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Emanuel Guimarães

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Academic year: 2021

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Emanuel

Guimarães

emanuel.guimaraes@sapo.pt

Museus e património cultural imaterial: o Ecomuseu de

Ribeira de Pena

(2)

17 Resumo

A Nova Museologia veio redefinir o conceito de museu e as funções que lhe estão associadas, tornando a instituição mais dinâmica e aberta à sociedade. A par desta mudança há um alargamento do conceito de património cultural que engloba agora também o intangível, alvo de uma reconhecida importância. Os museus da atualidade desenvolvem-se com base nestas duas reformulações, assumindo a noção de património cultural imaterial especial relevo na aproximação à sociedade. O presente artigo aborda a evolução dos conceitos de museu e de património e o reflexo que estas alterações têm no desenvolvimento do Ecomuseu de Ribeira de Pena, cujos cinco núcleos pretendem ser um reflexo vivo da respetiva comunidade.

Palavras-chave:

Património Cultural Imaterial; Ecomuseu; Nova Museologia.

Nota biográfica

Emanuel Guimarães é licenciado em História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, e Mestre em Museologia, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Colaborou com o Museu Nacional de Machado de Castro e com a Sé Velha de Coimbra no inventário e conservação de coleções. É técnico superior no Município de Ribeira de Pena, onde é responsável pela gestão do património cultural e onde coordena o Ecomuseu de Ribeira de Pena. É ainda responsável por diversas iniciativas de divulgação patrimonial. Tem dedicado especial reflexão à temática dos museus e a sua ligação ao desenvolvimento e à comunidade.

Abstract

The New Museology has redefined the concept of museum and the functions related to it, making it more dynamic and opened to society. At the same time, there is an enlargement of the concept of cultural heritage that also includes the intangible, deserving a recognized importance. The current museums are developing based on these two reformulations, assuming the intangible cultural heritage a special importance on the approach to society. The present article talks about the evolution of museum and heritage concepts and the reflection that these changes have on the development of the Ecomusem of Ribeira de Pena, whose five poles pretend to be a living reflex of its community.

Keywords

Intangible Heritage; Ecomuseum; New Museology.

Biographical note

Emanuel Guimarães is graduated in Art History by the Faculty of Arts of Coimbra University and Master in Museology by the Faculty of Arts and Humanities, University of Porto. He has collaborated with the National Museum Machado de Castro and with the Coimbra Old Cathedral on collections inventory and conservation. He is now superior technical on the City Hall of Ribeira de Pena, where he is in charge of the cultural heritage management and where coordinates the Ribeira de Pena’s Ecomuseum. He is also responsible for several heritage divulgation initiatives. He has dedicated special attention to the theme of museums and their connection to the development and the community.

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Introdução

O mundo dos museus não está imune às alterações da sociedade. Enquanto parte do meio onde se insere, o museu sofre os efeitos de qualquer mudança nele sentida, devendo saber interpretá-la e a ela se adaptar de forma a conseguir cumprir com a sua missão, funções e objetivos.

A Segunda Guerra Mundial foi uma época de mudanças profundas na organização da sociedade. O período que se seguiu motivou a reflexão e a procura de novas formas de intervenção cultural, económica, ambiental e social, influenciando decisivamente o mundo dos museus. A partir da década de 1960, surgem novas propostas e experiências que integram o movimento da “Nova Museologia”, como será batizado na década seguinte, em Santiago do Chile. Esta Nova Museologia traz também novos tipos de museus

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e influencia a legislação dos diferentes países em política museológica. Passa a ser preconizado que o museu se volte para o público e para o meio sociocultural em que se insere. O visitante surge agora como interveniente e o objeto ganha relevância enquanto mediador de significados. Ao mesmo tempo que explora novas formas de interpretar e divulgar a sua

2 A título de exemplo, o número de tipologias de museus identificados pelo ICOM passou de quatro, na década de 1960, para as nove que atualmente são identificadas.

coleção, o museu procura cada vez mais inserir- se na comunidade, procurando ir ao encontro das suas expetativas e necessidades. Trata-se de reencontrar a sua função pedagógica e dedicar-se a diferentes públicos, aos quais destina atividades específicas. Com a Nova Museologia, o museu é entendido como devendo responder às necessidades da sociedade, do público e do meio onde se insere.

