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Tratamento Farmacológico do Transtorno de Humor Bipolar: algoritmo

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Academic year: 2021

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Tratamento Farmacológico do Transtorno

de Humor Bipolar: algoritmo

Flávio M. Shansis Aristides V. Cordioli

Introdução

O Transtorno de Humor Bipolar (THB) possui uma prevalência estimada em torno de 1,5% (Blazer, 1995), sendo que o tipo I corresponde a cerca de 0,8% e o tipo II a cerca de 0,5% da população. Entretanto, quando o conceito deste transtorno é ampliado para o chamado espectro bipolar a prevalência aumenta para até 3 a 6% (Goodwin e Jamison, 1990). Em clínicas psiquiátricas, em torno de 50% dos pacientes apresentam THB (Schatzberg, 1998).

O transtorno bipolar atinge seus portadores em vários aspectos de suas vidas, como em questões maritais, sociais, econômicas, nas atividades profissionais, etc., com conseqüências geralmente bastante importantes e, em alguns casos, catastróficas. Cerca de 25% dos pacientes com THB fazem tentativas de suicídio e cerca de 15% acabam por completar este intento (Schatzberg, 1998). Por se tratar de um transtorno crônico, com um curso muitas vezes imprevisível e de grande variabilidade tanto entre os pacientes quanto em um mesmo paciente, a farmacoterapia do THB desempenha um papel fundamental no seu tratamento. Entretanto, além do tratamento farmacológico, devem ser incluídas abordagens educativas a respeito da doença (individuais ou em grupo) tanto para o paciente quanto para sua família, com informações sobre a doença (sintomas, períodos de crise, etiologia, curso e prognóstico, estresses indutores), sobre as drogas que utiliza (doses, tempo de uso, efeitos colaterais, controles laboratoriais), sobre aspectos nutricionais,

exercícios físicos, impactos sociais, estimulando o paciente a informar-se sobre sua doença, e sobretudo a identificar os sinais precoces do início de um novo episódio de mania ou depressão. Este atendimento integral envolve idealmente uma equipe multidisciplinar, sob a liderança do psiquiatra.

Especificamente em relação ao tratamento farmacológico do THB, algumas mudanças vêm ocorrendo nos últimos anos. Provavelmente, isto decorre de um aprimoramento diagnóstico. A literatura e a clínica vêm valorizando mais as formas menos graves de apresentação deste transtorno (sintomatologia sub-sindrômica), bem como o curso e a apresentação dos surtos. A resposta ao tratamento farmacológico tem se mostrado diferente entre aquelas apresentações clássicas de mania, por exemplo, da resposta a quadros mistos, de ciclagem rápida, de

hipomania até a resposta mais exigente de quadros de mania refratária. O uso de anticonvulsivantes está cada vez maior e apresentando

melhores resultados (Post e cols., 1996). Em relação à depressão bipolar, igualmente, avanços têm sido feitos, em especial na busca de antidepressivos com menor risco de induzir virada maníaca. O uso, anteriormente comum de antipsicóticos em quadros de mania, vem sendo gradativamente substituído pelo uso, sempre que possível, de benzodiazepínicos de alta potência, uma vez que esta população de

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pacientes apresenta-se particularmente sensível aos graves efeitos colaterais de uso a longo prazo dos antipsicóticos tradicionais (como quadros de discinesia tardia, por exemplo).

Entretanto, apesar destes avanços, o lítio ainda possui papel

fundamental no manejo da grande maioria de quadros deste transtorno. O lítio responde por cerca de 70% das melhoras (especialmente em quadros de mania clássica), assim como ainda é o antidepressivo de escolha sempre que isto seja possível. Alguns autores, inclusive, observam uma resposta importante ao lítio naqueles quadros da assim chamada depressão pseudounipolar - com história familiar de

bipolaridade, início precoce, alta freqüência de episódios, com hipersonia, retardo psicomotor e hipomania induzida pelos

antidepressivos (Akiskal, 1983; Cassano e cols., 1988). Finalmente, cabe salientar que o lítio usado profilaticamente, além de prevenir recorrências, é capaz de reduzir os riscos aumentados que pacientes bipolares possuem de morrer por suicídio ou em decorrência de problemas cardiovasculares (Ahrens e cols., 1998).

Farmacoterapia do Transtorno de Humor

Bipolar: proposta de um algoritmo

Em função do acima descrito, têm sido propostos algoritmos para o tratamento do THB (Suppes e cols., 1998; Bauer e cols., 1999) que, de uma maneira geral, seguem os seguintes passos:

I) EPISÓDIO MANÍACO

a) Mania clássica b) Hipomania c) Ciclagem rápida d) Ciclotimia

1) Monoterapia com estabilizadores humor de primeira linha

(lítio, carbamazepina ou ácido valpróico);

2) Aumento da dose do estabilizador de humor; 3) troca de estabilizador de humor;

4) mania refratária:

a) associação de estabilizadores de humor;

b) manutenção com antipsicótico tradicional (alta potência, sedativos); c)antipsicótico atípico (clozapina, olanzapina);

d) uso de um anticonvulsivante novo (lamotrigina, gabapentina, topiramato);

e) uso de um bloqueador dos canais de cálcio; f) eletroconvulsoterapia.

II) EPISÓDIO DEPRESSIVO 1) Monoterapia com lítio 2) aumento da dose de lítio;

3) associação de um estabilizador do humor com um antidepressivo (ISRS, bupropiona, IMAO, nefazodona, venlafaxina, até ADT);

4) associação de um estabilizador do humor com um antidepressivo e um antipsicótico;

5) eletroconvulsoterapia. III) EPISÓDIO MISTO 1) ácido valpróico;

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2) uso de um outro estabilizador do humor; 3) eletroconvulsoterapia.

Nos últimos anos tem ficado evidente a diferença de resposta de cada quadro clínico bipolar a um dado estabilizador de humor. Neste aspecto, esta proposta de algoritmo tenta contemplar as nuances

sintomatológicas do THB, ainda que respeitando as linhas gerais aqui propostas, de passos seqüenciais.

A utilização desta seqüência de passos, e de algumas estratégias a ela associadas e descritas no texto, pressupõe o diagnóstico correto, o afastamento de problemas de ordem física e de estressores, bem como excluir que o quadro possa ser o efeito de eventuais drogas que o paciente possa estar utilizando. Alguns destes passos estão bem estabelecidos através de ensaios duplo-cegos, randomizados e controlados, enquanto que outros são fundamentados apenas em ensaios abertos ou, mais pobremente, em relatos de casos isolados. Além da eficácia em si dos diferentes estabilizadores do humor em função do quadro clínico, uma série de outros fatores devem ser considerados quando vai ser feita a escolha da droga para um paciente específico: presença de problemas físicos (insuficiência renal,

insuficiência hepática, problemas cardíacos, obesidade, gravidez, psoríase, etc.), resposta em tratamento anterior, impacto de efeitos colaterais na qualidade de vida do paciente, resposta de outros membros da família a uma determinada droga, comorbidades psiquiátricas, entre outros.

I - EPISÓDIO MANÍACO(figura 1)

A seguir são descritas as estratégias do tratamento agudo e de manutenção dos diferentes quadros maníacos. Inicia-se, em geral 1) com um dos estabilizadores do humor de primeira linha (lítio, ácido valpróico ou carbamazepina), associado ou não a benzodiazepínicos ou antipsicóticos; se após dose e tempo adequados de uso não houver resposta ou esta for parcial: 2) aumenta-se até um limite aceitável a dose do estabilizador (passo 2), troca-se por um outro estabilizador (passo 3), e finalmente adotam-se algumas das estratégias sugeridas para a mania refratária (passo 4).

1) Monoterapia com estabilizadores humor de primeira linha

(lítio, carbamazepina ou ácido valpróico)

a) MANIA CLÁSSICA Lítio Os quadros de mania clássica (humor

eufórico ou irritável, agitação psicomotora, pressão para falar, fuga de idéias, comportamento social desinibido, dificuldades de concentração, desatenção, elação, aumento da atividade, necessidade diminuída para dormir (Schatzberg, 1998) respondem melhor ao uso do lítio (Bowden, 1998). Esta observação já havia sido feita desde os trabalhos pioneiros de Schou na década de 50 (Schou, 1954). Depois de 2 a 4 semanas, a resposta de pacientes com mania aguda ao lítio situa-se entre 40 a 80% (Bowden, 1998). A grande variabilidade entre estes valores se deve, especialmente, a diferentes metodologias e critérios diagnósticos utilizados através dos anos.

Entretanto, parece ser consenso, hoje em dia, de que quadros de mania aguda clássica respondem favoravelmente ao uso do lítio (Nemeroff, 1998).

