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Contra a grande praga da monotonia: dinâmicas interacionais da vida urbana noturna.

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Academic year: 2021

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Cora Guimarães Rocha

Universidade Federal de Alagoas coraguimaraesr@gmail.com

Contra a grande praga da monotonia: dinâmicas interacionais da vida

urbana noturna.

Suzann Flávia Cordeiro de Lima

Universidade Federal de Alagoas suzanncordeiro@hotmail.com

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CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO PARA O PLANEAMENTO URBANO,

REGIONAL, INTEGRADO E SUSTENTÁVEL (PLURIS 2018)

Cidades e Territórios - Desenvolvimento, atratividade e novos desafios

Coimbra – Portugal, 24, 25 e 26 de outubro de 2018

CONTRA A GRANDE PRAGA DA MONOTONIA:

DINÂMICAS INTERACIONAIS DA VIDA URBANA NOTURNA

C. G. Rocha e S. F. C. De Lima

RESUMO

A noite urbana se consolida pelo estereótipo de transgressões e “vadiagem”, ao mesmo tempo em que se qualifica como território livre e permissivo, onde o lazer é predominante. O presente trabalho visa ao estudo do urbanismo temporal relacionado à vitalidade urbana, a fim de analisar a apropriação do espaço urbano a partir dos componentes arquitetônicos, urbanísticos, de infraestrutura e dinâmicas socioespaciais no período noturno. Os conceitos estudados foram aplicados na Av. Dr. Antônio Gomes de Barros, em Maceió-AL, considerando a alta concentração de estabelecimentos privados de serviços noturnos e sua apresentação como centro noturno de lazer para locais e turistas. As discussões teóricas se basearam nas temáticas da vitalidade urbana, do espaço defensável e do urbanismo temporal, visto que seus princípios são relevantes para a qualidade urbana.

1 INTRODUÇÃO

Os estudos de planejamentos e projetos urbanos em sua maioria retratam a realidade vivenciada no período de luz, contudo, a noite possui importância considerável devido a suas dinâmicas e apropriações diversas do espaço público urbano. “The urban night” (LIEMPT et al., 2014), termo contemporâneo utilizado principalmente nos países europeus, vem sendo tema de estudos que buscam compreender como o espaço da noite é produzido, utilizado, regularizado e experienciado em diferentes contextos geográficos Aparentemente, durante o período noturno, a cidade permite maior flexibilização de comportamento, se comparada ao dia, devido à minimização das pressões sociais, delimitações das atividades e territórios (GWIAZDZINSKI, 2016). Nesse período, é possível que as relações interpessoais sejam mais autênticas, visto que as formas de sociabilidade e convívio são mais maleáveis e desprendidas de normativas (LIEMPT et al., 2014). A noite é o espaço dos “diferentes”, da mesma forma que pode se consolidar como um território exclusivo, assim como de estado de exceção.

Nesse período, o espaço urbano se torna mais cidade, pois apesar de encontrar-se completamente modificado, “admite uma visão mais profunda de seus problemas e mazelas, consolidando-se como a melhor tradução para a cidade pós-moderna” (PASSOS, 2003 apud CARVALHO, 2013, p. 84). Sendo assim, pensar a cidade a partir de suas temporalidades é respeitar sua essência, pois a noite “antes de ser dos jovens, é primeiramente da cidade” (FERREIRA, 2007, p.02).

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Este artigo objetiva apresenta a temática do urbanismo temporal (GWIAZDZINSKI, 2016) atrelado à vitalidade urbana (JACOBS, 2015), focalizando na segurança, atratividade e lazer como diretrizes para estudo de caso, na Avenida Dr. Antônio Gomes de Barros, em Maceió-AL, que possui alta concentração de estabelecimentos privados de serviços noturnos, buscando compreenderas concordâncias e distorções entre a teoria e o espaço urbano construído. Os dados in loco foram coletados através de estratégias da Etnotopografia1, que auxiliaram os registros de percepções sensoriais, físicas e comportamentais no espaço estudado.

