CAPÍTULO IV
2 José Miguel Silva
UBI/DCA – Lic. Eng. Aeronáutica
2
Materiais aeronáuticos
A actividade aeroespacial tem uma dimensão tecnológica bastante abrangente, recorrendo a uma grande diversidade de materiais. Os requisitos principais dos materiais usados em estruturas aeroespaciais devem ser:
• boa resistência específica;
• elevada fiabilidade/tolerância ao dano
•
Facilidade de fabrico • preço!Ligas de Alumínio
• Apresentam uma baixa densidade (≅ 2,7g/cm3), boa resistência específica (tensões limite de aprox. 690MPa), boa resistência à corrosão (em determinadas circunstâncias!), boa condutibilidade térmica e eléctrica e são relativamente baratas. Em contrapartida, apresentam um relativamente baixo módulo de elasticidade (aprox. 1/3 do valor relativo aos aços), baixo ponto de fusão e alguns problemas de corrosão/fadiga (fractura intergranular sob tensão).As ligas de alumínio são classificadas de acordo com o elemento de liga mais abundante, usando-se uma designação com 4 dígitos:
Alumínio puro (99% mínimo) Ligas consoante os principais elementos: • Cobre •Manganês •Silício •Magnésio •Magnésio e silício •Zinco •Outros elementos Série livre 1xxx 2xxx 3xxx 4xxx 5xxx 6xxx 7xxx 8xxx 9xxx Tipo De Liga Estado Resistência à tracção [MPa] 2024 Recozido(O) Trat.térmico (T6) 220 442 7075 Recozido (O) Trat. térmico (T6) 276 504 Uso aeronáutico:
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4
Ligas de Alumínio
Liga
Características
Aplicações
2XXX
• Tratável termicamente
• Alta resistência a todas as temperaturas
• Apta para ligações mecânicas; algumas variantes (como 2219 e 2048) são soldáveis; • Estruturas de aeronaves • 2195 (Li, E elevado): tanques de combustível Space Shuttle; • 2124, 2324 e 2419: alta resistência à fractura.
3XXX
• Excelente resistência à corrosão; • Boa conformabilidade e soldabilidade; • Resistência limite média;
• Permutadores de calor (3003);
• Indústria alimentar (3004)
5XXX
• Excelente resistência à corrosão;
• Mecanicamente endurecível e boa soldabilidade;
• Boa resistência à fractura a muito baixas temperaturas;
• Tanques criogénicos • Ambientes salinos;
7XXX
• Muito alta resistência (incluindo fadiga) • Tratável termicamente
• Fraca soldabilidade (excepto 7005 e 7029)
• Estruturas e componentes aeronáuticos (7050, 7150, 7175, 7075)
Aços
•Um dos materiais mais utilizados devido às suas boas características de resistência, dureza e ao seu baixo preço (relativo!). Algumas ligas têm propriedades particulares que as distinguem (utilizações a alta temperatura, resistência à corrosão, soldabilidade, resistência à abrasão, etc). Possuem, porém, uma densidade elevada.
Existem, sobretudo, duas famílias de aços: os aços-carbono e os aços de baixa liga.
O teor de carbono nos aços-carbono pode atingir um teor máximo de 1,2%, havendo uma relação directa entre a quantidade de carbono e a resistência/dureza do material. Para este tipo de aços, e na nomenclatura AISI-SAE, de 4 dígitos, os primeiros dois dígitos passam a “1X”, e os últimos dois representam a percentagem existente deste elemento (em centésimas).
Os aços ligados podem conter até 50% de elementos de liga, embora seja habitual recorrer a concentrações na ordem dos 1 a 4%. Na nomenclatura AISI-SAE, os dois primeiros dígitos indicam os principais elementos de liga e os dois últimos a percentagem de carbono.
Alguns exemplos: 41xx Crómio: 0.5, 0.8 ou 0.95; Molibdénio: 0.12, 0.2 ou 0.3
46xx Níquel: 0.85 ou 1.83; Molibdénio: 0.2 ou 0.25 92xx Silício:2.0; ou silício 1.4 e crómio 0.7
Caso especial: aços inoxidáveis! Especialmente recomendados para aplicações resistentes à corrosão, têm um teor mínimo de 12% de Cr. “Melhores” os austeníticos (de 7a 20% de Ni) do que
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6
Outras ligas metálicas
•Magnésio – material muito leve, com uma densidade abaixo do alumínio (1,74g/cm3). Tem,
porém, muitas limitações. Baixa resistência mecânica, à fadiga/fluência e ao desgaste.
