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Concepção de letramento

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Academic year: 2021

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A contribuição de Comenius, com o objetivo de expandir a instrução pública para as massas populares, inaugurou o caminho da produção do método do ensino eficiente da leitura para crianças em idade escolar.

Transcorridos tantos séculos, podemos observar que o interesse pelo ensino da leitura e da escrita, a ser generalizado para todas as crianças, continua a ter grande atualidade diante da necessidade de superar a re-provação e o fracasso escolar, que perdura na primeira série ou primeiro ciclo do Ensino Fundamental, momento da alfabetização por excelência.

Porém, antes de retomar a questão do processo de ensino da leitura e da escrita, não podemos deixar de relembrar, ainda que brevemente, a importância da determinação social sobre a educação, ou mais especifica-mente, sua relação com a produção do alfabetismo ou do analfabetismo. Assim, é importante destacar a ação recíproca que se estabelece entre educação e as condições de existência da população que são produzidas por determinada sociedade. Para se desenvolver a educação e, sobretudo, para que o analfabetismo de fato seja erradicado, é imprescindível que se removam as causas objetivas que lhe dão lugar. Vários exemplos na histó-ria demonstram que quando em um país se operam as transformações so-cioeconômicas que provocam a miséria, o atraso e a submissão da nação, ele próprio encontra os meios que suprimem rapidamente o analfabetis-mo, porque, sobretudo, compreende a absoluta e inadiável necessidade de alfabetizar e instruir seu povo (BRASLAVSKY, 1993).

Em nosso país, a expansão do que chamamos de alfabetismo pela via da escola de educação básica, obrigatória de 7 a 14 anos, embora legitima-da na constituição federal, tem percorrido um longo e penoso caminho, não consolidado, em razão das desigualdades que marcam a sociedade brasileira.

Ao examinarmos dados de períodos mais recentes, constatamos que, ao mesmo tempo em que se verifica maior expansão de oferta de ensino pela escola pública, cresce simultaneamente o número de reprovações na série de entrada na escola – na classe de alfabetização – do que decorre, portanto, a permanência do analfabetismo.

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É o que demonstram os dados registrados a partir de 1940, época em que a escola pública brasileira passou a receber um número maior de alunos provenien-tes de outros segmentos da classe trabalhadora, que até então não haviam aces-sado a ela, como aqueles vindos de famílias mais pobres. Do total de alunos que adentraram na primeira série, não mais de 50% das crianças conseguiram aprova-ção para a segunda série, ou seja, aprenderam a ler e escrever (SOARES, 2005).

Na década de 1960 e 1970, o Ministério da Educação divulgou os percentuais registrados na tabela abaixo:

Ano Alunos ingressantes na primeira série do 1.º grau segunda série do 1.º grauAlunos aprovados para a

1963 1 000 449

1974 1 000 438

(SO

ARES, 2005, p

. 13)

Pode-se dizer que, no início do século em curso, os resultados do alfabetismo não são diferentes, pois, segundo as estatísticas governamentais, permanece o problema da reprovação na classe de entrada na escola. A única diferença é que, agora, a dificuldade do aluno de romper barreira da etapa da alfabetização passou a ser o primeiro ciclo; ou, no caso de sistemas, que optaram pela progressão conti-nuada, o aluno passa ao ciclo seguinte ainda não alfabetizado (SOARES, 2005).

Estudos e pesquisas sobre resultados do alfabetismo/analfabetismo passa-ram a exigir dos estudiosos Klein (2003) e Soares (2005) a revisão do próprio conceito de alfabetização.

Se por um lado, pelo próprio sentido etimológico do termo, pode-se definir alfabetização “como levar à aquisição do alfabeto”, ou seja, “ensinar o domínio do código da língua escrita, ensinar técnica do ler e escrever”, por outro, não se pode deixar de ressaltar a apreensão e compreensão de significados expressos em língua escrita. Nesse caso, a alfabetização é concebida como processo de compreensão e expressão de significados, com o objetivo de comunicação e in-teração verbal, de compreensão da realidade. Portanto, código e textualidade compõem os conteúdos da alfabetização.