Em relação à dose que deve ser usada, sabe-se que valores séricos entre 0,6 e 1,2 mEq/l estão mais associados a resultados efetivos e seguros (Kilts, 1998). Valores séricos menores do que 0,6mEq/l estão

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associados a taxas maiores de recaídas e a um funcionamento

psicossocial pior (Gelenburg e cols., 1989; Solomon e cols., 1996).Por outro lado, a incidência de efeitos colaterais aumenta bastante com níveis acima de 1,5 mEq/l (Ward e cols., 1994) . Na mania aguda a litemia, idealmente, deve se situar entre 1,0 e 1,2 mEq/l. Quanto à forma de se prescrever o lítio, se dividido em doses durante o dia ou se dado em dose única a noite, isto tem sido tema de debate. A idéia da prescrição do lítio em doses divididas baseia-se na tentativa de minimizar a magnitude e a conseqüência de picos de lítio após a ingestão. Esta prática, entretanto, possui problemas em relação a uma maior aderência por parte do paciente que necessita usar a medicação 2 ou 3 vezes ao dia. Por outro lado, a idéia de uma dose única à noite é a de manter menos exigida a função renal diária (Kilts, 1998). Uma alternativa atual que tem recebido maior número de seguidores é o uso de fórmulas de liberação lenta (CR) dos sais de lítio em dose única no horário mais conveniente ao paciente.

Ácido valpróico

O ácido valpróico tem sido utilizado na mania aguda (Bowden e cols., 1994; Pope e cols., 1991; Freeman e cols., 1992; Emrich e cols., 1981; Brenman e cols., 1994; Post e cols., 1984; McElroy e cols., 1996). O nível sérico adequado deste medicamento para um episódio de mania aguda ainda não está bem estabelecido; entretanto, parece que níveis entre 60 e 100 mg/ml sejam suficientes (Keck e cls, 1993).

Carbamazepina

Em relação à carbamazepina, os estudos que foram realizados de forma controlada na mania aguda (Ballenger e Post, 1978; Okuma e cols., 1979; Grossi e cols., 1984; Lerer e cols., 1987; Small e cols., 1991) revelaram que há uma taxa de resposta de cerca de 50%, comparada a outros dois grupos controles. No grupo com lítio houve uma resposta de 56% e no grupo com clorpromazina houve uma resposta de 61% (as diferenças entre os grupos não foram estatisticamente significativas). O nível sérico adequado não está totalmente estabelecido, no entanto, parece que deve situar-se entre 8 e 12 mg/ml. O tempo de resposta à carbamazepina variou entre 1 e 2 semanas. Entretanto, na mania clássica a resposta da carbamazepina é menor do que na mania mista, na ciclagem rápida, principalmente em pacientes com história familiar negativa de transtornos do humor (Post e cols, 1987; Greil e cols, 1998).

Ansiedade intensa, agitação ou sintomas psicóticos

Em quadros de mania que não apresentam sintomas psicóticos, mas com inquietude ou insônia intensas pode-se associar-se, já de início, benzodiazepínicos potentes. O clonazepam tem se mostrado eficaz nestes casos (Bowden, 1998). O tempo de manutenção será sempre o menor possível e a retirada deve ser lenta e gradual para se evitar quadros de abstinência.

Os antipsicóticos são úteis associados aos estabilizadores de humor, no manejo de um quadro de mania aguda psicótica, especialmente

naqueles pacientes com agitação psicomotora ou agressividade intensas, e também no tratamento de manutenção naqueles pacientes refratários ao tratamento convencional (Gelenberg, 1996, McElroy, 1996). Um estudo (Takahashi, 1975) mostrou que a clorpromazina era mais efetiva que o lítio neste tipo de pacientes. Isto provavelmente se deu em função do seu inicio de ação mais precoce. Outros estudos também observaram

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que vários outros antipsicóticos possuem início de ação mais rápido que o lítio (Goodwin, 1979, Garfinkel, 1980, Post, 1980). São utilizados os antipsicóticos tanto os tradicionais (clorpromazina, levomepromazina ou haloperidol), como a pimozida, a sulpirida, os atípicos mais recentes (olanzapina), ou até mesmo a clozapina como será comentado mais adiante.

Sobre o tempo de manutenção dos antipsicóticos nestes quadros, não há uma definição muito clara. A idéia seria a de usá-los pelo menor tempo possível. Até o momento, não há dados de estudos controlados que sustentem a eficácia destes agentes como tratamento de manutenção (a não ser em casos refratários, como será citado). Além disso, pacientes bipolares parecem estar em maior risco de desenvolver transtornos de movimentos tardios (discinesia tardia, p.ex.) do que pacientes

esquizofrênicos (Kane, 1992, Mukherjee, 1986, Nasrallah, 1988).

Problemas físicos Alguns pacientes, por um ou outro motivo, não

podem fazer uso da medicação que seria a mais indicada. Neste casos estão os pacientes com doença hepática importante, que devem fazer uso preferencial de lítio ao invés dos anticonvulsivantes, assim como os pacientes com doença renal e da tireóide, psoríase, que, impossibilitados do uso do lítio, farão uso de anticonvulsivantes. Da mesma forma, se em tratamentos anteriores houve ausência de resposta ou resposta pobre ao lítio, a preferência será pelos anticonvulsivantes e vice-versa.

O acido valpróico tem se mostrado uma alternativa interessante naqueles pacientes que apresentam quadros maníacos primários (THB orgânico) ou secundários (Síndrome maníaca em pacientes com HIV, p.ex.) a doenças físicas (Halman e cols., 1993, RachBeisel e Weintraub, 1997).

Idosos O lítio pode ser utilizado em pacientes idosos desde que sejam

adotados alguns cuidados especiais. Seu uso nesta faixa etária, é complicado por fatores como doenças clínicas, medicações usadas concomitantemente, dietas especiais, diminuição da taxa de filtração glomerular e sensibilidade aumentada aos paraefeitos, podendo ainda, com mais facilidade, ocorrer intoxicações, mesmo com níveis séricos considerados terapêuticos. Nestes pacientes, as doses sempre devem ser as menores possíveis e dosagens séricas da medicação e exames laboratoriais freqüentes da função renal, hepática e tireoidéia devem ser realizadas, assim como monitoração de quaisquer sinais de intoxicação (Tueth, Murphy e Evans, 1998). Deve-se lembrar também que o tempo para chegar a um estado de equilíbrio dos níveis plasmáticos é maior. Quando o tratamento é interrompido, o desaparecimento dos efeitos colaterais ou de toxicidade também é mais prolongado. Entretanto, com uma monitoração cuidadosa e um uso apropriado, o lítio é uma droga segura e efetiva em idosos.

O ácido valpróico tem sido utilizado associado ao lítio em idosos com transtorno bipolar e agitados, pelo seu efeito sedativo. Pode, no entanto, exacerbar o tremor causado por esta última droga.

As doses de carbamazepina devem ser menores devido ao seu menor metabolismo hepático diminuído. O aumento das doses deve ser bastante lento e monitorados os níveis séricos bem como a função hepática com mais freqüência.

B) HIPOMANIA

Não há muitos estudos sobre quadros hipomaníacos. Isto ocorre, em parte, porque esta população nem sempre procura recursos médicos e,

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em geral, seus quadros são aceitos como sendo características da personalidade do paciente. Entretanto, estudos (Carlson e Goodwin, 1973; Klerman, 1981; Goodwin e Jamison, 1990) demonstraram que alguns destes pacientes podem evoluir, no curso de sua doença, para um quadro maníaco completo e esta é uma população em alto risco para desenvolver quadros graves de THB. Portanto, deve-se medicá-los. O estabilizador de humor a ser escolhido dependerá das condições específicas de cada paciente: sintomas e problemas físicos associados, uso anterior, etc. A grande maioria responde ao uso do lítio em

monoterapia ou, em situações de maior agitação, à combinação de lítio mais um BZD.

C) CICLAGEM RÁPIDA

A ciclagem rápida é definida como 4 ou mais episódios durante um ano. A literatura vem demonstrando que os cicladores rápidos respondem pobremente aos sais de lítio, mas apresentam uma resposta bastante boa aos anticonvulsivantes utilizados como estabilizadores do humor. Dentre estes, o ácido valpróico tem se mostrado bastante efetivo nestes quadros (Bowden e cols, 1994, Calabrese e cols., 1992, McElroy e cols., 1988). A carbamazepina também é eficaz neste quadro (Post e cols., 1986), especialmente naqueles com início precoce e com um curso da doença dominado por episódios maníacos (Okuma, 1993).

D) CICLOTIMIA

A literatura não apresenta muitos dados referentes à ciclotimia. Parece que a conduta mais adequada seja e mesma descrita neste texto em "mania aguda".

Manutenção

A taxa de recaída após um episódio de mania aguda com o uso de lítio, situa-se em torno de 34%, enquanto que com o placebo, em torno de 81% (Goodwin e Jamison, 1990). Portanto, o tratamento de manutenção com lítio é eficaz na prevenção de novos episódios e deve ser instituído após o tratamento da fase aguda.

Entretanto, há muitas variáveis envolvidas na decisão sobre o tempo necessário de manutenção, pois os estudos têm demonstrado que o THB é usualmente uma doença recorrente (Winokur e cols., 1969; Dunner e cols., 1980).

