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[REVISTA CONTEMPORÂNEA DOSSIÊ : 50 ANOS DEPOIS, A CULTURA AUTORITÁRIA EM QUESTÃO]

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Academic year: 2021

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1 1964-2014: 50 anos depois, a cultura autoritária em questão

Janaina Martins Cordeiro1 Gustavo Alonso2

O ano de 2014 marca, no Brasil, os 50 anos do golpe civil-militar que derrubou o governo democraticamente eleito de João Goulart e deu início a uma longa ditadura, a qual deixaria marcas profundas na sociedade brasileira. A proximidade da data redonda favorece o debate, propõe que se reflita com mais intensidade sobre o período, ao mesmo tempo em que evidencia a pluralidade das opiniões e das pesquisas acadêmicas, enriquecendo ainda mais o campo de estudos.

Muito tem se escrito, nos últimos anos, sobre as tradições autoritárias brasileiras – particularmente sobre a ditadura que se seguiu à queda de Goulart. Algumas questões se tornaram especialmente caras: Como foi possível o terror de Estado? O que esteve na origem daquele terrível pesadelo que, de repente, pareceu varrer boa parte do continente? Como a sociedade agiu, reagiu, resistiu? Quais pactos foram feitos em torno do projeto de Anistia e de redemocratização?

Ainda durante o período ditatorial, as primeiras vozes a se levantarem vinham, em geral, do exílio. Os que partiram denunciavam, de outros países e continentes, os desmandos, as censuras, as perseguições, torturas e mortes que experimentaram eles próprios e seus companheiros. Com o lento caminhar do processo de redemocratização, o retorno dos primeiros exilados, o fim da censura à imprensa e a libertação de presos políticos, acentuou-se a denúncia das ditadura militar – o adjetivo civil é fruto de reflexões ainda recentes, que não estavam, então, no horizonte daqueles que, em um primeiro momento, ousaram denunciar os regimes. Organizações da sociedade civil, algumas das quais haviam sido entusiastas defensoras do golpe em 1964, se metamorfoseavam e passavam a exigir contas ao

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Doutora em História pela UFF. Doutoranda pela mesma instituição. Bolsista do Programa Pós-Doutorado Nota 10, da Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Autora do livro Direitas em movimento: a Campanha da Mulher pela Democracia e a ditadura no Brasil. FGV, 2009.

2Doutor em História pela UFF. Autor do livro Simonal: Quem não tem swing morre com a boca cheia

de formiga, pela Editora Record, em 2011. A tese Cowboys do asfalto: música sertaneja e modernização brasileira se encontra no prelo pela Civilização Brasileira.

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2 Estado. Instituições como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Academia Brasileira de Letras (ABL), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o recém surgido Grupo Tortura Nunca Mais engrossavam o caldo dos questionamentos: onde estavam seus

filhos e netos? O que havia acontecido aos seus companheiros? O que se passara com

tantos desaparecidos políticos? E quantos, efetivamente, desapareceram? Sob ordens de quem? Em que condições?

Uma enxurrada de memórias de ex-militantes políticos parecia inundar o país. Era como se, de repente, vozes que se mantiveram silenciadas, sufocadas, pudessem, enfim, gritar livremente: contavam suas experiências e as de seus grupos, os projetos, as derrotas, as mortes dos companheiros próximos, a sobrevivência, o retorno, as tentativas de recomeçar. Jornalistas desempenharam papel importante neste momento inicial e vieram na esteira dos trabalhos memorialísticos, para auxiliar na compreensão do que ocorrera. Em seguida, vieram os trabalhos acadêmicos.

De certa forma, a academia, refletindo os movimentos da sociedade, tendeu também, a princípio, a se debruçar sobre as experiências das esquerdas. Uma série de trabalhos sobre os partidos e organizações de enfrentamento armado à ditadura surgiram. Tentativas não apenas de conhecer a trajetória destes grupos, seus projetos revolucionários e de enfrentamento dos regimes de exceção, mas também de compreender e digerir a derrota. Passados os anos, com a gradual – e em alguns casos lentíssima e ainda não concluída – liberação de documentos importantes, antes guardados a sete chaves, informações fundamentais sobre a atuação dos órgãos de repressão e informação vieram à tona. Estes e outros aspectos da ditadura civil-militar tornaram-se objetos do historiador e de cientistas sociais, de maneira geral.

O próprio caráter civil da ditadura, as questões relativas às responsabilidades

compartilhadas, as relações complexas entre regime e sociedade ou mesmo entre

estas e as organizações de esquerda foram aos poucos tornando-se temas fundamentais para uma série de estudiosos dos períodos. O recurso à História Oral, ensejando uma série de debates específicos no que concerne às suas metodologias e ética próprias, foi outro aspecto que, com o passar dos anos demonstrou possuir

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3 caráter fundamental para as pesquisas sobre o tema. Da mesma forma, a memória, tornou-se categoria de análise cada vez mais importante e central para os debates relativos à ditadura.

