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DAGUERREOTIPIA: PROCESSO HISTÓRICO NA CONTEMPORANEIDADE

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Academic year: 2021

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DAGUERREOTIPIA: PROCESSO HISTÓRICO NA CONTEMPORANEIDADE Mariana Capeletti Calaça marianacapeletti@gmail.com

Universidade Federal de Goiás Resumo: O presente trabalho busca discutir a volta à câmera escura por alguns fotógrafos, o porquê da busca por processos históricos em seus trabalhos, como esses artistas dominam o aparelho e realizam imagens a partir de experimentações que proporcionam à imagem fotográfica ir em direção às diversas possibilidades criativas. Neste artigo, será tratado o primeiro processo fotográfico a daguerreotipia e como foi incorporado nas fotografias contemporâneas da artista Cris Bierrenbach.

Palavras-chave: Daguerreotipia, fotografia, Cris Bierrenbach

Abstract: This paper seeks to discuss the dark about the camera for a few photographers, why the search for historical processes in their work as artists that dominate the appliance and carry images from experiments that provide the photographic image exposure and move toward the many creative possibilities. In this article, will be treated to the first daguerreotype photographic process and how it was built in photographs of contemporary artist Cris Bierrenbach.

Keywords: Daguerreotype, photo, Cris Bierrenbach

Introdução

Desde seu impactante advento, a fotografia modificou a forma como o homem via imagens e definia o que era realidade, provocando várias mudanças de sentido, uma vez que a imagem fotográfica é capaz de mostrar, esconder e modificar o mundo. A relação que o homem criou com a fotografia foi de inteira dependência, é preciso que haja o registro fotográfico para que algo se torne verdadeiro. A fotografia foi vista então como uma forma de documento, prova irrefutável de que algo existiu. Mas a fotografia nasce de construções, desde sua formação física e química até a subjetividade que envolve o fotógrafo, a imagem fotográfica é formada a partir de um ponto de vista, de quem deseja mostrar algo que vá além da imagem. Segundo Fernandes Júnior (2002) a fotografia tem em sua essência uma contraditória condição de realidade e ficção, é tida como verdade, mas é manipulável, constrói espaços e tempos e busca uma reflexão aberta e flexível quanto à representação. Vários fotógrafos tentam expandir essa fotografia, ir além daquilo que foi pré determinado a técnica, e torná-la algo além de registro da realidade. E dentro desse grupo de fotógrafos existem aqueles que vão a sua

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essência, e procuram nos processos históricos fotográficos o meio para se representarem.

O intuito desse artigo é iniciar a discussão a cerca dessa volta à câmera escura, e nesse momento um estudo sobre duas imagens produzidas por Cris Bierrenbach utilizando o processo fotográfico reconhecido como o primeiro, o daguerreotipo.

Antecedentes

A experiência de visualizar imagens no escuro a partir de orifícios existe desde o primórdio da humanidade, fazendo alusão inclusive a Caverna de Platão. As câmeras escuras são apresentadas como antecedentes do aparelho fotográfico, seu princípio é conhecido desde Aristóteles no século IV a.C. O filósofo observa um eclipse solar em um local escuro onde a luz entrava por um pequeno orifício na parede e indaga porque a luz ao atravessar um orifício quadrado se projeta redonda, ou porque os raios de luz se ampliam antes de chegar ao chão. Aristóteles não encontrou respostas e suas perguntas ficaram conhecidas na óptica como Problemas de Aristóteles (RENNER, 2000).

A câmera escura também é descrita pelo astrônomo árabe Al Hazen no século XI e por Roger Bacon em 1267. Segundo Sougez (2001) Guillaume de Saint-Cloud é quem melhor expõe tal fenômeno em suas anotações, onde descreve que se em um ambiente fechado e escuro acontece à entrada de um fecho de luz através de um orifício, esse irá se projetar na superfície oposta a entrada de luminosidade, formando uma mancha circular. Guillaume de Saint-Cloud constata também que a imagem projetada se forma invertida, uma vez que os raios de luz superiores se projetam embaixo e os inferiores em cima. Em 1515 Leonardo Da Vinci descreve novamente a câmera escura em seus apontamentos, mas não a limita a apenas observação de eclipses solares, com isso o aparelho é aperfeiçoado durante a Renascença, e após suas transformações ganha lentes de vidro ao invés de apenas um orifício.1

A união de conhecimentos químicos e físicos, fez com que no século XIX diversos pesquisadores em locais distintos buscassem uma forma de fixar a imagem que era obtida através da câmera escura e conseguir um meio rápido

1 Mais informações sobre câmeras escuras podem ser consultadas no site

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de obtenção da imagem. Vários foram os processos inventados ao longo daquele século, tanto para obtenção quanto impressão da imagem. O reconhecido historicamente como o primeiro processo fotográfico foi o Daguerreótipo.