•Titânio – Excelente resistência mecânica (pode atingir quase 1500MPa à tracção) e moderada densidade. Limitações de aplicação a alta temperatura (<600ºC) e solicitações de fluência. Preço elevado. Difícil soldabilidade.
•Níquel – destacam-se as superligas de níquel (como Inconel, Udimet, RR1000, etc) devido à sua excelente resistência à fadiga-fluência a alta temperatura. Muito caras. Densidade elevada.
Exemplos de duas superligas de níquel:
Alloy Cr Mo Ti Al Co Zr W Fe B C Ta Zr Hf
U720Li 16.2 3.2 5.1 2.6 14.5 0.035 1.7 0.072 0.022 <0.1
Outras ligas metálicas
30 μm 4800x
As superligas de níquel possuem uma microestrutura de pequeno tamanho de grão
com uma elevada dispersão de fases secundárias na matriz do material.
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8
Materiais aeronáuticos (cont.)
Compósitos
Material que abarca duas ou mais fases distintas e separadas, combinadas de modo a garantirem um bom desempenho mecânico de todo o conjunto. Constituído por um material de reforço, fibras, e um material de suporte, matriz.
Propriedades gerais:
•Excelente resistência específica; •Excelente conformabilidade;
•Possibilidade de definição de orientações de solicitação preferenciais; •Boa resistência à corrosão e fadiga
Existem principalmente duas famílias de compósitos: de matriz polimérica e de matriz metálica. Os compósitos poliméricos são largamente utilizados na indústria aeronáutica, principalmente os reforçados com fibras de carbono (CFRP).
Imagem de uma observação microscópica de um compósito laminado de carbono-epoxy (com fibra óptica embebida na estrutura)
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10
Compósitos
• GLARE: compósito híbrido recentemente desenvolvido (1987) estruturado em
várias camadas de metal (alumínio) alternadas com camadas de fibra de vidro (GFRP) alinhadas em diferentes direcções. A agregação destes dois elementos é feita com recurso a resina epoxídica. Como características, apresenta uma excelente tolerância ao dano (fadiga e corrosão) e uma óptima resistência específica.
Madeira
A madeira ainda é, actualmente, um material utilizado na construção de estruturas de aeronaves ligeiras. Possui como principais características:
• Boa resistência específica; • Excelente resistência à fadiga; • Preço acessível
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12
Ensaio de materiais
O comportamento mecânico de qualquer material deve ser avaliado através de vários tipos de ensaios mecânicos adequados: ensaios de tracção, compressão, corte, flexão, fadiga, fluência, etc. Devem seguir-se normas e procedimentos de ensaio adequados (por exemplo, normas ASTM).
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14
Ensaio de fluência
Fluência
– deformação de um material ao longo do tempo sob a acção de uma carga
constante. Promove uma rotura intergranular nos metais. Problema que merece
especial cuidado em altas temperaturas.
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16
Pulverometalurgia
A pulverometalurgia recorre à utilização de pós metálicos de pequena dimensão obtidos por via de um processo de atomização que permite a obtenção de partículas de tamanho extremamente reduzido (tipicamente entre 0.1µm e 100µm). Posteriormente, e através de processos mais ou menos complexos, é feita a sua compactação através da aplicação, simultânea ou não, de temperaturas e pressões elevadas.
Pós metálicos
Mistura Aditivos
Lubrificantes
Compactação a frio Compactação a quente
Sinterização
Forjamento a quente Tratamentos térmicos
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Materiais ortotrópicos
Um material pode ser definido como sendo ortotrópico se possuir diferentes características físicas (mecânicas) e térmicas relativamente às três direcções ortogonais de referência. Alguns exemplos: contraplacado de madeira, compósito laminado, etc.