Hoje, passados cinquenta anos do golpe civil-militar no Brasil, este dossiê propõe reunir alguns trabalhos que nos permitam ampliar o debate sobre a ditadura que aqui se instaurou em 1964 e sobre suas conexões internacionais. Cabe, então, questionar: como a ditadura vêm sendo pensadas no alvorecer do século XXI? Como a produção recente sobre o tema olha para e dialoga com o passado? Quais temas vêm sendo incorporados aos debates?

Sob este aspecto, este dossiê se propõe a rememorar os 50 anos do golpe de 1964 e a ditadura a partir de uma perspectiva ampla. Pesquisas inovadoras apontam para o surgimento de novos temas e preocupações, ao mesmo tempo em que velhos temas são abordados a partir de novos ângulos de observação, tornando-os mais atraentes e complexificando antigos dogmas ou lugares comuns.

Assim, o artigo de Dayane Cristina Guarnieri (A pretensão de legalidade do

governo militar e a colaboração dos relatos do Jornal do Brasil em 1964) analisa os

editoriais do Jornal do Brasil no ano de 1964 para tentar compreender como o periódico ajudou a corroborar um discurso “democrático e legalista”, o qual aparecia como elemento legitimador do golpe naquele momento. Já o trabalho de Claudiane Torres da Silva (História e memória do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região

no regime civil-militar) trata da trajetória do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de

Janeiro entre 1964 e 1985, bem como de suas relações com o Poder Judiciário e as implicações que o regime ditatorial trouxe para a construção da memória de uma instituição – a Justiça do Trabalho – que se via eminentemente como democrática.

Felipe Marinelli e César de Souza Martins tratam de dois aspectos centrais para a compreensão dos anos Médici, este complexo período no qual, em um aparente paradoxo, o regime nunca foi tão violento na caça aos seus inimigos e as gentes nunca

foram tão felizes. E é sobre este segundo aspecto, o do Brasil do Milagre econômico e

das grandes obras que ambos os artigos tratam. Marinelli (O desenvolvimentismo de

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4 análise sobre a produção teórica do Ministro da Fazenda de Médici, explorando as análises de Delfim Netto sobre o processo de industrialização brasileiro, bem como sobre os temas da inflação, renda, consumo, alternativas políticas para o desenvolvimento, entre outros. Já Martins (Ditadura, grandes projetos e colonização

no cotidiano da Transamazônica), faz um estudo do projeto de construção da rodovia

Transamazônica, uma das maiores obras do governo, os impactos do projeto de colonização para a região, bem como os processos de metamorfoses das memórias sobre a rodovia.

Não obstante, para além do Brasil do nunca fomos tão felizes, também o Brasil dos anos de chumbo, quando os órgãos de repressão e informação atuavam a todo o vapor , ferozes na caça aos inimigos, também são abordados por três diferentes trabalhos: Paulo César Gomes (Brasileiros na França: o exílio segundo a visão do

Centro de Informações do Exterior (CIEX) entre 1966 e 1968) analisa a atuação do

Centro de Informações do Exterior, órgão que funcionava a partir do Itamaraty e que tinha como função produzir informações sobre assuntos estrangeiros e, por consequência, sobre a produção de denúncias contra a ditadura pelos exilados brasileiros. Já Izabel Pimentel da Silva (Horizontes Revolucionários: A Cultura

Política Guerrilheira Durante a Ditadura Civil-Militar Brasileira) parte de conceitos

como os de cultura política e geração para analisar as principais características das organizações revolucionárias armadas surgidas no Brasil durante a ditadura civil-militar. Por fim, Vitor Garcia Rodrigues dos Santos propõe um estudo aprofundado do caso Riocentro (Caso Riocentro: Terror e violência no processo de abertura

política brasileiro), para refletir de maneira mais ampla sobre o terrorismo de direita

ao longo do processo de abertura brasileiro (1974-1985).

Também temos duas importantes análises sobre os processos de construção da memória das esquerdas armadas a partir do processo de redemocratização: Valesca de Souza Almeida (A memória da Luta Armada através dos livros didáticos) procura refletir como se dá tais processos de elaboração da memória no espaço escolar, a partir do discurso produzido pelos livros didáticos; já Wallace Andrioli Guedes (Reflexões sobre a representação da esquerda armada no cinema brasileiro) analisa a

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5 produção cinematográfica brasileira como forma de refletir sobre a consolidação de determinada representação sobre as esquerdas armadas.

Indo além da ditadura e buscando uma compreensão melhor da redemocratização, o artigo de Rodrigo Bueno de Abreu (A Marcha Contra a Farsa da

Abolição na transição democrática (1988)), trata da emergência do movimento negro

no Brasil no contexto do centenário da abolição da escravidão, rememorado em pleno contexto de promulgação da nova Constituição, em 1988.

