longo das sucessivas fases e das várias consultas aos intervenientes (Nijkamp et a!., 1990). Em primeiro lugar, é preciso procurar responder à seguinte pergunta: ‘‘a situação existente”

poderá ser uma alternativa a longo prazo? Na situação existente, a gestão dos recursos

energéticos e hídricos estava repartida pelos principais actores e só as intervenções nas infra- -estruturas não necessitavam de acordo entre eles. Tratava-se do exemplo clássico da exploração de recursos sem cooperação.

Por exemplo, o município de Troina procurava ser auto-suficiente, recorrendo às nascentes locais para satisfazer as necessidades de água potável, mesmo que isso pudesse parecer pouco eficaz. Para avaliar convenientemente a alternativa que designámos por situação existente, era preciso compará-la com uma série de outras acções possíveis utilizando determinados critérios de avaliação. Ora isso levantava imediatamente uma outra questão: alternativas e critérios para quem? E aqui surgiu a necessidade de auscultar as preferências de alguns dos actores com um papel importante no problema em análise.

Inicialmente, só foram auscultados os actores com um papel importante na cidade (de acordo com uma análise institucional previamente efectuada). Mais tarde, tornou-se evidente — devido à surpreendente resposta que o processo de criação de alternativas teve — que deviam auscultar-se, também, grupos de interesses de fora da cidade. Este processo de aprendizagem foi sobretudo muito proveitoso para a administração local que passou a ter a noção perfeita da importância que os recursos hídricos de Troina tinham fora dos seus limites territoriais. Como o presidente da Câmara reconheceu, esta forma de estruturar o problema foi extremamente útil para se perceber a hierarquia dos interesses subjacentes à exploração dos recursos naturais locais.

Neste estudo, foi uma verdadeira surpresa o facto de a proposta de realização de uma

campanha de informação ter ficado em primeiro lugar. A resposta a esta surpresa foi a ideia de,

rapidamente, se levar a cabo, em Troina, uma sessão de esclarecimento sobre problemas de gestão de recursos hídricos. O presidente da Câmara e todos os órgãos da administração local consideraram que os custos de aplicação dessa medida eram muito reduzidos e que o impacto

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positivo na comunidade podia ser muito grande. É evidente que os riscos políticos para os autarcas podiam também ser muito grandes, pois era óbvio que vários dos actores influentes se esforçavam por manter a situação11. Isto leva-nos de volta à questão inicial e fundamental: a situação existente é uma alternativa defensável?

Figura 2 - Representação gráfica do processo de avaliação em Troina

Análise institucional

Formulação das hipóteses explicativas

Identificação dos actores principais

Criação das alternativas

Escolha do conjunto de critérios de avaliação

w

Construção de uma matriz dos impactos dos critérios

Aplicação de um processo de agregação m ulticritério

w .

Construção da matriz da influência dos actores

Aplicação de um processo específico de análise de conflitos

Note-se que a situação existente ficou quase no fim da ordenação multicritério, enquanto na análise de conflitos NAIADE ficou numa posição baixa para uns actores e numa posição média/alta para outros. Quase todos os actores sociais influentes de Troina estavam incluídos neste último grupo, e a situação existente era, de certo modo, uma solução de compromisso entre os interesses locais antagónicos. Isto explica que ninguém estivesse interessado em alterar a situação (embora para a comunidade, no seu conjunto, ela fosse perigosa). Apesar de tudo, a situação assemelhava-se mais a um impasse do que a um equilíbrio.

