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APROPRIAÇÃO E OBJETIVAÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA NO ENSINO DE HISTÓRIA.

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APROPRIAÇÃO E OBJETIVAÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA NO ENSINO DE HISTÓRIA. Frederico Boff Bonassa; Gabriela Fabiane Luiz; Olavo Pereira Soares.

UNIFAL-MG. Capes/Fapemig. fred.bonassa@gmail.com; gabriela.f.luiz@live.com;

olavopereirasoares@gmail.com

Eixo temático: Leitura e escrita

APPROPRIATION AND OBJECTIFICATION AT THE WRITTEN LANGUAGE IN HISTORY TEACHING

Resumo

Esse texto tem por finalidade apresentar algumas análises de processos de apropriação e objetivação da linguagem escrita de alunos que frequentam uma escola pública da rede estadual, localizada na cidade de Alfenas-MG e que estão matriculadas no 8º ano do ensino fundamental II. As aprendizagens analisadas e as produções dos alunos estão relacionadas ao ensino de história e à produção do conhecimento histórico escolar. Nosso referencial teórico e metodológico está vinculado à perspectiva histórico-cultural, notadamente nos estudos sobre os processos de mediação inicialmente apresentados por Vigotski, bem como na teoria da atividade de ensino, formulada por Aléxis Leontiev. Neste trabalho, apresentamos a análise de um conjunto específico de produções escritas dos alunos sobre uma determinada temática relacionada à produção do conhecimento histórico escolar, portanto, trata-se de produções escritas relacionadas às atividades didáticas realizadas pelo docente de história da escola.

Neste sentido, as produções dos alunos são consideradas em seu contexto de produção, ou seja, a sala de aula. Assim, podemos identificar as mediações estabelecidas pelos alunos entre o conhecimento de cotidiano com o conhecimento histórico escolar. Tem-se por objetivo analisar como as práticas de ensino de história podem colaborar para os processos de apropriação e objetivação da linguagem escrita.

Palavras-chave: ensino de história; leitura e escrita; objetivação e apropriação.

Abstract

This text aims to present some analysis of processes of appropriation and objectification of written language of students who attend a public state school, located in Alfenas-MG and who are enrolled in the 8th grade of elementary school II. The analyzed learning and the productions of the students are related to teaching history and production of school historical knowledge. Our theoretical and methodological framework is linked to the cultural-historical perspective, especially in studies of mediation processes initially presented by Vygotsky, and the theory of teaching activity, formulated by Alexis Leontiev. In this paper, we present the analysis of a specific set of written productions of students on a particular theme related to the production of school historical knowledge, so it is written productions related to educational activities carried out by school history teacher. In this sense, the productions of the students are considered in their context of production, ie the classroom. Thus, we can identify the mediations established by students between everyday knowledge with school historical knowledge. One has to analyze how history teaching practices can contribute to the processes of appropriation and written language objectification.

Key words: history teaching; reading and writing; objectification and appropriation.

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Apresentação

Esse texto tem por objetivo analisar os processos de apropriação e objetivação da linguagem escrita, com ênfase na análise dos processos de ensino e aprendizagem da história que ocorrem em turmas de ensino fundamental II. Trata-se de uma pesquisa sobre o ensino de história que privilegia a produção escrita dos alunos e a análise dos processos didáticos que contextualizaram tais produções.

Como sabemos, as dificuldades no desenvolvimento da linguagem escrita não estão restritas a determinadas instituições escolares específicas, mas se relacionam a uma parcela significativa do ensino publico brasileiro. Nessa pesquisa, pretendemos contribuir para que a pesquisa sobre o ensino de história se insira em questões de aprendizagem que afetam todos os campos do conhecimento escolar, como os processos de leitura, escrita e interpretação de textos.

Em nossa concepção, é preciso estudar sobre como as crianças e os adolescentes interiorizam os conteúdos históricos; como a história ensinada na escola dialoga com a história que é narrada nas diferentes mídias; como os métodos de ensino podem proporcionar um conhecimento histórico que possa ser apreendido e interiorizado pelos alunos com vistas à desnaturalização da vida cotidiana; enfim, é preciso estudar sobre como ocorrem as aprendizagens no ensino da história escolar com vistas a melhorias nos métodos de ensino.