Entende-se a importância deste projeto como o pontapé para a discussão acerca de projetos atemporais, ou seja, que considerem as atividades e oportunidades possíveis em todos os turnos, propiciando uma cidade justa a todos que se apropriam desta em seus momentos de lazer, descanso e trabalho. Certamente muitas questões não conseguirão ser tratadas em sua completude, devido à quantidade de variáveis existentes e ao limite temporal de realização do projeto.

2 A TEMPORALIDADE NOS ESPAÇOS URBANOS 2.1 Ocupar a noite

A vida no espaço urbano impacta diretamente a percepção das pessoas inseridas nesse espaço, Jan Gehl (2015) defende que os projetos urbanos devem focar para além da circulação, possibilitando o contato direto entre pessoas que convivem em sociedade, ou seja, a interação entre indivíduos, desses com a paisagem e a apropriação dos espaços através da permanência. A partir da discussão da cidade produzida para pessoas, diversos fatores inerentes à Vitalidade Urbana e Espaço Defensável foram atentados e repensados para o alcance da eficácia de tal espaço, como o uso dos espaços urbanos, a vigilância natural e reforço territorial.

O termo vitalidade urbana é utilizado para dimensionar a qualidade de um logradouro (cidade, rua, praça, etc.) baseado na escala humana, na atração e encontro de pessoas (GEHL, 2015). A escala humana trata de proporcionar um espaço acolhedor e agradável, enquanto que a atratividade é o principal motivo para a circulação, permanência e encontros de pessoas no espaço urbano. A noite, segundo Liempt et al. (2014), se desenvolvida qualitativamente, utiliza da escala humana como princípio de colaboração na qualidade de vida dos seres envolvidos, pois permite ao cidadão escolher as atividades a serem realizadas, desconsiderando o turno, adaptando-as à sua rotina, necessidades e desejos pessoais.

Em Montréal, no Canadá, no início do século XXI, foi proposta a revitalização de uma antiga área marginalizada, equipando-a com infraestrutura e incentivando atividades artísticas (projeção mapeada, design, esculturas, etc.). A partir desse processo, novos espaços públicos foram criados e estabelecimentos privados e públicos foram construídos no entorno, agregados às edificações anteriores. Atualmente nomeada Quarteirão dos Espetáculos, o espaço agrega diversos festivais de música durante o ano, sua

1 Metodologia que utiliza comparações legais, da coletânea de opiniões dos transeuntes e moradores do

entorno ou pela observação e percepção do pesquisador perante as relações socioespaciais, no sentido que aplica ao estudo de grupos socioculturais com base no espaço em si (DUARTE, 2011).

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multifuncionalidade se encontra na variedade de usos, com a mistura de residências, bares, praças, restaurantes, museus, teatros, etc. A identidade da área foi preservada e contada a partir de manifestações artísticas, as idades dos prédios se completam e a diversidade das funções atrai diferentes frequentadores (Figura 1a e 1b).

Figura 1a e 1b: Quarteirão dos Espetáculos, cidade de Montréal, considerado um dos maiores anfitriões de festivais de música do mundo. Os edifícios são telas para projeções mapeadas, o design se integra aos equipamentos urbanos e a calçada esbanja a identidade histórica do antigo distrito. Fonte:

<https://www.quartierdesspectacles.com/en/discover-the-quartier/>. Acesso em: 29 março 2018.

A ocupação noturna na cidade se dá em sua maioria no interior de espaços fechados e privados, ligados à produção e ao consumo de música, bebidas e atividades populares da noite, voltadas para o público mais jovem. O espaço público, por sua vez, apresenta-se como um meio de transição entre estes, mesmo que subutilizado e, em geral, com alto índice de violência urbana devido à mínima vitalidade que os logradouros possuem. Sabe-se que os projetos urbanísticos realizados geralmente tendem a atender as demandas relacionadas às atividades diurnas, diminuindo, desta forma, a variedade, a diversidade e, consequentemente, reduzindo as possibilidades de ocupações noturnas no espaço construído.

