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RELAÇÕES ESCALARES NA FRAGMENTAÇÃO SOCIOESPACIAL: FENÔMENO, ANÁLISE E AÇÃO

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Academic year: 2021

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RELAÇÕES ESCALARES NA FRAGMENTAÇÃO SOCIOESPACIAL:

FENÔMENO, ANÁLISE E AÇÃO

VICTOR CHIRILLO DE OLIVEIRA STOIAN1

Palavras chave: FRAGMENTAÇÃO SOCIOESPACIAL; ESCALA GEOGRÁFICA- CIDADES MÉDIAS

Resumo

Buscamos neste trabalho compreender em que medida dinâmicas multiescalares podem contribuir para processos locais a partir de uma proposta de compreensão de três esferas da escala: escala do fenômeno; escala de análise; e escala da ação. Como também, demonstrar a importância das práticas espaciais como reveladoras da fragmentação socioespacial e possibilidade de resistência através do ato de "saltar escalas". O trabalho é divido em cinco partes. Na primeira, com foco em texto de Souza (2013) e Smith (2000), buscamos desenvolver algumas considerações sobre o uso do termo escala na geografia, assim como, uma reflexão sobre a importância da diversidade em dimensões de análise para determinado processo ou fenômeno. Iniciamos, portanto, tentando apreender as questões mais relevantes no que diz respeito ao debate sobre a escala geográfica, trazendo algumas contribuições de autores que se debruçaram sobre esse tema. Na parte seguinte, avançamos em direção às considerações sobre a escala do fenômeno. Então, escolhemos a representação a partir da qual fica estabelecida a pertinência do objeto, sendo a escala um indicativo. Na parte seguinte, a partir de Pradilla (2017), fazemos uma análise de como os contextos globais e nacionais estão relacionados ao processo de fragmentação socioespacial, o qual ocorre em uma escala menor, aquela que contempla a cidade, uma escala meso local. Portanto, a escala de análise terá três dimensões, e cabe aqui a consideração de que a opção por estas está relacionada à construção teórica deste trabalho, sendo possível uma grande quantidade de possibilidades analíticas a depender da sequência de construção teórica que se busca realizar. Na quarta parte, com base em texto de Sposito e Goes (2013), tratamos da compreensão do processo de fragmentação socioespacial e sua distinção em relação aos processos de diferenciação e segregação socioespacial. Ambos estão vinculados às práticas espaciais dos citadinos, porém em diferentes modos de produção e consumo do espaço urbano. Enquanto para a diferenciação e segregação estas práticas dizem respeito aos espaços de moradia, para a fragmentação estão relacionadas também ao consumo do e no espaço urbano. Sendo as práticas

1 Mestrando do programa de pós-graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Presidente Prudente. E-mail de contato: victorstoian1@gmail.com.br

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espaciais reveladoras da fragmentação socioespacial, elas também se constituem como uma das possibilidades de mudança nos processos de produção e reprodução do espaço urbano a partir do ato de saltar escalas. Este é defendido por Smith (2000) ao articular o estudo da escala geográfica à criação de veículos-abrigo para moradores em situação de rua na cidade de Nova York. Portanto, a compreensão através da análise das diversas escalas de influência em processos urbanos são determinantes para a formação de espaços de resistências de processos sociais que implicam em uma cidade cada vez mais fragmentada, diante de um contexto de ampliação da privatização da vida urbana ditados por uma dinâmica que implica relações multiescalares.

1 - A relevância da escala geográfica na definição dos objetos de estudo.

Nesta primeira parte do trabalho buscamos desenvolver algumas considerações sobre o uso do termo “escala” na geografia, assim como, uma reflexão sobre a importância da diversidade em dimensões de análise para determinado processo ou fenômeno. Iniciamos, portanto, tentando apreender as questões mais relevantes no que diz respeito ao debate sobre a escala geográfica, trazendo algumas contribuições de autores que se debruçaram sobre esse tema. Ainda que sem a pretensão de criar algum tipo de categoria, podemos fazer uma primeira análise em relação ao debate sobre a escala geográfica dividindo em dois grupos de autores: Um primeiro que busca criar níveis escalares ou uma certa tipologia; e um segundo que busca se distanciar dessa divisão, podemos citar Brenner (2013), Castro (2000), Racine; Raffestin; Ruffy(1980). Ambos contribuem para elucidar este complexo tema, e não são exatamente antagônicos entre si.