Dentre os diversos métodos e possibilidades de abordar a aprendizagem, nos detemos na análise dos processos de produção da escrita por parte dos alunos, que se constitui como possibilidades de análise das apropriações e a objetivações que os estudantes fazem da história ensinada na escola.

A temática nas pesquisas sobre o ensino de história

Em pesquisa sobre a transição entre o ensino fundamental I e II, Marlene Cainelli (2011) afirma que professores de história do ensino fundamental II não consideram as capacidades pregressas de escrita e leitura dos alunos. Segundo a pesquisadora, isto ocorre porque os professores se preocupam apenas com as especificidades da história enquanto conteúdo disciplinar, e não se preocupam com outros aspectos relacionados à aprendizagem.

Assim, os professores consideram que as dificuldades relacionadas à leitura e a produção escrita dos alunos inviabilizam, para muitos estudantes, o aprendizado da história.

Para Cainelli (2011), esses problemas estão relacionados aos processos de formação

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inicial e de formação continuada e que, tais processos formativos deveriam incluir a análise das práticas de leitura e de produção escrita de professores e alunos.

A autora Helenice Rocha (2010), apresenta conclusão semelhante. Segundo Helenice Rocha (2010), os professores de história do ensino fundamental II se preocupam pouco com aspectos relacionados com a produção escrita dos alunos, e tratam da temática como se fosse algo acabado, específico das séries iniciais. Em sua pesquisa (ROCHA, 2010), a autora demonstra que os professores não utilizam, nas aulas de história, estratégias específicas para a leitura e análise de textos. Os professores consideram a leitura importante, e a interpretação como algo fundamental para a aprendizagem da história, mas não mobilizam atividades didáticas para esse fim.

O que se percebe, nas pesquisas apresentadas é que a leitura e a escrita enquanto processos importantes para a aprendizagem da história não são consideradas pelos professores em suas atividades didáticas. Isto não significa afirmar que os professores não se utilizam de processos didáticos em que é necessária a leitura e a escrita, mas não se utilizam da leitura e da escrita como parte do processo de aprendizagem da história. Na maioria das situações a leitura serve para acessar uma informação destacada como importante pelo professor, e a escrita fica apenas relacionada aos processos avaliativos.

Outras pesquisas apontam para o fato de que nas aulas de história do ensino fundamental II há pouca atenção com o desenvolvimento das capacidades de expressão dos alunos, o que dificulta ainda mais o aprendizado da história (AZEVEDO; MONTEIRO, 2013). É como se aprendizagem da história pudesse ser expressa apenas por textos escritos com a formalidade acadêmica. Há nosso ver, isto pode dificultar ainda mais o aprendizado, porque outros meios de expressão, que se utilizam da linguagem escrita poderiam ser utilizados e não são.

Curiosamente, as pesquisas (ROCHA, 2010; AZEVEDO; MONTEIRO, 2013) destacam que os alunos são incentivados a interpretar diferentes fontes históricas, de caráter textual, mas nas avaliações, apenas a linguagem formal acadêmica é considerada.

Alguns autores ponderam que não há necessidade de desenvolvimento da leitura e da

escrita para a aprendizagem da história (CAIMI; OLIVEIRA, 2014). Entretanto, ainda que tal

posicionamento seja correto de um ponto de vista mais genérico da aprendizagem, ao

tratarmos da aprendizagem escolar, sobretudo no ensino fundamental II, verificamos que os

parâmetros devem ser outros, ou seja, a objetivação da linguagem escrita é uma necessidade,

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ainda que os conhecimentos históricos não tenham sido apropriados pelos alunos (ROCHA, 2010).

Mas, como possibilitar o aprendizado da história e proporcionar aos alunos melhoras significativas em seus processos de leitura e de produção escrita? Em que medida a apropriação e a objetivação da linguagem escrita pode proporcionar um melhor aprendizado da história?

Pesquisa recente, ao tratar da importância da mediação nas práticas de ensino de história, demonstra que o processo dialógico em aula pode ser tão ou mais significativo do que a simples leitura e escrita (SIMAN; COELHO, 2015). Para nós, ainda mais significativo seria se a linguagem escrita fosse um dos principais meios de mediação para a construção do conhecimento histórico escolar.