Há menos de duas décadas, a noite urbana está inserida em um acelerado processo de transformação través da diurnização2, pela qual as atividades mundanas do dia estão

adentrando o período noturno devido à essência ininterrupta da economia globalizada e suas redes (GWIAZDZINSKI, 2016), segundo as quais, a noite pode ser nomeada como um laboratório vivo propício para reinventar o período diurno e repensar certos conceitos em termos de temporalidades da cidade.

Uma nova era da economia está se consolidando, onde “o domínio do tempo para lazer introduz novas atitudes, perspectivas e preferências. [...], novas oportunidades de negócio surgem” (SOUZA, 2006, p.40), e consequentemente muitos centros de atividades sociais (teatros, bares, casas de shows, cinemas, etc.) têm se reinventado a fim de proporcionar experiências agregadas de autenticidade como meio de atrair mais público.

2.2 Pensar a noite

Para uma vitalidade urbana efetiva, a cidade deve contemplar condições favoráveis para permanência e passagem durante todas as horas do dia, dessa forma, o pensar urbano precisa abranger dinâmicas diurnas e noturnas. Jacobs (2000) acredita no poder da

2 Interesse da economia diurna pela noite urbana, derrubando fronteiras entre os períodos e permitindo o

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densidade elevada de pessoas em locais públicos, porém, esta só é adquirida através de focos de atratividade distintos, com a presença de edifícios e espaços de usos diferenciados. Dessa forma, a atração humana é natural, diversificada em gênero, raça, função e faixa etária, além de perpetuar-se durante todo o dia.

A presença de pessoas, além de conceder vida ao espaço, é considerada por Jacobs (2000) como “os olhos da rua”, sendo que os próprios transeuntes e permanentes do espaço se tornam os vigilantes das ações à sua volta. No contexto urbano noturno, o sentimento de insegurança e desconfiança é ainda mais presente, visto que atividades contraventoras ou ilegais costumam ocorrer com maior frequência nas “horas escuras” (DELFINO, 2017). O controle espontâneo a partir da vigilância pela presença de pessoas, portanto, se mostra necessário e a densidade das ruas é ainda mais importante. Quanto mais ampla a diversidade de uso, maior o fluxo de residentes e de visitantes atraídos para o local (SABOYA, 2016a).

Pressupondo a parcialidade do espaço diante de ações delituosas, considera-se que este pode oportunizar o cometimento de crimes e, por isso, necessita-se de atenção como um cenário para prevenção de delitos. Nestes termos, Delfino (2017) apresenta uma revisão teórica consistente sobre a prevenção do crime pelo espaço construído, destacando a teoria do Espaço Defensável como adequada para espaços residenciais seguros, desde que exista o sentimento de apropriação socioespacial materializado por parte dos habitantes nos espaços físicos.

É indispensável a compreensão da relação entre a configuração física dos espaços de comunidades – na arquitetura das edificações e dos elementos urbanos – e o impacto que este possui na prevenção e no combate à violência urbana, possibilitando, inclusive, a diminuição de ocorrências de crimes, pelo controle dos habitantes através da vigilância natural e territorialidade (DELFINO, 2017).

O reforço territorial, tomado como princípio da vitalidade urbana e do espaço seguro, defende a capacidade espacial de comunicar a estranhos o sentimento de pertencimento e da apropriação socioespacial (DELFINO, 2017). Este é possível a partir da ação dos habitantes perante o espaço urbano que os circunda, refletido na qualidade da conservação espacial e do mobiliário, assim como na delimitação territorial.

Do mesmo modo, Jan Gehl (2015) defende que projetos urbanísticos bem pensados podem difundir soluções de segurança detalhadas para a cidade e, como foco geral, propiciar uma sociedade aberta a todas as diferenças interpessoais e à livre circulação e permanência de pessoas nos espaços públicos. Havendo segurança, diversas variáveis se desdobram e enriquecem a vida urbana, como consequência, ou seja, é possível obter maior qualidade ao caminhar, permanecer, interagir, experienciar bons encontros e aguçar a criatividade tendo como base a efetividade e o sentimento de segurança (GEHL, 2015). Esta multiplicidade de possibilidades deve vir atrelada à igualdade de oportunidade e acesso aos espaços públicos a todos os grupos da sociedade