Neste estudo, tentou-se não cair nas armadilhas de uma abordagem tecnocrática, utilizando-se, para isso, alguns métodos de investigação sociológica. A análise institucional, normalmente aplicada a documentos históricos, legislativos ou administrativos, forneceu-nos um quadro dos actores sociais pertinentes. Grande parte da informação foi obtida por meio da observação

participante, visto que alguns dos intervenientes neste estudo pertenciam à comunidade local e

conheciam a sua dinâmica interna. Assim, eventuais distorções da “perspectiva interna” foram confrontadas com a informação recolhida nas entrevistas aprofundadas feitas aos actores locais

11 Na verdade, devo acrescentar que o Presidente da Câmara e a sua equipe municipal perderam as eleições seguintes...

M

O

D

(12)

Figura 3 - Estrutura do processo de avaliação seguido no Projecto DIAFANIS

Dimensões do sistema e escalas hierárquicas

Ambiental Económica Social

I a "j

Internacional, Nacional, Regional, Local 1

I

Recolha de dados e Participação 3. Algoritm o da MCE

Participação Selecção

T Hp rn fp rirv

publica de critérios Informação mista Avaliação

3.S alternativas ...

Fase 2: Divulgação dos resultados <— eHi3 Uizaçã° técnica

1 • ExiJfência de 2 Vj jt esc0|as múltiplos valores

3. Reuniões com o 4. Congresso público Internacional

mais influentes. Por último, foi realizado um inquérito por questionário a uma amostra aleatória dos habitantes locais, para avaliar a noção que tinham do problema da água em Troina.

Para explicar melhor a tese que pretendo desenvolver nesta secção, vou utilizar um outro estudo de caso em que participei, o Projecto DIAFANIS, financiado pelo ministério espanhol do ambiente (ver, o relatório final, em espanhol e catalão, e Marti, 2001, em catalão). “Diafanis” , o nome escolhido para este projecto, pretende realçar a importância que esta abordagem atribui à questão da transparência.

Avaliação Social M ulticritério: fundamentos metodológicos e consequências operacionais

Giuseppe Munda

1. Razões do conflito 2. Alternativas possíveis

3. Dimensões afectadas do sistema

4. Avaliação das alternativas

5. Transparência

O problema em causa era a eventual ampliação de um complexo de ski nos Pirinéus catalães, no nordeste da Espanha. Tornou-se óbvio, logo no início, que a decisão sobre a escala geográfica a usar seria determinante na escolha da política considerada mais conveniente. De facto, as pessoas que viviam perto dessa zona consideravam que a ampliação traria mais turistas e, consequentemente, maior desafogo económico. Essa ideia alterava-se à medida que nos afastávamos da área mais directamente abrangida pelo projecto de ampliação. Por exemplo, em Barcelona, os ambientalistas opunham-se totalmente ao projecto porque a área em questão fica nas proximidades de um parque natural que, inclusivamente, o governo da região autónoma pretendia declarar zona natural de interesse europeu. Nestas circunstâncias qual seria a melhor escala? A zona mais próxima do local do projecto, todos os Pirinéus, toda a Catalunha ou toda a Europa?

Fase 1 : Avaliação das alternativas

1. Definição das alternativas Análise

histórica Análise Institucional

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Para se saber se haveria outras vias a seguir, efectuou-se uma análise institucional em que se utilizaram técnicas participativas. Através da consulta de grupos alvo foi possível obter uma noção daquilo que as pessoas pretendiam e, a partir daí, definir um conjunto de políticas alternativas. No entanto, o processo dos grupos alvo revelou imediatamente uma limitação, já que à escala local havia quem não se sentisse à vontade para exprimir publicamente as suas opiniões com receio das consequências que isso pudesse acarretar (a exclusão social nas comunidades pequenas pode ser uma tragédia, como também a possibilidade de perder o emprego, no caso de alguém que trabalhasse no hotel de um empresário local influente incondicionalmente a favor da ampliação do complexo de ski). É por isso que os questionários anónimos ou as entrevistas individuais se revelam elementos importantíssimos num processo participativo. Longe da área imediatamente afectada, esta componente social quase não tinha expressão.