Em Circe Bittencourt (2005), verificamos que cabe à educação escolar a responsabilidade de possibilitar aos alunos a mediação entre o senso comum e o conhecimento histórico. Ao fazer este processo, a escola aproxima os alunos do conhecimento científico e produz um conhecimento específico que é o conhecimento histórico escolar (BITTENCOURT, 2005). Para tanto, é necessário que as práticas de ensino tenham uma postura prospectiva, ou seja: façam diagnósticos constantes sobre as aprendizagens de senso comum da história, e, concomitantemente, possibilitem aos alunos referenciais do conhecimento histórico de matriz científica (SOARES, 2014).

Com tais objetivos é que nós incluímos nessa pesquisa as categorias de apropriação e objetivação. Ao ler, os alunos se apropriam de conhecimentos, sejam eles de senso-comum ou científicos. Ao escreverem, os alunos objetivam esse conhecimento. Portanto, apropriação e objetivação são categorias-chave para analisarmos as aprendizagens em história (MELLO, 2010).

O processo de elaboração do conhecimento histórico passa necessariamente pela construção da linguagem escrita, que é uma forma imprescindível para a expressão do conhecimento escolar adquirido pela criança. Sobre este aspecto, torna-se fundamental a análise constante de um referencial teórico que nos auxilie metodologicamente nos processos de análise das práticas didáticas e pedagógicas que relacionam a aprendizagem da história com a apropriação e objetivação da linguagem escrita (MELLO, 2010).

Para tanto, nos referenciaremos na perspectiva histórico-cultural e nas possibilidades

apresentadas pela teoria da atividade de ensino, tendo como principal interlocutor os

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referenciais apresentados por Vigotski (2001; 2010) A. Leontiev (1978; 1988). Aqui, encontramos não apenas os pressupostos para a elaboração de atividades didáticas, mas também pressupostos para a análise de atividades que foram realizadas com os alunos.

Por estas razões, entendemos que essa pesquisa se insere na temática se utilizando dos pressupostos teóricos da perspectiva histórico-cultural. Como bem sintetiza José Carlos Libâneo, tal perspectiva “postula que o papel da escola é prover aos alunos a apropriação da cultura e da ciência acumuladas historicamente, como condição para o seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral, e torná-los aptos à reorganização crítica de tal cultura”

(LIBÂNEO; 2012, p. 26).

Aqui, defendemos uma postura para o ensino de história que incorpore nas ações didáticas cotidianas aspectos significativos do conhecimento histórico socialmente acumulado, bem como as características do ofício do historiador com seus métodos e questões. Assim, nos inserimos no conjunto das pesquisas que defendem um processo de escolarização que tenha na produção do conhecimento o seu lócus principal de atuação (LIBÂNEO; 2012).

O ensino de história na escola

Em diferentes processos de inserção na escola pública, temos verificado que os professores demonstram excessiva preocupação com as avaliações institucionais e os índices gerados pelo IDEB e SIMAVE

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. Nesses casos, as ações didáticas no ensino fundamental I voltam-se, em sua maioria, para um tipo de alfabetização em que a ortografia e a gramática tornaram-se um fim em si mesmo, o objetivo único da prática docente.

Ao ingressarem no ensino fundamental II, os alunos são submetidos há grandes diferenças didáticas e pedagógicas em relação ao ensino fundamental I. Em linhas gerais, os professores do ensino fundamental II se preocupam mais com os “conteúdos” e “menos” com as aprendizagens básicas dos alunos. Por exemplo: professores de história consideram que ensinar e desenvolver as capacidades de leitura, de interpretação de textos e de produção escrita é de responsabilidade exclusiva dos docentes do ensino fundamental I (CAINELLI, 2011). Nos casos em que há dificuldades, e elas são em número significativo, os professores do ensino fundamental II não se envolvem na solução dos problemas.

1 IDEB – Índice de desenvolvimento da educação básica - e SIMAVE – Sistema de Avaliação Educacional da SEE/MG – são processos avaliativos que incidem diretamente no cotidiano escolar, notadamente nos salários dos professores.

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Essa situação gera um paradoxo: as crianças das escolas públicas são consideradas alfabetizadas pelos índices oficiais, porém iletradas ou semianalfabetas para a aprendizagem da história pelos professores do ensino fundamental II.