Outro desafio que os educadores Klein (2003) e Soares (2003) propõem para alfabetização escolar é de que não basta que os alunos saibam ler e escrever, mas faz-se necessário o cultivo das atividades de leitura e escrita que respondem às demandas sociais de exercício destas práticas. A essa ação pedagógica, que se processa de forma complementar e simultânea à alfabetização, embora

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distin-O que é letramento?

Letramento, segundo Soares (2003) é uma palavra que foi incorporada no vocabulário dos educadores e linguistas brasileiros, dedicados aos estudos da alfabetização nas últimas décadas do século passado, e que vai aparecer pela primeira vez nas publicações dos anos de 1986/1988.

O termo letramento é tradução da palavra inglesa literacy que, por sua vez, vem do latim littera, que significa “letra”. Encontramos, aqui, a origem etimológi-ca do termo, ou seja, adicionado o sufixo cy, que signifietimológi-ca “qualidade, condição, estado, fato de ser”, à palavra latina teremos littera + cy = literacy, cujo sentido passa a ser “estado ou condição que assume aquele que aprende a letra”, ou “a ler e a escrever” (SOARES, 2003, p. 17).

Para Soares (2003), portanto, a ideia de mudança (literacy) está implícita no con-ceito de letramento. Como o letramento diz respeito às práticas sociais de leitura e escrita, seu exercício traz importantes consequências para o próprio sujeito e para o meio social em que está inserido. Assim, aprender a ler e escrever, alfabetizar- -se, deixar de ser analfabeto, tornar-se alfabetizado, adquirir a “tecnologia” do ler e escrever e envolver-se nas práticas sociais de leitura e escrita altera as condições linguísticas, cognitivas, psíquicas, emocionais, culturais, sociais e políticas que o sujeito e a comunidade a que pertence tem sob o impacto dessas mudanças.

Podemos concluir, conceituando, ainda segundo Soares (2003) que “letra-mento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como con-sequência de ter-se apropriado da escrita”.

Uma dificuldade que a concepção de letramento apresenta é de como dife-renciar um alfabetizado de um letrado. Faz-se necessário retomar o pressuposto já explicitado de que o letramento comporta a dimensão individual do domínio técnico do ler e escrever – desenvolvido no âmbito da alfabetização – e a di-mensão cultural, como um conjunto de atividades sociais que envolvem a língua escrita e seu uso segundo o padrão das exigências de determinado contexto social. Com base nessa concepção, pode-se distinguir o âmbito da aprendiza-gem da leitura e da escrita que se refere às habilidades de ler e escrever, e o âmbito que inclui a prática dessas habilidades em atividades significativas para a formação cultural, científica e ideológica do aprendiz.

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Texto complementar

A invenção do letramento

(SOARES, 2004)

É curioso que tenha ocorrido em um mesmo momento histórico, em so-ciedades distanciadas tanto geograficamente quanto socioeconomicamen-te e culturalmensocioeconomicamen-te, a necessidade de reconhecer e nomear práticas sociais de leitura e de escrita mais avançadas e complexas que as práticas do ler e do escrever resultantes da aprendizagem do sistema de escrita. Assim, é em meados dos anos 1980 que se dá, simultaneamente, a invenção do

letramen-to no Brasil, do illettrisme, na França, da literacia, em Portugal, para nomear

fe-nômenos distintos daquele denominado alfabetização, alphabétisation. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, embora a palavra literacy já estivesse diciona-rizada desde o final do século XIX, foi também nos anos 1980 que o fenômeno que ela nomeia, distinto daquele que em língua inglesa se conhece como

reading instruction, beginning literacy tornou-se foco de atenção e de

discus-são nas áreas da educação e da linguagem, o que se evidencia no grande número de artigos e livros voltados para o tema, publicados, a partir desse momento, nesses países, e se operacionalizou nos vários programas, neles desenvolvidos, de avaliação do nível de competências de leitura e de escrita da população [...]. É ainda significativo que date aproximadamente da mesma época (final dos anos 1970) a proposta da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) de ampliação do conceito de

literate para functionally literate, e, portanto, a sugestão de que as avaliações

internacionais sobre domínio de competências de leitura e de escrita fossem além do medir apenas a capacidade de saber ler e escrever. [...]