Mas esta Nova Museologia conhece também

novas formas de interpretar o ser-humano e o

mundo que o rodeia. Se a noção de património

começou por ser um conceito associado em

exclusivo à arqueologia e às artes

tradicionalmente consideradas eruditas, ela

evolui para englobar as artes ditas menores, os

objetos da etnografia e da história recente, os

objetos do quotidiano e da ciência, os bens

naturais e transformados. Num mundo onde

tudo o que é produção humana pode ser

considerado património e passível de ser

musealizado, também a noção de património

reconhece maior relevância à vertente

imaterial que, a partir de então, assume uma

importância central no mundo dos museus. Se

hoje o museu é valorizado pela sua capacidade

de ligação entre o meio físico e o ambiente

societal, também ele se adapta para

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estabelecer a ligação entre o visitante e o património cultural, muitas vezes reinventando a sua forma de interpretar a coleção, sem precisar recorrer aos tradicionais objetos para assumir essa função.

O presente artigo pretende mostrar como, ao fim de mais de 40 anos de Nova Museologia, ela consegue reinventar ainda hoje o museu, o qual, numa sociedade tendencialmente consumista e materialista, consegue ser valorizado pelos bens imateriais que tem para oferecer aos visitantes. O alargamento da noção de património vem influenciar a forma como os museus hoje se desenvolvem, dando primazia às dimensões culturais imateriais como acontece com o Ecomuseu de Ribeira de Pena.

1. O Museu Renascido da Nova Museologia

É a partir do gosto do ser humano pela conservação de objetos especiais que nascem os museus, instituições que se distinguem pelas coleções que têm à sua guarda e que lhes compete preservar, estudar, expor e divulgar.

Os museus têm na sua génese uma função de guardiães do conhecimento e dos bens que estão associados à arte, à ciência, à história natural e humana, conservando objetos, por vezes únicos, para a compreensão do ser humano e do mundo que o rodeia. Assente

nesta conceção, durante muitos anos, o museu evoluiu para uma instituição centrada sobre a coleção, sobre os objetos, descurando a forma de os ligar ao público comum que, consequentemente, se afasta do seu centro de ação. Esta perspetiva valeu-lhe o rótulo de inacessível “mausoléu de relíquias” (Kotler e Kotler, 1998, p. 11), ainda hoje presente na visão de alguns estratos da sociedade.

Mas o mundo conhece mudanças profundas, fruto das revoluções sociais e tecnológicas que se vão manifestando na sociedade. Ainda no século XIX, temos a expansão do liberalismo que marca o fim dos privilégios do Antigo Regime e o alargamento dos direitos civis.

Depois, já no século XX, o contexto sociocultural é marcado pelos grandes conflitos mundiais e pela expansão da democracia.

Como resultado surge o acesso generalizado à

educação, ao conhecimento e à fruição

cultural. Neste mundo em mudança

permanente, são os próprios profissionais dos

museus que se veem forçados a refletir sobre

as suas funções e o seu papel na sociedade,

experimentando novas formas de praticar

museologia. Estas experiências museológicas

tentam explorar novos caminhos no âmbito

social, moral e económico, utilizando como

campos experimentais a comunidade, os

públicos e o território. Foi assim com os museus

open-air, os museus de comunidade ou os

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ecomuseus, que se desenvolvem a partir da ideia de democratização cultural (Valdés Sagüés, 1999, p. 36), trazida como contributo da ecologia, antropologia e sociologia.

Também importante para esta reflexão foi a criação do ICOM

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e dos seus comités internacionais, cuja ação na promoção de conferências e jornadas de reflexão permitiu dinamizar a discussão sobre o papel do museu (Keene, 2005, p. 178). Os potenciais públicos, mais esclarecidos e exigentes, afastam-se dos museus tradicionais e procuram a oferta de outras instituições mais dinâmicas para as suas necessidades de lazer e fruição cultural. Mas é precisamente no público e na comunidade em que se insere que o museu encontrará estímulo e reflexão para se desenvolver.