Lítio

Para um primeiro episódio é recomendado o uso por 6 meses após o paciente ter atingido um estado eutímico (pois este é o período de maior risco de recaídas), e idealmente manter-se o lítio até a próxima "data de aniversário" de sua crise inicial (Dunner, 1998). A litemia de

manutenção deve ser de, pelo menos, 0,6mEq/l. Litemia de manutenção maior do que 0,8mEq/l está associada a uma maior incidência de

problemas no funcionamento renal e a outros efeitos colaterais. Litemia de manutenção abaixo de 0,5mEq/l é menos protetora para episódios recorrentes (Gelenberg e cols., 1989; Moreno e cols., 1997). Portanto, uma litemia de manutenção que se situe entre 0,6 e 0,8mEq/l parece ser a ideal, e não é menos protetora do que litemias mais altas (Berghöfer e cols., 1996; Vestergaard e cols., 1998).

Há autores (Tohen e cols., 1990) que sugerem que, se o primeiro episódio de mania for bastante grave, psicótico ou causar importante ruptura na vida do paciente, o tratamento de manutenção deveria ser bastante longo, de até 4 anos. Ainda, há alguns pacientes que, após o episódio agudo com manutenção por tempo adequado e após retirada

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lenta da medicação, apresentam ciclotimia. Este tipo de paciente mereceria manutenção indefinidamente ainda que tenha apresentado apenas um episódio maníaco. Contudo, se o paciente apresenta dois ou mais episódios de mania os benefícios de um tratamento de manutenção por um tempo bastante longo se sobrepõem aos riscos dos efeitos colaterais que, por ventura, o uso do lítio possa causar (Dunner, 1998). No THB tipo II a manutenção com lítio é eficaz tanto na redução do número de episódios maníacos e depressivos ao ano, quanto na

porcentagem de tempo em que o paciente permanece doente (Tondo e cols., 1998).

Finalmente, cabe salientar que muitos pacientes, mesmo em

manutenção com lítio, recaem: ou se tornam hipomaníacos (mais do que um episódio de mania completa) ou se tornam deprimidos (muito

comum o episódio bifásico de mania-depressão). Em relação à hipomania, pode ser suficiente apenas o aumento da dose de lítio (algumas vezes, torna-se necessário adicionar um BZD). Sobre a

depressão na vigência de manutenção com lítio, isto é abordado adiante, neste texto, em "episódio depressivo".

Carbamazepina

Parece que a carbamazepina tem sido eficaz no tratamento de manutenção; entretanto, em muitos destes estudos (Okuma e cols., 1981; Placidi e cols., 1986; Watkins e cols., 1987; Bellaire e cols., 1988; Luznat e cols., 1988; Coxhead e cols., 1992) houve necessidade de outros medicamentos concomitantes. A questão da eficácia da carbamazepina na manutenção ainda não está estabelecida (Kech e cols., 1998).

Ácido valpróico

Até o presente momento não há estudos controlados de manutenção com ácido valpróico em quadros bipolares. Estudos não-controlados e retrospectivos, no entanto, sugerem que esta droga seja efetiva na prevenção de episódios maníacos, reduzindo a freqüência e a severidade dos episódios (Calabrese e cols., 1992; McElroy e cols., 1988; Lambert e cols., 1984).

Retirada

Após este período de manutenção com litemia adequada, a dose de lítio deve ser descontinuada muito lentamente (em torno de 25% da dose por mês) até sua retirada total, pois sabe-se que 50% dos pacientes que estão em remissão com lítio e têm uma retirada abrupta, recaem em episódios de hipomania, mania ou depressão em 3 a 4 meses (Suppes, e cols., 1991). Existe uma teoria de que a descontinuação do lítio

acarretaria uma "resistência" ao tratamento e que, quando de sua

reintrodução, o paciente já não responderia bem ao fármaco. Entretanto, há autores que não concordam com esta teoria e foi realizado um estudo (Coryell e cols., 1998) que não observou tal fenômeno. O paciente, entretanto, deve ser educado sobre a possibilidade de recorrência e a necessidade de reintrodução imediata de lítio caso retornem sinais de um novo ciclo (Dunner, 1998).

2)Aumento da dose do estabilizador do humor

Em todos os quadros anteriormente descritos, como já foi comentado, uma vez que não se tenha obtido uma resposta adequada no período de algumas semanas (em torno de quatro semanas), deve-se, inicialmente, reavaliar os níveis séricos do estabilizador de humor em uso. Caso seus níveis estejam muito baixos (abaixo ou próximo ao limite inferior dos

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níveis recomendados) aumentar a dose diária, refazer as dosagens dos níveis séricos após 5 a 7 dias, e aguardar mais duas a 4 semanas para observar os efeitos clínicos. Proceder da mesma forma caso esteja sendo utilizada a carbamazepina ou o ácido valpróico.

3)Troca de estabilizador de humor

Quando, após se utilizar um dado estabilizador do humor por tempo e nível sérico adequados, e a resposta não ocorrer ou for parcial, uma conduta possível é a troca por um outro estabilizador. Na prática clínica da mania clássica, por exemplo, pode ocorrer uma tentativa inicial com lítio e, caso haja fracasso, troca-se por ácido valpróico ou

carbamazepina. Outras situações clínicas (ciclagem rápida, episódio misto, etc.) seguem esta mesma linha de raciocínio, mesmo que, muitas vezes, seja contraditória aos dados da literatura.

4)Mania refratária

Há um subgrupo de pacientes que, apesar dos melhores esforços medicamentosos e não-medicamentosos, não responde à terapêutica convencional. São pacientes que já utilizaram lítio e anticonvulsivantes em monoterapia, ou então os utilizaram em variadas combinações, por tempo e doses adequados, mas sem resposta ou com resposta pobre. Eles, certamente, são um desafio. Alguns fatores predispõem os

pacientes à refratariedade: inicio precoce do transtorno, historia familiar positiva para o THB, grande número de episódios ao longo da vida, episódios mais graves (em geral, psicóticos), estressores psicossociais identificáveis nos primeiros episódios e não-identificáveis a medida que progride a doença (como uma "malignização autônoma" do transtorno). Visando um tratamento mais adequado para estes casos, nos últimos anos, algumas pesquisas vêm sendo realizadas. Muitos tratamentos estão baseados em relatos de casos bem sucedidos e outros em pesquisas melhor delineadas. A seguir descrevem-se algumas destas estratégias.

a)Associação de estabilizadores de humor

Em alguns casos, a monoterapia com um estabilizador do humor não é suficiente para o esbatimento dos sintomas maníacos. Nestes casos, a associação de dois (ou em casos excepcionais de três) estabilizadores do humor se faz necessária. A prática clínica tem mostrado, sem estudos de acompanhamento adequados, bons resultados desta conduta. Quando da associação de estabilizadores de humor, deve-se estar atento para o fato de que o nível sérico de cada droga isoladamente deve estar

correto. As associações mais comuns são do lítio com carbamazepina ou de lítio com o ácido valpróico, etc..

b) Manutenção com antipsicótico típico associado ao estabilizador de humor

Como já citado anteriormente, os antipsicóticos de manutenção

associados a um estabilizador do humor acabam por ser, muitas vezes, a melhor alternativa (Gelenber,1996, McElroy, 1996). Este tipo de

pacientes parece que, na retirada da medicação antipsicótica, recai bastante. Aqui se apresenta um dilema, uma vez que, como já visto, os pacientes bipolares estão sob maior risco de desenvolverem quadros tardios de transtorno dos movimentos (discinesia tardia, p.ex.). Apesar disso, e pesando a questão risco-benefício, esta acaba sendo a única alternativa nestes casos, especialmente quando a utilização dos novos antipsicóticos atípicos não pode ser feita (em geral, por dificuldades financeiras).

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c) Uso de um antipsicótico atípico

Dentre os antipsicóticos atípicos mais largamente utilizados no THB, a clozapina vem sendo estudada de forma mais sistemática. Ela possui tanto efeitos na mania aguda, quanto efeitos de longo prazo no tratamento de manutenção. Ela parece ser eficaz tanto naqueles pacientes com episódios mistos e cicladores rápidos, quanto naqueles refratários ou intolerantes aos estabilizadores convencionais

anteriormente utilizados, à terapia eletroconvulsiva e aos antipsicóticos ditos típicos (McElroy e cols., 1991, Zarate e cols., 1995). Em relação aos demais antipsicóticos atípicos, a literatura ainda é pobre sobre a olanzapina, quetiapina, sertindol ou ziprazidona no THB refratário. Entretanto, parece que a olanzapina é uma das drogas mais promissoras, especialmente quando comparada no que se refere à ausência de risco de induzir agranulocitose em relação à clozapina. A risperidona está associada à indução de viradas maníacas, podendo agravar ainda mais quadros de mania e por é menos indicada.

d) Uso de novos anticonvulsivantes: lamotrigina, gabapentina e topiramato

Novos anticonvulsivantes estão sendo cada vez mais testados em

quadros refratários de THB. Embora, estudos randomizados, duplo-cegos e placebo- controlados não tenham ainda sido feitos, relatos de casos e estudos abertos têm evidenciado sua importância. Em um estudo aberto, a lamotrigina foi usada em 25 pacientes entre maníacos, hipomaníacos e mistos. Houve uma redução de 50% nos sintomas maníacos, e 60% dos pacientes obtiveram melhora importante com esta medicação (Calabrese e cols., 1995, Calabrese, 1996).