A selecção dos critérios de avaliação baseou-se também na informação adquirida ao longo do processo participativo. Nesta fase, porém, surgiu o problema de saber se os critérios de avaliação deviam resultar directamente do processo de participação pública ou se deviam ser “traduzidos” pela equipe de investigação. A conclusão imediata foi que os dados em bruto, tal como tinham sido recolhidos durante as entrevistas individuais e aos grupos alvo, podiam constituir um ponto de partida, mas que a formulação técnica dos critérios, que envolvia propriedades como “não-redundância”, “legibilidade” , etc. (ver Bouyssou, 1990), competia indiscutivelmente aos investigadores. É evidente que nesta fase, é impossível evitar a subjectividade (por exemplo, no grupo houve inúmeras discussões para atenuar as distorções provocadas pelas convicções ecológicas inabaláveis de alguns membros).

A crítica relativa ao uso e, por vezes, abuso da componente subjectiva dos investigadores também pode facilmente aplicar-se à fase em que se resume a influência que as diferentes vias seguidas têm nos actores sociais (por exemplo, na construção do processo NAÏADE de análise de conflitos). Isto é efectivamente verdade, embora os sociólogos envolvidos neste estudo tivessem apreciado muito a possibilidade de trabalhar com uma estrutura operacional que permitiu que se fizesse uma síntese da enorme quantidade de conhecimento informal recolhido durante a investigação de campo.

Por se reconhecer a existência de componentes subjectivas, às vezes arbitrárias, inerentes ao estudo, planeou-se uma vasta campanha de informação, sobre os problemas analisados e as soluções encontradas, dirigida aos habitantes locais, às autoridades regionais e nacionais, aos cientistas estrangeiros e até às crianças das escolas.

Há algumas lições interessantes a tirar destes estudos de casos.

1. Não deve esquecer-se que a relação clássica agente de decisão/analista está, na realidade, integrada numa estrutura social que, no caso das políticas públicas, tem uma importância fundamental.

2. A conjugação de vários métodos participativos, comprovadamente um factor muito importante na investigação sociológica, é-o ainda mais se integrada numa estrutura multicritério.

3. Um processo de avaliação cíclica permite tirar partido da aprendizagem que a equipe científica vai fazendo do caso analisado. É extraordinariamente importante que se utilizem diferentes instrumentos participativos e interactivos em períodos diferentes. Isso permite verificar continuamente os vários pressupostos e as inevitáveis inclinações da equipe.

4. A análise institucional permite encontrar, de acordo com a escala geográfica escolhida, os actores sociais pertinentes com interesses em jogo. A análise institucional é um passo importante na identificação das eventuais “partes interessadas” com vista a uma intervenção num processo participativo. No entanto, para além dos inevitáveis erros da análise institucional, há outras razões ainda mais fortes que me levam a considerar que um estudo exclusivamente participativo não é o mais conveniente.

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Avaliação Social M ulticritério: fundamentos metodológicos e consequências operacionais

Giuseppe Munda

5. Resumindo, a equipe científica não pode aceitar acriticamente os dados obtidos através de um processo participativo, porque:

a) num grupo alvo, as partes interessadas mais fortes podem influenciar profundamente os restantes;

b) algumas das partes interessadas podem não querer ou não poder participar, mas a ética impõe que a equipe científica não as ignore;

c) o conceito de “parte interessada” 12 só reconhece os grupos organizados pertinentes, razão pela qual prefiro utilizar a expressão “actor social” ;

d) os grupos alvo nunca são considerados uma amostra representativa da população e embora sejam um instrumento útil para aprofundar o conhecimento que a equipe científica tem das dimensões institucional e social do problema em causa, nunca podem servir para extrapolar conclusões sobre as preferências sociais.

Partindo destas conclusões, as minhas convicções pessoais (consequentemente, discutíveis) são as seguintes:

1. Não tenho dúvidas de que a transparência é uma componente essencial para garantir a qualidade de qualquer estudo científico realizado com vista à definição de uma política. De facto, deve-se prestar contas desses estudos ao público (a obrigação de prestar contas é um conceito recentemente proposto pela Comissão Europeia no “Livro Branco da Governança”)

submetendo-os à sua apreciação e discussão.

