P
oesia
Copyright © Herdeiros de Cacaso/ Rep. por Copyrights Consultoria Ltda. Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.
capa e projeto gráfico Elisa von Randow ilustrações
Cacaso, reprodução de Marcos Vilas Boas Rosa Emília Dias (p. 456)
fotos de miolo
Acervo dos herdeiros de Cacaso, reprodução de Marcos Vilas Boas preparação
Ciça Caropreso bibliografia
Carlos Frederico Barrére Martin revisão
Huendel Viana Ana Maria Barbosa Thaís Totino Richter
[2020]
Todos os direitos desta edição reservados à editora schwarcz s.a.
Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32 04532-002 ―— São Paulo ―— sp Telefone: (11) 3707-3500 www.companhiadasletras.com.br www.blogdacompanhia.com.br facebook.com/companhiadasletras instagram.com/companhiadasletras twitter.com/cialetras
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)
Brito, Antônio Carlos de, 1944-1987.
Poesia completa / Cacaso. — 1a ed. — São Paulo : Companhia das Letras, 2020.
Bibliografia. isbn 978-85-359-3171-6
1. Poesia brasileira i. Poetas brasileiros i. Título.
18-19878 cdd-869.1
Índice para catálogo sistemático: 1. Poesia : Literatura brasileira 869.1
sumário
9 Nota a esta edição
11 poesia completa [1967-85] 13 a palavra cerzida [1967] 85 grupo escolar [1974] 117 beijo na boca [1975] 143 segunda classe [1975] 175 na corda bamba [1978] 205 mar de mineiro [1982]
239 poemas esparsos + beijonabocaeoutrospoemas
261 poemas anteriores a palavracerzida
269 poemas ine´ditos [1977-87]
319 algumas letras [1965-87]
407 fortuna crítica
408 Pensando em Cacaso — Roberto Schwarz
412 Falando sério sobre Na corda bamba & outros livrinhos — Heloisa Buarque de Hollanda
418 Sentimento, perfídia — Francisco Alvim 428 Dedicatória — Vilma Arêas
431 Sobre o autor — Mariano Marovatto 437 Bibliografia
443 Créditos das canções
nota a esta edição
Poesia completa abarca toda a produção poética de Antônio
Carlos de Brito, o Cacaso: A palavra cerzida (1967), Grupo
esco-lar (1974), Beijo na boca (1975), Segunda classe (1975, em parceria
com Luis Olavo Fontes), Na corda bamba (1978) e Mar de mineiro (1982), além da seção de inéditos da coletânea Beijo na boca e outros poemas (1985), poemas anteriores ao seu primeiro livro, poemas esparsos e inéditos. Estes títulos foram previamente reunidos no volume Lero-lero [1967-85], lançado na Coleção Ás de Colete (Cosac Naify e 7Letras), em 2002.
Ao final da presente edição há uma farta seção de poemas inéditos, com organização de Heloisa Jahn. São versos tira-dos de 23 cadernos, verdadeira oficina do poeta, que incluíam também letras de música, anotações, desenhos, números de telefone e fotografias. Esses diários abrangem uma década, de 1977 a 1987, ano da morte prematura do poeta, aos 43 anos. Por fim, o livro traz uma amostra de sessenta letras de música de Cacaso, compostas em parceria, selecionadas pela cantora e compositora Rosa Emília Dias.
Na fortuna crítica, professores, poetas, amigos e pesqui-sadores — Roberto Schwarz, Heloisa Buarque de Hollanda, Francisco Alvim, Vilma Arêas e Mariano Marovatto — jogam luz sobre o escritor que, com inteligência, amplo repertório cultural e humor afiado, deixou sua marca incontornável na
poesia completa
a palavra cerzida
Este livro para Carlos Ferreira de Brito
e Wanda Aparecida Lóes de Brito e também
Antônio Carlos Jobim e Pixinguinha e ainda
Leilah Landim Assumpção
“Mamãe vestida de rendas tocava piano no caos.” murilo mendes
“Na noite sem lua perdi o chapéu.” carlos drummond de andrade
o pássaro incubado
O pássaro preso na gaiola é um geógrafo quase alheio: Prefere, do mundo que o cerca, não as arestas: o meio.
É isso que o diferencia dos outros pássaros: ser duro. Habita cada momento que existe dentro do cubo. Ao pássaro preso se nega a condição acabado. Não é um pássaro que voa: É um pássaro incubado. Falta a ele: não espaços nem horizontes nem casas: Sobra-lhe uma roupa enjeitada que lhe decepa as asas.
O pássaro preso é um pássaro recortado em seu domínio: Não é dono de onde mora, nem mora onde é inquilino.
18
explicação do amor
O amor em seu próprio corpo recebe os cacos que lança: Diálogo de briga ou rinha em tom de magia branca. O amor, o dos amantes, é sangue da cor de crista: Coagula insensivelmente nas polifaces de um prisma. O amor nunca barganha, que trocar não é seu fraco: Recebe sempre entornado como a concha de um prato. Amor não mata: previne o que vem depois do susto: Modela o aço e o braço que vão suportar o muro. O amor desconhece amor sem ter crueza por gosto: Contempla-se diante do espelho sem nunca ver o outro rosto.
gameleira
Muito longe do arabesco, do arlequim e da moda, à sombra da gameleira que a previsão já recorta, naquelas terras perdidas recuperadas na troca, vagamos por um caminho: Mistura de ida e volta. Naquelas terras estanques onde a razão era morta: Araçá, caju do brejo, mistura de vida e volta. Mistura de teu soluço com a nossa ânsia torta: No ventre da gameleira a vida era tida morta. A vida era tida longe
como um sol que não acorda: No ventre da gameleira volta e vida, ida e volta.
20
o galo e o dia
Na manhã da Sta. Marina não é o galo que canta: Acorda o dia tão cedo, com tanta flor na garganta, que ele dia se incumbe daquilo que o galo esquece: O dia canta no terreiro enquanto o galo amanhece. Na Sta. Marina o dia também cisca seu sustento: Agora o sol nasce no galo de fora, nunca por dentro. Nasce o sol bem desenhado onde se havia por crista. O dia capaz de esporas, aurora que não se arrisca. Na Sta. Marina é dia quando o dia ainda cisca ou quando a crista do galo passa o mundo em revista.