Do primeiro grupo, daremos ênfase nas obras de Souza (2013) e Smith (2000). Souza (2013) sugere uma subdivisão da escala geográfica em três: escala do fenômeno, a qual se refere à característica de um possível objeto ou processo, como por exemplo um rio, uma cidade, etc; escala de análise, construída teoricamente com base no fenômeno; e escala de ação, que possui um aspecto político, se referindo ao alcance das práticas espaciais dos agentes e sujeitos sociais. O autor ainda propõe uma divisão em dez níveis de escala, criando uma certa tipologia, são eles: Escala (ou nível) do corpo; escala (ou nível) dos "nanoterrietórios"; escala (ou nível) local; escala (ou nível) microlocal; escala (ou nível) mesolocal; escala (ou nível) macrolocal;

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escala (ou nível) regional; escala (ou nível) nacional; escala (ou nível) internacional; escala (ou nível) de grupo de países; e, escala (ou nível) global.

Ocorre, de toda sorte, que as escalas de análise não são "dadas": elas são antes "arrancadas" da realidade no processo de construção do objeto de conhecimento por parte do pesquisador. A escala de um fenômeno (seu alcance espacial) interessa tanto quanto qualquer objeto real: interessa na medida em que for tomado como ponto de partida para a construção de objeto de conhecimento, com as escalas sendo tratadas como escalas de análise (SOUZA, 2013, p.188).

Smith (2000) aponta algumas proposições para a compreensão da construção da escala geográfica. Primeiramente, que a escala é o meio inicial o qual se apreende a diferenciação espacial. Em segundo, que sua compreensão nos fornece maior clareza da diferença espacial. Posteriormente, que a construção da escala é um produto social, construída na sociedade e pela sociedade. E, por fim, "a produção da escala geográfica é um lugar de luta política potencialmente intensa" (SMITH, 2000, p. 139). Para Smith (2000, p.142), "escala é o critério da diferença". Sendo o resultado de articulações no espaço geográfico que indicam "processos sociais contraditórios de competição e cooperação". Portanto, a construção social da escala, é antes de mais nada, política. Ainda que tenha indicado para uma sequência de escalas específicas (corpo, casa, comunidade, cidade, região, nação, globo), o aspecto relacional da construção dessa sequência escalar indicam para uma menor rigidez, incluindo a perspectiva assumida pelo autor de que tais separações são mutáveis no tempo.

Neste trabalho, em alguma medida, tocaremos nas três subdivisões que Souza (2013) sugere. A partir do processo de fragmentação socioespacial, podemos pensar como escala do fenômeno a materialidade e imaterialidade que indicam a ocorrência desse processo, de maneira mais geral, o fato urbano contemporâneo, ou mais específica, a ampliação da quantidade de espaços residenciais e de consumo fechados (shoppings centers). A escala de análise dos fenômenos é que resulta na construção teórica que afirma a existência do processo fragmentação socioespacial. Enquanto a escala de ação diz respeito às práticas espaciais dos agentes e sujeitos,

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que possibilitam a indicação da existência de tal processo, como por exemplo a mudança dos locais de moradia e consumo.

2- Escala do fenômeno - a definição do objeto de estudo e um primeiro recorte espacial

Consideramos que para o estudo do processo de fragmentação socioespacial, o ponto de partida, ou seja, o fenômeno que pode originar o estudo de tal processo, é a ampliação na implantação de espaços residenciais fechados e dos espaços fechados de consumo, os shopping centers. Como estamos tratando de um conjunto de elementos que estão articulados entre si, temos uma escala mais abrangente, a qual Souza (2013) vai se referir como escala ou nível "mesolocal". 'Equivale ao que se poderia chamar de "nível local stricto sensu": para a população urbana, a cidade' (SOUZA, 2013, p. 204). Então, ainda que o fenômeno seja composto por elementos específicos implantados no interior do espaço urbano, como estamos tratando do conjunto destes elementos, faz-se necessário uma escala mais abrangente.

A escolha de um elemento para análise, um conjunto de elementos, ou o recorte espacial, implica em uma primeira escolha escalar, mas essa é, antes de tudo, relacional, pois não parte de um ato imperativo do geógrafo, mas de um conjunto de relações socioespaciais que fazem com que estes elementos articulados (loteamentos e espaços de consumo fechados) emerjam como um fenômeno a ser estudado. Deste modo, executamos um "esquecimento coerente" (RACINE; RAFFESTIN; RUFFY,1980) na escala do fenômeno, para obter um objeto específico de estudo.