Se assumirmos que um material tem um comportamento puramente elástico, então podemos estabelecer uma relação directa entre a tensão aplicada e a extensão verificada. A constante de proporcionalidade entre ambas é conhecida como módulo de elasticidade ou módulo de Young (E). A relação matemática, conhecida como Lei de Hooke, assume a forma:
E
⋅
=
ε
σ
Assim, se considerarmos a extensão provocada por uma tensão aplicada segundo a direcção x:
x xx
xx
σ
E
ε
=
No entanto, verifica-se que em grande parte dos materiais elásticos que sofrem um alongamento segundo uma dada direcção de referência se dá um encurtamento nas restantes outras duas direcções perpendiculares. Este fenómeno é conhecido como efeito de Poisson e é traduzido pelo coeficiente de Poisson: zz yy
ε
ε
ε
ε
ν
=
−
=
−
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20
Materiais ortotrópicos (cont.)
Para um material ortotrópico existem diferentes coeficientes de Poisson conforme se considerem interacções entre diferentes direcções de referência. Adopta-se, pois, uma representação com dois subscritos com a seguinte convenção:
•1º subscrito: identifica a direcção da extensão de onde deriva o efeito; •2º subscrito: identifica a direcção para onde o efeito é transferido;
Portanto, a influência das tensões aplicadas segundo y e z nas extensões consideradas segundo x podem ser aferidas considerando, respectivamente:
z zz zx y yy yx
E
E
σ
ν
σ
ν
−
−
;
Então, a extensão total segundo a direcção x é dada pela expressão:
z zz zx y yy yx x xx xx
E
E
E
σ
ν
σ
ν
σ
ε
=
−
−
Note-se que as extensões segundo cada direcção de referência apenas sofrem o efeito das tensões directas aplicadas segundo essas direcções, não havendo influência das tensões de corte.
Materiais ortotrópicos (cont.)
Contudo, as tensões de corte levarão a distorções nos componentes que terão diferentes valores consoante o plano de referência considerado. Assim, podemos escrever as seguintes relações lineares entre diferentes pares de tensões e extensões de corte:
yz yz yz xz xz xz xy xy xy
σ
G
γ
σ
G
γ
σ
G
γ
=
;
=
;
=
A constante de proporcionalidade G tem o nome de módulo de elasticidade transversal.
Finalmente, há que considerar possíveis extensões associadas a efeitos térmicos. Assim, se um dado material ortotrópico, com um coeficiente de expansão térmica α, sofrer uma variação de temperatura dada por ∆T, então a extensão consequente avaliada segundo a direcção x será:
T
x xx
=
α
⋅
∆
ε
Note-se que os efeitos térmicos não induzem tensões de corte e são independentes da aplicação de quaisquer tipos de cargas mecânicas!
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22
Materiais ortotrópicos (cont.)
Combinando todas as contribuições (mecânicas e térmicas) para as deformações actuantes num material ortotrópico, podemos escrever as equações tensão-deformação completas que, em formato matricial, assumem o seguinte aspecto:
{ }
γ
=
[ ]
S
{ }
σ
+
∆
T
{ }
α
onde:{ }
[
]
{ }
[
]
{ }
[
]
[ ]
−
−
−
−
−
−
=
=
=
=
yx xz xy z y yz x xz z zy y x xy z zx y yx x z y x t yz xz xy zz yy xx t yz xz xy zz yy xx tG
G
G
E
E
E
E
E
E
E
E
E
S
/
1
0
0
0
0
0
0
/
1
0
0
0
0
0
0
/
1
0
0
0
0
0
0
/
1
/
/
0
0
0
/
/
1
/
0
0
0
/
/
/
1
0
0
0
ν
ν
ν
ν
ν
ν
α
α
α
α
σ
σ
σ
σ
σ
σ
σ
γ
γ
γ
ε
ε
ε
γ
Matriz de Flexibilidade Eq. (1)Materiais ortotrópicos (cont.)
Atendendo a que a matriz de flexibilidade deve ser simétrica, então facilmente chegamos a três relações entre os módulos de elasticidade e os coeficientes de Poisson:
y yz z zy z zx x xz y yx x xy
E
E
E
E
E
E
ν
ν
ν
ν
ν
ν
=
=
=
;
;
Alguma manipulação algébrica pode ser feita de modo a encontrarmos um conjunto de equações que relacionem as tensões com as deformações. Assim, multiplicando a Eq. (1) pela inversa da matriz de flexibilidade:
[ ]
−1{ }
γ
=
[ ] [ ]
−1{ }
σ
+
[ ]
−1∆
{ } { }
α
⇒
σ
=
[ ]
−1{ }
γ
−
∆
[ ]
−1{ }
α
S
T
S
T
S
S
S
S
Considerando que a inversa da matriz de flexibilidade assume a designação de matriz de rigidez e é representada por [E]:
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Materiais isotrópicos
Um material isotrópico é aquele que evidencia as mesmas propriedades (mecânicas e térmicas) em todas as direcções (ex: maioria dos metais).
