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Adolescência como tempo do sujeito na psicanálise

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Academic year: 2021

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RESUMO

Objetivo: Apresentar brevemente a adolescência como ela é entendida na psicanálise, supondo que o adolescente está inserido numa sociedade que tem a juventude como ideal, contudo, não leva em conta a difi culdade deste nessa passagem assinalada por Freud e Lacan, como complexa, com a elaboração do luto dos pais da infância, do corpo infantil e o real do sexo. Métodos:

Revisão de literatura, com pesquisa de autores clássicos da área da psicanálise como Freud e Lacan e outros contemporâneos.

Resultados: Valorização da adolescência pela mídia e falta de modelos e exemplos adultos podem difi cultar ainda mais a passagem por esta fase da vida. Conclusão: Na psicanálise, é pela palavra que a verdade do sujeito emerge para além do discurso. O que determina as escolhas do adolescente naquele momento passa por diversos conceitos que nos interessam e nos dão pistas para pensar a adolescência.

PALAVRAS-CHAVE

Adolescente, teoria psicanalítica, sociedades.

ABSTRACT

Objective: This paper presents a brief overview of adolescence as understood in psychoanalysis, assuming that these youngsters are surrounded by a society that has the youth as its ideal, while failing to appreciate the diffi culties they face at this stage in their lives, characterized by Freud and Lacan as a complex period, mourning the parents of their childhood and the child's body while coping with the reality of sex. Methods: This review of the literature surveys some classic psychoanalytic authors, such as Freud, Lacan and other contemporaries. Results: The high value placed on adolescence by the media and the lack of adult models and examples can make this period even more confusing. Conclusion: In psychoanalysis, the subject’s truth emerges through words and extends beyond discourse. Adolescent choices during this stage are steered by many concepts of interest that offer clues for thinking about adolescence.

KEY WORDS

Adolescent, psychoanalytic theory, societies.

Adolescência como tempo do sujeito na psicanálise

Adolescence as the subject time in psychoanalysis

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Valéria Sampaio Ferrão1 Maria Cristina Poli2

Valéria Sampaio Ferrão (valeriaferrao@yahoo.com.br) - Universidade Veiga de Almeida / Campus Tijuca. Rua Ibituruna, 108.

Tijuca - Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 20271-901.

Recebido em 10/09/2013 – Aprovado em 27/04/2014

1Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida (UVA). Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Psicóloga Clínica, pós- graduada na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

2Psicanalista, doutora em Psicologia pela Université Paris 13. Paris, França. Professora do Mestrado Profi ssional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida (UVA), Rio de Janeiro, RJ, Brasil e do Programa de Pós-Graduação (PPG) em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico (CNPq). Jovem Cientista do Estado/ Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiero,(FAPERJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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um Ideal de Eu. Assim, a projeção de um ideal é substituta do narcisismo de sua infância, no qual era ele mesmo seu próprio ideal.

1. Adolescência como tempo do sujeito Devemos pensar, então, num processo que consiste na mudança de meta da pulsão como possibilidade de afastamento da pulsão de in- vestimento sexual para um ponto distante desse e que a satisfaça, mesmo que parcialmente. A formação de ideal eleva o nível das exigências do Eu, favorecendo o recalque, gerador de neu- rose. Para Freud5, a sublimação é o que possi- bilita a diminuição do confl ito, e a tensão será menor ou maior pela capacidade de sublimação de suas pulsões libidinais primitivas, sendo uma saída para cumprir essas exigências sem envol- ver o recalque, parte da avaliação que o Eu faz de si mesmo e rechaça.

Freud 6, em seu texto “Romances Familia- res”, relata-nos sobre como é dolorosa a passa- gem da adolescência e da grande importância do desligamento dos pais. E escreve que só os que conseguem passar por esse processo po- dem seguir, pela necessidade do confronto do ideal que tinha deles e da realidade, em busca de outros modelos e formar novos conhecimen- tos independentes das crenças de seus pais. Para ele, a partir do desligamento das fi guras paren- tais é que será possível ao adolescente a aqui- sição de conhecimentos e posições diferentes diante da vida. Ele nos encaminha a perceber que, após esse afastamento, haverá um período de “retifi cação da vida real” através de fantasias que têm objetivos eróticos e ambiciosos, geral- mente o primeiro oculto sob o segundo. São fantasias como as de que seus pais não são seus verdadeiros pais e que estes talvez sejam mais poderosos e interessantes, enfatizando qualida- des que provavelmente advêm daquelas atribuí- das aos pais no primeiro momento, na infância, e que deixaram saudades, não se desfazendo, portanto, delas. Fantasias servem para lidar com a perda dos pais idealizados e com o novo, o encontro com a agressividade sexual.