De Niepce a Daguerre

Nicéphore Niepce inicia suas pesquisas realizando experimentos com litografia2, porém como não tinha habilidade para desenhar começou a pensar na possibilidade de fixar a imagem luminosa que se formava na pedra litográfica, Niepce passa então a estudar uma nova técnica, onde ele conseguiria fixar as imagens reproduzidas pela ação da luz. Ele dá a essa técnica o nome de Heliografia3, e consegue através dela em 1826 a imagem que é considerada como a primeira fotografia. Nesse mesmo ano, Niepce é contatado por Daguerre, que o procura a fim de obter mais informações sobre as heliografias. Alguns anos mais tarde, após várias trocas de correspondências os dois inventores se associam para aprimorar as pesquisas sobre Heliografia.

Após a morte de Niepce, Daguerre continua os estudos acerca do processo o aperfeiçoa e consegue obter e fixar imagens nitidamente, e em 1839 em uma sessão da Academia das Ciências o processo denominado daguerreótipo se deu por reconhecido. A fotografia era obtida em uma placa de cobre prateada, era uma imagem única sem caráter reprodutível que deveria ser guardada em caixas e protegida por vidro, para que não houvesse a oxidação do material.

O governo francês paga a Louis-Jacques Mandé Daguerre uma pensão vitalícia em troca do invento, que pode então ser utilizado por qualquer pessoa sem a necessidade de se pagar pela patente, o que propicia o crescimento do invento que se espalhou rapidamente, e segundo Annateresa Fabris (2003) esse fator aliado ao poder de representação de forma rápida, nítida, detalhada, fiel e precisa da realidade propiciaram ao processo sucesso e ampla difusão, porém o daguerreótipo teve um tempo hegemônico curto, pois a partir da

2 Esta técnica de impressão utiliza uma pedra calcária de grão muito fino e baseia-se na

repulsão entre a água e as substâncias gordurosas.

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década de 50 do século XIX outros processos mais rápidos, baratos e que proporcionavam a reprodutibilidade foram inventados.

Na contemporaneidade

Desde seu advento a fotografia evoluiu constantemente, sendo hoje dominada pela tecnologia digital. Segundo Flusser (2002), quem adquire um equipamento fotográfico, procura o “último modelo” que geralmente é menor, mais fácil de manusear e melhor que o anterior. Porém, em meio a tanta evolução existem aqueles que buscam em processos manuais, históricos e não comerciais meios para fotografarem. Alguns fotógrafos-artistas fazem um resgate desses processos produzindo imagens dentro do campo das artes visuais, denominado por Rouillé (2009) como neopictorialismo, que é o uso de “materiais e procedimentos antigos, ultrapassados, arcaicos – fotografia com câmeras artesanais (pinhole), o daguerreótipo, os positivos diretos e a goma bicromática.” (ROUILLÉ, 2009, p. 284). É o caso de Cris Bierrenbach, pesquisadora de técnicas de impressão, artista que conseguiu realizar daguerreótipos em alguns de seus trabalhos fotográficos.

O uso desses processos na fotografia contemporânea é denominado por Fernandes Júnior (2002) como fotografia expandida, onde o importante é o processo criativo e os procedimentos utilizados pelos fotógrafos para obterem o resultado. O autor afirma ainda que a fotografia expandiu também em seu território de ação, deixando de ser apenas documento fiel da realidade para se tornar a percepção de novos tempos, usos e espaços, uma fotografia onde não se pode ignorar o fotógrafo, seu olhar subjetivo, sua personalidade e ainda, não se pode considerar a realidade na fotografia como algo imutável, impassível de manipulação. Tadeu Chiarelli trata essa manifestação artística autônoma da fotografia como contaminada, “uma fotografia contaminada pelo olhar, pelo corpo, pela existência de seus autores e concebida como ponto de intersecção entre as mais diversas modalidades artísticas” (CHIARELLI, 2002). A produção de Cris Bierrenbach se encaixa dentro da “contaminação” proposta por Chiarelli, uma vez que a artista manipula o processo e o registro fotográfico e dota seus trabalhos com sentidos e práticas reminiscentes de sua vivência ligando inclusive com outros meios.

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Atendo ao trabalho com daguerreótipos da artista, especificamente duas imagens da série Auto-retrato de 2003, ao contrário do que se pensa de imediato não se trata de fotografias representando a imagem física da artista, mas sim bonecas cuidadosamente fotografadas, onde o trabalho com a luz age de forma decisiva na percepção da imagem. As bonecas tem apenas parte de seus rostos fotografados, deixando a outra metade em uma penumbra, o que causa uma certa inquietação, e faz com que as bonecas percam sua função de meros brinquedos infantis, pois ali posam para representar retratos.

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A daguerreotipia que no seu advento era utilizada para fazer o retrato, a cópia fiel de uma pessoa, aqui retrata um objeto construído com a finalidade de Série Auto-retrato #7, 2003. Daguerreótipo, 18x13 cm.