As interações socioespaciais em espaços externos não são as condicionantes únicas para a sensação de segurança, as relações entre o público e o privado reforçam o sentimento de proteção, a vez que se possibilita a visualização dos acontecimentos em ocorrência para além do interior das edificações (Figura 2). Assim, caso algo inesperado e indesejado ocorra a alguém externo, a probabilidade de ser alertado, obter ajuda ou apoio é maior

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(GEHL, 2015). A permeabilidade visual do pavimento no nível da rua, recuos frontais e a construção de áreas de transição semi-privativas e semi-públicas podem amenizar a percepção dos limites entre ambas as áreas, possibilitando maior oportunidade de controlar contatos, proteger a vida privada, assim como expandir atividades internas (GEHL, 2015).

Figura 2: Espaço de transição semi-privativo de bar localizado na Av. Dr. Antônio Gomes de Barros, em Maceió-AL. Fonte: Paulo Accioly, 2018.

Para além da configuração das edificações, a morfologia urbana é um importante fator para o alcance da vitalidade urbana das cidades, visto que o traçado, dimensão e conexões interferem diretamente na apropriação socioespacial. Nesse sentido, Jacobs (2000) impõe como condicionante indispensável a predominância de quadras curtas, visto que “as ruas e oportunidades de virar a esquina devem ser frequentes” (2000, p.165). Na presença de longas quadras, a distribuição de comércio e serviço se restringe às avenidas ou no cruzamento de encontro de fluxos, assim, polarizam-se os usos e a distribuição é desigual ao longo das ruas.

Jan Gehl (2015) vai além e avalia a qualidade da cidade a partir da velocidade com que os transeuntes aderem ao caminhar pelas ruas. Para o teórico, quanto mais devagar, mais interessante, atrativa e convidativa é a cidade, ou seja, foi pensada para o pedestre, não para os automóveis. Considerando a média da velocidade de uma caminhada entre 4,2km/h e 5,8km/h, variável de acordo com a estação e temperatura, a distância aceitável para um passeio interessante é de 500m, dependendo da qualidade da superfície e o percurso, quantidade de pessoas e a idade do pedestre. Entretanto, essa medida pode cair drasticamente se as condições não forem favoráveis ao caminhar, chegando a 200m e 300m em casos de obstáculos e monotonia do percurso, por exemplo.

Em diversas cidades do mundo, como em Londres e Amsterdã, por exemplo, os estabelecimentos de lazer noturno concentram-se em determinada região (rua ou bairro), propiciando o fácil deslocamento dos frequentadores, a concorrência legítima e a vivacidade do espaço público em seu entorno. Ou seja, eixos notívagos contemplados com “espaços mais voltados para a dança, [...]; outros proporcionando sociabilidades, às vezes amenas, outras exaltadas, em torno da bebida; outros ainda, mais ruidosos, [...], a que se acrescenta o consumo de álcool” (FERREIRA, 2007, p.06-07) têm, em consequência, suas áreas livres adjacentes ocupadas devido às trajetórias percorridas pelos consumidores entre os espaços privados, com fumantes, vendedores ambulantes, entre outras ambiências efêmeras e singulares a cada condição espacial.

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Averígua-se, por fim, que o grande desafio da temática vem sendo a conciliação de desejos e necessidades diversas sem descaracterizar o período da noite e violar os direitos de cada indivíduo. Deve ser questionada a capacidade que as áreas urbanas possuem de assumir um regime de 24h voltado ao lazer, pois há uma demanda por verbas para promoção de infraestrutura e manutenção dos espaços públicos, programas de incentivo fiscal e cultural, além do engajamento de artistas, gestores públicos, mercado de comércio e serviço (GWIAZDZINSKI, 2016).