INTRODUÇÃO

Pretendemos analisar, neste artigo, a im- portância da psicanálise no contexto sobre o tema da adolescência e suas escolhas. Como psi- cólogos, percebemos que a adolescência ocupa um lugar de ideal na sociedade atual, marca de uma sociedade narcisista, mas, quando volta- mos a atenção para outro lado que não as vanta- gens da juventude, reconhecemos a difi culdade desse momento crítico do sujeito.

Geralmente o que nos é revelado quando um adolescente chega ao consultório é a queixa de seus pais de questionamentos incessantes e a impressão de que o adolescente em questão está sempre testando os limites que lhe são im- postos. E o que sabemos, segundo autores que estudam o tema, como Jean-Jacques Rassial 1 e Philippe Julien 2, é que essa posição rebelde é bastante saudável nessa passagem.

Os autores Aberastury e Nobel 3 falam dessa rebeldia como sendo o trabalho psíquico do su- jeito adolescente para elaboração do luto diante das perdas dos pais da infância e do corpo in- fantil. Essa questão do corpo é profundamente discutida no narcisismo conforme a teoria freu- diana, especifi camente no eixo do Eu Ideal e do Ideal do Eu, que é a constituição do Eu na psica- nálise. Lacan 4, ao propor o Estádio do Espelho, verá essa construção teórica de Freud como in- dicação do Eu Ideal, como sendo predominante imaginário e o Ideal do Eu, simbólico.

Ao relermos “Introdução ao narcisismo” 5, entendemos o que levou o autor a esse pensa- mento. Na teoria freudiana, o conceito de Nar- cisismo fala sobre a constituição do Eu, que se dá inicialmente por um amor a si mesmo des- frutado na infância e que se dirige para um Eu Ideal que ainda é perfeito e completo e não quer abrir mão dessa perfeição de sua infância. Pela impossibilidade de manter-se nesse estado, pela entrada na cultura e o poder de ajuizar, o sujei- to irá entrar em confl ito com essa imagem de si mesmo e a saída possível será uma tentativa de superar essa impossibilidade na forma de

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2. Declínio social da função paterna

Estudamos Lacan para sabermos o que ele fala do declínio social da função paterna.

A função paterna é estruturante e, através da visão de Lacan, é hoje entendida como uma função simbólica do pai como um exercício de nomeação independente da presença do pai na família. Julien2, no texto “Os paradoxos da transmissão”, nos descreve o que seria a fun- ção paterna. Ele coloca dois momentos para a instauração do lugar do pai como primordiais para que o adolescente abandone os pais idea- lizados de sua infância e siga para fazer novas alianças de acordo com a lei do desejo. Ele re- lata, num primeiro momento, a angústia do bebê que depende da mãe para se alimentar, se sentir seguro e sentir o prazer do carinho e dos cuidados que a mãe lhe passa. A angústia de não saber o que ele signifi ca no desejo dela, o enigma do desejo do Outro.

Alberti 7 nos ajuda a entender o conceito de Outro criado por Lacan, privilegiando a questão da alteridade que esta presença estabelece com a noção de eu dissociado do outro, quando a mãe aparece e some e não volta sempre que o neném pede. Alberti menciona o conceito de Édipo criado por Freud em que relata que essa primeira relação com a fi gura que cuida e nutre servirá de instância privilegiada, comparativa- mente às outras relações que terá ao longo da vida, a qual o sujeito se voltará sempre numa tentativa de apaziguamento do desamparo fun- damental que nos constitui. Julien2 nos fala da passagem da angústia do enigma do desejo do Outro para a angústia de ser tudo ou nada para a mãe, e que ela responde com sua posição desejante, e não é ele o objeto de desejo, é o pai. Ela transmite ser um terceiro quem ocupa o lugar para onde aponta o seu desejo. O lugar da paternidade é a mulher que transmite. Julien segue, então, com outra questão do fi lho, se a mãe não é “toda”, ele pode ser para ela a sig- nifi cação do seu desejo em troca do amor dele.

