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Impactos de projetos de desenvolvimento em Terras Indígenas, na Amazônia. brasileira 1 Rosiane Ferreira Gonçalves 2

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Impactos de projetos de desenvolvimento em Terras Indígenas, na Amazônia brasileira1

Rosiane Ferreira Gonçalves2

Resumo: Este artigo aborda os impactos socioculturais de projetos de desenvolvimento em Terras Indígenas localizadas na Amazônia brasileira. Sabe-se que tais projetos tem resultado, em muitos casos, em consequências negativas para os povos envolvidos por favorecer objetivos estratégicos e políticos alheios à realidade e cultura indígena. As áreas estudadas contemplam Terras Indígenas situadas no estado do Pará, Amazônia, Brasil, a saber: Trocará e Mãe Maria, habitadas respectivamente pelos povos Asurini do Tocantins e Gavião Parkatêjê, Kyikatêjê e Akãtikatêjê. Estes povos foram afetados por projetos de mineração, hidrelétricas, madeireiras, rodovias e ferrovias. Para este estudo, foi realizada pesquisa bibliográfica, documental e de campo. Esta pesquisa revelou que houve mudanças significativas nas maneiras de ser e viver de cada povo, sobretudo em decorrência da introdução de atores não indígenas e dinâmicas sociais inéditas. A análise foi realizada à luz dos referenciais antropológicos, priorizando as discussões que vem sendo feitas no âmbito da Antropologia Aplicada e do Desenvolvimento.

PALAVRAS-CHAVE: Impactos socioculturais. Desenvolvimento. Povos Indígenas.

1 Introdução

Este artigo tem por objetivo apresentar algumas reflexões acerca dos impactos sociais de empreendimentos e projetos de desenvolvimento (hidrelétricas, mineradoras, madeireiras, estradas, ferrovias, entre outros) em Terras Indígenas localizadas no Estado do Pará, Amazônia, Brasil. É parte, também, de meu projeto de doutoramento “Impactos de projetos de desenvolvimento em Terras Indígenas”, inserido na linha de investigação “Antropologia Aplicada, Cooperação e Desenvolvimento, do Curso de Doutoramento em Antropologia da Universidade Nova de Lisboa, em Portugal.

As áreas indígenas utilizadas para análise e reflexão são: Terra Indígena Mãe Maria, das etnias Parkatêjê, Kyikatêjê e Akrãtikatêjê e Terra Indígena Trocará, etnia Asurini, todas localizadas no estado do Pará. Estes povos são afetados respectivamente por projetos de mineração, hidrelétrica, madeireiras e empreendimentos lineares (estradas, ferrovias, linha de transmissão de energia). Ressalta-se que estas áreas vêm

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Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.

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Antropóloga, Doutora em Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Pesquisadora do Grupo de Pesquisa sobre Populações Indígenas (GEPI) da UFPA e Professora do Comando da Aeronáutica (COMAER). E-mail: rose_etno@yahoo.com.br

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sendo investigadas por esta pesquisadora desde o ano de 2005, dando atenção às questões referente às políticas públicas, propostas de desenvolvimento e possibilidades de construção de autonomia e sustentabilidade dessas populações indígenas.

A noção de impacto utilizada é a de “impacto social”, definida pela International Association for Impact Assessment (IAIA) como mudanças provocadas em um ou vários dos seguintes aspectos: modo de vida das pessoas, cultura, comunidade, sistema político, ambiente em que vivem, saúde e bem estar, direitos individuais e de propriedade, receios e aspirações das pessoas (VANCLAY, 2006). As comunidades indígenas têm testemunhado mudanças desse naipe, as quais operadas em curto, médio e longo prazo, têm ocasionado verdadeiras tragédias para manutenção de suas identidades étnicas e culturais.