A partir da revisão bibliográfica foi possível esclarecer os princípios da Vitalidade Urbana, segundo Gehl (2015), Jacobs (2000) e Saboya (2016a, 2016b, 2016c), e os componentes considerados essenciais para o alcance da qualidade urbana. A esta foi relacionada a teoria do Espaço Defensável, trabalhada por Delfino (2017), que utiliza do espaço urbano como ferramenta para proporcionar segurança e inibir práticas violentas. O estudo das temáticas corroborou para o entendimento do impacto do desenho urbano, das fachadas dos edifícios, da concentração de usos e densidade de pessoas na vida urbana e na percepção da sensação de segurança.

3 CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA

Este trabalho se subdivide em quatro etapas metodológicas, a partir da revisão bibliográfica, que subsidiou os métodos de síntese, diagnóstico e análise.

Da revisão bibliográfica: De acordo com os princípios teóricos, foram listados os aspectos e as estratégias apontadas pelas temáticas como favoráveis à qualidade urbana e, consequentemente, à vitalidade e à segurança urbana. A fim de avaliar o grau de favorecimento do objeto de estudo e seu entorno, além de realizar o diagnóstico urbanístico da área, utilizou-se de uma adaptação dos principais parâmetros elencados por Delfino (2017) – fundamentados no uso dos espaços, reforço territorial e vigilância natural (Figura 3) – adicionado às condicionantes instituídas para ocupações urbanas noturnas, segundo o Colaboratório (2014).

Figura 3: Organograma dos parâmetros adotados para avaliar os princípios de uso dos espaços, reforço territorial e da vigilância natural, respectivamente. Fonte: Delfino (2017), adaptado pela

autora, 2018.

Das sínteses: As sínteses realizadas no capítulo anterior possibilitaram a realização de quadro teórico-metodológica que aponta os princípios a serem aferidos no objeto de estudo, discriminados por escalas de observação, a saber: a) o raio de influência (500m), b) o entorno imediato (200m) e c) o ambiente em si (Figura 4). A primeira e segunda escalas se localizam nos perímetros que tangenciam a delimitação da via Av. Dr. Antônio Gomes de Barros, enquanto que a do ambiente refere-se à própria avenida e espaços pontuais nela

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localizados, que apresentam dinâmicas singulares, provenientes da alta concentração de estabelecimentos privados de lazer noturno.

Figura 4: Esquema gráfico das escalas de observação. Fonte: Base cartográfica de Maceió, adaptado pela autora, 2018.

As distâncias foram determinadas a partir das considerações de Gehl (2015), pois este afirma que a maioria das pessoas estão pré-dispostas a percorrer distâncias de 500m até seus destinos, caso o percurso seja interessante e com poucos obstáculos. Caso o cenário não seja favorável para tal, caminhadas de 200m são consideradas suportáveis, apesar das adversidades. Além disso, essa distância foi escolhida devido às semelhanças de tipologias edilícias, usos e ocupações, paisagem, perfis de moradores e frequentadores.

Da coleta de dados: Optou-se por trabalhar com métodos da observação e análise Etnotopográfica, conceituada como um discurso de cunho etnográfico aplicado ao estudo de grupos socioculturais com base no espaço em si. O estudo de coleta de dados baseados em aplicação de questionários e entrevistas e observações no local, culminando na descrição narrativa do objeto de estudo. As ferramentas utilizadas mais comuns são registros imagéticos, croquis, mapas comportamentais, entre outros, porém, sua maior diferenciação está no caráter descritivo.

Da análise: O diagnóstico foi analisado através de representações georreferenciadas de mapeamento de ocupações, permanências, usos do solo, territorialidades, entre outros, com embasamento nos parâmetros destacados na revisão bibliográfica. A partir dos dados e aspectos destacados foi possível apresentar as problemáticas e potencialidades que a avenida e seus espaços dispõem.

Esse sistema metodológico tem como principal objetivo caracterizar as atividades da experiência humana através de um olhar de perto e pessoal (GENZUK, 1993 [2003]). Dessa forma, o vínculo social não é trabalhado isoladamente, busca-se o significado social atribuído pelos grupos pesquisados no tipo de espaço vivenciado (DUARTE, 2011), seja no espaço público, espaços residenciais ou estabelecimentos privados.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES: A AMÉLIA

O bairro da Jatiúca, na cidade litorânea de Maceió, insere-se na Zona Residencial 43, onde há predominância de ocupação residencial, porém com possibilidade de implantação de atividades comerciais, de serviços e industriais que se integrem ao uso principal e não

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afetem negativamente as condições ambientais e urbanas. A Av. Dr. Antônio Gomes de Barros, no bairro em questão, enquadra-se como um Corredor de Atividades Múltiplas (CAM)4, logo, caracteriza-se como um espaço urbano de uso misto, onde os usos produtivos complementam o residencial, apesar de não existirem políticas ou diretrizes diferenciadas para este.