O que faz para a mãe ter desejo voltado para um outro, se seguirá como questão. O que esse

homem que ocupa o lugar do desejo da mãe tem, será a questão. Será instaurado o pai idea- lizado, uma missão difícil de cumprir. Ser como esse homem idealizado acarretará, segundo Ju- lien, o apelo a uma autoridade paterna. E isso acontecerá também com o adolescente quan- do estiver na difícil passagem da adolescência, com a obrigação de ter um futuro trabalho ou o medo de fi car desempregado e o perigo de fi car sozinho e desamparado se os projetos não derem certo. Em algum momento deste proces- so, ele procurará uma fi gura nesse lugar, o lugar de autoridade incontestável para se amparar.

Julien acredita que, na nossa sociedade, poderia ser um professor ou um político para dizer-lhe o que fazer, mas, infelizmente, em sua maioria, ele percebe que estes estão com o discurso pa- dronizado, estando, portanto, despreparados para exercer a função de mestre. É muito ruim, diz Julien, quando o momento da necessidade dos adolescentes chega e os modelos que esta- riam ocupando esse lugar não estão exercendo sua função de mestre e o que sobra para lidar com o desamparo que isso acarreta são: a vio- lência, as drogas ou o suicídio como um último apelo de uma autoridade à imagem de um Pai Ideal. Julien diz que este pai ideal está na teoria de Freud como o fundador da Lei em três mitos:

Laios, o pai de Édipo, Urvater, o possuidor de todas as mulheres, em Totem e Tabu e Moisés, fundador de uma nova religião. Para Julien, o pai idealizado é necessário e atual, pois a de- manda por esse pai ideal é presente na violência dos jovens, nas revoltas étnicas e na adesão dos jovens a seitas. O importante é que esse lugar seja ocupado pelo homem que aponta onde está o desejo da mãe enquanto mulher, para que o jovem possa a ele recorrer, vê-lo falhar e elaborar o luto do Pai ideal.

E, para que esse luto seja possível, esse ho- mem não pode encarnar a lei que responde a demanda do fi lho, para que ele não fi que numa identifi cação que o torne impotente. O pai pre- cisa perder o fi lho, como indica Freud citado por Julien2 num sonho que relata:

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Um pai velou dia e noite, durante muito tempo, jun- to ao leito do fi lho doente. Após a morte do fi lho, ele vai repousar num quarto ao lado, mas deixa a porta aberta, a fi m de poder, de seu quarto, olhar aquele onde o cadáver do fi lho jaz no caixão, cercado de grandes velas. Um ancião foi encarregado da vigília mortuária, está sentado junto do cadáver e murmu- ra preces. Após algumas horas de sono, o pai sonha que o fi lho está junto de seu leito, pega-lhe o braço e murmura num tom cheio de reprovação: “Não vês que estou queimando?”. Ele desperta, percebe uma luz viva vindo do quarto mortuário, lá se precipita, encontra o velho adormecido: a mortalha e um bra- ço do pequeno cadáver foram queimados por uma vela que lhes caiu em cima.

(Sigmund Freud, op. cit., p.433) Julien afi rma que esse sonho relatado por Freud, de um pai que acaba de perder um fi lho e sonha com o menino lhe questionando sobre a sua falha em salvá-lo, pode ser interpretado do ponto de vista de que o pai precisa se posi- cionar num lugar que não é o da culpa, de que não pode tudo, e permitir se mostrar como um homem falível, humano, que não pode ver tudo, saber tudo e salvar o fi lho de todo o mal. Segun- do Julien2, se esse pai fi ca na posição encarnada do Pai Ideal, que seu fi lho almeja por se sentir impotente, a identifi cação com o grande mes- tre que sabe tudo sobre a vida do fi lho, fazendo o fi lho acreditar em uma imagem indestrutível do pai, o fi lho não conseguiria sair da posição dependente em que se encontra. O pai real que Julien descreve é aquele que coloca um limite quando o fi lho pede que ele encarne o gran- de mestre, o que desperta uma fantasia no fi lho que faz com que ele projete no pai a fi gura de um Pai Ideal, mas, ao mesmo tempo, o pai, co- locando essa barreira, indica uma falta, um im- possível de saber que levará o fi lho a viver o luto desse Pai Ideal, e, posteriormente, abandonar os pais e, de acordo com a lei do desejo, viver sua própria vida, suas alianças e escolhas.