Estudos têm mostrado (Stanton at al, 1997; Schaffer e Schaffer, 1997; McElroy e cols., 1997; Young e cols., 1997; Ghaemi e cols., 1998) que pacientes em uso da gabapentina, em monoterapia ou associado aos estabilizadores do humor tradicionais, experimentam uma redução moderada ou marcada de seus sintomas maníacos em torno de 1 a 3 meses.

Um estudo aberto, não randomizado e retrospectivo (Marcotte, 1998) observou que o topiramato obteve 52% de melhora moderada a marcada em pacientes bipolares. Este pode ser um fármaco útil em pacientes com THB refratários à terapia convencional sendo necessárias mais investigações clínicas para confirmar ou não tais achados.

e) Uso de um bloqueador dos canais de cálcio

Uma outra alternativa que vem sendo tentada são os bloqueadores dos canais de cálcio, com resultados bastante contraditórios e não muito encorajadores, sendo a maioriados estudos simples relatos de casos (Brotman et al ,1986, Barton e Gitlin, 1987, Dubovsky e cols., 1982; Dubovsky, 1993) Recentemente, um estudo duplo- cego, controlado contra placebo em 32 pacientes (Janicak e cols., 1998) não evidenciou nenhum beneficio do verapamil sobre o placebo no tratamento da mania aguda.

f) Eletroconvulsoterapia

A eletroconvulsoterapia (ECT) também tem sido usada, já há algum tempo, no tratamento da refratariedade no THB. Parece mesmo que alguns pacientes somente respondem a este tipo de terapêutica e são irresponsivos ao uso isolado de psicofármacos (Goodwin e Jamison, 1990). Este tipo especial de paciente mereceria ser submetido ao tratamento com ECT de manutenção, de preferência em nível

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ambulatorial por um período indefinido. Deve-se preferir ECT bilateral pois parece que ECT unilateral causaria piora em pacientes maníacos (Small e cols., 1985).Nos pacientes deprimidos, o ECT unilateral causa menos déficits cognitivos que o bilateral.

Figura 1. Algoritmo do tratamento farmacológico de episódios maníacos II - EPISODIO DEPRESSIVO (figura 2)

Sob a denominação de depressão bipolar estão todos os episódios depressivos que ocorrem no THB tipo I, THB tipo II, transtorno

esquizoafetivo tipo bipolar, transtorno esquizoafetivo tipo depressivo e episódios mistos de humor (Potter, 1998). Esta é uma depressão, em geral, recorrente com presença de episódios maníacos ou hipomaníacos no seu curso longitudinal. Muitas vezes, esta depressão só é reconhecida quando, ao se prescrever um antidepressivo, o paciente apresenta uma virada maníaca.

A literatura é pobre em termos de acompanhamento a longo prazo do tratamento da depressão bipolar, excetuando-se os trabalhos utilizando lítio. Do ponto de vista sintomatológico, os pacientes com depressão bipolar apresentam-se com retardo psicomotor, com poucos sintomas de ansiedade e alguns sintomas atípicos (com, p.ex., hipersonia e

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neste tipo especifico de depressão, pode piorar o curso do THB. Portanto, o antidepressivo ideal para a depressão bipolar é a

monoterapia com um estabilizador do humor, que tenha mínimos efeitos colaterais e seja agudamente efetivo para ambos os pólos da doença, assim como tenha ação profilática para episódios subseqüentes (Potter, 1998).

1) Monoterapia com lítio

O lítio parece ser o antidepressivo ideal na depressão bipolar, mas nem sempre é tão eficaz como gostaríamos (litemia mínima de 0,8 mEq1). Estudos controlados contra placebo observaram que a efetividade do lítio na depressão bipolar está em torno de 79%, enquanto que na depressão unipolar em torno de 36% (Goodwin e Jamison, 1990). Portanto, o lítio parece ser a droga de primeira escolha sempre que possível. Entretanto, não fica clara uma maior efetividade do lítio quando comparado à

imipramina. Por outro lado, o lítio não possui o risco de virada que a imipramina possui. Apesar disso, parece que há pacientes com depressão bipolar que responderão melhor ao lítio, outros aos

antidepressivos tricíclicos (ADTs) e outros, ainda ,aos IMAOs (Potter, 1998).

2) Se houver inquietude ou insônia intensas pode-se associar benzodiazepínicos e se estiverem presentes sintomas psicóticos antipsicóticos (clorpromazina, haloperidol, pimozida, olanzapina, etc.) como foi descrito para o episódio maníaco.

Aumento da dose de lítio

Em quadros de depressões leves está indicado tentar-se primeiramente o lítio. Se o paciente já vinha em uso desta medicação, a conduta inicial mais adequada seria apenas aumentar sua dose e manter a litemia, durante um período inicial, em torno de 1,2mEq/l. Caso esta conduta inicial não tenha surtido efeito, associa-se então um dos antidepressivos de primeira linha citados a seguir no texto. Se o paciente vinha em uso de um outro estabilizador do humor, pode-se associar o lítio ou então associar um antidepressivo. Cabe salientar que o papel da psicoterapia em casos de depressão maior leve é bastante importante, especialmente no sentido de auxiliar o paciente a manejar com estressores que, tão freqüentemente, estão associados a pioras destes quadros.

3) Associação de um estabilizador do humor com um antidepressivo

Na prática clínica temos, muitas vezes, que acabar por usar um

antidepressivo associado ao lítio. A grande maioria dos dados referentes à depressão bipolar vem de relatos de caso, e a única exceção é feita a um trabalho (Himmelhoch e cols., 1992) que observou que a

tranilcipromina é mais eficaz na depressão bipolar anérgica do que a imipramina (Himmelhoch e cols., 1991, Thase e cols., 1992). Nos últimos anos outros antidepressivos vêm sendo estudados neste tipo de depressão e alguns resultados já foram obtidos.

Por exemplo, os Inibidores Seletivos da Recaptacão da Serotonina (ISRS) apresentam vantagens sobre os ADTs (Cohn e cols., 1989). Sabe-se que os ISRS possuem um risco de induzir virada maníaca em torno de 3 a 4 %, enquanto que o risco para os tricíclicos é de 11 a 12% (Pitt, 1994). Portanto, dentre os antidepressivos que poderiam ser usados como primeira linha na depressão bipolar os ISRS passam a ocupar importante lugar. Dentre os ISRS, deve-se evitar usar a

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ocorrer uma virada; no entanto, um estudo placebo-controlado mostrou ser a fluoxetina segura, eficaz e com risco baixo de induzir viradas (Amsterdan e cols., 1998).

Outra alternativa interessante que vem sendo cada vez mais utilizada nos últimos anos é a bupropiona. Alguns estudos vêm demonstrando que este antidepressivo parece ser um antidepressivo bastante

adequado na depressão bipolar com um risco menor de induzir viradas maníacas (Goodnick,1989, Haykal e Akiskal, 1990, Sachs e cols., 1994). Além destes antidepressivos, que estariam por assim dizer na primeira linha do tratamento da depressão bipolar, têm sido descritos o uso de mirtazapina, nefazodona, venlafaxina e alguns anticonvulsivantes, como a lamotrigina. Esta tem se mostrado uma alternativa interessante, com propriedades aparentemente antimaníacas e antidepressivas.

Recentemente, um estudo multicêntrico controlado contra placebo (Calabrese e cols., 1999) observou que a lamotrigina, em monoterapia, é efetiva na depressão bipolar.

É importante salientar que em quadros de depressão psicótica, associa-se, ao estabilizador do humor, um dos antidepressivos citados

anteriormente mais um antipsicótico.

4)Eletroconvulsoterapia

Se todas as alternativas anteriores falharem pode-se ainda utilizar a eletroconvulsoterapia especialmente naqueles casos que apresentam risco de vida.

Manutenção

Se foi associado algum antidepressivo na depressão bipolar, o ideal é mantê-lo pelo menor tempo possível (em geral em torno de 2 a 3 meses no máximo) até que o paciente saia completamente do episódio

depressivo. A manutenção deve ser feita em monoterapia com um estabilizador do humor.

No que se refere ao lítio sabe-se que 50% dos pacientes que estão em remissão suspendem abruptamente o medicamento recaem em

episódios de hipomania, mania ou depressão em 3 a 4 meses (Suppes, e cols., 1991). Portanto, a indicação é de uma manutenção de longa duração com o lítio (em torno de 3 anos, no mínimo). No THB tipo II a manutenção com lítio é eficaz tanto na redução do número de episódios maníacos e depressivos ao ano, quanto na redução do tempo em que o paciente permanece doente (Tondo e cols., 1998).