Como primeira aproximação pode-se definir a escala como um esquecimento coerente que permita uma ação bem sucedida. A escala aparece desde então como um filtro que empobrece a realidade mas que preserva aquilo que é pertinente em relação a uma dada intenção (RACINE; RAFFESTIN; RUFFY,1980, p.128).

Portanto, ao definirmos o recorte espacial para a escala do fenômeno, escolhemos a representação a partir da qual fica estabelecida a pertinência do objeto, sendo a escala um indicativo do espaço de referência da pertinência destes objetos.

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3 - Escala de análise - Dinâmicas globais e nacionais e sua pertinência na compreensão da fragmentação socioespacial

Para analisar os processos urbanos é importante buscar compreender as dinâmicas existente em outras escalas que possam influenciar o surgimento ou a intensidade destes processos. Portanto estabelecer as relações existente entre as diferentes escalas, nesse trabalho, da global à mesolocal, a partir de um retrospecto histórico.

Pradilla (2017), para explicar a atual configuração das cidades da américa Latina, retorna ao contexto do fim Segunda Guerra Mundial em que os estados nacionais passam a ter papel central na reconstrução das cidades e, na década de 1970, com os governos de orientação social democrata tal participação se intensifica na tentativa de manter uma alta taxa de crescimento econômico. Enquanto na América Latina, os governos iniciavam um processo de industrialização por substituição de importação, seja com a criação de empresas estatais ou com incentivo para implantação de indústrias multinacionais privadas. Desse modo, o setor público tem um crescimento a partir de receitas fiscais que se destinavam a geração de infra-estrutura e serviços públicos de monopólio estatal, funcionando tanto para atender à população, como também, gerando as condições gerais para a acumulação capitalista (PRADILLA, 2017).

A partir da década de 1980 inicia-se um ciclo de ofensiva neoliberal, que se dissemina para diversos países através da influência do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e do Tesouro dos Estados Unidos. Com isso se implanta na América Latina políticas de abertura comercial; de segurança dos direitos de propriedade privada e de privatização de empresas estatais. As políticas neoliberais aplicadas ampliaram o controle do capital internacional sobre as economias nacionais, reduziram a capacidade de investimentos estatais em infra-estrutura e geraram um ambiente de competição entre as cidades com objetivo de atrair investimentos privados. Portanto, as políticas neoliberais, engendradas na

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Inglaterra e Estados Unidos, passam a afetar diretamente a dinâmica das cidades

latino americanas (PRADILLA, 2017).

O contexto histórico que apresentamos se alinha aos argumentos apresentados por Smith (1988) de que há um desenvolvimento desigual que articula três escalas de primárias na produção capitalista do espaço: o espaço urbano; a escala da nação-Estado; e o espaço global. Ambas estão relacionadas a uma diferenciação social estabelecida através da relação capital e trabalho, sendo uma expressão geográfica das contradições do capital. Na escala intra-urbana a diferenciação se dá através de uma divisão entre os espaços de produção e os espaços de reprodução, resultando em uma determinada concentração de atividades, assim como, especificidades no padrão de uso do solo articulados em um arranjo relacional entre as diversas áreas da cidade. (SMITH, 1988).

O desenvolvimento desigual é tanto o produto quanto a premissa geográfica do desenvolvimento capitalista. Como produto, o padrão é altamente visível na paisagem do capitalismo, tal como a diferença entre espaços desenvolvidos em diferentes escalas: o mundo desenvolvido e o subdesenvolvido, as regiões desenvolvidas e as regiões em declínio, os subúrbios e o centro da cidade.[...](SMITH, 1988, p. 221)

Especificamente no âmbito nacional, a partir de 2003, com a chegada do Partido dos Trabalhadores à presidência da república, apesar de uma esperada retomada dos investimentos estatais, prolonga-se o modelo econômico com tendência mais neoliberal do governo anterior. Porém, em 2006 inicia-se uma tendência de maior retomada de tais investimentos, principalmente a partir da criação do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), em 2007, e do PMCMV (Programa Minha Casa Minha vida), em 2009 e PAC 2, em 2011, já sob a administração da sucessora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Roussef. Estes programas articulavam interesses da iniciativa privada com um déficit da infra-estrutura e da habitação no país, como também, uma resposta à crise internacional do sistema bancário iniciada em 2008. Apesar do papel do Estado na coordenação dos novos programas de infra-estrutura e habitação, foi repassado à iniciativa privada a execução das obras, assim como, a administração das novas infra-estruturas implantadas através do modelo de