É neste contexto que a partir de 1972 se pode falar do movimento da Nova Museologia que se desenvolve em duas vertentes. Uma primeira, conhecida como vertente francófona e desenvolvida por Georges-Henri Rivière e Hugues de Varine, baseia-se na ideia de ecomuseologia, reposicionando o museu enquanto espelho da comunidade e do seu território. Estes surgem como base fundamental de uma atividade museológica, cuja ação deve ter em vista o seu desenvolvimento sustentável (Pessoa, 2001, p.

3 International Council of Museums. Em Português, Conselho Internacional dos Museus.

28). Nesta vertente, a ideia de democratização cultural assume especial relevo, incidindo a ação do museu em proporcionar o acesso ao maior número possível de pessoas por meio de técnicas de museografia inovadoras e da abertura do museu ao exterior, no sentido de conseguir ir ao encontro das necessidades do público. Uma segunda linha de reformas assenta na chamada vertente anglo-saxónica, defensora do museu enquanto espaço de crítica, reflexão e questionamento da realidade, o qual melhor se conseguirá concretizar quanto maior for o âmbito do seu público, das suas práticas e da sua atividade.

Em ambas as vertentes, o museu surge recentrado nas funções sociais, na participação das populações e numa ação amplamente interventiva (Duarte, 2014, p. 110). Esta abrangente linha de reflexão veio alargar o conceito de museu e culmina, em 1984, com a Declaração de Quebec onde a Nova Museologia surge definida como a museologia que primeiramente se preocupa com o desenvolvimento da comunidade, “refletindo as forças condutoras do progresso social e associando-as aos seus planos de futuro”

(Davis, 1999, p. 58). O museu “nominal”, centrado na conservação e estudo das coleções, começa então a dar lugar ao museu

“verbal”, cuja ação está centrada no público

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(Martinez, 2006, p. 262) que nele assume uma posição fundamental. A coleção continua a estar na génese do museu, mas assume agora uma função de ligação com o visitante, enquanto evidência palpável da ação do ser humano e do seu ambiente, e enquanto meio de comunicação, procurando transmitir ao público os significados que lhe estão subjacentes (Hernández Hernández, 1998, p.

22). Esta nova função comunicativa obrigou à reflexão acerca das técnicas de exposição, incluindo novas linguagens e recorrendo a novos meios que permitam reforçar o seu potencial comunicativo, de forma a dialogar abertamente com o visitante enquanto elemento ativo da exposição. A Nova Museologia reflete, desta forma, a exigência de um museu dinâmico, cuja atividade se desenvolve voltada para o público,

“balançando entre a conservação e a educação, entre o objeto e o sujeito, entre a imobilidade e a ação” (Martínez, 2006, p. 277). O visitante já não é tido como um mero expectador a visitar o museu, assumindo-se agora que ele tem um papel ativo, enquanto parte da própria exposição, na interpretação e construção de significados (Hooper-Greenhill, 2006; Anico, 2008).

A reflexão desenvolvida pelo movimento da Nova Museologia está na origem da imagem do museu do século XXI, um museu que mantém

as suas funções tradicionais de preservação e investigação da coleção, mas que se vira agora para as necessidades de uma sociedade em mudança constante e que pode encontrar nele um apoio importante para se conhecer a si mesma. Um museu de hoje deve ser uma instituição que se vira para o público e que aposta na comunicação como forma de reassumir a sua importância (Weil, 2004, p. 75), acompanhando o desenvolvimento de uma sociedade cada vez mais plural e mantendo-se na vanguarda da ação cultural. Não se trata, por isso, de assumir novas funções, antes sim da “socialização” das suas tradicionais funções, assumindo a tarefa de “serviço público” com competências na tutela e na didática de bens culturais (Valdéz Sagüés, 1999, p. 37). A importância do ICOM revelou-se novamente fundamental ao adotar uma definição de museu que coloca o público numa posição central da sua atividade, enquanto instituição ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, situação que influenciou a legislação sobre museus produzida nos diferentes países.