Conhecida como a Antiga Amélia Rosa, a avenida tem, em seus 1800m de extensão e imediações: pontos residenciais, institucionais, vazios urbanos, áreas livres, comércio e serviços de caráter diferenciados. A via se configura por um traçado linear que conecta a orla marítima do bairro da Jatiúca a empreendimentos de comércio de grande porte (shopping e supermercados). Há um canteiro central arborizado para a passagem de pedestres em toda a sua extensão, dois leitos carroçáveis em ambos os sentidos para deslocamento e estacionamento, além de quadras adjacentes às vias, compostas pelos passeios, edificações e sinalizações urbanas. Durante o período diurno, o espaço urbano é destinado à transitoriedade, a ocupação é mínima, com exceção dos pontos de ônibus e alguns estabelecimentos de serviço.

As quadras alongadas são normalmente ocupadas nas extremidades, próximas às vias coletoras, por comércios, instituições e serviços, enquanto seus centros são residenciais, provocando monotonia no trajeto interno e sobrecarregando os logradouros principais. As quadras de amplas dimensões são em geral monofuncionais e, caso não possuam permeabilidade das fachadas, funcionam como obstáculos visuais favoráveis ao fomento do sentimento de insegurança (Figura 5).

Figura 5: Mapa de Uso e Ocupação do Solo. Fonte: Base cartográfica de Maceió, adaptado pela autora, 2018.

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Conforme pode-se ser observado na figura 5, o uso do solo apresenta predominância de residências, entretanto, existe uma diversidade considerável de serviços e comércio distribuídos nas avenidas coletoras ou encontro de vias (esquinas). A maioria dos estabelecimentos possui funcionamento dentro do horário comercial, (8h às 18h), extrapolando em alguns casos até às 20h. Sendo assim, a movimentação local no período diurno é diversa, contemplando os diferentes setores comerciais (alimentício, vestimentas, utensílios, etc.), de serviço (cuidados pessoais, educação, reparos, etc.) e institucional (bancos, ensino, saúde, etc.). Os estabelecimentos de atividades noturnas são, em sua maioria, destinados ao lazer, seja para consumo de comidas, experiências (cinema ou shows) ou bebidas alcoólicas, por isso, essa categoria foi apontada no mapeamento do uso do solo a fim de destacar sua localização. Estes se encontram em maior número, na Av. Dr. Antônio Gomes de Barros, nas primeiras quadras do logradouro, área ocupada por residências e outros estabelecimentos (escola, lojas, supermercado, etc.) de alto padrão. A atração de pessoas na área possui influência da presença de Equipamentos Geradores de Fluxo (EGF) distribuídos pelo território. Os principais atrativos estão relacionados a edifícios privados, sejam eles de comércio, serviço ou institucional, logo, a permanência de pessoas, quando possível, está associada ao consumo. Em contrapartida, praças, áreas livres e a orla marítima atraem usuários a fim de se conectarem com a natureza, realizar atividades físicas ou de socialização. A presença de EGFs com distintas finalidades enriquece o espaço à vista, que estimula, além da densidade, a diversidade de pessoas que estão em busca de diferentes objetivos.

As vias coletoras se caracterizam por coletar e distribuir o trânsito motorizado para outras áreas da cidade, logo, o fluxo é constante e intenso e, pelo mesmo motivo, o surgimento de estabelecimentos adjacentes é estratégico. Em sua maioria, as vias locais apresentam fluxos de caráter local, configuração ortogonal às vias coletoras, com menor largura e fluxo de automóveis que as demais, entretanto, os percursos para acesso às ruas principais provocam trânsito denso nos horários de pico, visto que suas capacidades não foram projetadas para suportar a demanda real.