Temos por hipótese que esse paradoxo imobiliza e dificulta sobremaneira a atuação dos docentes de história. Há, portanto, dois elementos a serem investigados: é preciso analisar como o processo de alfabetização e letramento realizado nas escolas públicas se relaciona com o desenvolvimento da apropriação e da objetivação da linguagem escrita; também se torna necessário investigar sobre como os professores do ensino fundamental II compreendem e interagem com as formas de elaboração do conhecimento realizadas pelos alunos e expressas pela linguagem escrita.

Metodologia

Ao longo dos anos letivos de 2013 a 2015, algumas produções de escrita dos alunos da escola foram arquivadas com cópias para futura análise

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. Destaca-se que tais análises foram devidamente aprovadas através de Termo de Consentimento pelos responsáveis dos alunos

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.

Ao longo da pesquisa supracitada, verificamos que as estratégias didáticas utilizadas para que os alunos do ensino fundamental tenham acesso à produção do conhecimento histórico não podem se dissociar da análise sobre como os alunos interagem com esses conhecimentos. Não é suficiente identificar que os alunos dialogam com o conhecimento, é preciso analisar o que eles pensam sobre o conhecimento, como eles interpretam e como eles se apropriam do conhecimento (AZEVEDO; MONTEIRO; 2013). Neste caso, tal apropriação é investigada a partir das relações que os alunos estabelecem com as práticas de apropriação e objetivação da linguagem escrita (MELLO, 2010).

O uso da leitura e da escrita como recurso didático, como método de pesquisa e como fonte para coleta de dados tem se mostrado adequado aos nossos objetivos até o momento.

Tais procedimentos nos permite identificar com os alunos as funções sociais de um texto: uma fonte histórica, um texto historiográfico ou didático e a produção dos próprios alunos têm a função de explicar algo e de ser entendido no contexto social e histórico de sua produção e circulação. Na perspectiva da teoria da atividade, a análise das produções escritas nos permite

2 Trata-se de pesquisa em parceria com a escola, que evitaremos maiores detalhes para não incorrer em equívoco quanto ao sigilo na avaliação deste projeto, conforme solicita o Edital PRRPG 14/2016, em seu item V.

3 Projeto devidamente aprovado pelo CEP/CONEP com Parecer de nº 1.366.209, 14 de dezembro de 2015.

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verificar as formas de incorporação dos motivos da atividade, ou seja, como os alunos se relacionam com o conhecimento produzido em sala de aula (LEONTIEV: s.d; 1978; 1988).

Ao tentar explicar algo sobre um texto lido e ao tentar escrever sobre o que foi analisado em sala, alunos e professores deveriam transformar a linguagem escrita em lócus de produção e interação com o conhecimento histórico (ROCHA, 2010). Essa constatação, ainda que inicial, nos permite considerar que nos processos de interação entre conhecimento histórico e linguagem escrita, os alunos desenvolvem capacidades cognitivas mais complexas e que estão relacionadas às formulações conceituais que eles produzem sobre determinados conhecimentos.

Leitura e escrita nas aulas de história: o conceito de modernidade

Muito ligados a um padrão de comportamento consumista, os alunos se apropriam da palavra moderna como relacionado ao padrão de vida contemporâneo, onde seu significado faz mais sentido se usado para explicar a necessidade de se usar boas roupas de marca, bons carros ou, ainda, entender o significado de moderno como uma tecnologia mais avançada, algo do futuro e não do presente ou do passado.

Em uma perspectiva conceitual, o dicionário de conceitos históricos define modernidade em outra perspectiva:

A ideia de modernidade surge, segundo Jacques Le Goff, quando há um sentimento de ruptura com o passado. [...] Etimologicamente, entretanto, Andrew Edgar apresenta a modernidade como um termo derivado do latim modernus (significando recentemente) [...] ser moderno era se opor ao medieval e não ao antigo ou à Antiguidade [...] liberto do “obscurantismo” medieval. Nesse sentido, a Era Moderna é de fato moderna, ao menos para os que nela viveram [...] Apesar disso, modernidade é um conceito histórico que difere do sentido original da palavra e surgido com o Iluminismo, tendo seu ápice nos séculos XIX e XX (SILVA; SILVA, 2009, p. 297).