2. O Alargamento da Noção de Património

Como anteriormente referido, é a coleção que

está na génese do museu e que o distingue de

outras instituições culturais, residindo na

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respetiva conservação, aliada ao estudo e divulgação, as funções primordiais da sua ação.

Foi precisamente da necessidade de preservação do património que surgiram as primeiras coleções museológicas. Mas a ideia inicial de património era particularmente seccionada e atribuía especial relevância à arte, tida então como o único meio de acesso às obras do passado, da história natural e da humanidade, pelo exotismo e valor que lhes estava adjacente. Havia também a atribuição de uma maior relevância à dimensão material dos bens, descurando com frequência as suas dimensões imateriais. Hoje, no entanto, o conceito de património é muito mais abrangente, estendendo-se também à arquitetura popular, à etnografia, ao industrial, ao quotidiano e aos bens naturais, reconhecendo-se que todas estas vertentes constituem um património integral, uma única realidade indissociável. Tal alargamento do conceito de património estende-se até à perceção da sua importância enquanto símbolo palpável, associado à memória e identidade do ser humano. Desta forma, o bem patrimonial aparece hoje, não apenas como detendo valor por si próprio, mas sobretudo pela relação que estabelece com um determinado contexto ou memória, sendo assumido como o elo de

4São exemplos, a Convenção para a Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural, de 1972, a Recomendação para a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, de 1989, o Programa da Proclamação das Obras-Primas do Património Oral e Imaterial da Humanidade, de

ligação entre o observador e o contexto que lhe está associado. Nesta nova perspetiva, as manifestações imateriais do património cultural emergem como detendo uma especial importância, ao surgirem como elo fundamental de leitura de todo o conjunto.

Fruto de várias iniciativas

4

e de uma ampla reflexão em torno da noção de património cultural, esta nova relevância atribuída às dimensões imateriais do património vem ganhando força desde a década de 1970 até culminar, em 2003, na Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, atualmente o documento internacional orientador das ações de salvaguarda patrimonial a nível internacional (Duarte, 2010, p. 48). Esta Convenção de 2003 vai originar a afirmação e até a banalização da expressão

“património cultural imaterial”, nem sempre em estrita concordância com o espírito do próprio documento, já que este frisa a profunda interdependência entre as duas dimensões do património, cuja relação é indissociável (UNESCO, 2003, art.º 2º)

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. Mas a partir daí o património cultural imaterial – ou o PCI – pode surgir entendido como prática social existente e pode ser assumido como um instrumento de afirmação da especificidade de uma identidade coletiva particular. Importa

1997, e a Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, de 2003.

5 Ver Duarte (2010).

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que toda esta reflexão ajude a ultrapassar a ideia, quer de menorização, quer de superiorização de qualquer uma das duas dimensões do património, consolidando uma ideia de bem patrimonial como um todo que, embora categorizável, não pode ser separado.

3. A Importância Crescente das Dimensões Imateriais do

Património no Seio do Museu

Perante a evolução do conceito de património, também as funções de salvaguarda, estudo e divulgação das coleções pelo museu ganham renovada importância e um acréscimo de consciência sobre a sua responsabilidade. O alargamento do conceito de património conduziu ao aumento considerável dos potenciais bens a preservar, os quais, antes, não eram considerados. Isso levou à necessidade de mais museus (Mendes, 1999, pp. 221-222), o que também aumentou a necessidade de intervenção e reflexão sobre o tema junto destas instituições, com especial incidência na sensibilização em relação às dimensões imateriais do património.