Além das vias, as calçadas são cenários de disputa, majoritariamente noturna, pois nelas, estabelecimentos privados e residências acomodam cadeiras e mesas para ampliação de seus espaços de serviço, além do uso destes espaços por ciclistas, pessoas à espera do coletivo ou a lazer, atividades lúdicas e de comércio, etc. Há situações em que as áreas privativas de estabelecimentos comerciais se expandem lateralmente para estabelecimentos que encerram suas atividades no período noturno (cabeleireiros, lojas, etc.). Em outros casos, a expansão se dá para a própria rua e para o canteiro central da Av. Dr. Antônio Gomes de Barros, onde clientes adquirem suas bebidas e optam por permanecer embaixo das árvores para se reunir e conversar.

Muitos frequentadores dos estabelecimentos ampliam espontaneamente os espaços privados para consumir bebidas, drogas ilícitas, comer ou apenas desfrutar do ambiente, ocupando calçadas, a faixa de rolamento e ruas adjacentes (Figura 6a e 6b). Esta prática estimula o surgimento de ambulantes que se instalam nos passeios, ofertando produtos alimentícios e bebidas em preço inferior ao serviço “formal”. Ainda que menos comum, as calçadas também são ocupadas pelos moradores da área e das ruas majoritariamente residenciais, onde se reúnem, passeiam e festejam em frente às suas casas durante a noite.

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Figura 6a e 6b: Ocupações espontâneas nas calçadas da Av. Dr. Antônio Gomes de Barros. Fonte: elaboração autoral/ Henrique Tenório/ Paulo Accioly, 2018.

Dentro do perímetro estudado, as avenidas com maior enfoque no automóvel não possuem presença de lixeiros públicos nos passeios, contrapondo-se àquelas em que o pedestre possui certa notoriedade – Av. Dr. Antônio Gomes de Barros e Av. Álvaro Otacílio. Essa discrepância é ainda mais acentuada quando se trata de equipamentos de permanência, como os bancos. Apesar da existência desses mobiliários, esses espaços de convivência são mal aproveitados, tanto no âmbito funcional, quanto estético, a falta de manutenção, de apropriação do espaço urbano e a utilização de materiais pouco resistentes propiciam a depredação pela ação humana e intempéries, prejudicando a qualidade estética e a funcionalidade original dos equipamentos.

A calçada central da Av. Dr. Antônio Gomes de Barros destaca-se na paisagem, contudo, a sua qualidade é inversamente proporcional à sua potencialidade. Bueiros, buracos, desníveis, rachaduras e lixo são as principais barreiras físicas encontradas no local, diminuindo a qualidade do caminhar e a harmonia do espaço urbano.

Apesar da precariedade das condições físicas dos espaços e equipamentos públicos, a ocupação promovida pela presença dos serviços de lazer noturno privados é intensa e ocorre principalmente nos espaços de transição dos estabelecimentos. Para Gehl (2015) e Saboya (2016b, 2016c), a existência desses espaços é importante para o fomento do contato visual, auditivo e olfativo entre os territórios privado e público (Figura 7a). Por outro lado, residências, instituições e outras edificações inativas no período noturno com fachadas monótonas e problemáticas não agregam ao espaço urbano, muitas vezes sofrendo com atos subversivos (Figura 7b).

Figura 7a e 7b: Impacto da presença e ausência de áreas de transição de estabelecimentos privados e residências. À esquerda, cervejaria utiliza da territorialidade para atrair clientes, enquanto, à direita,

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Esses espaços apresentam características de apropriação e imagem instaladas para promoção e caracterização do local, seja a partir da diferenciação de piso, placas de identificação, instalação de mobiliário, iluminação focal, ambientação convidativa e diferenciada seja pela permeabilidade da fachada (barreiras translúcidas, vazadas ou inexistentes). A territorialidade construída com fundamento nestes elementos se limita aos estabelecimentos privados e suas calçadas fronteiriças, que os utilizam para delimitar seu território e, ao mesmo tempo, conservá-lo.