No Brasil [...] o despertar para a importância e necessidade de habilidades para o uso competente da leitura e da escrita tem sua origem vinculada à aprendizagem inicial da escrita, desenvolvendo-se basicamente a partir de um questionamento do conceito de alfabetização. Assim, ao contrário do que ocorre em países do Primeiro Mundo [...], no Brasil os conceitos de al-fabetização e letramento se mesclam, se superpõem, frequentemente se confundem. Esse enraizamento do conceito de letramento no conceito de

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Assim, as alterações no conceito de alfabetização nos censos demográfi-cos, ao longo das décadas, permitem identificar uma progressiva extensão desse conceito. A partir do conceito de alfabetizado, que vigorou até o Censo de 1940, como aquele que declarasse saber ler e escrever, o que era interpreta-do como capacidade de escrever o próprio nome; passaninterpreta-do pelo conceito de

alfabetizado como aquele capaz de ler e escrever um bilhete simples, ou seja,

capaz de não só saber ler e escrever, mas de já exercer uma prática de leitura e escrita, ainda que bastante trivial, adotado a partir do Censo de 1950; até o momento atual, em que os resultados do Censo têm sido frequentemente apresentados, sobretudo nos casos das Pesquisas Nacionais por Amostragem de Domicílios (PNAD), pelo critério de anos de escolarização, em função dos quais se caracteriza o nível de alfabetização funcional da população, ficando implícito nesse critério que, após alguns anos de aprendizagem escolar, o in-divíduo terá não só aprendido a ler e escrever, mas também a fazer uso da leitura e da escrita, verifica-se uma progressiva, embora cautelosa, extensão do conceito de alfabetização em direção ao conceito de letramento: do saber ler e escrever em direção ao ser capaz de fazer uso da leitura e da escrita.

[...]

Em síntese, o que se propõe é, em primeiro lugar, a necessidade de reco-nhecimento da especificidade da alfabetização, entendida como processo de aquisição e apropriação do sistema da escrita, alfabético e ortográfico; em segundo lugar, e como decorrência, a importância de que a alfabetização se desenvolva num contexto de letramento – entendido este, no que se refere à etapa inicial da aprendizagem da escrita, como a participação em eventos variados de leitura e de escrita, e o consequente desenvolvimento de habili-dades de uso da leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita, e de atitudes positivas em relação a essas práticas; em terceiro lugar, o reconhecimento de que tanto a alfabetização quanto o letramento têm dife-rentes dimensões, ou facetas, a natureza de cada uma delas demanda uma metodologia diferente, de modo que a aprendizagem inicial da língua escrita exige múltiplas metodologias, algumas caracterizadas por ensino direto, explí-cito e sistemático – particularmente a alfabetização, em suas diferentes facetas –, outras caracterizadas por ensino incidental, indireto e subordinado a possi-bilidades e motivações das crianças; em quarto lugar, a necessidade de rever e reformular a formação dos professores das séries iniciais do ensino funda-mental, de modo a torná-los capazes de enfrentar o grave e reiterado fracasso escolar na aprendizagem inicial da língua escrita nas escolas brasileiras.

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Atividades

1. Observe a tabela abaixo:

Ano primeira série do 1.º grauAlunos ingressantes na segunda série do 1.º grauAlunos aprovados para a

1963 1 000 449

1974 1 000 438

O que os dados sobre a aprovação dos alunos na classe que inicia o processo de escolarização no Ensino Fundamental, revelam a respeito do alfabetismo/ analfabetismo no Brasil?

2. Diante dos resultados do alfabetismo/analfabetismo, os educadores pas-saram a rever a própria concepção de alfabetização e complementaram-na com o conceito de letramento. Explique essas concepções.

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3. A palavra letramento, traduzida do inglês literacy, significa:

a) estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever.

b) ensino e aprendizagem de habilidades iniciais de leitura e escrita.

c) domínio de algumas práticas individuais de leitura e escrita.

d) técnica herdada e aprimorada para aprender a ler e a escrever.

Dica de estudo

Recomenda-se a leitura deste livro para que se possa ampliar a compreensão da origem da concepção de letramento.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Au-têntica, 2003.

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