2 Breves considerações sobre projetos de desenvolvimento em áreas indígenas

A análise dos impactos de políticas, programas e projetos de desenvolvimento em áreas indígenas e grupos étnicos minoritários vêm sendo discutido no campo da Antropologia, em especial pela Antropologia Aplicada e, por extensão, pela Antropologia do Desenvolvimento. Trata-se de um tema que tomou repercussão a partir da década de 1970 com a participação de antropólogos em projetos de desenvolvimento de instituições como a USAID e o Banco Mundial.

Os impactos sociais ocasionados por políticas e projetos de desenvolvimento, de cunho assistencialista, que favorecem objetivos estratégicos e políticos ao invés de humanitários, levaram antropólogos a realizar estudos críticos dessas políticas e projetos. Esse tipo de estudo pode ser observado particularmente em países latino-americanos e africanos, onde os projetos pouco levaram em consideração os aspectos socioculturais e as formas próprias de desenvolvimento dos povos envolvidos (SCHRODER, 1997).

Sabe-se que a concepção majoritária de desenvolvimento está relacionada às ideologias de industrialização e modernização irradiadas no pós Segunda Guerra Mundial face às necessidades de redefinir as relações Norte-Sul. Na perspectiva de Viola (2000), o desenvolvimento pode ser entendido de duas maneiras: a) como um processo histórico de transição para uma economia moderna, industrial e capitalista e; b) Como um acréscimo da qualidade de vida que dá cabo da pobreza e promove melhores indicadores de bem-estar material.

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A noção de desenvolvimento é prenhe de significações. Durante muito tempo, conforme discute Azanha (2002), esta foi tomada como sinônimo do grau de industrialização alcançado por uma sociedade. Foi ainda associada à ideia de avanço tecnológico, e dessa maneira, conotou e definiu o processo de transformação do ambiente natural e social com a finalidade de gerar riquezas materiais e ao mesmo tempo em que as impôs como “necessidades”.

Esta concepção de desenvolvimento se tornou dominante e redefiniu a noção de “progresso”, bem como de países atrasados ou pobres e países modernos ou ricos, tendo como medida o nível de industrialização por eles alcançados (AZANHA, 2002; RIBEIRO, 2000). Esta noção foi considerada reducionista, de acordo com Azanha (2002), e, portanto, bastante criticada, sobretudo por economistas e sociólogos nos anos de 1970 e 1980. Essa discussão reconduziu a qualificação do termo, surgindo novas denominações como “desenvolvimento dependente”, “desenvolvimento sustentável” e em relação aos povos indígenas, o “etnodesenvolvimento.

O etnodesenvolvimento, neste contexto, aparece como uma modalidade de desenvolvimento alternativo, considerando, conforme discute Oliveira (2000), a maneira pela qual foi proposta como política recomendada pela “Reunião de Peritos sobre Etnoesenvolvimento e Etnocídio na América Latina”, realizada em San José da Costa Rica em 1981, sob os auspícios da UNESCO. Trata-se, na acepção do mesmo autor, de uma política que tem sido difundida, a partir de então, em diferentes partes do planeta configurando uma espécie de solução para um processo de desenvolvimento que não colida com os interesses e os direitos de populações ou povos envolvidos em programas de mudança induzida.

Guillermo Bonfil Batalla (1982) e Rodolfo Stavenhagem (1985) constituem as duas principais referências sobre a ideia de etnodesenvolvimento e são responsáveis pela formulação e difusão do conceito na América Latina (VERDUM, 2002, 2006; LUCIANO, 2006). Bonfil Batalla (1982) definiu o etnodesenvolvimento como o exercício da capacidade social dos povos indígenas para construir seus próprios futuros, de acordo com suas experiências históricas, suas aspirações e os potenciais de sua cultura. Trata-se de uma concepção, na ótica do mesmo autor, que sinaliza para possibilidade dos povos indígenas serem gestores de seu próprio desenvolvimento.