Figura 2. Algoritmo do tratamento farmacológico da depressão bipolar

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III - EPISÓDIO MISTO (figura 3) 1) Uso de ácido valpróico

Em episódios mistos, os anticonvulsivantes são a primeira escolha. Dentre estes, o ácido valpróico é a droga que vem apresentando os melhores resultados (Freeman e cols., 1992; Swann e cols., 1997). Se houver inquietude ou insônia intensas pode-se associar o clonazepam, e se estiverem presentes sintomas psicóticos: antipsicóticos como foi descrito para o episódio maníaco.

2) Troca de estabilizador do humor ou associação de drogas

É importante lembrar que a primeira medida quando o paciente não está respondendo à monoterapia, é o aumento das doses do estabilizador que está sendo utilizado e um controle de seus níveis séricos. Caso não haja uma resposta adequada ao ácido valpróico em monoterapia, mesmo em doses elevadas, pode-se associar ou fazer a troca por carbamazepina (Post e cols., 1987). O lítio é o estabilizador do humor com os resultados menos contundentes em apresentações mistas (Bowden, 1998; Dunner, 1998). Muitos destes quadros mistos acabam, na prática clínica, fazendo uso de combinações entre estabilizadores, muito freqüentemente lítio mais ácido valpróico ou carbamazepina. O ideal, nestes quadros, é se

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atingir o mais rapidamente possível os níveis terapêuticos séricos ideais para estas drogas (Goldberg e cols., 1998).

3)Eletroconvulsoterapia

Da mesma forma que nos quadros anteriores, se todas as alternativas anteriores falharem pode-se ainda utilizar a eletroconvulsoterapia especialmente naqueles casos que apresentam risco de vida.

Figura 3. Algoritmo do tratamento farmacológico de episódio misto

Tratamento Farmacológico do Transtorno

de Humor Bipolar: algoritmo

Flávio M. Shansis Aristides V. Cordioli

Introdução

O Transtorno de Humor Bipolar (THB) possui uma prevalência estimada em torno de 1,5% (Blazer, 1995), sendo que o tipo I corresponde a cerca de 0,8% e o tipo II a cerca de 0,5% da população. Entretanto, quando o conceito deste transtorno é ampliado para o chamado espectro bipolar a prevalência aumenta para até 3 a 6% (Goodwin e Jamison, 1990). Em clínicas psiquiátricas, em torno de 50% dos pacientes apresentam THB (Schatzberg, 1998).

O transtorno bipolar atinge seus portadores em vários aspectos de suas vidas, como em questões maritais, sociais, econômicas, nas atividades profissionais, etc., com conseqüências geralmente bastante importantes e, em alguns casos, catastróficas. Cerca de 25% dos pacientes com THB

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fazem tentativas de suicídio e cerca de 15% acabam por completar este intento (Schatzberg, 1998). Por se tratar de um transtorno crônico, com um curso muitas vezes imprevisível e de grande variabilidade tanto entre os pacientes quanto em um mesmo paciente, a farmacoterapia do THB desempenha um papel fundamental no seu tratamento. Entretanto, além do tratamento farmacológico, devem ser incluídas abordagens educativas a respeito da doença (individuais ou em grupo) tanto para o paciente quanto para sua família, com informações sobre a doença (sintomas, períodos de crise, etiologia, curso e prognóstico, estresses indutores), sobre as drogas que utiliza (doses, tempo de uso, efeitos colaterais, controles laboratoriais), sobre aspectos nutricionais,

exercícios físicos, impactos sociais, estimulando o paciente a informar-se sobre sua doença, e sobretudo a identificar os sinais precoces do início de um novo episódio de mania ou depressão. Este atendimento integral envolve idealmente uma equipe multidisciplinar, sob a liderança do psiquiatra.

Especificamente em relação ao tratamento farmacológico do THB, algumas mudanças vêm ocorrendo nos últimos anos. Provavelmente, isto decorre de um aprimoramento diagnóstico. A literatura e a clínica vêm valorizando mais as formas menos graves de apresentação deste transtorno (sintomatologia sub-sindrômica), bem como o curso e a apresentação dos surtos. A resposta ao tratamento farmacológico tem se mostrado diferente entre aquelas apresentações clássicas de mania, por exemplo, da resposta a quadros mistos, de ciclagem rápida, de

hipomania até a resposta mais exigente de quadros de mania refratária. O uso de anticonvulsivantes está cada vez maior e apresentando

melhores resultados (Post e cols., 1996). Em relação à depressão bipolar, igualmente, avanços têm sido feitos, em especial na busca de antidepressivos com menor risco de induzir virada maníaca. O uso, anteriormente comum de antipsicóticos em quadros de mania, vem sendo gradativamente substituído pelo uso, sempre que possível, de benzodiazepínicos de alta potência, uma vez que esta população de pacientes apresenta-se particularmente sensível aos graves efeitos colaterais de uso a longo prazo dos antipsicóticos tradicionais (como quadros de discinesia tardia, por exemplo).

Entretanto, apesar destes avanços, o lítio ainda possui papel

fundamental no manejo da grande maioria de quadros deste transtorno. O lítio responde por cerca de 70% das melhoras (especialmente em quadros de mania clássica), assim como ainda é o antidepressivo de escolha sempre que isto seja possível. Alguns autores, inclusive, observam uma resposta importante ao lítio naqueles quadros da assim chamada depressão pseudounipolar - com história familiar de

bipolaridade, início precoce, alta freqüência de episódios, com hipersonia, retardo psicomotor e hipomania induzida pelos

antidepressivos (Akiskal, 1983; Cassano e cols., 1988). Finalmente, cabe salientar que o lítio usado profilaticamente, além de prevenir recorrências, é capaz de reduzir os riscos aumentados que pacientes bipolares possuem de morrer por suicídio ou em decorrência de problemas cardiovasculares (Ahrens e cols., 1998).

Farmacoterapia do Transtorno de Humor

Bipolar: proposta de um algoritmo

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Em função do acima descrito, têm sido propostos algoritmos para o tratamento do THB (Suppes e cols., 1998; Bauer e cols., 1999) que, de uma maneira geral, seguem os seguintes passos:

I) EPISÓDIO MANÍACO

a) Mania clássica b) Hipomania c) Ciclagem rápida d) Ciclotimia

1) Monoterapia com estabilizadores humor de primeira linha

(lítio, carbamazepina ou ácido valpróico);

2) Aumento da dose do estabilizador de humor; 3) troca de estabilizador de humor;

4) mania refratária:

a) associação de estabilizadores de humor;

b) manutenção com antipsicótico tradicional (alta potência, sedativos); c)antipsicótico atípico (clozapina, olanzapina);

d) uso de um anticonvulsivante novo (lamotrigina, gabapentina, topiramato);

e) uso de um bloqueador dos canais de cálcio; f) eletroconvulsoterapia.

II) EPISÓDIO DEPRESSIVO 1) Monoterapia com lítio 2) aumento da dose de lítio;

3) associação de um estabilizador do humor com um antidepressivo (ISRS, bupropiona, IMAO, nefazodona, venlafaxina, até ADT);

4) associação de um estabilizador do humor com um antidepressivo e um antipsicótico;

5) eletroconvulsoterapia. III) EPISÓDIO MISTO 1) ácido valpróico;

2) uso de um outro estabilizador do humor; 3) eletroconvulsoterapia.

Nos últimos anos tem ficado evidente a diferença de resposta de cada quadro clínico bipolar a um dado estabilizador de humor. Neste aspecto, esta proposta de algoritmo tenta contemplar as nuances

sintomatológicas do THB, ainda que respeitando as linhas gerais aqui propostas, de passos seqüenciais.

A utilização desta seqüência de passos, e de algumas estratégias a ela associadas e descritas no texto, pressupõe o diagnóstico correto, o afastamento de problemas de ordem física e de estressores, bem como excluir que o quadro possa ser o efeito de eventuais drogas que o paciente possa estar utilizando. Alguns destes passos estão bem estabelecidos através de ensaios duplo-cegos, randomizados e controlados, enquanto que outros são fundamentados apenas em ensaios abertos ou, mais pobremente, em relatos de casos isolados. Além da eficácia em si dos diferentes estabilizadores do humor em função do quadro clínico, uma série de outros fatores devem ser considerados quando vai ser feita a escolha da droga para um paciente específico: presença de problemas físicos (insuficiência renal,

insuficiência hepática, problemas cardíacos, obesidade, gravidez, psoríase, etc.), resposta em tratamento anterior, impacto de efeitos colaterais na qualidade de vida do paciente, resposta de outros membros

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da família a uma determinada droga, comorbidades psiquiátricas, entre outros.