Em contrapartida, a inexistência de reforço territorial nos espaços públicos culmina na desvalorização do espaço pelos transeuntes, moradores e frequentadores da área, que praticam atitudes desrespeitosas (urinar em público, despejo de lixo, etc.) com o coletivo e não zelam pelo local, o que afeta a condição do estado físico dos equipamentos urbanos (Figura 7b).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A qualidade urbana das cidades, de acordo com diversos teóricos, está intimamente relacionada à vitalidade, ou seja, a presença, a ocupação e a apropriação pelas pessoas em espaços públicos são os principais indícios de qualificação espacial, pois demonstram que o espaço construído possui condicionantes favoráveis à realização de atividades de permanência, principalmente. Neste artigo, o olhar é direcionado para descrever as dinâmicas noturnas a fim de analisar suas singularidades e, consequentemente, estimular a discussão acerca do impacto dos projetos urbanos e arquitetônicos no período da noite. As atividades estáticas provenientes dos serviços de lazer privados correspondem à maior porcentagem da vida na Av. Dr. Antônio Gomes de Barros e seu entorno, em contrapartida, a movimentação de ir e vir ocorre rapidamente e em uma quantidade expressivamente menor. A avenida abrange diversas ambiências em sua extensão, porta-se como centro noturno para a cidade, mas possui centralidades internas perceptíveis àqueles que a frequentam. Seu elevado número de estabelecimentos privados noturnos não supre as carências por atratividade, conectividade e diversidade, acentuadas quanto mais se afasta da orla e o caráter puramente residencial se instala.

O debate sobre a temporalidade dos espaços urbanos e seu planejamento é recente, mas as diferenças de ocupações e percepções diurnas e noturnas são perceptíveis aos que frequentam a noite, independente do objetivo. É preciso acender a noite no sentido de apropriar-se dela, ocupar além dos espaços privados, com o reconhecimento de que a vitalidade urbana promove a segurança necessária para a experiência em áreas públicas e a diversidade de atividades propicia uma vida noturna democrática e atraente.

6 REFERÊNCIAS

CAMARGO, I; PEDROSA, I. (2017) Produção e análise de mapa temático: mapa da renda predominante por setor censitário do bairro da Jatiúca. Trabalho apresentado como requisito para aprovação na Disciplina de Sistemas de Informações Geográficas Aplicadas ao Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Arquitetura e Urbanismo, Maceió.

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CARVALHO, N. M. (2013) Ambiências noturnas: Arquiteturas e subjetividades em cenários urbanos cariocas. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – PROARQ/UFRJ, Rio de Janeiro.

DELFINO, M. (2017) Entre Muros: Descrição espacial dos cenários urbanos com grande incidência criminal no bairro do Tabuleiro dos Martins, Maceió-AL. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – PPGAU/UFAL, Maceió.

DUARTE, C.R. (2011) Moldagem do lugar, remodelagem do olhar. In: Duarte, C.R. e Villanova, R. Novos Olhares sobre o Lugar: ferramentas e metodologias, da arquitetura às ciências sociais. Rio de Janeiro, Contracapa.

FERREIRA, P. (2007) Ir para a noite: cultura nocturna e identidade juvenil. In: VII Reunión Antropológica del MERCOSUL - UFRGS. Anais. Porto Alegre.

GEHL, J. (2015) Cidade para pessoas. São Paulo: Perspectiva.

GENZUK, M. (1993 [2003]). A Synthesis of Ethnographic Research. Occasional Papers Series. Center for Multilingual, Multicultural Research, Rossier School of Education. Los Angeles: University of Southern California.

GWIAZDZINSKI, L. (2016) The urban night: a spacetime for innovation and sustainable development. Jornal of Urban Research.

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LIEMPT, I.; AALST, I.; SCHWANEN, T. (2014) Geographies of the urban night. SAGE journals, v. 52, n. 3, p. 407-421.

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SABOYA, R. (2016b) Fatores morfológicos da vitalidade urbana: Parte 2: Acessibilidade. Archdaily.

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Referências

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