A dificuldade em compreender a expressão modernidade e entender que a sua criação e definição como conceito é absolutamente dependente do contexto histórico na qual foi concebida, é fundamental para entenderem em sua plenitude os aspectos da Idade Moderna, seus desdobramentos e implicações sociais, culturais, econômicas e religiosas. Por outro lado, para os alunos, o conceito de modernidade está tão naturalizado que parecem cristalizados e eternos, contribuindo para a reprodução de padrões de explicação que não refletem sobre a origem dessas palavras, de conceitos e de significações históricas para eles.

Esse é o ponto chave dessa análise, pois ao pensar que os alunos já tinham

interiorizado esse conceito – ou pelo menos, parte – tivemos um erro metodológico: sabíamos

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o conteúdo, mas os alunos não compreenderam, primordialmente, os sentidos e usos da palavra moderno e, por conseguinte, do conceito de modernidade, o que dificultou em muito as práticas utilizadas na sala de aula.

Nosso objetivo ao iniciar o estudo do período da Idade Moderna com os alunos, era, portanto, construir coletivamente parte do contexto histórico do período, mas não nos atentamos – ao menos inicialmente – para o fato de que os alunos pouco ou nada compreenderam o que estávamos falando sobre a modernidade do período. Para eles, a palavra moderna estava muito mais ligada a uma concepção de novo, inovador, que significava, para eles, inovações do tempo presente e não de quinhentos anos atrás. Assim, ao reconhecer esse equívoco, percebemos a necessidade de conversar sobre o que eles entendiam por moderno e, a partir daí, trabalhar o conceito com eles de forma a buscar a compreensão do significado da palavra e do período histórico a que ela se refere.

Considerando a dificuldade que os alunos apresentaram ao construir alguns conceitos, aqui exemplificado como o conceito de modernidade, enquanto período histórico, nós buscamos na teoria vigotskiana uma ferramenta para compreender quem eram os alunos, como geralmente funcionam os mecanismos cognitivos de construção de seu conhecimento e como o meio escolar participa desse desenvolvimento. Assim, desenvolvemos uma metodologia que permitisse o melhor aproveitamento das aulas.

Segundo Vigotski (2010), o meio em que a criança está inserida tem um papel significativo no desenvolvimento cognitivo. O meio influencia, mas não é o fator determinante do desenvolvimento, pois ele pode permanecer inalterado e as concepções da criança em relação a ele mudarem. Ele também mostra que em cada etapa de sua vida a criança se relaciona com o meio de uma maneira. Por exemplo, ao ser inserida no ambiente escolar, mais especificamente no ensino fundamental II, é possível notar que nos primeiros anos a criança vai sentir uma ruptura do meio, pois quando o aluno sai do ensino fundamental I para o ensino fundamental II ocorre uma mudança significa nos processos e metodologias de ensino, bem como no ambiente escolar. A escola se apresenta como uma instituição com muitas disciplinas que exigem organização e maturidade dos alunos. Podemos afirmar que.

em um primeiro momento o meio provocou mudanças no desenvolvimento do aluno, mas a partir do momento que a criança começa a se adaptar e a buscar externamente práticas para lidar com esse novo ambiente, a concepção em relação ao meio escolar muda.

Partindo dessa concepção:

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9 Aos poucos o mundo distante começa a se ampliar para a criança, mas no começo também se trata de um mundo muito pequeno, o mundo do quarto, o mundo do parque mais próximo, da rua. Com os passeios, seu mundo aumenta e, cada vez mais, novas relações entre a criança e as pessoas que a circundam se tornam possíveis. Depois, o meio se modifica por força da educação, que o torna peculiar para a criança a cada etapa de seu crescimento: na primeira infância, a creche; na idade pré-escolar, o jardim de infância; na escolar, a escola. Cada idade possui seu próprio meio, organizado para a criança de tal maneira que o meio, no sentido puramente exterior (VIGOTSKI, 2010, p. 683).

Com essa assertiva, é possível fazer questionamentos sobre a atuação dos alunos do 7º ano da escola em que atuamos: qual a vivência que os alunos possuem no meio escolar e fora dele?