I - EPISÓDIO MANÍACO(figura 1)

A seguir são descritas as estratégias do tratamento agudo e de manutenção dos diferentes quadros maníacos. Inicia-se, em geral 1) com um dos estabilizadores do humor de primeira linha (lítio, ácido valpróico ou carbamazepina), associado ou não a benzodiazepínicos ou antipsicóticos; se após dose e tempo adequados de uso não houver resposta ou esta for parcial: 2) aumenta-se até um limite aceitável a dose do estabilizador (passo 2), troca-se por um outro estabilizador (passo 3), e finalmente adotam-se algumas das estratégias sugeridas para a mania refratária (passo 4).

1) Monoterapia com estabilizadores humor de primeira linha

(lítio, carbamazepina ou ácido valpróico)

a) MANIA CLÁSSICA Lítio Os quadros de mania clássica (humor

eufórico ou irritável, agitação psicomotora, pressão para falar, fuga de idéias, comportamento social desinibido, dificuldades de concentração, desatenção, elação, aumento da atividade, necessidade diminuída para dormir (Schatzberg, 1998) respondem melhor ao uso do lítio (Bowden, 1998). Esta observação já havia sido feita desde os trabalhos pioneiros de Schou na década de 50 (Schou, 1954). Depois de 2 a 4 semanas, a resposta de pacientes com mania aguda ao lítio situa-se entre 40 a 80% (Bowden, 1998). A grande variabilidade entre estes valores se deve, especialmente, a diferentes metodologias e critérios diagnósticos utilizados através dos anos.

Entretanto, parece ser consenso, hoje em dia, de que quadros de mania aguda clássica respondem favoravelmente ao uso do lítio (Nemeroff, 1998).

Em relação à dose que deve ser usada, sabe-se que valores séricos entre 0,6 e 1,2 mEq/l estão mais associados a resultados efetivos e seguros (Kilts, 1998). Valores séricos menores do que 0,6mEq/l estão associados a taxas maiores de recaídas e a um funcionamento

psicossocial pior (Gelenburg e cols., 1989; Solomon e cols., 1996).Por outro lado, a incidência de efeitos colaterais aumenta bastante com níveis acima de 1,5 mEq/l (Ward e cols., 1994) . Na mania aguda a litemia, idealmente, deve se situar entre 1,0 e 1,2 mEq/l. Quanto à forma de se prescrever o lítio, se dividido em doses durante o dia ou se dado em dose única a noite, isto tem sido tema de debate. A idéia da prescrição do lítio em doses divididas baseia-se na tentativa de minimizar a magnitude e a conseqüência de picos de lítio após a ingestão. Esta prática, entretanto, possui problemas em relação a uma maior aderência por parte do paciente que necessita usar a medicação 2 ou 3 vezes ao dia. Por outro lado, a idéia de uma dose única à noite é a de manter menos exigida a função renal diária (Kilts, 1998). Uma alternativa atual que tem recebido maior número de seguidores é o uso de fórmulas de liberação lenta (CR) dos sais de lítio em dose única no horário mais conveniente ao paciente.

Ácido valpróico

O ácido valpróico tem sido utilizado na mania aguda (Bowden e cols., 1994; Pope e cols., 1991; Freeman e cols., 1992; Emrich e cols., 1981; Brenman e cols., 1994; Post e cols., 1984; McElroy e cols., 1996). O nível sérico adequado deste medicamento para um episódio de mania

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aguda ainda não está bem estabelecido; entretanto, parece que níveis entre 60 e 100 mg/ml sejam suficientes (Keck e cls, 1993).

Carbamazepina

Em relação à carbamazepina, os estudos que foram realizados de forma controlada na mania aguda (Ballenger e Post, 1978; Okuma e cols., 1979; Grossi e cols., 1984; Lerer e cols., 1987; Small e cols., 1991) revelaram que há uma taxa de resposta de cerca de 50%, comparada a outros dois grupos controles. No grupo com lítio houve uma resposta de 56% e no grupo com clorpromazina houve uma resposta de 61% (as diferenças entre os grupos não foram estatisticamente significativas). O nível sérico adequado não está totalmente estabelecido, no entanto, parece que deve situar-se entre 8 e 12 mg/ml. O tempo de resposta à carbamazepina variou entre 1 e 2 semanas. Entretanto, na mania clássica a resposta da carbamazepina é menor do que na mania mista, na ciclagem rápida, principalmente em pacientes com história familiar negativa de transtornos do humor (Post e cols, 1987; Greil e cols, 1998).

Ansiedade intensa, agitação ou sintomas psicóticos

Em quadros de mania que não apresentam sintomas psicóticos, mas com inquietude ou insônia intensas pode-se associar-se, já de início, benzodiazepínicos potentes. O clonazepam tem se mostrado eficaz nestes casos (Bowden, 1998). O tempo de manutenção será sempre o menor possível e a retirada deve ser lenta e gradual para se evitar quadros de abstinência.

Os antipsicóticos são úteis associados aos estabilizadores de humor, no manejo de um quadro de mania aguda psicótica, especialmente

naqueles pacientes com agitação psicomotora ou agressividade intensas, e também no tratamento de manutenção naqueles pacientes refratários ao tratamento convencional (Gelenberg, 1996, McElroy, 1996). Um estudo (Takahashi, 1975) mostrou que a clorpromazina era mais efetiva que o lítio neste tipo de pacientes. Isto provavelmente se deu em função do seu inicio de ação mais precoce. Outros estudos também observaram que vários outros antipsicóticos possuem início de ação mais rápido que o lítio (Goodwin, 1979, Garfinkel, 1980, Post, 1980). São utilizados os antipsicóticos tanto os tradicionais (clorpromazina, levomepromazina ou haloperidol), como a pimozida, a sulpirida, os atípicos mais recentes (olanzapina), ou até mesmo a clozapina como será comentado mais adiante.

Sobre o tempo de manutenção dos antipsicóticos nestes quadros, não há uma definição muito clara. A idéia seria a de usá-los pelo menor tempo possível. Até o momento, não há dados de estudos controlados que sustentem a eficácia destes agentes como tratamento de manutenção (a não ser em casos refratários, como será citado). Além disso, pacientes bipolares parecem estar em maior risco de desenvolver transtornos de movimentos tardios (discinesia tardia, p.ex.) do que pacientes

esquizofrênicos (Kane, 1992, Mukherjee, 1986, Nasrallah, 1988).

Problemas físicos Alguns pacientes, por um ou outro motivo, não

podem fazer uso da medicação que seria a mais indicada. Neste casos estão os pacientes com doença hepática importante, que devem fazer uso preferencial de lítio ao invés dos anticonvulsivantes, assim como os pacientes com doença renal e da tireóide, psoríase, que, impossibilitados do uso do lítio, farão uso de anticonvulsivantes. Da mesma forma, se em

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tratamentos anteriores houve ausência de resposta ou resposta pobre ao lítio, a preferência será pelos anticonvulsivantes e vice-versa.

O acido valpróico tem se mostrado uma alternativa interessante naqueles pacientes que apresentam quadros maníacos primários (THB orgânico) ou secundários (Síndrome maníaca em pacientes com HIV, p.ex.) a doenças físicas (Halman e cols., 1993, RachBeisel e Weintraub, 1997).

Idosos O lítio pode ser utilizado em pacientes idosos desde que sejam

adotados alguns cuidados especiais. Seu uso nesta faixa etária, é complicado por fatores como doenças clínicas, medicações usadas concomitantemente, dietas especiais, diminuição da taxa de filtração glomerular e sensibilidade aumentada aos paraefeitos, podendo ainda, com mais facilidade, ocorrer intoxicações, mesmo com níveis séricos considerados terapêuticos. Nestes pacientes, as doses sempre devem ser as menores possíveis e dosagens séricas da medicação e exames laboratoriais freqüentes da função renal, hepática e tireoidéia devem ser realizadas, assim como monitoração de quaisquer sinais de intoxicação (Tueth, Murphy e Evans, 1998). Deve-se lembrar também que o tempo para chegar a um estado de equilíbrio dos níveis plasmáticos é maior. Quando o tratamento é interrompido, o desaparecimento dos efeitos colaterais ou de toxicidade também é mais prolongado. Entretanto, com uma monitoração cuidadosa e um uso apropriado, o lítio é uma droga segura e efetiva em idosos.

O ácido valpróico tem sido utilizado associado ao lítio em idosos com transtorno bipolar e agitados, pelo seu efeito sedativo. Pode, no entanto, exacerbar o tremor causado por esta última droga.

As doses de carbamazepina devem ser menores devido ao seu menor metabolismo hepático diminuído. O aumento das doses deve ser bastante lento e monitorados os níveis séricos bem como a função hepática com mais freqüência.

B) HIPOMANIA

Não há muitos estudos sobre quadros hipomaníacos. Isto ocorre, em parte, porque esta população nem sempre procura recursos médicos e, em geral, seus quadros são aceitos como sendo características da personalidade do paciente. Entretanto, estudos (Carlson e Goodwin, 1973; Klerman, 1981; Goodwin e Jamison, 1990) demonstraram que alguns destes pacientes podem evoluir, no curso de sua doença, para um quadro maníaco completo e esta é uma população em alto risco para desenvolver quadros graves de THB. Portanto, deve-se medicá-los. O estabilizador de humor a ser escolhido dependerá das condições específicas de cada paciente: sintomas e problemas físicos associados, uso anterior, etc. A grande maioria responde ao uso do lítio em

monoterapia ou, em situações de maior agitação, à combinação de lítio mais um BZD.