Apesar da preponderância de temas brasileiros, nosso dossiê não ignora o corte transnacional e comparativo. Neste sentido, busca dialogar com as experiências latino-americanas. Desde que tiveram início os processos de abertura política em países como Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e mesmo em regiões da América Central, como El Salvador e Guatemala, as discussões sobre o passado recente vêm ocupando lugar fundamental não apenas nas historiografias dos respectivos países, mas também nos debates políticos em sentido mais amplo. O estudo das experiências dos países vizinhos é fundamental para compreender a própria experiência brasileira, no que esta guarda de semelhante, mas sobretudo, em suas particularidades com relação aos outros processos históricos.

Neste sentido, nossos autores procuraram avaliar a experiência brasileira buscando uma perspectiva comparada, como no caso dos trabalhos de Florencia Lederman (Formas del cambio, legitimidad y nuevo orden en Brasil (1964) y

Argentina (1976)) e Carlos Arthur Gallo (Notas sobre a atuação dos familiares de mortos e desaparecidos políticos no Brasil, no Chile e no Uruguai). Também a

importante experiência da Frente Farabundo Martí para la Liberación (FMLN), na próxima e ainda longínqua El Salvador, é abordada em artigo fundamental de Carmen Elena Villacorta (El FMLN en El Salvador: de la revolución a la negociación).

O primeiro semestre de 2014 foi fértil em publicações acadêmicas que abordavam temas referentes ao golpe e à ditadura civil-militar. Seria impossível cobrir toda a vasta produção verificada, no entanto, nosso dossiê traz três resenhas de três diferentes obras que, imaginamos, cobrem pontos de vistas bastante diversificados. Assim, Alejandra Estevez (Sobre a curta duração) contribui com uma

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6 resenha do livro Ditadura à brasileira: 1964-1985, de Marco Antonio Villa (LEYA, 2014). Já Luísa Lamarão (Os incontáveis matizes de cinza) faz uma análise do livro

1964: História do Regime Militar Brasileiro, do historiador paulista Marcos

Napolitano (Contexto, 2014). Por fim, Pedro Ivo Teixeirense (Margens do passado,

limites do presente? Identidade, democracia e ditadura na história recente do Brasil)

nos apresenta o livro Ditadura e democracia no Brasil, do professor Daniel Aarão Reis (Zahar, 2014).

Por fim, encerramos o dossiê com um conjunto de três entrevistas realizadas com quatro diferentes personalidades, cada uma delas, com suas trajetórias e experiências particulares, falando de lugares diversos da sociedade, vêm contribuindo, a seu modo, para as reflexões sobre o período ditatorial e seus legados para a democracia.

Isabel Leite entrevistou separadamente o ex-líder estudantil Vladimir Palmeira e o ex-militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), Cid Benjamin. Os dois foram questionados sobre suas trajetórias pessoais, como militantes no Brasil e mais tarde, no exílio. Falaram também sobre as manifestações de junho de 2013, que se espalharam pelo Brasil e Cid Benjamin ainda conversou sobre sua recente autobiografia Gracias a la vida (José Olympio, 2013).

Autor de importante biografia sobre João Goulart (Civilização Brasileira, 2011), o professor titular de História do Brasil da UFF, Jorge Ferreira conversou com a professora Karla Carloni, também da UFF. Ferreira falou sobre João Goulart, a Comissão Nacional da Verdade e seu mais recente trabalho, escrito em parceria com a historiadora Ângela de Castro Gomes, o livro 1964: o golpe que derrubou um

presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil.

Por último, os editores da Revista Contemporânea (Lívia Magalhães, além dos dois autores dessa apresentação) fomos pessoalmente à nova sede carioca da sessão brasileira da Anistia Internacional entrevistar Maurício Santoro. Santoro é cientista político e vem desenvolvendo importante trabalho à frente da assessoria de Direitos Humanos da Anistia Internacional no Brasil. Conversamos longamente sobre os

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7 trabalhos desenvolvidos pela sessão brasileira da organização internacional, bem como sobre a Comissão Nacional da Verdade e uma série de outros temas.

Os artigos aqui reunidos, bem como as resenhas e entrevistas traçam interessante – ainda que parcial – panorama de um debate fundamental para a compreensão do passado recente brasileiro e latino-americano. Propõem a discussão a respeito das tradições autoritárias que parecem marcar de forma decisiva o nosso passado e vai além, refletindo sobre os complicados processos de reconstrução do passado a partir das batalhas de memória dadas pelo tempo presente. Busca analisar as implicações dos processos de construção de memória para o futuro da democracia no Brasil e analisa a permanência de importantes legados da ditadura no seio das democracias e nos faz pensar sobre a busca e a ausência perpétuas dos familiares de desaparecidos políticos.

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