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concessão. O PMCMV, apesar de sua importância na tentativa de redução do déficit habitacional, teve impactos significativamente negativos sobre a produção das cidades brasileiras. Apesar do papel do governo central em algumas funções específicas na aplicação dos recursos, algumas funções ficaram a cargo do poder municipal local, mais suscetível às influências dos agentes imobiliários. Entre essas funções estava a seleção das famílias para a aquisição das habitações da Faixa 1 do programa (faixa para moradores com menor nível de renda); o estabelecimento do convênio com a construtora executora das obras; e a escolha da área para a implantação das habitações. Sendo esta última função atribuída ao poder local, a de maior crítica em relação ao programa, pois as áreas de implantação das habitações, quase sempre, estavam localizadas distante do centro, e por vezes, descontínuas à malha urbana existente. Contribuindo, portanto, para um processo de segregação socioespacial, sobre o qual faremos considerações na parte seguinte deste trabalho.

As transformações recentes das cidades brasileiras têm raízes em uma articulação nova e essencialmente contraditória entre agentes, processos e estratégias que priorizam diferentes escalas de ação. Esse entrelaçamento escalar é um alicerce básico da intensificação do processo de acumulação na produção das cidades [...] (SANFELICI, 2015, p. 121-122).

Temos, então, que o mercado imobiliário, impulsionado pela expansão do crédito, como também, a financeirização de determinados setores imobiliários, colaboram com um desenvolvimento da produção do espaço desigual, e cada vez mais calcado na propriedade privada do solo. Assim, a articulação multiescalar dos capitais imobiliários contribuem com o desenvolvimento de uma reestruturação econômica mais ampla das cidades (SANFELICI, 2015). Portanto, a privatização da vida urbana está imbricada a uma conjuntura global de intensificação do alcance do capitalismo em direção à produção dos espaços urbanos. Tal movimento se vincula um avanço neoliberal revelado pela disseminação de produtos imobiliários, como também, de infra-estruturas e serviços, que implicam na substituição do estado pela iniciativa privada como provedores para soluções de problemas públicos.

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4 - Fragmentação socioespacial: um processo local revelado na escala da ação através das práticas

Para a compreensão do processo de fragmentação socioespacial, primariamente, é preciso distinguilo dos processos de diferenciação e segregação socioespacial. Ambos os processos estão vinculados às práticas espaciais dos citadinos, enquanto para a diferenciação e segregação estas práticas dizem respeito aos espaços de moradia, para a fragmentação estão relacionadas também ao consumo do e no espaço urbano. Há, então, uma escala de ação nas práticas espaciais desses citadinos, que se alteram de acordo com dinâmicas mais gerais da produção das cidades.

Segregação, que segundo Lefebvre (2002), diferentemente da diferenciação, deve implicar algum grau de ruptura entre os espaços de moradia de diferentes segmentos sociais, enquanto para Castells (1978), tal processo aponta para homogeneidade interna dessas áreas de moradia.

Tais rupturas ficam mais visíveis a partir da década de 1960. Com a criação do BNH (Banco Nacional da Habitação) e do SFH (Sistema Financeiro da habitação) no âmbito federal, foram iniciados investimentos volumosos na construção de habitações de interesse social, que passaram a ter papel de extrema importância na formação espacial das cidades brasileiras. Um dos aspectos mais negativos dos novos conjuntos implantados, é o desprezo em relação ao desenvolvimento urbano, principalmente no que diz respeito a localização dos empreendimentos (MARICATO, 2011). Nestes conjuntos a segregação é representada por uma homogeneidade social da unidade territorial e por sua distância física de outros bairros com maior nível de pluralidade de seu conteúdo social.

A partir da década de 1980, se desenvolve em São Paulo um novo padrão de segregação socioespacial. Tendo como justificativa o medo de uma possível ameaça de violência, as camadas de renda mais elevadas optam por sair de bairros mais tradicionais em direção a um novo tipo de empreendimento imobiliário, aos “enclaves

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fortificados” (CALDEIRA, 2003). Sposito e Goes (2013) utilizam o conceito de autossegregação para definir um processo presente em cidades médias segundo o qual uma parcela da população que possui poder econômico para escolher o seu local de moradia, opta pelos espaços residenciais fechados. Estes produtos imobiliários se baseiam na ideia da ineficácia do estado como provedor da segurança pública, buscando uma solução privada para o problema.