Rodolfo Stavenhagem (1985) define etnodesenvolvimento, como o desenvolvimento que mantém o diferencial sociocultural de uma determinada sociedade, isto é, sua etnicidade. Nas próprias palavras do autor, “(...) o

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etnodesenvolvimento significa que uma etnia, autóctone, tribal ou outra, detém o controle sobre suas próprias terras, seus recursos, sua organização social e sua cultura, e é livre para negociar com o Estado o estabelecimento de relações segundo seus interesses” (STAVENHAGEN, 1984, p.?).

Em contraposição, a concepção de desenvolvimento dominante privilegiou a esfera econômica e negligenciou aspectos como diversidade local, identidade, etnicidade, revelando a cultura, ou aspectos culturais, como uma “dimensão esquecida” nas teorias e práticas de desenvolvimento (VERHELST, 1990; TUCKER, 1997). O desenvolvimento a partir de uma perspectiva cultural deve considerar valores, ideias, crenças, visões de mundo e a localidade onde vivem determinadas populações humanas, bem como, o “significado” por eles atribuído ao desenvolvimento.

Em relação aos povos indígenas, pode-se afirmar que muitos projetos de desenvolvimento fracassam porque foram pensados a partir da perspectiva dominante de desenvolvimento e foram desenhados de cima para baixo por técnicos que tem poucos conhecimentos do local (GIMENO e MONREAL, 1999). Mesmo apesar da crescente organização e participação política dos povos indígenas, sobretudo a partir da Constituição Brasileira de 1988, conforme discute Baines (2004), muitos projetos de desenvolvimento regional vem se impondo as vontades e necessidades destes povos. Isso nos remete a situações parecidas com o que vem acontecendo, também, em outros contextos nacionais de países de colonização européia, onde já existiam povos indígenas e uma nova nação foi construída.

Neste contexto, as políticas e projetos de desenvolvimento têm levando populações indígenas a um processo simultâneo de destradicionalização (SIMONIAN, 2005) e ocidentalização (VIERTLER, 1999). Assim, populações indígenas abriram-se, espontaneamente ou forçosamente, às influencias “civilizatórias” para inserir-se no mundo do capitalismo selvagem, associado ao dinheiro, aos objetos industrializados e as técnicas do dominador não indígena (VIERTLER, 1999). Essa destradicionalização, entendida como a perda de certos caracteres culturais mediante um processo intenso de mudança cultural de determinados grupos, tem se revelado numa das tragédias ocasionadas pelas políticas e práticas do desenvolvimento dominante.

Em período mais recente, elementos novos foram introduzidos no diálogo dos povos indígenas com o Estado e a sociedade civil: as lideranças indígenas e as organizações indígenas. Estes são reflexos do direito conquistado constitucionalmente dos indígenas poderem “representar a si mesmos”, o que extinguiu a condição de

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tutelados pelo estado brasileiro. As lideranças e as organizações indígenas passaram a constituir o que se convencionou chamar de “porta-vozes” dos anseios e reivindicações dos grupos indígenas. Latour (1995) mostra que um porta-voz é alguém que fala em lugar do que não fala. Dito de outra maneira, o porta-voz representa pessoas que sabem falar, mas que não podem falar todas ao mesmo tempo, ou que não sabem falar, mas que se fazem comunicar.

As lideranças indígenas, ou mesmo as organizações indígenas passaram a falar em nome de seus grupos étnicos. A partir deles (e com eles) o governo brasileiro vem tentando discutir projetos e políticas de desenvolvimento para os diversos grupos étnicos. Com isso, entende-se que se está dando os primeiros passos para a promoção do chamado etnodesenvolvimento, conforme preconizado por Bonfil Batalla (1982) e Stavenhagem (1984). Os projetos e as políticas de desenvolvimento atuais têm por objetivo ouvir os povos indígenas na tomada de decisões e, por conseguinte, essa relação se dá por meio de suas lideranças e/ou porta-vozes.