C) CICLAGEM RÁPIDA

A ciclagem rápida é definida como 4 ou mais episódios durante um ano. A literatura vem demonstrando que os cicladores rápidos respondem pobremente aos sais de lítio, mas apresentam uma resposta bastante boa aos anticonvulsivantes utilizados como estabilizadores do humor. Dentre estes, o ácido valpróico tem se mostrado bastante efetivo nestes quadros (Bowden e cols, 1994, Calabrese e cols., 1992, McElroy e cols., 1988). A carbamazepina também é eficaz neste quadro (Post e cols.,

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1986), especialmente naqueles com início precoce e com um curso da doença dominado por episódios maníacos (Okuma, 1993).

D) CICLOTIMIA

A literatura não apresenta muitos dados referentes à ciclotimia. Parece que a conduta mais adequada seja e mesma descrita neste texto em "mania aguda".

Manutenção

A taxa de recaída após um episódio de mania aguda com o uso de lítio, situa-se em torno de 34%, enquanto que com o placebo, em torno de 81% (Goodwin e Jamison, 1990). Portanto, o tratamento de manutenção com lítio é eficaz na prevenção de novos episódios e deve ser instituído após o tratamento da fase aguda.

Entretanto, há muitas variáveis envolvidas na decisão sobre o tempo necessário de manutenção, pois os estudos têm demonstrado que o THB é usualmente uma doença recorrente (Winokur e cols., 1969; Dunner e cols., 1980).

Lítio

Para um primeiro episódio é recomendado o uso por 6 meses após o paciente ter atingido um estado eutímico (pois este é o período de maior risco de recaídas), e idealmente manter-se o lítio até a próxima "data de aniversário" de sua crise inicial (Dunner, 1998). A litemia de

manutenção deve ser de, pelo menos, 0,6mEq/l. Litemia de manutenção maior do que 0,8mEq/l está associada a uma maior incidência de

problemas no funcionamento renal e a outros efeitos colaterais. Litemia de manutenção abaixo de 0,5mEq/l é menos protetora para episódios recorrentes (Gelenberg e cols., 1989; Moreno e cols., 1997). Portanto, uma litemia de manutenção que se situe entre 0,6 e 0,8mEq/l parece ser a ideal, e não é menos protetora do que litemias mais altas (Berghöfer e cols., 1996; Vestergaard e cols., 1998).

Há autores (Tohen e cols., 1990) que sugerem que, se o primeiro episódio de mania for bastante grave, psicótico ou causar importante ruptura na vida do paciente, o tratamento de manutenção deveria ser bastante longo, de até 4 anos. Ainda, há alguns pacientes que, após o episódio agudo com manutenção por tempo adequado e após retirada lenta da medicação, apresentam ciclotimia. Este tipo de paciente mereceria manutenção indefinidamente ainda que tenha apresentado apenas um episódio maníaco. Contudo, se o paciente apresenta dois ou mais episódios de mania os benefícios de um tratamento de manutenção por um tempo bastante longo se sobrepõem aos riscos dos efeitos colaterais que, por ventura, o uso do lítio possa causar (Dunner, 1998). No THB tipo II a manutenção com lítio é eficaz tanto na redução do número de episódios maníacos e depressivos ao ano, quanto na

porcentagem de tempo em que o paciente permanece doente (Tondo e cols., 1998).

Finalmente, cabe salientar que muitos pacientes, mesmo em

manutenção com lítio, recaem: ou se tornam hipomaníacos (mais do que um episódio de mania completa) ou se tornam deprimidos (muito

comum o episódio bifásico de mania-depressão). Em relação à hipomania, pode ser suficiente apenas o aumento da dose de lítio (algumas vezes, torna-se necessário adicionar um BZD). Sobre a

depressão na vigência de manutenção com lítio, isto é abordado adiante, neste texto, em "episódio depressivo".

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Parece que a carbamazepina tem sido eficaz no tratamento de manutenção; entretanto, em muitos destes estudos (Okuma e cols., 1981; Placidi e cols., 1986; Watkins e cols., 1987; Bellaire e cols., 1988; Luznat e cols., 1988; Coxhead e cols., 1992) houve necessidade de outros medicamentos concomitantes. A questão da eficácia da carbamazepina na manutenção ainda não está estabelecida (Kech e cols., 1998).

Ácido valpróico

Até o presente momento não há estudos controlados de manutenção com ácido valpróico em quadros bipolares. Estudos não-controlados e retrospectivos, no entanto, sugerem que esta droga seja efetiva na prevenção de episódios maníacos, reduzindo a freqüência e a severidade dos episódios (Calabrese e cols., 1992; McElroy e cols., 1988; Lambert e cols., 1984).

Retirada

Após este período de manutenção com litemia adequada, a dose de lítio deve ser descontinuada muito lentamente (em torno de 25% da dose por mês) até sua retirada total, pois sabe-se que 50% dos pacientes que estão em remissão com lítio e têm uma retirada abrupta, recaem em episódios de hipomania, mania ou depressão em 3 a 4 meses (Suppes, e cols., 1991). Existe uma teoria de que a descontinuação do lítio

acarretaria uma "resistência" ao tratamento e que, quando de sua

reintrodução, o paciente já não responderia bem ao fármaco. Entretanto, há autores que não concordam com esta teoria e foi realizado um estudo (Coryell e cols., 1998) que não observou tal fenômeno. O paciente, entretanto, deve ser educado sobre a possibilidade de recorrência e a necessidade de reintrodução imediata de lítio caso retornem sinais de um novo ciclo (Dunner, 1998).

2)Aumento da dose do estabilizador do humor

Em todos os quadros anteriormente descritos, como já foi comentado, uma vez que não se tenha obtido uma resposta adequada no período de algumas semanas (em torno de quatro semanas), deve-se, inicialmente, reavaliar os níveis séricos do estabilizador de humor em uso. Caso seus níveis estejam muito baixos (abaixo ou próximo ao limite inferior dos níveis recomendados) aumentar a dose diária, refazer as dosagens dos níveis séricos após 5 a 7 dias, e aguardar mais duas a 4 semanas para observar os efeitos clínicos. Proceder da mesma forma caso esteja sendo utilizada a carbamazepina ou o ácido valpróico.

3)Troca de estabilizador de humor

Quando, após se utilizar um dado estabilizador do humor por tempo e nível sérico adequados, e a resposta não ocorrer ou for parcial, uma conduta possível é a troca por um outro estabilizador. Na prática clínica da mania clássica, por exemplo, pode ocorrer uma tentativa inicial com lítio e, caso haja fracasso, troca-se por ácido valpróico ou

carbamazepina. Outras situações clínicas (ciclagem rápida, episódio misto, etc.) seguem esta mesma linha de raciocínio, mesmo que, muitas vezes, seja contraditória aos dados da literatura.

4)Mania refratária

Há um subgrupo de pacientes que, apesar dos melhores esforços medicamentosos e não-medicamentosos, não responde à terapêutica convencional. São pacientes que já utilizaram lítio e anticonvulsivantes em monoterapia, ou então os utilizaram em variadas combinações, por tempo e doses adequados, mas sem resposta ou com resposta pobre.

(22)

Eles, certamente, são um desafio. Alguns fatores predispõem os

pacientes à refratariedade: inicio precoce do transtorno, historia familiar positiva para o THB, grande número de episódios ao longo da vida, episódios mais graves (em geral, psicóticos), estressores psicossociais identificáveis nos primeiros episódios e não-identificáveis a medida que progride a doença (como uma "malignização autônoma" do transtorno). Visando um tratamento mais adequado para estes casos, nos últimos anos, algumas pesquisas vêm sendo realizadas. Muitos tratamentos estão baseados em relatos de casos bem sucedidos e outros em pesquisas melhor delineadas. A seguir descrevem-se algumas destas estratégias.

a)Associação de estabilizadores de humor

Em alguns casos, a monoterapia com um estabilizador do humor não é suficiente para o esbatimento dos sintomas maníacos. Nestes casos, a associação de dois (ou em casos excepcionais de três) estabilizadores do humor se faz necessária. A prática clínica tem mostrado, sem estudos de acompanhamento adequados, bons resultados desta conduta. Quando da associação de estabilizadores de humor, deve-se estar atento para o fato de que o nível sérico de cada droga isoladamente deve estar

correto. As associações mais comuns são do lítio com carbamazepina ou de lítio com o ácido valpróico, etc..