Alberti7 coloca que é preciso um pai para ser um mediador entre o desejo da mãe e do fi lho, para que o próprio desejo da mãe - de que

o fi lho tenha sucesso na passagem da adoles- cência - aconteça. E diz, ainda, que o Nome-do- -Pai, ao barrar o desejo da mãe, indica ao fi lho que ele deve buscar fora do núcleo familiar as suas realizações, como está presente também na teoria freudiana da elaboração do Édipo.

Sonia Alberti7 ainda explica que o fi nal da infância de um sujeito é indicado pela incorpo- ração do Outro da infância, que são os signifi - cantes que vêm da mãe. Os pais idealizados não são mais necessários. Pela incorporação deles, o adolescente já pode lidar com as suas falhas e pode se separar deles após o luto. O Outro incorporado será a herança que servirá como norteador dos seus próprios desejos. O Outro incorporado é a consequência da entrada do Nome-do-Pai barrando o desejo da mãe. O Nome-do-Pai é o que permite a separação do desejo da mãe e possibilita a saída da alienação.

Quinet 8 escreve que o sujeito, sendo deter- minado inicialmente pelos signifi cantes que se encontram nesse lugar psíquico que é o Outro, tesouro dos signifi cantes, não tem identidade própria, ele está alienado nessa representação do sujeito que não é fi xa, o sujeito não “é”, ele é re- presentado por um signifi cante para outro signi- fi cante, ele é um furo no conjunto de linguagem, deslizando nas cadeias signifi cantes (S/$→S’).

A mãe encarna esse Outro a quem, ao nascer, a criança se sujeitará. Após a separação, a criança poderá ser sujeito. O Nome-do-Pai é o que per- mite a separação do desejo da mãe. A criança sai da posição de objeto de desejo da mãe, e essa interdição possibilitará, também, à mãe mudar de posição para não “engolir” essa criança. Podemos pensar mais sobre essa função na sociedade atual, sendo que o Nome-do-Pai confi rma o signifi can- te Pai que é instituído pela mãe.

A partir do estudo dos conceitos psicanalí- ticos, como o Narcisismo e o Édipo da teoria de Freud e Alienação e Separação de Lacan, é que podemos chegar a uma abordagem melhor de como trabalhar com o sujeito adolescente numa pesquisa bibliográfi ca inserida no campo discur- sivo da psicanálise. Freud9, no texto “O mal-estar

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na civilização”, escreve sobre o desamparo. Como estamos falando do mal-estar do adolescente, essa leitura jamais ultrapassada nos dá uma boa ideia sobre como se sentem os adolescentes e por que é comum que se juntem em grupos.

Podemos ver na literatura psicanalítica a importância dos grupos e da cultura para os adolescentes. No livro “A fratria órfã”, a psicana- lista Maria Rita Kehl10 refl ete sobre a juventude atual, dizendo que, na década de 20, o que se valorizava era a idade adulta, sendo comum um homem jovem ostentar bigode e roupas escuras para aparentar respeitabilidade e seriedade, o ideal de sucesso da época, o contrário de hoje, em que a juventude é valorizada como ideal de sucesso. A autora nos lembra de que, naque- la época, o que era jovem era relegado como sem valor, sem credibilidade. E, ainda, associa os anos entre as décadas de 70 e 80 como uma época de enaltecimento do ideal da juventude.

Ser jovem virou slogan usado pela publicidade como “o melhor”, “o sucesso”.

Na verdade, adolescentes são bons consu- midores, sem freio pela característica própria da juventude, diferente da desconfi ança e prudên- cia geralmente mais frequentes nos mais “ve- lhos”. Ainda, de acordo com Kehl, quanto mais tempo nos sentirmos jovens, melhor para esse mercado produzir descartáveis. Ela refl ete sobre o mal-estar que isso pode ser gerado nos adul- tos, porque há o efeito do tempo em relação às experiências, surtindo mudanças na maneira de enxergar a vida. O atraente da juventude seria a confi ança, a coragem, a despreocupação com as consequências e a falta de pudores na tentativa de obter prazer, pela disponibilidade, pela es- perança e pelos anseios do sujeito adolescente.