Neste sentido, o ICOM promoveu em 2004 o Dia Internacional dos Museus sob a temática

“Museus e Património Cultural Imaterial” e

6 Um museu é uma instituição permanente, não lucrativa, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, estuda, comunica e expõe o património tangível e intangível

assumiu uma nova definição de Museu que inclui agora o património intangível na sua atividade (ICOM, 2018)

6

. No mesmo sentido, iam já a Carta de Xangai, adotada em 2002, e a Declaração de Seul, adotada em 2004, que apontavam as competências dos museus no âmbito da salvaguarda do património na sua vertente imaterial, incentivando à sua inventariação e valorização (Carvalho, 2011, p.

74-78).

A Convenção de 2003 define o Património Cultural Imaterial (PCI) enquanto “práticas, representações, expressões, conhecimentos e aptidões – bem como os instrumentos, objetos, artefactos e espaços culturais que lhes estão associados – que as comunidades, os grupos e, sendo o caso, os indivíduos reconheçam como fazendo parte integrante do seu património cultural”. Frisa a necessidade de “identificação, documentação, pesquisa, preservação, proteção, promoção, valorização, transmissão, essencialmente através da educação formal e não formal, bem como a revitalização dos diferentes aspetos desse património”

(UNESCO, 2003). Embora o documento não defina quais as instituições que devem executar estas funções, surge bastante claro que o museu será uma delas (Kurin, 2004, p. 8;

Duarte, 2010, pp. 53-4). A atual definição de

da humanidade e do seu ambiente com vista à educação, estudo e fruição.

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museu, já referida, vem reforçar essa responsabilidade e fará todo o sentido aproveitar décadas de prática de inventário, estudo e valorização de coleções, bem como os modelos de estudo de coleções que servem de base ao trabalho dos profissionais de museus e que têm por objetivo último o significado associado ao objeto (Pearce, 1994). É, no entanto, fundamental que a criação de museus tenha subjacente a dotação de recursos físicos, humanos e financeiros que permitam o desenvolvimento adequado das suas funções.

Em Portugal, a dimensão imaterial do património cultural era já reconhecida pela Lei 13/85 de 6 de julho

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que define o património cultural português como constituído pelos

“bens materiais e imateriais que, pelo seu reconhecido valor próprio, devam ser considerados como de interesse relevante para a permanência e identidade da cultura portuguesa através do tempo” (Lei 13/85), e que estabelece a importância do registo documental como forma de preservação. Mas é o Decreto-Lei n.º 139/2009, de 15 de junho, que vem estabelecer o regime jurídico de salvaguarda do PCI, definindo a criação da Comissão para o Património Cultural Imaterial e a criação de um inventário nacional (Decreto- Lei 139/2009), depois complementado com a

7 Lei do Património Cultural Português. Vem a ser revogada pela Lei nº 107/2001, de 8 de setembro que reafirma a mesma premissa.

Portaria nº 196/2010, de 9 de abril, que define os procedimentos de inventariação. A criação do Inventário Nacional de PCI é o instrumento central de proteção daquele património nos domínios das manifestações, expressões, práticas e competências, garantindo a identificação e adoção de medidas de salvaguarda pela atribuição de responsabilidades aos organismos de tutela da administração pública. Foi também uma forma de motivar as comunidades à identificação e valorização de modo abrangente da sua herança cultural.

Igualmente importante foi a definição das competências do Instituto dos Museus e da Conservação

8

, em 2007, e a atribuição a este organismo, e consequentemente aos museus, da responsabilidade de proteção e valorização do PCI (Carvalho, 2011, p. 74). Este ajuste legislativo foi também importante no desenvolvimento de softwares destinados ao inventário de PCI, motivando a criação do Matriz 3.0, lançado em 2011.