Nessa nova relação entre o Estado e os Povos Indígenas, pode-se também analisar que as relações de conflito passaram para a esfera das organizações. Dito de outro modo, e usando as contribuições de Brubaker (2002), os protagonistas principais dos conflitos étnicos não são os grupos étnicos, mas as organizações. Dentre essas organizações, destacam-se o Estado, Ministérios, Agencias de segurança pública, forças armadas, entre outras e as próprias organizações indígenas ou de apoio aos indígenas.

Toda a disputa pelo desenvolvimento quer seja do Estado-Nação, quer seja dos Povos Indígenas, passou, pode-se dizer, para a arena do embate entre as organizações. É ilustrativo disso, o recente episódio envolvendo a Terra Indígena Raposa Serra do Sol e o governo braseiro no processo de homologação de terras contínuas para os povos que nela residem. O que ficou no centro do conflito foram as organizações governamentais, o setor privado e as organizações e/ou associações indígenas e de apoio a causa indígena. O tema dividiu a opinião dos atores institucionais envolvidos (e também pública), mas no fim os grupos indígenas saíram ganhando, posto que a referida Terra Indígena teve a homologação de suas terras de forma contínua e não em “ilhas” como pleiteavam os arrozeiros (setor privado).

3 Impactos de projetos de desenvolvimento nas Terras Indígenas Mãe Maria e Asurini do Trocará

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Atualmente, de acordo com dados dispostos no sítio do Instituto Socioambiental, tem-se 232 povos indígenas vivendo no Brasil. Destes, 43 tem parte de sua população também residindo em outros países. 60% desses povos estão espalhados pela Amazônia Legal, que é composta pelos estados do Amazonas, Acre, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso e parte oeste do Maranhão. Há indígenas, em torno de 10 a 15%, vivendo nas cidades, mas não há dados precisando a quantidade de pessoas. A realização de um censo indígena no Brasil ainda é um desafio a ser superado.

O Pará é um estado com dimensões continentais e com a presença de uma diversidade de populações indígenas. É o segundo estado brasileiro em número de populações indígenas, segundo as estatísticas da Fundação Nacional do Índio. Os últimos dados apresentados, em 2008, pela Secretaria de Justiça, por meio de sua Coordenadoria de Proteção dos Direitos Indígenas e Populações Tradicionais, revelam a existência de 55 etnias, falando 27 idiomas. São cerca de 50 mil indígenas distribuídos em 55 Terras Indígenas. Estas terras ocupam 25% do território paraense e representam grande desafio para os governantes no tocante a garantia e efetividade de políticas públicas de desenvolvimento para esses povos (GONÇALVES, 2010).

Dentre os maiores problemas enfrentados pelas populações indígenas brasileiras se destaca a questão territorial e a ausência de políticas públicas adequadas as suas necessidades e especificidades socioculturais, quer seja na área de saúde, educação ou produção e segurança alimentar. As Terras Indígenas tem sofrido toda sorte de exploração e invasões por madeireiros, posseiros, fazendeiros, entre outros. Como remanescentes de áreas de florestas preservadas tem ainda, sofrido impactos dos projetos de desenvolvimento do setor público e privado.

As Terras Indígenas Mãe Maria e Asurini do Trocará constituem exemplos de como projetos de desenvolvimento têm afetado seriamente a organização social e cultural dos povos que nelas residem. São projetos públicos e privados nas áreas de geração de energia (hidrelétrica), exploração de minérios, extração de recursos madeireiros e não madeireiros, construção de rodovias e ferrovias. Tais projetos têm deixado um rastro de desordem na vida social, política e econômica dos povos indígenas por eles afetados.

3.1 Terra Indígena Mãe Maria

A TI Mãe Maria está localizada no Município de Bom Jesus do Tocantins, no sudeste do Estado do Pará. Possui uma área de 62.488,4516 hectares. Esta TI é habitada

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por três grupos indígenas dispostos em três aldeias e uma quarta em vias de formação. São eles: Parkatêjê, Kyikatêjê e Akrãtikatêjê. São também conhecidos pelo nome Gavião, apelido atribuído pelos não indígenas, por ocasião das frentes de expansão, no início do século XIX. Atualmente somam cerca de 500 indivíduos.