Kehl demonstra que isso tem um preço e apare- cerá, portanto, em outros aspectos da vida do sujeito pelos efeitos da alienação de quem não consegue passar pela adolescência.

Ficando vazio o lado do adulto, o adoles- cente segue desamparado ao se perceber num mundo em que ele dita as regras, sem que haja o confl ito necessário entre ele e seus pais e pro-

fessores. Esses últimos, por sua vez, deveriam dar uma referência do que seriam as regras im- postas, além de suas ideias e sentimentos.

Sem esse referencial, ocorre a ausência ou omissão do grande Outro, deixando uma brecha para os adolescentes serem cooptados por Esta- dos totalitários ou Instituições, como a Igreja e o Exército, por exemplo. Kehl acredita que esse esvaziamento da experiência tira o sentido da vida, pela falta de alteridade. Ela nos convida a refl etir sobre o paradoxo da depressão de uma cultura que tem a juventude como ideal, apoiada em sensações efêmeras e de prazer, onde se cava um buraco cada vez maior pela falta de sentido.

3. O termo adolescência e o reconhecimento dessa passagem pela cultura A sexualidade eclode na adolescência dian- te da mudança do corpo e se faz presente na mudança de posição diante dos pais. Nominé 11 aborda no texto “Adolescência ou a queda do anjo”, que há um real do sexo que se impõe, sobrepondo-se à autoridade dos pais, daí o des- ligamento e o confronto como referência de que o sujeito está nesse processo. Em outros tempos, a criança convivia com os adultos sem distinção.

No século XVII é que houve o reconhecimen- to da infância e suas peculiaridades. Philippe Ariès 12, em seus estudos sobre a história das mentalidades através das classes dominadas, nos demonstra que antes do século XVII não ha- via o reconhecimento da peculiaridade infantil com características próprias que deveriam ser cuidadas. Inicialmente, a criança era reconhe- cida como um anjo, pura, ingênua e angelical, características ressaltadas nas pinturas dessa época. Depois, com o surgimento das escolas, que tinham como meta principal a noção de proteção, a criança deveria ser protegida.

No seu trabalho a “História social da criança e da família no Ocidente”12, Ariès de- monstra que o surgimento de um discurso sobre a infância está vinculado à emergência da percepção da especifi cidade do infantil na modernidade. Adolescência, naquela épo-

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ca, ainda não era distinguida da vida adulta como foi a infância. Somente acontecerá essa distinção por volta dos séculos XVIII e XIX.

Já no século XX esse tema é privilegiado, está no foco da atenção voltada para o contato com o novo, a mudança. Ser jovem, na nossa cultura, passa a ser um valor, um ideal.

Freud, no século XIX, choca a sociedade ao desvelar que a sexualidade é sempre infantil.

Através da psicanálise, entendemos a constitui- ção do sujeito apresentando uma sexualidade que culmina no Complexo de Édipo, conceito de Freud que diz da nossa sensação de desam- paro ao nascermos e que nos acompanhará ao longo de toda a nossa vida. O neném chora e é atendido, o que transforma o choro em deman- da. É a procura do amor do outro que aplacará a sensação de desamparo.

Podemos ver a questão da linguagem em Édipo, clássica tragédia de Sófocles. Para Freud, o que se passa com Édipo, matar o pai sem saber que era seu pai e desposar uma mulher sem sa- ber que era sua mãe, situa-se no nível do incons- ciente, do desejo inconsciente de matar o pai e unir-se à mãe. O inconsciente constituído por dois desejos criminosos, o parricídio e o incesto.

Por isso Freud usa esse mito para mostrar o que se passa no Complexo de Édipo, o desejo in- consciente de matar o pai e unir-se à mãe. Mas, para Lacan, é a instalação da lei que interdita a mãe para o sujeito, que constitui efetivamente o Complexo de Édipo.

Durante toda a vida, o Complexo de Édi- po terá muito a resolver. O que nos é útil saber, pois, o excesso da presença edípica atrapalhará os relacionamentos e difi cultará escolhas. Pode- mos, assim, observar melhor o que a psicanálise diz do sujeito no tempo da infância e adolescên- cia, nosso foco.