O Património Cultural Imaterial está hoje na moda e, principalmente na última década, tem recebido especial destaque no mundo da museologia, seja por via académica, seja entre os profissionais de museus, motivando toda uma série de atividades e reflexões sobre o

8 Portaria nº 377/2007, de 30 de março.

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tema. É hoje uma categoria patrimonial cuja proteção legislativa está assegurada, precisamente porque o seu estudo e valorização exige outro tipo de abordagem, mas também pela importância que pode adquirir para o reforço da identidade e preservação da memória coletiva de uma comunidade, ao se debruçar sobre os gestos, saberes, atividades, relações e hábitos dos seus membros. Neste sentido, e dada a acelerada transformação de todas as comunidades, o museu assume nas comunidades rurais o mesmo papel que vem assumindo nas zonas industriais em declínio, onde a sua ação na atenuação dos efeitos da rápida desindustrialização é hoje praticamente insubstituível. São disso exemplos os vários museus mineiros

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e as antigas fábricas agora musealizadas e convertidas em espaços de produção cultural

10

. Tal como aconteceu nesses locais, onde o património industrial foi preservado pela valorização cultural e educativa, também a valorização do PCI revela grande potencial como potenciador de desenvolvimento socioeconómico, em particular ao nível do turismo cultural.

9 Para citar alguns exemplos, temos o Museu Mineiro de São Pedro da Cova, o Centro Interpretativo das Minas da Borralha ou o Complexo Mineiro de Tresminas. Em 2009 foi criado o Roteiro de Minas e Sítios de Interesse Geológico e Mineiro que engloba a grande maioria destes museus.

4. Um Museu, uma Rede e um Roteiro em Torno da Comunidade

Ribeira de Pena é um concelho de fronteira entre o Minho e Trás-os-Montes, onde se encontram diferentes sub-regiões, como o Barroso, o Alto Tâmega ou a região de Basto.

Esta situação reflete-se no território e na comunidade local, influenciando a paisagem, os hábitos, os saberes e as tradições. Num momento em que a região é assolada pelo despovoamento acelerado e que a globalização cultural impõe novos hábitos, a redescoberta da história e do património cultural é o meio de encontrar um caminho para enquadrar as tradições orais, o folclore, as memórias e as crenças que são a herança cultural da comunidade. É ainda um meio de atração ao proporcionar espaços de fruição turística que permitam a valorização do território por parte dos visitantes.

O Ecomuseu de Ribeira de Pena é um projeto de iniciativa municipal, nascido do trabalho desenvolvido junto das coletividades locais, dando resposta a uma comunidade que procura redescobrir e reavivar as suas raízes, ao mesmo tempo que procura preservar e valorizar a sua identidade. Enquanto museu de

10 A título de exemplo temos o Ecomuseu Municipal do Seixal, que integra um conjunto de núcleos diretamente ligados a antigas instalações fabris, ou o Museu de Portimão, que integra uma antiga fábrica de conservas.

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comunidade, o primeiro trabalho passou por conhecer o património que detém maior significado para a população local, em particular nos seus marcos distintivos.

Conhecer as histórias, as lendas, as memórias, os gestos e saberes associados aos locais de interesse histórico, etnográfico, arquitetónico e artístico ou à paisagem foi o desafio que permitiu compreender os pontos de especial interesse para construir um museu que devia representar a população e interpretar o seu território. Foi neste contexto que o Município de Ribeira de Pena lançou em 2013 o Ecomuseu, um projeto que se identifica desde o início com a comunidade que representa e que a integra ativamente no desenvolvimento dos seus cinco núcleos.

Fig. 1 – O Ecomuseu com as tecedeiras de Limões na Festa do Património 2018. A comunidade local é parte integrante na dinâmica do Ecomuseu, que a inclui ativamente no desenvolvimento dos seus espaços e atividades. @Emanuel Guimarães

A noção de património cultural imaterial surgiu aqui como elo de ligação entre as diferentes dimensões patrimoniais, assumindo papel de relevo no desenvolvimento do novo museu. Na sua criação foram integrados os espaços patrimoniais detentores de maior significado e carga simbólica entre os ribeirapenenses.