A partir da implantação dos shoppings centers, essa tendência de separação entre as classes passa a moldar também a dinâmica do consumo. Enquanto as classes de maior nível de renda passam a utilizar os shopping centers e alguns eixos viários como principais espaços de consumo, o centro tradicional continua atendendo aos segmentos com menor nível de renda. Essa nova dinâmica no consumo aponta para uma tendência à fragmentação socioespacial, implicando mais que uma simples intensificação dos processos de diferenciação e segregação socioespacial, mas uma segmentação por classes no que diz respeito às práticas espaciais dos citadinos, entre elas, principalmente, o consumo, mas também, o lazer. Tal fragmentação pode ser verificada, a partir de 3 principais características presentes na cidade de Presidente Prudente: a primeira é uma redefinição dos papéis da área central, que perde parte de sua relevância como centro de consumo para determinadas classes sociais, fenômeno particularmente vinculado ao aparecimento dos shopping centers; a segunda é o aparecimento e crescimento dos espaços residências fechados; a terceira é complexificação do anel periférico da cidade, anteriormente destinados às classes mais baixas, passa também a abrigar os loteamentos fechados destinados às classes mais altas (SPOSITO;GOES, 2013).

Ela (segmentação social) se aprofundou com uma nova divisão técnica, e portanto econômica, do tempo e do espaço, que é também social, porque se refere aos novos ambientes para o consumo de bens e serviços cada vez mais segmentados, aumentando e tornando mais complexo o mosaico das desigualdades socioespaciais, nas formas de mobilidade e acessibilidade aos fragmentos que compõem a cidade contemporânea. (SPOSITO; GOES, 2013, p. 301)

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Portanto, preliminarmente, que as práticas espaciais são escalas de ações dos citadinos que revelam o processo de fragmentação socioespacial. Estas escalas são segmentadas pelos diferentes níveis de renda e expressam a desigualdade da produção e do uso do espaço urbano contemporâneo.

5 - Saltando escalas nas práticas espaciais e as considerações finais

Sendo as práticas espaciais as reveladoras da fragmentação socioespacial, elas também se constituem como uma das possibilidades de mudança nos processos de produção e reprodução do espaço urbano. Tais processos direcionam para uma tendência de menor nível de encontro entre citadinos de diferentes classes sociais, forçando um afastamento de uma noção ampliada da cidadania, pois esta implica o reconhecimento do outro como cidadão e portador dos mesmos direitos.

Para Serpa (2011), tal segmentação espacial vai também determinar as práticas espaciais relacionadas ao uso dos espaços públicos. Portanto estes espaços se tornam lugares em que prevalece a territorialização e uma apropriação simbólica por grupos sociais distintos, não possuindo o efeito desejado como lócus de encontro entre os diferentes como propunha o ideal de espaço público. Para enfrentar o panorama de problemas decorrente dos processos que apresentamos é importante pensar a possibilidade de romper com as territorializações apontadas por Serpa (2011), isso pode se dar através de um salto de escalas das práticas espaciais, em que citadinos de determinados segmentos sociais atravessam barreiras simbólicas das áreas territorializadas por outros segmentos sociais.

O domínio da escala da ação de cada sujeito, em suas estratégias espaciais, coloca em discussão o poder e a política de sua definição. Os grupos sociais em suas assimétricas relações sociais, econômicas, culturais etc. disputam não apenas a possibilidade de dominar as escalas, mas também a definição das escalas mais adequadas a sua ação, incluindo-se, aí, a possibilidade de articular escalas (MELAZZO; CASTRO, 2007, p.141)

O ato de saltar escalas, é defendido por Smith (2000) ao articular o estudo da escala geográfica à criação de veículos-abrigo para moradores em situação de rua na cidade de Nova York. Os veículos criados pelo artista plástico Wodiczko não tinha por