4. Infância e adolescência na visão da psicanálise Um importante homem teve destaque na educação francesa por sua formação e contri- buição: Henri Wallon. Ele tinha formação va- riada e exercia papel de grande importância

como fi lósofo, médico, psicólogo e político na França. Durante o período em que se dedicou à psicologia infantil, Wallon 13 elaborou um expe- rimento demonstrando que a criança dos 6 aos 18 meses, aos poucos, diferencia a imagem do espelho e do seu corpo, mostrando a passagem do especular para o imaginário e do imaginário para o simbólico.

Em 1936, Lacan4 desenvolve uma teoria sobre o momento em que a criança se reconhe- ce no espelho com a afi rmação de uma pessoa que fala que a imagem é dela. A imagem lhe dá a ilusão de completude, embora antecipató- ria, segundo suas condições motoras ainda sem controle e sem a capacidade de verbalizar que a imagem é um eu. Mas esse texto não fi ca regis- trado na Conferência que estava participando na Sociedade Psicanalítica de Paris. No mesmo ano faz uma releitura no Congresso Internacional de Psychoanalytical Association (IPA) de Marienbad.

Wallon pediu a Lacan, em 1938, que escrevesse um artigo a respeito do imaginário na estrutu- ração do sujeito. Depois disso, em 1949, Lacan4 apresenta o texto “O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos é reve- lada na experiência psicanalítica”, no XVI Con- gresso Internacional de Psicanálise, em Zurique.

O eu no título está se referindo ao eu do incons- ciente. Ele apresenta a formação do eu ligada ao momento de antecipação jubilatória diante da imagem do espelho. A formação se dá, segundo Lacan, nos encontros da criança com a imagem, matriz simbólica constituída na relação com a forma primordial do eu antes da objetivação na dialética de identifi cação com o outro.

Segundo Lacan4, não se pode negar o su- jeito do inconsciente. A mãe que produz um psicótico é a mãe que inconscientemente não transmite o Nome-do-Pai (signifi cante que mar- ca a operação do recalque), o que já estava de- terminado na relação dela com o pai. Imagens do corpo despedaçado se constituem com as pulsões autoeróticas que são desintegradas, múltiplas, dispersas e anárquicas. No estádio do espelho dá-se a integração e o que eram pulsões

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autoeróticas anárquicas são resignifi cadas. Na esquizofrenia e na melancolia essa constituição integrada é frágil porque é necessário um sig- nifi cante para amarrar essa imagem. É preciso uma crença na palavra do Outro, o reconheci- mento do signifi cante Nome-do-Pai. Na para- noia ele não tem o signifi cante Nome-do-Pai, mas ele tem o signifi cante da mãe, um signifi - cante que faz com que ele possa ter laço social, mas não tem limite, não percebe quando está ultrapassando o limite entre ele e o outro.

A imagem é alienante, no sentido da alie- nação crítica. A imagem no espelho nos captura porque ela esconde a castração. Enquanto su- jeitos do inconsciente, somos sujeitos divididos pela fala em consciente e inconsciente. Na histe- ria a divisão é revelada no discurso. A imagem no espelho esconde a nossa divisão porque somos todos divididos. A imagem é única, é perfeita, por isso, amamos nossa imagem no espelho. Es- conde todas as questões da divisão do sujeito, mostra só uma imagem. É a imagem que o outro tem da gente. A imagem que nos captura não é igual à imagem que o outro vê, nós vemos a imagem invertida. O que está à direita está à es- querda e o que está à esquerda está à direita. É a imagem antecipatória, porque quando o bebê se reconhece no espelho ele ainda não tem con- trole dos esfíncteres, da fala e nem do andar. Há uma defasagem entre a imagem especular e a do espelho que é integral, inteira, é um eu melhor do que eu sou, é mais inteira, mais competente, e é daí que o eixo especular é o eixo do amor e do ódio; amor pela imagem maravilhosa que sou eu e ódio a qualquer coisa que venha abalar essa imagem. Freud descreve isso com uma frase: “o maior perigo da análise e que gera maior resis- tência é o narcisismo”. A imagem é sempre satis- fatória porque tem uma integração que nunca teremos. O “esquema L” de Lacan no Seminário 2, representa “O Estádio do Espelho”.