2. Em minha opinião, os métodos multicritério constituem indiscutivelmente um valioso instrumento de análise de políticas públicas, por respeitarem os princípios da

interdisciplinaridade e da multidisciplinaridade (em relação à equipe de investigação), da participação (em relação à comunidade local) e da transparência (porque todos os critérios são

apresentados na sua forma original sem qualquer conversão em termos monetários, energéticos ou em qualquer unidade de medida comum).

3. Sendo sabido que os agentes de decisão pretendem a legitimação das suas decisões, é extremamente importante que a participação do público e os estudos científicos não se convertam em instrumentos de desresponsabilização política. Creio sinceramente que os princípios deontológicos da equipe científica e de quem define as políticas são fundamentais para garantir a qualidade do processo de avaliação. A participação pública não exime os cientistas nem os agentes de decisão da responsabilidade pelas medidas defendidas e posteriormente aplicadas!

4. Consequentemente, a ética é importante! Imaginemos, por exemplo, o caso extremo dum projecto de desenvolvimento na Amazónia que vai afectar uma comunidade indígena que ainda não teve contacto com nenhuma outra civilização. Seria eticamente mais correcto integrá-la num grupo alvo... ou eticamente imperativo ter em consideração as consequências do projecto para a sua sobrevivência? A importância da inclusão de preocupações éticas nos modelos

matemáticos e na tomada de decisões foi também recentemente discutida por Kleijnen (2001) e Rauschmayer (2000).

5. Uma vantagem indirecta das abordagens participativas é que, muitas vezes, os resultados obtidos pelos investigadores, isto é, dados, conclusões, interpretações e informações, podem também ser devolvidos à comunidade para que ela os utilize não como pressupostos inquestionáveis, mas como contributos para uma deliberação democrática. Em síntese, uma abordagem participativa pode ser também um instrumento pedagógico para a aprendizagem da democracia.

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I Todos estes argumentos e conclusões levaram-me a desenvolver o conceito de Avaliação Social Multicritério que, na sua essência, é o reconhecimento de que:

• Recorrer à ciência na definição das políticas públicas implica a responsabilização dos cientistas perante toda a sociedade e não apenas perante um agente de decisão imaginário. • A participação pública é uma componente necessária, mas não suficiente. As técnicas de participação são um meio para aprofundar o conhecimento do problema em causa, e não um meio para obter dados que se utilizam acriticamente no processo de avaliação. A participação social não significa ausência de responsabilidade.

• Os juízos éticos são componentes inevitáveis de um processo de avaliação que podem influenciar decisivamente os resultados. Daí que a transparência dos pressupostos utilizados seja fundamental.

Esta discussão leva-nos a definir o conceito de avaliação, no caso de problemas de definição de políticas, como a conjugação de representação, aferição e verificação da qualidade em relação aos diferentes objectivos (Giampietro e Munda, a publicar). Por isso, quando está em causa um contexto social, utilizo a expressão “avaliação multicritério” em vez de “decisão multicritério” . Um exemplo claro da diferença entre um estudo multicritério participativo e um estudo social multicritério é a determinação dos pesos dos critérios. Será possível que todos os actores sociais envolvidos no problema forneçam pesos que possam ser utilizados no processo de avaliação ?

Procurar-se-á responder a esta pergunta na secção que se segue.

4. Incomensurabilidade social: os aspectos éticos e a questão dos pesos na avaliação social multicritério

Será que os pesos têm alguma utilidade no caso de uma avaliação “social” multicritério? A questão dos pesos em contextos com um ou vários actores sociais tem sido amplamente discutida (ver, por exemplo, Bana e Costa, 1990; Munda, 1993; Roy, 1985, 1996; Nijkamp etal., 1990; Vansnick, 1986). Muitas vezes, uma solução pragmática é não usar quaisquer pesos em situações que englobam vários actores. De facto, nessas circunstâncias, os pesos representam um estrangulamento do processo de decisão. Esta solução foi adoptada, entre outros, por B. Roy no método ELECTRE IV e, depois dele, por mim no método NIADE. Creio, no entanto, que talvez não seja a solução mais indicada para o problema dos pesos numa avaliação “social” multicritério.