Instalado no edifício dos antigos Paços do Concelho, o núcleo do Museu da Venda Nova é um espaço de interpretação do Ecomuseu e da comunidade que representa. Além da preservação do imóvel, marco da história local, e da apresentação dos diferentes núcleos museológicos, acolhe exposições temporárias diretamente ligadas às tradições da comunidade local que é aqui chamada a participar. Exposições como “O Ciclo do Linho”,

“O Carnaval da Venda Nova” ou “Memórias da

Terra” são janelas de identificação local,

explorando marcos identitários que a própria

comunidade constrói e que apresenta ao

visitante. Aqui os objetos são usados como

meio de ligação aos hábitos, gestos e saberes

que fazem parte do dia-a-dia dos

ribeirapenenses. Estas exposições são

desenvolvidas em estreita colaboração com as

coletividades locais, que assumem ação direta

na sua criação, dinamização e divulgação,

estabelecendo um vínculo permanente com o

edifício. Além das duas salas de exposições

temporárias, este espaço acolhe as reservas

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museológicas do Ecomuseu, onde são preservados e intervencionados os bens patrimoniais de especial valor histórico, artístico e etnográfico.

A Casa de Camilo|Friúme possui uma elevada relevância histórica por ser a habitação onde o escritor Camilo Castelo Branco viveu com sua primeira esposa, Joaquina Pereira de França, e onde viveu sua primeira filha, Rosa. Espaço privilegiado da história literária e de interpretação dos dois roteiros culturais ligados ao escritor no concelho, pretende servir de ligação às histórias e vivências que marcam grandemente a obra de Camilo. Mas é também um espaço de grande relação com a população da aldeia de Friúme, cujas memórias sobre os espaços e factos ligados ao escritor têm passado de geração em geração. Qualquer habitante de Friúme conhece as histórias e os locais diretamente ligados a Camilo, o que levou ao seu envolvimento no inventário dos espaços camilianos e na reconstituição dos aposentos de Camilo e Joaquina, permitindo a valorização e musealização daquele espaço.

Hoje, este é um dos locais mais visitados na região, onde é possível conhecer Camilo, a sua história, a sua obra e os espaços que lhe estão associados.

Com a reforma do ensino primário e a criação dos Centros Escolares, muitas escolas primárias das aldeias foram encerradas. Eram elementos

icónicos da vida das localidades e espaços privilegiados da memória de gerações.

Fig. 2 – O Museu da Escola alia objetos, multimédia e interatividade para explorar a história associada ao ensino primário em Portugal. @Emanuel Guimarães

A recolha do património escolar que subsistiu e

a recolha de testemunhos de antigos

professores e alunos levou à criação da Casa da

Cultura|Museu da Escola, núcleo do centro

urbano de Ribeira de Pena, instalado num

edifício icónico da arquitetura escolar

portuguesa, um edifício centenário Adães

Bermudes. Desenvolvido com a colaboração de

antigos professores primários, este núcleo

percorre a história e as memórias associadas à

escola tradicional por meio de peças que

serviram gerações de professores e alunos,

algumas cedidas pela própria comunidade

local. Ao mesmo tempo faz o contraponto com

a atualidade, recorrendo, no Centro de

Aprendizagem, a equipamentos multimédia

interativos para explorar a temática de forma

lúdica e divertida. Este núcleo possui ainda o

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Espaço Multicultural, construído no recinto do antigo recreio, que permite o desenvolvimento de atividades culturais diversas, grandemente voltadas para a intervenção cultural junto da comunidade.

Outro elemento marcante da memória local é a exploração do volfrâmio, época do ouro negro que levou a enormes riquezas, rápidos declínios e uma mudança radical da paisagem e dos modos de vida locais. Acolhendo o concelho de Ribeira de Pena dois coutos mineiros e inúmeras pequenas concessões, são imensas as marcas que ainda hoje se mantêm no território, bem como persistentes memórias da população local. Instalado no edifício da Casa do Povo de Cerva, próximo do Couto Mineiro de Adoria, o segundo maior da região Norte de Portugal, o Museu do Volfrâmio vem reavivar a memória desses tempos, quando o minério era o bem mais precioso que a terra dava. Desenvolvido com o apoio dos antigos mineiros e antigos trabalhadores das minas, este núcleo vem colmatar a lacuna deixada pelo fim das explorações que foram, abruptamente, deixadas ao abandono. A par do património geológico e da história da exploração mineira no concelho, há histórias e memórias que, juntamente com os objetos e documentos, são aqui preservados para que as gerações mais jovens possam reencontrar-se com um passado que, direta ou indiretamente,

faz parte da sua herança cultural. Também aqui as manifestações patrimoniais encontram nos meios multimédia um meio de valorização que complementam a exposição permanente.