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representar a imagem humana e mesmo com tantas características que apontem essa aproximação com a realidade as bonecas são apenas representações e interpretações da realidade, assim como a fotografia. Outro ponto interessante para o nome da série também está ligado diretamente ao suporte utilizado pela artista, embora não apareça na fotografia que reproduz a obra, o daguerreótipo tem como característica o espelho, como a imagem é impressa em uma placa de cobre com banho de prata a superfície acaba por se tornar um espelho, e ao olhar para a imagem o observador se vê espelhado na fotografia, fundindo o retrato das bonecas com ele mesmo refletido. Ele então faz parte da obra, observa e é observado. A boneca agora não está mais no fim, na ponta da obra e sim no meio, pois fica entre o observador e sua imagem no espelho, o que antes era o retrato de um objeto agora se torna o autorretrato de quem contempla.

A luz cuidadosamente trabalhada não foi apenas um artifício estético, a parte que permanece em penumbra na imagem quando visualizada é apenas espelho, e é nesse momento que o observador se funde definitivamente com a obra, pois ao olhar para a fotografia metade dele se torna a boneca.

A artista propõe uma discussão acerca da realidade e distorce o significado inicial da daguerreotipia no momento em que foi criada, ao invés de cópia fiel da realidade, ela passa a refletir a realidade a partir de conceitos, lembranças e conexões.

Conclusão

Ao longo da história a fotografia se desassocia da ideia única de registro e se caracteriza também como criativa. Na contemporaneidade adquire inúmeras facetas, sendo suscetível a inúmeras interpretações e produções, como afirma Simonetta:

Pensar a fotografia contemporânea hoje é tentar entender a aproximação com vários suportes e entendê-las como linguagem autônoma...Interessante pensar sobre a fotografia na contemporaneidade como força do simulacro, criando um duplo como imagem de imagens...deveríamos pensar – e nisso a produção contemporânea tem nos ajudado – em enxergar a imagem como um mero ponto de vista sobre determinado assunto, uma opinião própria, portanto passível

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de ser construída....A imagem fotográfica, polissêmica por natureza, nos dá esse privilégio de uma leitura múltipla. E parece que é nessa direção que tem se voltado nossa produção fotográfica. (PERSICHETTI, p. 86 a 89)

Susan Sontag (2004) afirma ainda que alguns fotógrafos a fim de conseguir características criativas as suas fotografias, abandonam as câmeras cada vez mais tecnologicamente avançadas, e partem para aparelhos toscos, acreditando conseguir resultados mais livres e positivos

O uso de processos alternativos parte de uma inquietação e necessidade de experimentação dos artistas em relação à rígida linguagem fotográfica, Flusser (2002) defende que os artistas que utilizam de processos alternativos o fazem pois desejam jogar contra o programa; os fotógrafos denominados experimentais, procuram respostas num contexto da liberdade dominado por aparelhos, onde não se limitam aos mecanismos e dispositivos.

Segundo Flusser (2002) a filosofia da fotografia reposiciona o problema da liberdade, indagado em toda filosofia. O autor traz que estamos rodeados de aparelhos programáticos, que automatizam a ação de fotografar, pensar e viver. Porém, Flusser traz que é possível “jogar contra o aparelho” (FLUSSER, 2002, p. 75) uma vez que o aparelho pode ser enganado, os programas podem sofrer alterações humanas não previstas, sendo essa a liberdade da filosofia da fotografia. A fotografia expandida existe graças a essa liberdade, desenvolvendo o caráter mágico da imagem tradicional à fotografia, fazendo o observador vaguear com os olhos por toda a superfície da imagem técnica.

Referências bibliográficas

AMAR, Pierre-Jean. História da Fotografia. Lisbora: Edições 70, 2010. BIERRENBACH, Cris. Fotoportátil. São Paulo: Cosac Naify, 2005.

CHIARELLI, Tadeu. Arte Internacional Brasileira. São Paulo: Lemos-Editora, 2002.

DIDI-HUBERMAN, George. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Ed. 34, 1998

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FABRIS, Annateresa. Fotografia. Usos e funções no século XIX.São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2008

FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Editora Relume, 2002

RENNER, Eric. Pinhole photography: rediscovering a historic technique. Boston/London: Focal Press, 2000.

ROUILLÉ, André. A Fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Editora Senac, 2009

FERNADES JR.,Rubens. A fotografia expandida. Tese de doutoramento apresentada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2002.

PERSICHETTI, Simonetta. Novas Legendas. In: Bravo, São Paulo, Nº. 75, dezembro, 2003, pp. 85 - 89SOUGEZ, Marie-Loup. História da Fotografia. Lisboa, Dinalivros, 2001

TURAZZI, Maria Inez. Poses e trejeitos. A fotografia e as exposições na era do espetáculo (1839 – 1889). Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1995.

Currículo

Formada em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, cursa mestrado em Arte e Cultura Visual na Universidade Federal de Goiás, onde pesquisa história da fotografia com ênfase nos processos fotográficos do século XIX e como esses processos retornam a fotografia contemporânea e quais as novas significações recebem.

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