Comecemos com um caso concreto. Em Espanha, trinta anos atrás, havia um critério importante a ter em conta em matéria de políticas públicas: a segurança da fronteira do norte de Espanha com a França. Hoje já ninguém se lembra dessa posição de Franco relativamente às fronteiras. O ponto onde quero chegar é o facto de, em matéria de políticas públicas, os critérios serem reflexo do contexto social e político da época. Um outro exemplo, é a importância crescente que, nos nossos dias, as questões ambientais assumem, quando há trinta anos eram praticamente irrelevantes.

Estas reflexões estão resumidas graficamente na Figura 4. Todos sabemos que na sociedade coexistem pontos de vista e valores diferentes, mas igualmente legítimos. Este facto gera uma pressão social para obrigar a ter em conta várias dimensões de uma determinada medida, por exemplo, a dimensão económica, social e ambiental. Essas dimensões são, posteriormente, convertidas pelos analistas em objectivos e critérios13, levantando-se aqui o problema de saber quem deve ponderar os critérios e de que forma deve fazê-lo.

13 Esta estrutura hierárquica dos problemas muticritério é, de certo modo, semelhante à que foi proposta por Saaty (1980). No entanto, eu utilizo apenas a noção elementar de hierarquia e não as propostas técnicas do processo analítico hierárquico (Analytic Hierarchy Process, AHP).

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Avaliação Social M ulticritério: fundamentos metodológicos e consequências operacionais

Giuseppe Munda

Comecemos pela solução pragmática de não ponderar os critérios. É provável que essa medida reduza os conflitos na fase de estruturação do problema, mas será que é normativamente correcta? Na verdade, considerar que os critérios têm todos o mesmo peso não garante de modo nenhum que os objectivos, as dimensões e, sobretudo, os grupos sociais tenham um peso igual. Isso só aconteceria se todas as dimensões tivessem o mesmo número de critérios, o que, decididamente, é improvável, artificial e até perigoso. Os analistas poderiam cair na tentação de escolher um número igual de critérios para cada dimensão, apesar de eles serem perfeitamente redundantes. Uma solução preferível seria atribuir o mesmo peso a todas as dimensões e dividir esse peso proporcionalmente pelos critérios de cada uma. Conclui-se, assim, que se atribuirmos o mesmo peso a todos os critérios, as várias dimensões sociais têm pesos diferentes, dado que o peso de cada uma vai depender do respectivo número de critérios. Mas se, pelo contrário, os

critérios tiverem pesos diferentes, todas as dimensões ficam em pé de igualdadel

Figura 4 - Representação gráfica simplificada da estrutura hierarquizada de um problema de definição de políticas

Assim, de um ponto de vista normativo (posto que existe uma decisão clara de ponderar igualmente todas as dimensões) e, eventualmente, também pragmático (porque esta decisão pode reduzir os conflitos sociais) parece preferível atribuir pesos aos vários critérios a não atribuir pesos nenhuns. Mas aqui surge uma outra questão: por que razão é que dimensões sociais diferentes devem ter um peso igual?

Para responder a esta pergunta, temos que partir do princípio de que ponderar critérios diferentes significa ponderar grupos sociais diferentes (ver Figura 4). Será possível encontrar uma justificação normativa para os pesos dos grupos sociais? Em minha opinião, há pelo menos quatro razões de ordem ética, susceptíveis de serem convertidas em pesos sociais:

1. Democracia política 2. Democracia económica Dimensão económica Objectivos económicos Critérios económicos Critérios sociais Critérios ambientais Objectivos sociais Dimensão social Dimensão ambiental Objectivos ambientais SOCIEDADE

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Junho '03/(6/34)

I 3. Sustentabilidade 4. Princípio da precaução.