A vivência se caracteriza pelas formas que a criança se comporta perante alguma situação ou determinado ambiente, mas cada pessoa desenvolve-a de uma determinada maneira, e o resultado dessas ações também é diferente. Segundo Vigotski, nessas relações entre o meio e a criança, suas formas de ação formam “um prisma que determina o papel e a influência do meio no desenvolvimento do – digamos – caráter da criança, do seu meio psicológico e assim por diante”. (VIGOTSKI; 2010, p. 686).

Sendo assim, ao se apropriarem do conceito da palavra moderna, os alunos trouxeram um resultado vinculado a sua vivência e isso evidenciou traços da personalidade dos mesmos.

No entanto, verificamos que a construção do conceito de modernidade relacionado às tecnologias atuais foi característica unânime da sala. Uma hipótese para esse acontecimento é que a faixa etária dos alunos é a mesma. Outra hipótese é que as crianças apresentaram o resultado que suas concepções permitiram. No entanto, coube à professora juntamente com os membros da pesquisa entender que os processos de generalizações mudam entre adultos e crianças, como apresenta Vigotski ao elucidar que o desenvolvimento da criança pode conflitar com as ideias dos adultos, uma vez que:

As generalizações da criança são diferentes de nossas generalizações e surge um fato conhecido de todos nós – que a criança concebe a realidade, compreende os acontecimentos que se dão ao redor dela não inteiramente, como nós compreendemos. Nem sempre o adulto pode transmitir à criança toda a plenitude de significado de determinada ocorrência. A criança compreende por partes, não integralmente; compreende um aspecto do assunto, não compreende outro; entende, mas entende à sua maneira, processando, recortando de seu próprio jeito, retirando apenas parte daquilo que lhe explicaram (VIGOTSKI; 2010, p. 690).

Através dessa análise teórica sobre a pratica foi possível diagnosticar que os alunos

necessitavam desenvolver mais suas capacidades de interpretação de conceitos em relação às

temporalidades históricas específicas. Para isso, as atividades que seriam aplicadas em sala de

aula foram elaboradas de forma que se estabelecesse um quadro comparativo entre a Idade

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Moderna e a atualidade. No entanto, durante as atividades, foi possível notar que a maioria dos alunos não se empenhava em participar de algumas atividades, principalmente aquelas relacionadas à escrita.

Segundo Alexis Leontiev (2006), é necessário entender quais foram os motivos que levaram os alunos a participarem de uma atividade: pode ser que o aluno viu no conteúdo algo importante para sua formação ou o enxergou como um requisito para ser aprovado nas provas da escola. Verificamos que os alunos prestavam mais atenção quando eram avisados que a temática trabalhada em sala cairia na prova ou que estava valendo nota, ou seja, o motivo de seu estudo estava focado em receber uma nota específica em determinada atividade avaliativa, e não propriamente tentar entender o conteúdo da disciplina.

Na análise dos processos de interpretação da leitura e a escrita de textos históricos elaboramos algumas atividades avaliativas que continham pequenos textos e imagens para serem interpretados, bem como questões abertas para que os alunos dissertassem. Assim, foram elaboradas questões nas quais solicitamos aos alunos que discutissem como eram as diferenças sociais na Idade Moderna e comparassem com a atualidade.

Ao avaliarmos as atividades vimos que somente uma aluna dentre mais de trinta, respondeu de acordo com as expectativas: a maioria dos alunos não aprofundaram suas respostas. Por exemplo, quando perguntamos a respeito do vestuário utilizado pelas diferentes classes sociais da Idade Moderna e incluímos um texto explicando isso – inclusive conteúdo que abordamos durantes as aulas – os alunos respondiam com um simples “sim” ou “não”, mas não justificavam suas respostas, ou copiavam parte do texto da questão e, em alguns dos casos, deixavam as questões em branco.

Leontiev explica que,

o motivo é a necessidade de passar no exame. Porque objetivo de uma ação, por si mesma, não estimula a agir. Para que a ação surja e seja executada é necessário que seu objetivo apareça para o sujeito, em sua relação também é refletida pelo sujeito de uma forma bastante precisa, a saber, na forma de conhecimento do objeto de ação como um alvo. O objeto de uma ação é, por conseguinte, nada mais que seu alvo direto reconhecido (LEONTIEV; 2006, p.69).