b) Manutenção com antipsicótico típico associado ao estabilizador de humor

Como já citado anteriormente, os antipsicóticos de manutenção

associados a um estabilizador do humor acabam por ser, muitas vezes, a melhor alternativa (Gelenber,1996, McElroy, 1996). Este tipo de

pacientes parece que, na retirada da medicação antipsicótica, recai bastante. Aqui se apresenta um dilema, uma vez que, como já visto, os pacientes bipolares estão sob maior risco de desenvolverem quadros tardios de transtorno dos movimentos (discinesia tardia, p.ex.). Apesar disso, e pesando a questão risco-benefício, esta acaba sendo a única alternativa nestes casos, especialmente quando a utilização dos novos antipsicóticos atípicos não pode ser feita (em geral, por dificuldades financeiras).

c) Uso de um antipsicótico atípico

Dentre os antipsicóticos atípicos mais largamente utilizados no THB, a clozapina vem sendo estudada de forma mais sistemática. Ela possui tanto efeitos na mania aguda, quanto efeitos de longo prazo no tratamento de manutenção. Ela parece ser eficaz tanto naqueles pacientes com episódios mistos e cicladores rápidos, quanto naqueles refratários ou intolerantes aos estabilizadores convencionais

anteriormente utilizados, à terapia eletroconvulsiva e aos antipsicóticos ditos típicos (McElroy e cols., 1991, Zarate e cols., 1995). Em relação aos demais antipsicóticos atípicos, a literatura ainda é pobre sobre a olanzapina, quetiapina, sertindol ou ziprazidona no THB refratário. Entretanto, parece que a olanzapina é uma das drogas mais promissoras, especialmente quando comparada no que se refere à ausência de risco de induzir agranulocitose em relação à clozapina. A risperidona está associada à indução de viradas maníacas, podendo agravar ainda mais quadros de mania e por é menos indicada.

d) Uso de novos anticonvulsivantes: lamotrigina, gabapentina e topiramato

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Novos anticonvulsivantes estão sendo cada vez mais testados em

quadros refratários de THB. Embora, estudos randomizados, duplo-cegos e placebo- controlados não tenham ainda sido feitos, relatos de casos e estudos abertos têm evidenciado sua importância. Em um estudo aberto, a lamotrigina foi usada em 25 pacientes entre maníacos, hipomaníacos e mistos. Houve uma redução de 50% nos sintomas maníacos, e 60% dos pacientes obtiveram melhora importante com esta medicação (Calabrese e cols., 1995, Calabrese, 1996).

Estudos têm mostrado (Stanton at al, 1997; Schaffer e Schaffer, 1997; McElroy e cols., 1997; Young e cols., 1997; Ghaemi e cols., 1998) que pacientes em uso da gabapentina, em monoterapia ou associado aos estabilizadores do humor tradicionais, experimentam uma redução moderada ou marcada de seus sintomas maníacos em torno de 1 a 3 meses.

Um estudo aberto, não randomizado e retrospectivo (Marcotte, 1998) observou que o topiramato obteve 52% de melhora moderada a marcada em pacientes bipolares. Este pode ser um fármaco útil em pacientes com THB refratários à terapia convencional sendo necessárias mais investigações clínicas para confirmar ou não tais achados.

e) Uso de um bloqueador dos canais de cálcio

Uma outra alternativa que vem sendo tentada são os bloqueadores dos canais de cálcio, com resultados bastante contraditórios e não muito encorajadores, sendo a maioriados estudos simples relatos de casos (Brotman et al ,1986, Barton e Gitlin, 1987, Dubovsky e cols., 1982; Dubovsky, 1993) Recentemente, um estudo duplo- cego, controlado contra placebo em 32 pacientes (Janicak e cols., 1998) não evidenciou nenhum beneficio do verapamil sobre o placebo no tratamento da mania aguda.

f) Eletroconvulsoterapia

A eletroconvulsoterapia (ECT) também tem sido usada, já há algum tempo, no tratamento da refratariedade no THB. Parece mesmo que alguns pacientes somente respondem a este tipo de terapêutica e são irresponsivos ao uso isolado de psicofármacos (Goodwin e Jamison, 1990). Este tipo especial de paciente mereceria ser submetido ao tratamento com ECT de manutenção, de preferência em nível

ambulatorial por um período indefinido. Deve-se preferir ECT bilateral pois parece que ECT unilateral causaria piora em pacientes maníacos (Small e cols., 1985).Nos pacientes deprimidos, o ECT unilateral causa menos déficits cognitivos que o bilateral.

Figura 1. Algoritmo do tratamento farmacológico de episódios maníacos II - EPISODIO DEPRESSIVO (figura 2)

(24)

Sob a denominação de depressão bipolar estão todos os episódios depressivos que ocorrem no THB tipo I, THB tipo II, transtorno

esquizoafetivo tipo bipolar, transtorno esquizoafetivo tipo depressivo e episódios mistos de humor (Potter, 1998). Esta é uma depressão, em geral, recorrente com presença de episódios maníacos ou hipomaníacos no seu curso longitudinal. Muitas vezes, esta depressão só é reconhecida quando, ao se prescrever um antidepressivo, o paciente apresenta uma virada maníaca.

A literatura é pobre em termos de acompanhamento a longo prazo do tratamento da depressão bipolar, excetuando-se os trabalhos utilizando lítio. Do ponto de vista sintomatológico, os pacientes com depressão bipolar apresentam-se com retardo psicomotor, com poucos sintomas de ansiedade e alguns sintomas atípicos (com, p.ex., hipersonia e

hiperfagia). Muitas vezes, o uso indiscriminado de um antidepressivo, neste tipo especifico de depressão, pode piorar o curso do THB. Portanto, o antidepressivo ideal para a depressão bipolar é a

monoterapia com um estabilizador do humor, que tenha mínimos efeitos colaterais e seja agudamente efetivo para ambos os pólos da doença, assim como tenha ação profilática para episódios subseqüentes (Potter, 1998).

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1) Monoterapia com lítio

O lítio parece ser o antidepressivo ideal na depressão bipolar, mas nem sempre é tão eficaz como gostaríamos (litemia mínima de 0,8 mEq1). Estudos controlados contra placebo observaram que a efetividade do lítio na depressão bipolar está em torno de 79%, enquanto que na depressão unipolar em torno de 36% (Goodwin e Jamison, 1990). Portanto, o lítio parece ser a droga de primeira escolha sempre que possível. Entretanto, não fica clara uma maior efetividade do lítio quando comparado à

imipramina. Por outro lado, o lítio não possui o risco de virada que a imipramina possui. Apesar disso, parece que há pacientes com depressão bipolar que responderão melhor ao lítio, outros aos

antidepressivos tricíclicos (ADTs) e outros, ainda ,aos IMAOs (Potter, 1998).

2) Se houver inquietude ou insônia intensas pode-se associar benzodiazepínicos e se estiverem presentes sintomas psicóticos antipsicóticos (clorpromazina, haloperidol, pimozida, olanzapina, etc.) como foi descrito para o episódio maníaco.

Aumento da dose de lítio

Em quadros de depressões leves está indicado tentar-se primeiramente o lítio. Se o paciente já vinha em uso desta medicação, a conduta inicial mais adequada seria apenas aumentar sua dose e manter a litemia, durante um período inicial, em torno de 1,2mEq/l. Caso esta conduta inicial não tenha surtido efeito, associa-se então um dos antidepressivos de primeira linha citados a seguir no texto. Se o paciente vinha em uso de um outro estabilizador do humor, pode-se associar o lítio ou então associar um antidepressivo. Cabe salientar que o papel da psicoterapia em casos de depressão maior leve é bastante importante, especialmente no sentido de auxiliar o paciente a manejar com estressores que, tão freqüentemente, estão associados a pioras destes quadros.

3) Associação de um estabilizador do humor com um antidepressivo

Na prática clínica temos, muitas vezes, que acabar por usar um

antidepressivo associado ao lítio. A grande maioria dos dados referentes à depressão bipolar vem de relatos de caso, e a única exceção é feita a um trabalho (Himmelhoch e cols., 1992) que observou que a

tranilcipromina é mais eficaz na depressão bipolar anérgica do que a imipramina (Himmelhoch e cols., 1991, Thase e cols., 1992). Nos últimos anos outros antidepressivos vêm sendo estudados neste tipo de depressão e alguns resultados já foram obtidos.

Por exemplo, os Inibidores Seletivos da Recaptacão da Serotonina (ISRS) apresentam vantagens sobre os ADTs (Cohn e cols., 1989). Sabe-se que os ISRS possuem um risco de induzir virada maníaca em torno de 3 a 4 %, enquanto que o risco para os tricíclicos é de 11 a 12% (Pitt, 1994). Portanto, dentre os antidepressivos que poderiam ser usados como primeira linha na depressão bipolar os ISRS passam a ocupar importante lugar. Dentre os ISRS, deve-se evitar usar a

fluoxetina devido a sua meia-vida longa que passa a ser algo danoso se ocorrer uma virada; no entanto, um estudo placebo-controlado mostrou ser a fluoxetina segura, eficaz e com risco baixo de induzir viradas (Amsterdan e cols., 1998).

Outra alternativa interessante que vem sendo cada vez mais utilizada nos últimos anos é a bupropiona. Alguns estudos vêm demonstrando que este antidepressivo parece ser um antidepressivo bastante

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