Façamos, agora, a uma análise breve destas quatro justificações.

Democracia política

A noção aqui subjacente é a de que as maiorias têm mais direito de influenciar as decisões do que as minorias. Assim sendo, a derivação das ponderações sociais é relativamente fácil, porque o peso atribuído a cada dimensão será proporcional à percentagem da população que apoiou os valores que essa mesma dimensão representa. Esta solução levanta, porém, dois grandes problemas (Moulin, 1988). Um de natureza prática, porque determinar as percentagens exactas de uma população pode ser um processo difícil e dispendioso (por exemplo, recorrer ao referendo no caso de decisões complexas que afectem a comunidade), outro de natureza mais teórica, porque as minorias ficam sempre a perder e sem qualquer compensação. Foram estes os motivos que levaram os economistas a propor o conceito de democracia económica.

Democracia económica

Basicamente, a noção de democracia económica pressupõe que é possível evitar qualquer referendo porque basta observar o comportamento das pessoas no mercado para determinar as suas preferências (Munda, 1996). Este processo possibilita também conhecer a intensidade das preferências dos agentes económicos (o que a democracia política não permite, porque aí o princípio seguido é “um eleitor, um voto”) analisando os excedentes do consumidor14, e ainda ressarcir as minorias, segundo o princípio de compensação Kaldor-Hicks15. Este processo apresenta, pelo menos, dois tipos de problemas:

1. Problemas de distribuição. Muitas vezes a vontade de pagar depende da capacidade de

pagar e não das preferências. A distribuição de rendimentos é o princípio elementar subjacente

às decisões sociais.

2. Há bens e serviços para os quais não existe mercado, por exemplo, os bens ambientais. Para este tipo de bens e serviços é necessário criar mercados artificiais ou derivar mercados implícitos para obter os chamados “preços-sombra”. A forma geralmente utilizada para determinar o seu valor é efectuar uma estimativa aproximada.

Sustentabilidade

A sustentabilidade pode obrigar a considerar em pé igualdade16 a dimensão económica, a dimensão social e a dimensão ambiental. Daí que este seja o único princípio segundo o qual

14 O excedente do consumidor é a diferença entre aquilo que um consumidor paga por um determinado bem (preço de mercado) e aquilo que ele estaria disposto a pagar para não ficar sem ele. Assim, o excedente do consumidor define-se como a região abaixo da função procura e acima do preço praticado. Uma condição necessária para um cálculo correcto do excedente do consumidor agregado é conhecer as curvas de procura dos elementos do projecto em causa.

15 O custo social de um determinado bem define-se como a compensação monetária adequada paga aos lesados pela produção desse mesmo bem, com o objectivo de repor o seu anterior nível de utilidade. Por outras palavras, de acordo com o princípio Kaldor-Hicks, uma situação social Y é “socialmente preferível” à situação social existente X, se aqueles que beneficiam com a situação Y puderem compensar os que ficam prejudicados com ela, e obter ainda alguns ganhos. Essa situação é compatível com um melhoramento de Pareto, dado que X ou Y é indiferente para os prejudicados (depois de compensados) e Y é preferível a X para os beneficiados (se puderem compensar e, ainda assim, ganhar alguma coisa). É este princípio que está subjacente à análise custos-benefícios, porque se o valor monetário dos benefícios exceder o valor monetário dos custos, então os beneficiados podem, hipoteticamente, compensar os prejudicados e, mesmo assim, obter alguns ganhos. O excedente de ganhos relativamente à compensação exigida é equivalente aos benefícios do projecto. 16 Pelo menos se aceitarmos que a sustentabilidade tem três grandes pilares que devem ser integrados simultaneamente: eficiência económica, equidade inter/intrageracional e impactos da sociedade na qualidade ambiental (Munda, 1997).