As equações constitutivas para um material isotrópico podem ser obtidas por simplificação daquelas relativas aos materiais ortotrópicos, havendo apenas um valor único para E, G e ν em todas as direcções:
∆
+
−
−
−
−
−
−
=
0
0
0
/
1
0
0
0
0
0
0
/
1
0
0
0
0
0
0
/
1
0
0
0
0
0
0
/
1
/
/
0
0
0
/
/
1
/
0
0
0
/
/
/
1
α
α
α
σ
σ
σ
σ
σ
σ
ν
ν
ν
ν
ν
ν
γ
γ
γ
ε
ε
ε
T
G
G
G
E
E
E
E
E
E
E
E
E
yz xz xy zz yy xx yz xz xy zz yy xx{ }
γ
=
[ ]
S
{ }
σ
+
∆
T
{ }
α
Materiais isotrópicos (cont.)
As equações tensão-deformação podem ser obtidas recorrendo às constantes de Lamé λ e µ:
(
)
(
)
(
)
yz yz zz zz xz xz yy yy xy xy xx xxG
T
e
G
T
e
G
T
e
γ
σ
α
µ
λ
µε
λ
σ
γ
σ
α
µ
λ
µε
λ
σ
γ
σ
α
µ
λ
µε
λ
σ
=
∆
+
−
+
=
=
∆
+
−
+
=
=
∆
+
−
+
=
;
2
3
2
;
2
3
2
;
2
3
2
onde:(
)(
)
(
)
(
)
(
λ
µ
)
λ
ν
ν
µ
µ
λ
µ
λ
µ
ν
ν
ν
λ
ε
ε
ε
+
=
+
=
+
+
=
−
+
=
+
+
=
2
;
1
2
2
3
;
2
1
1
E
E
E
e
xx yy zz26 José Miguel Silva
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26
Materiais isotrópicos (cont.)
Foi anteriormente demonstrado noutras disciplinas (Mecânica dos Materiais) que, para o caso dum material isotrópico, a constante de Lamé µ é igual ao módulo de elasticidade transversal G. Por isso:
(
+
ν
)
=
1
2
E
G
Da expressão anterior, constata-se que só existem duas constantes elásticas independentes para o caso dum material isotrópico.
Uma palavra final para o intervalo de variação possível para o coeficiente de Poisson de um material isotrópico (excluindo casos especiais!):
5
.
0
0
≤
ν
≤
Nota:
Pode ainda definir-se um outro tipo de material
⇒
material anisotrópico: aquele que não tem eixos ou planos de simetria em termos das suas propriedades, havendo uma interacção entre todas as tensões e extensões independentemente da direcção de referência considerada (i.e., a matriz de flexibilidade não tem zeros). Esta é uma situação muito pouco usual na prática.Equações constitutivas para estado plano de tensões
Considerando um estado plano de tensões, as equações gerais de tensão-deformação para um material ortotrópico reduzem-se para a seguinte forma:
∆
+
−
−
=
0
/
1
0
0
0
/
1
/
0
/
/
1
y x xy yy xx xy y x xy y yx x xy yy xxT
G
E
E
E
E
α
α
σ
σ
σ
ν
ν
γ
ε
ε
Devendo-se considerar as seguintes equações auxiliares:
T
E
E
y yy z yz xx x xz zz yz xz=
=
∧
=
−
−
σ
+
α
∆
ν
σ
ν
ε
γ
γ
0
As equações tensão-deformação para um material isotrópico podem ser obtidas invertendo as expressões anteriores e fazendo as simplificações necessárias:
(
)
−
∆
−
−
−
=
0
1
1
1
1
1
0
0
0
1
0
1
1
2ν
α
γ
ε
ε
ν
ν
ν
ν
σ
σ
σ
T
E
E
xy yy xx yy xx28 José Miguel Silva
UBI/DCA – Lic. Eng. Aeronáutica
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