A imagem é alienante, no sentido da alie- nação crítica. A imagem no espelho nos captura porque ela esconde a castração e, enquanto su- jeitos do inconsciente, somos divididos pela fala

em consciente e inconsciente. Os histéricos, por exemplo, revelam no discurso deles que se sen- tem divididos. A imagem no espelho esconde a nossa divisão porque, embora sejamos sujeitos divididos, a imagem é única, é perfeita, e por isso a amamos.

A adolescência na psicanálise era discutida, também, através da noção de puberdade por Freud 14 em “Os três ensaios sobre a sexualida- de”, mas depois foi se diferenciando na teoria:

puberdade e adolescência. Puberdade se refe- rindo a mudanças físicas, e adolescência, a todo o conjunto de transformações juntas. Segundo Alberti7, Freud descreve sobre a puberdade no terceiro dos três ensaios.

No texto “O Adolescente e o Outro”, Alber- ti7 ressalta a difi culdade de muitos pais de supor- tar a adolescência dos fi lhos e há o afastamento.

Quando a ausência das referências primárias acontece antes do tempo da separação, o ado- lescente sente essa experiência como abandono e toma atitudes radicais para chamar a atenção.

O ciclo de abandono aumenta pelo sentimento de impotência de alguns adultos e educadores quando se deparam com um adolescente re- belde que grita uma necessidade justamente da atenção deles. A autora chama a atenção para essa difi culdade dos adultos de lidarem com a adolescência porque o adolescente, para de- sempenhar a via da separação, tenta aniquilar a imagem até então suposta aos seus adultos cui- dadores para torná-los menos dominantes em relação a ele. Esse ataque sofrido é que torna difícil continuar ao lado, cuidando, por isso é preciso muito amor por parte dos pais e educa- dores para lidar com suas próprias inseguranças e falhas, expostas pelo adolescente.

CONCLUSÃO

A adolescência, na teoria psicanalítica, é con- ceituada como um tempo do sujeito, uma passa- gem por processos complexos como: elaboração de perdas, de escolhas, da falta do Outro, para Lacan, e elaboração da castração, para Freud.

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REFERÊNCIAS

1. Rassial J-J. A Passagem adolescente: da família ao laço social. Porto Alegre: Artes e Ofícios; 1997.

2. Julien P. Abandonarás teu pai e tua mãe. Rio de Janeiro: Companhia de Freud; 2000.

3. Aberastury A, Knobel M. Adolescência normal. Porto Alegre: Artes Médicas; 1981.

4. Lacan J. O estádio no espelho como formador da função do eu tal como nos revela a experiência psicanalítica. In: Lacan J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed; 1998. p. 96-103.

5. Freud S. Sobre o narcisismo: uma introdução. In: Freud S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago; 1969. p. 75-110.

6. Freud S. Romances familiares. In: Freud S. Edição standard brasileira das obras completas. Vol IX. Rio de Janeiro: Imago; 1976. p. 241-3.

7. Alberti S. O adolescente e o outro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004.

8. Quinet A. Psicose e laço social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2006.

9. Freud S. O mal estar na civilização. In: Freud S. Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Vol XXI. Rio de Janeiro: Imago; 1996. p. 67-148.

10. Kehl MR. A fratria órfã: conversas sobre a juventude. São Paulo: Olho d’Água; 2008.

11. Nominé B. A adolescência e a queda do anjo. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos; 2001.

12. Ariès P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1981.

13. Wallon H. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Martins Fontes; 2007.

14. Freud S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Freud S. Edição standard brasileira das obras completas. Vol VII. Rio de Janeiro: Imago; 1972. p. 123-253.

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Nessa passagem, o adolescente perde a crença de que seus pais podem salvá-lo do de- samparo, e ele terá que dar conta disso elabo- rando o luto da queda dos pais onipotentes da infância. Existem os que não terminam esse tra- balho de elaboração da falta do grande Outro, substituindo os pais por uma religião ou outras formas substitutivas. Dado fundamental acerca da complexidade do tema, que é importante ci-

tar, é que essa quebra do imaginário em relação aos pais, não havendo metáfora paterna, pode defl agrar o surto psicótico.

Na psicanálise, é pela palavra que a verda- de do sujeito emerge para além do discurso. O que determina as escolhas do adolescente na- quele momento passa por diversos conceitos que nos interessam e nos dão pistas para pensar a adolescência.

Referências

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