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Avaliação Social M ulticritério: fundamentos metodológicos e consequências operacionais

Giuseppe M u n d a *

todas as dimensões devem ter o mesmo peso. Note-se que, de acordo com este princípio, a dimensão ambiental deve ter um peso igual à dimensão económica, embora, por exemplo, só 5% da sociedade se preocupem, de algum modo, com o ambiente. Uma das explicações deste aparente paradoxo é que esses 5% da população representam também os animais e as gerações futuras, visto que nem o princípio da democracia económica nem o da democracia política os tomam em consideração. Outro argumento em defesa desta posição é a ideia de que os seres humanos devem comportar-se de acordo com o princípio kantiano da universalidade, que pressupõe que se evitem as consequências negativas que os actos humanos possam ter no planeta Assim, mesmo que nenhum grupo social esteja disposto a defender a dimensão ambiental, ela deve, de qualquer modo, ter um peso igual ou até superior ao das outras dimensões. Em defesa da opinião de que a dimensão ambiental deve ter um peso superior pode invocar-se o chamado princípio da precaução.

Princípio da precaução

De acordo com este princípio, em situações que comportem simultaneamente incerteza e irreversibilidade, a prudência deve ser o princípio orientador das acções sociais (Wynne, 1992). Por exemplo, relativamente ao aquecimento do planeta, como não há provas científicas inequívocas das consequências das actuais emissões de determinados gases na evolução do efeito de estufa, mais vale ser prudente e reduzir já essas emissões, mesmo que os custos económicos possam ser elevados. A adopção deste princípio significa que a dimensão ambiental tem um peso maior ou que ele deve traduzir-se na imposição de restrições e não na atribuição de critérios.

Esta discussão tem, entre outras, as seguintes consequências:

1. Nos processos de decisão social, os pesos não podem ser deduzidos como se fossem dados obtidos por meio de técnicas de participação. Trata-se de um processo tecnicamente muito complicado (por exemplo, decidir qual método que deve ser usado para os obter, que índice estatístico sintetiza melhor os resultados obtidos, ou saber se os valores médios dos pesos têm algum significado), pragmaticamente não desejável (porque é provável que surjam conflitos sérios entre os vários actores sociais) e até eticamente inaceitável (caso se reconheçam as razões apresentadas na secção anterior).

2. A única forma coerente de derivar os pesos num contexto SMCE parece ser o recurso a

vários princípios éticos. É evidente que o conjunto de princípios que eu enumerei não é o único

possível, é apenas uma primeira tentativa de constituir uma lista aceitável. Aliás, apesar de saber que existem outras possibilidades, estou profundamente convencido de que o seu número é finito e não muito elevado.

3. Na abordagem que proponho, os pesos só têm verdadeiro significado como coeficientes de

importância e não como trade-offs. Isto significa também que os processos de agregação devem

ser algoritmos matemáticos não compensatórios (Bouyssou, 1986; Roberts, 1979). O facto de não haver compensação significa que as minorias representadas por critérios com pesos reduzidos podem, mesmo assim, ser muito influentes. Isto é evidente quando se usa o índice de discordância nos métodos ELECTRE.

4. As análises de sensibilidade e de robustez têm um significado totalmente diferente no caso de uma única pessoa ou de decisões técnicas17. De facto, no caso da SMCE, os pesos resultam apenas de algumas posições éticas bem definidas. Isto quer dizer que a análise de sensibilidade

17 Discuti profundamente esta questão com Serafin Corral-Quintana. Creio que ele defende, e bem, que em matéria de políticas públicas, a análise de sensibilidade deve dar mais atenção à vontade dos actores sociais porem em prática determinadas medidas e menos à combinação de pesos (Corral-Quintana, 2001). Não concordo que os actores sejam considerados em função da força que têm para apoiar ou contrariar uma política. Para mim, isso tem um objectivo descritivo, não um objectivo normativo, e é por isso que insisto na dimensão ética de uma abordagem normativa, como é o caso da SMCE.