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objetivo se constituir como uma solução para o problema habitacional, mas como um recurso de ação política desses sujeitos, além de se possibilitar algum nível de proteção para tais moradores. Por ampliarem a capacidade de circulação de seus possuidores, o veículo abriria espaço para novas interações e atividades produtivas e reprodutivas, rompendo fronteiras do cotidiano. "Em suma, redefinem a escala da vida cotidiano para os sem-teto"(SMITH, 2000, p. 137). Para ele, o ato de saltar escala permite a moradores expulsos o rompimento de fronteiras impostas por agentes que estão em um posição hierárquica superior. O autor ainda afirma que a escala geográfica é o meio primário no qual ocorre a diferenciação espacial, sendo sua compreensão fator chave da compreensão da diferença espacial, sendo produzida socialmente, como também, lugar de luta política. A escala geográfica pode ser compreendida como decorrência de processos sociais contraditórios de competição e cooperação a partir das diferenças.

Eles buscam, de forma desabrida, expandir a escala do controle autocentrado e, ao mesmo tempo contrair a escala do controle oficial. Eles prometem não somente a produção de espaço em abstrato, mas a produção e reprodução concretas da escala geográfica como estratégia política de resistência. Como instrumentos de poder político, os veículos Wodisczko funcionam precisamente na medida em que, simbólica e praticamente, permitem que os sem-teto "saltem escalas" - reorganizem a produção e reprodução da vida cotidiana e resistam à opressão e à exploração numa escala maior - num campo geográfico mais amplo (SMITH, 2000, p. 137).

Buscamos com esse trabalho compreender em que medida dinâmicas multiescalares podem contribuir para processos locais, a partir de uma proposta de compreensão de três esferas: escala do fenômeno; escala de análise; e escala da ação. Como também, demonstrar a importância das práticas espaciais como reveladoras da fragmentação socioespacial e possibilidade de resistência através do ato de "saltar escalas". Portanto, a compreensão através da análise das diversas escalas de influência em processos urbanos, são determinantes para a formação de espaços de resistências de processos sociais que implicam em uma cidade cada vez mais fragmentada diante de um contexto de ampliação da privatização da vida urbana ditados por uma dinâmica que implica relações multiescalares.

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12 Referências

BRENNER, Neil. Reestruturação, reescalonamento e a questão urbana. GEOUSP, São Paulo, n.33, 2013.

CALDEIRA, T. P. R. Cidade De Muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. 2ª Ed. São Paulo: Ed34/EDUSP, 2003.

CASTELLS, Manuel. La cuestión urbana. México: Siglo XXI, 1978.

DAL POZZO, Clayon Ferreira. Fragmentação socioespacial em cidades médias paulistas: os territórios do consumo segmentado de Ribeirão Preto e Presidente Prudente. Presidente Prudente, 2015. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Estadual Paulista.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Moraes, 2002. Trad. Rubens Eduardo Frias.

MARICATO, Ermínia. O impasse da política urbana no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2011

MELAZZO, Everaldo; CASTRO, Clóvis Alexandre. A escala Geográfica: Noção, conceito ou teoria? Revista Terra Livre, ano 23, vol. 2, n.29 ago/dez de 2007.

PRADILLA, Emilio. La privatizacion y mercantilizacion de lo urbano. XVII Enanpur 2017.

RACINE, J. B.; RAFESTIN, C. ; RUFY, V. Escala e Ação: Contribuição para interpretação do mecanismo de escala na prática da Geografia. REvista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, ano 45, n.1 jan/mar. 1983.

SANFELICI, Daniel. As Escalas de Acumulação na produção das cidades. In: CARLOS, Ana; VOLOCHKO, Danilo; ALVAREZ, Isabel. A cidade como negócio. São Paulo: Contexto, 2015.

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SERPA, Angelo. O espaço público na cidade contemporânea. São Paulo: Contexto, 2011.

SMITH, Neil. Desenvolvimento desigual: Natureza, capital e produção do espaço. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.

SMITH, Neil. Contornos de uma política espacializada: Veículos dos sem-teto e produção da escala geográfica.In: ARANTES, Antonio A. (org.) O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000.

SOBARZO, Oscar. Os espaços da sociabilidade segmentada: A produção do Espaço público em Presidente Prudente (2004). Tese (Doutorado em Geografia), Faculdade de Ciencias e Tecnologia, Universidade do Estadual Paulista.

SOUZA - Os conceitos fundamentais da pesquisa socio-espacial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.

SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; GÓES, Eda Maria. Espaços fechados e cidades: insegurança urbana e fragmentação socioespacial. São Paulo: Editora UNESP, 2013.

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