Os gaviões tiveram suas histórias completamente modificadas a partir da década de 1980. Por volta desse período, o avanço da exploração econômica na Amazônia já se encontrava praticamente consolidado por extensas obras de infraestrutura viária, usina hidrelétrica de Tucuruí, empresas de mineração, madeireiras, grandes fazendas de pecuária de corte, entre outros (ENTE, 2006). Quase todas essas atividades trouxeram impactos significativos para a vida dos Gaviões e para suas relações com a sociedade envolvente.

No ano de 1967, houve a construção da PA-70 (atualmente BR-322) que cortou toda a extensão desta TI no sentido norte-sul, cerca de 22 Km. Isso intensificou o contato dos Gaviões com madeireiros, posseiros, fazendeiros, grileiros e outros e, provocou a primeira grande destruição de seus castanhais, uma das fontes de geração de renda para suas subsistências.

Aproveitando a construção dessa rodovia, a ELETRONORTE, empresa estatal, responsável pela hidrelétrica de Tucuruí, construiu duas linhas de transmissão de Alta Tensão (500 kV), atravessando também a TI, paralelo a rodovia. Como consequência, os Gaviões tiveram uma de suas aldeias cortada ao meio pela linha de transmissão, viram-se envolvidos com novos agentes externos e obrigados a estabelecer novas negociações que afetaram consideravelmente suas vidas e território. É resultante dessas negociações a construção de casas de alvenaria para os três grupos étnicos, como medida mitigadora desses impactos.

Ainda na década de 1980 foram construídos os trilhos da estrada de ferro da Companhia Vale do Rio Doce (atualmente denominada Vale) para escoar o minério de ferro de Carajás. Estes trilhos cortaram 17 Km de extensão na parte sul da TI Mãe Maria. Este projeto trouxe impactos irreversíveis para os Gaviões, pois ocasionou perda de parte do território indígena, desmatamento, afastamento dos animais, dentre outros.

Tão logo foram se consolidando esses projetos se formou uma extensa rede de interlocutores (porta-vozes) com interesses os mais variados, incluindo pequenos e grandes comerciantes, madeireiros, posseiros, fazendeiros, ELETRONORTE, CVRD, Forças Armadas, FUNAI, empreiteiras, entre outros. A condução dos diferentes níveis

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de interlocução foi feita pelas lideranças indígenas, por meio de muitos embates, nem sempre favoráveis às comunidades indígenas.

3.2 Terra Indígena Asurini do Trocará

A TI Trocará está localizada no município de Tucuruí, ao norte do Estado do Pará, distante 24 quilômetros da sede. Esta TI é habitada pela etnia Asurini, que atualmente somam cerca de 500 indivíduos, vivendo em três aldeias. Possui 21.722 hectares e foi homologada pelo Decreto n° 87.845, de 22 de novembro de 1982, estando registrada no cartório de imóveis de Tucuruí e no Serviço de Patrimônio da União. Esta TI é atravessada, em toda a sua extensão pela Rodovia Transcametá ou BR-153, que divide a área em duas partes. Está situada dentro do “Projeto Grande Carajás”, que abrange o estado do Maranhão e partes do Pará e Tocantins. Esse imenso programa de exploração mínero-metalúrgica provocou mudanças radicais na estrutura socioeconômica da região habitada pelos Asurini e também pelos Parakanã e Xikrin (ISA, 2010).

No âmbito do Projeto Grande Carajás foi construída, nas décadas de 1970 e 1980, a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, localizada a cerca de 30 quilômetros da TI Trocará. A área indígena, situada à jusante da barragem, foi impactada indiretamente pelo empreendimento. Dentre os impactos, destacam-se a instalação de várias fazendas no entorno da área indígena, de maneira que, esta TI representa uma das poucas áreas de mata virgem que ainda restam no município. Outro problema, conforme relatado por ISA (2010), é o desmatamento a redor da reserva, provocando a depopulação da fauna no território Asurini. Problemas como a invasão da área por caçadores, madeireiros, cipoeiros são relatados com frequência.