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Junho '03/(6/34)

ou de robustez tem de examinar apenas as consequências dessas posições na classificação final, e as não de todas as combinações possíveis dos pesos. As análises de sensibilidade e de robustez constituem, portanto, uma forma de aumentar a transparência18.

Contudo, deve notar-se que a estrutura apresentada na Figura 4 é útil em termos teóricos, mas não em termos práticos. Em casos reais, as hierarquizações multicritério derivam de uma série de critérios estabelecidos pelo grupo de investigação numa tentativa de encontrar “soluções técnicas de compromisso”. Como atrás afirmei, parece-me que esta é uma abordagem correcta. A conversão das preferências, dos interesses, dos valores e dos desejos das pessoas em critérios de avaliação tem, necessariamente, que ser levada a cabo por uma equipe inter/multidisciplinar. Como neste processo se perde um pouco da relação directa dos actores sociais com as dimensões e os critérios, creio que utilizar simultaneamente duas matrizes diferentes, uma técnica e outra social, pode fornecer informações úteis. Com efeito, mesmo quando os critérios provêm directamente dos actores afectados (um caso extremo, em minha opinião), convém recordar que a quantificação dos desempenhos dos critérios é sempre uma questão técnica. Pelo contrário, já os valores de impacto das várias políticas alternativas relativamente a cada um dos actores sociais é muito mais directa. Evidentemente que o problema fundamental da ponderação dos grupos sociais se mantém. Este aspecto não foi convenientemente tratado na primeira versão do NAIADE que não atribuía qualquer peso aos grupos sociais.

Resumindo, as minhas conclusões relativamente ao problema da ponderação são as seguintes: 1. Contrariamente ao que defendi há alguns anos (Munda, 1993), creio que utilizar pesos nos problemas de definição de políticas é conveniente e importante.

2. Os pesos devem resultar posições éticas e não de técnicas de participação ou, pior ainda, das preferências do agente de decisão.

3. Dado que a incomensurabilidade pode ser de ordem técnica e de ordem social, convém usar simultaneamente uma matriz multicritério de impactos e uma matriz de conflitos que indique claramente os problemas de distribuição existentes.

4. Como uma abordagem multicritério é muito útil para a aplicação da inter/multidisciplinaridade,

uma solução prática pode ser atribuir o mesmo peso a todas as dimensões, reduzindo-se assim, eventualmente, a probabilidade de conflitos na equipe de investigação.

5. Na matriz de análise de conflitos, os pesos atribuídos aos vários grupos sociais devem ser deduzidos com base em princípios éticos, e devem efectuar-se sempre análises de sensibilidade e de robustez.

Resumindo tudo o que até aqui foi dito, pode concluir-se que a avaliação social multicritério é uma abordagem:

1. Inter/M ultidisciplinar. por respeitar a pluralidade dos diferentes pontos de vista científicos;

2. P articipativa, por obter do público toda a informação possível;

3. Transparente, por revelar os pressupostos éticos adoptados no estudo e as

responsabilidades assumidas;

4. Coerente, por garantir que os resultados são, indubitavelmente, consequência dos

pressupostos adoptados.

As características 1, 2 e 3 dependem, claramente, do processo de avaliação, mas a

característica 4 depende sobretudo dos modelos matemáticos utilizados. Na secção seguinte vai discutir-se a questão da coerência e dos métodos matemáticos de agregação.

18 Neste ponto discordo de Kleijnen (2001), que defende que “quem constrói os modelos deve tentar desenvolver modelos robustos”, ou seja modelos que não sejam muito sensíveis aos pressupostos dos seus autores. As posições éticas podem ser muito diferentes e conduzir, por isso, a classificações diferentes das várias políticas alternativas. O que se impõe num contexto social é a transparência desses pressupostos.

Referências

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