Ao escreverem na prova, os alunos buscaram responder somente o que eles achavam necessário para conseguir o que seria a pontuação na prova. Ou ainda, não se importavam com o resultado da prova e preferiam fazer a avaliação de recuperação.

Por outro lado, cabe considerar o avanço que alguns alunos fizeram em relação ao

momento inicial em que começamos as atividades e intervenções pedagógicas e o final do ano

letivo. Ou seja, ao longo das atividades em que visamos inserir os alunos nos processos de

apropriação e objetivação da linguagem escrita.

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Ao iniciarmos as atividades houve um estranhamento por parte dos alunos e, muitos deles não gostavam de participar da aula, ora respondendo com desdém e desprezo, ora não realizando as atividades. Porém, no decurso do projeto, muitos dos alunos que antes não gostavam de participar, acabaram por se interessar pelas aulas de forma a, pelo menos, desejar ler algum texto em voz alta para a sala, ou responder algumas questões propostas que antes não lhes interessava. Esses alunos que avançaram positivamente escreveram sobre suas concepções históricas em algumas atividades e avaliações e nos surpreendiam com respostas inovadoras e conceituações bem definidas.

No geral, o envolvimento dos alunos foi significativo. No início de nossos encontros em sala de aula muitos deles se recusavam a ouvir, no final do ano conseguimos não só que ouvissem, mas que houvesse um mútuo respeito entre eles, em especial nos modos de respeitar o local da fala do colega dentro do espaço da sala de aula.

Curiosamente, os alunos que mais escreviam nas atividades eram os que menos falavam nas salas, ou participavam pouco. Já os que falavam muito, eram os que escreviam menos. Isso pode sugerir uma necessidade afetiva de atenção no que seria uma compensação de interesses, onde os alunos mais quietos escreviam mais para compensar a relativa falta de participação em sala, e, ao contrário, os alunos que mais falavam – não necessariamente participando da aula, efetivamente – eram o que menos escreviam. Internamente, isso pode ter significado no sujeito aluno a internalização da ideia de que “como eu falei / participei da aula, não preciso escrever muita coisa nessa atividade”, e vice versa.

Considerar numa visão dualista que o envolvimento dos alunos foi bom ou ruim seria, talvez, um erro de análise, pois em alguns momentos podemos considerar que o envolvimento deles foi bom, outros ruins, e outros as duas coisas ao mesmo tempo. Houve momentos em que os alunos participavam efetivamente da aula, sugerindo temas, dando respostas do que consideravam correto o que era perguntado e expunham suas dúvidas. Entretanto, houve outros momentos em que a participação da turma foi ruim no sentido de que não se interessavam pelo assunto da aula, de forma a dar respostas curtas e sem significado ou ainda não dar contribuição verbal alguma.

Podemos supor que essa recusa em participar de algumas atividades ocorra devido a

algum desprezo que esses alunos possam ter sentido em algum momento de sua formação

básica. Responder alguma coisa de forma que o professor não espere pode significar um “não,

você está errado”, e isso desencoraja o aluno a continuar perguntando e participando da aula.

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Junte-se a isso, a pressão do meio em que está inserido, por exemplo: os alunos que o cercam podem também limitar para seu envolvimento, uma vez que ele sabe que dependendo da sua fala e de como ele se posiciona, ele pode virar motivo de chacota entre os colegas.

Com essa pesquisa, iniciamos a compreensão sobre como os alunos se utilizam da leitura e da escrita para se apropriarem dos conceitos específicos relacionados ao conhecimento histórico escolar. Pudemos observar a dificuldade dos alunos em se apropriar conceitos históricos relativamente simples, bem como em generalizar sobre contextos sociais e históricos se sobrepõem e se cruzam. Este aprendizado é fundamental para a compreensão do tempo em que estão inseridos e a noção de que cada tempo produz uma sociedade e modos de vida e de comportamento distintos.

No processo, ficou ainda mais evidente que é preciso ensinar história de forma a conhecer as capacidades de escrita e interpretação dos alunos, não como meros sujeitos – que nos dá a ideia de passividade perante o meio - mas como agentes ativos nos processos de construção de sua identidade e da compreensão da sociedade contemporânea na qual estão inseridos.

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