Um dos problemas enfrentado pelos Asurini diz respeito à proximidade da aldeia em relação a Sede do município de Tucuruí, pois muitos jovens se deslocam até o centro urbano para comprarem bebidas. O contato permanente provocou a introdução de música mecânica e bebida alcoólica na aldeia. Esse problema gerou um fato novo entre estes índios, que foi a formação de uma nova aldeia, situada no limite oeste da Reserva. Essa aldeia foi denominada de Orwritawa, e para ela se deslocaram um cacique (na Terra Indígena Trocará há três) e pessoas mais velhas da aldeia, fugindo do barulho e dos problemas de alcoolismo que envolve os mais jovens. O difícil acesso a esta aldeia trouxe a tranquilidade almejada por eles, contudo, dificulta o atendimento em termos de educação e saúde por parte do governo.

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O que é comum dos impactos ocasionado pelos projetos de desenvolvimento nestas áreas indígenas é que nos dois casos, houve perda de usufruto exclusivo do território e de seus recursos pelos indígenas, destradicionalização, constituição de novos arranjos organizativos dos grupos étnicos para lutar por seus direitos coletivos e promover interlocução com os agentes externos. Os grupos em análise criaram associações e estabeleceram porta-vozes para negociar com o governo e com a sociedade. De todas essas áreas é conhecida pelo menos uma liderança forte que intermedia as negociações do grupo.

4 Considerações Finais

Como se sabe, os projetos operacionalizados na década de 1980 faziam parte de uma proposta maior do governo brasileiro que era a integração econômica da Amazônia ao resto do país e ocupação dos espaços vazios. Os povos indígenas e demais populações tradicionais foram os principais prejudicados, pois tiveram suas terras invadidas e seus recursos usurpados. Foram forçados a estabelecer contatos com agentes externos e negociações que nem sempre eram favoráveis aos seus grupos.

A condição de tutelados até o fim da década de 1980 foi prejudicial, pois não podiam falar por si, tendo a FUNAI quase sempre protagonizado os acordos estabelecidos, quer seja com as instituições governamentais, quer com as instituições privadas. A introdução de lideranças e/ou porta-vozes (Latour, 1995) indígenas nas negociações só teve respaldo maior e poder de decisão a partir da década de 1990, pós aprovação da Constituição Federal Brasileira de 1988, com a criação de associações indígenas. Estas, enquanto pessoas jurídicas passaram a ter o direito (desde que devidamente legalizada) de gerenciar os recursos advindos da indenização pelos impactos ambientais.

Isso, contudo, ainda é muito tênue, pois os grupos indígenas e suas lideranças ainda não foram devidamente preparados para a tarefa de “gerenciar”. Dos grupos analisados, apenas os da TI Mãe Maria mantém associações com capacidade de gerenciamento de recursos. Mesmo assim, os impactos socioculturais não são menores neste grupo, pois com a entrada de dinheiro (advindo das indenizações pelas instalações dos Projetos) nas aldeias, a vida cotidiana foi completamente modificada. Observa-se um índice muito alto de ociosidade entre os indígenas.

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Na atualidade, permanece o embate entre as organizações, conforme destacado por Brubaker (2002). De um lado as organizações indígenas e suas aliadas, dentre elas a Comissão Missionária Indigenista (CIMI) que vem ao longo de anos defendendo as populações indígenas e questionando os impactos causados pelos projetos de desenvolvimento em áreas indígenas; de outro as organizações governamentais e do setor privado, com interesses diversos, porém concordando com a necessidade de desenvolvimento do país, ainda que para isso seja preciso adentrar nos territórios indígenas.

REFERÊNCIAS

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