Por fim, seguimos para a aldeia de Limões que

acolhe a tradição ancestral do trabalho

artesanal do linho. As tecedeiras desta aldeia

especializaram-se no trabalho dos panos

rifados, cuja perícia levou ao reconhecimento

por parte das casas nobres da região, que aqui

se abasteciam dos melhores trabalhos em

linho. Guardados no maior segredo, os

desenhos de padrões são passados de geração

em geração e trabalhados com linho que é aqui

semeado, tratado e tecido de forma tradicional

antes de ir para o tear. Desenvolvido em

conjunto com as tecedeiras de Limões, o

Museu do Linho está instalado numa antiga

casa de agricultores abastados, situada no

centro da aldeia, onde sempre se trabalhou o

linho. Além da recolha e inventariação das

técnicas, objetos e arte ligada a esta tradição,

este núcleo preserva também os saberes,

cantares e memórias associados ao trabalho

artesanal do linho na região. Mas é aqui que a

ideia de museu vivo atinge o seu expoente

máximo, ao manter viva a tradição pela

manutenção nas suas instalações do Grupo de

Tecelagem de Limões – Cooperativa de

Artesanato e preservando a sua oficina com os

teares, onde as tecedeiras exercem a sua

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atividade como parte integrante da exposição permanente. Aqui, são as próprias tecedeiras que demonstram as técnicas tradicionais e permitem ao visitante experimentar também como partes integrantes da própria exposição.

O importante trabalho deste núcleo foi já reconhecido pela Associação Portuguesa de Museologia (Prémio Parceria 2017 – Menção Honrosa) e pelo projeto Internacional EULAC- MUSEUMS.

Fig. 3 – As tecedeiras de Limões no Museu do Linho. Os visitantes são parte interveniente na exposição.

@Emanuel Guimarães

Conclusão

Inaugurado em 2013, o Ecomuseu de Ribeira de Pena tem na sua base uma coleção de tradições de grande significado para a comunidade ribeirapenense. Mais do que qualquer valor estético, os bens patrimoniais assumem aqui uma função de representação (Semedo, 2010, p. 67), sendo parte de conjuntos de valores e significados (Duarte, 2010, p. 52). As coleções

são, por isso, definidas pelo seu significado, mais do que pela origem material ou formal, e os cinco núcleos foram desenvolvidos com o envolvimento da comunidade. Esta dinâmica só é possível graças ao reconhecimento do elevado valor simbólico das coleções para os membros da comunidade, os quais encontram nos núcleos do Ecomuseu os marcos identificadores que motivam a sua participação.

Em relação ao património cultural imaterial, a ação do Ecomuseu não se resume ao desenvolvimento dos seus núcleos. Nos últimos cinco anos, foram desenvolvidos um conjunto de roteiros culturais e a dinamização regular de eventos com o intuito de valorizar esta herança cultural. Estão ainda em fase de preparação outros projetos culturais que permitirão alargar a intervenção e oferta do Ecomuseu.

A aproximação à Nova Museologia permitiu ao

Ecomuseu de Ribeira de Pena nascer no seio da

própria comunidade que lhe dá vida. Afinal, o

património só merece ser conservado pelo

significado que possui para as pessoas que o

detêm, por contar uma história, por

representar a capacidade criadora do ser

humano ou por preservar os elementos

identitários de um determinado contexto

social. E quanto maior for o alcance que o

museu consegue dar à sua mensagem, maior

(15)

30

será o seu papel como agente de formação e intervenção social. Como refere Peter Davis (1999, p. 24), o museu deve servir para nos

recordar quem somos e qual o nosso lugar no mundo.

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