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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

O FOTOJORNALISMO EM QUESTÃO:

Análise das fotografias de Canudos 100 anos para além do gênero

Autora: Joyce Guadagnuci

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Cristina Bruzzo

CAMPINAS

2010

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Agradeço profundamente aos que me apoiaram sempre. Minha família. Minha orientadora, Cristina Bruzzo. Meus amigos, em especial, Luís Henrique,

Fátima, Giovana, Faibs e Aline. Meu amor Maurício. Meus colegas da USC - Alexandra, Érika, Vanessa, Sônia, Roseane, Vitor, Renato, Lígia, Rosária, Leandro e Fátima Meus colegas da Unicamp - Wagner, Marcel, Antônio, Juliana, Eva e Joana. Meus alunos. Professores do Olho - Antonio Carlos, Wenceslao e Milton.

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O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem

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RESUMO

O presente trabalho compreende um estudo, deflagrado por uma inquietação em relação aos conceitos e regras que definem o fotojornalismo, sobre o livro de fotografias Canudos 100 anos, de Evandro Teixeira. Metodologicamente, a pesquisa foi dividida em quatro capítulos. O primeiro faz, a partir da observação de questões históricas e conceituais, uma reflexão sobre a origem dos padrões e convenções que delineiam o gênero fotojornalismo, para, em seguida, realizar a desmontagem desses padrões. No capítulo dois, longe da classificação a qual o livro estava enquadrado, são empreendidas aproximações das fotografias de Canudos 100 anos com a obra Os

Sertões, de Euclides da Cunha, e com os trabalhos fotográficos de Pierre Verger e Maurren Bisilliat,

que também retrataram o tema. No capítulo três, as análises são levadas para o campo da memória e do imaginário e se debruçam especialmente sobre as imagens das figuras humanas. No quarto e último, apresenta-se um ensaio que mescla as fotografias de Canudos 100 anos rearranjadas de outra forma com trechos do texto retirados do livro e de fontes diversas.

Palavras-chave: fotografia; fotojornalimo; educação; sertão; Canudos.

ABSTRACT

This investigation, which resulted from a concern about the concepts and rules which define photojournalism, aims at analyzing the photo book Canudos 100 years, by Evandro Teixeira. This study was divided into four chapters: the first reflects, from the observation of historical and conceptual issues, on the origin of the standards and conventions which shape the gender photojournalism, in order to deconstruct these patterns. In chapter two, differently from the classification into which the book was framed, this study proposes a rethinking of Canudos 100 Years photographs and its proximity to Os Sertões, by Euclides da Cunha, and the photographic work by Pierre Verger and Maurren Bisilliat, who also portrayed the theme. In chapter three, the analysis is taken to the field of memory and imagination and has focused especially on the images of human figures. In the fourth and last, it presents a rearranged combination of Canudos 100 Years photographs with snippets of text taken from the book and other sources.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...

CAPÍTULO I - DESMONTANDO CLASSIFICAÇÕES... 1.1 – A configuração do fotojornalismo como gênero... 1.2 - O fotojornalismo moderno... 1.3 - Observação das fotografias publicadas na mídia impressa atual... 1.4 - A fotografia autoral... 1.5 - O ensaio fotográfico... 1.6 - Fotografia e realidade...

CAPÍTULO II – DECIFRANDO AS IMAGENS DE CANUDOS 100 ANOS... 2.1 – O livro... 2.2 - O fotógrafo... 2.3 - Euclides da Cunha em Evandro Teixeira... 2.4 - Outros olhares sobre o tema sertão-canudos...

CAPÍTULO III - O HOMEM em Canudos 100 anos... 3.1 - Memória reconstruída ... 3.2 - A relação fotógrafo-fotografados... 3.3 - Canudos 100 anos: também um álbum de memórias?... 3.4 – Caderno de imagens...

CAPÍTULO IV – RECRIANDO CANUDOS 100 ANOS...

REFERÊNCIAS... 01 07 07 08 13 21 23 31 35 35 35 36 41 47 51 54 58 63 127 173

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INTRODUÇÃO

Aqui, ora se apresentam, reflexões que foram sendo gestadas há muito. São inquietações que começaram no momento em que chegou às minhas mãos o livro de fotografias Canudos 100

anos, de Evandro Teixeira. Talvez um pouco antes...

Estava no final da graduação e realizava meu trabalho de conclusão do curso de Jornalismo, na PUC-Campinas. O tema da pesquisa era o fotojornalismo brasileiro e deveria resultar num livro-reportagem. Evandro Teixeira, até aquele momento, era um desconhecido para mim. Como o objetivo inicial era realizar uma série de entrevistas com fotógrafos brasileiros de diversas épocas e pertencentes aos mais variados jornais e/ou revistas, montamos (digo no plural porque não realizei o trabalho sozinha) uma lista, com a preciosa ajuda de nosso orientador Prof.º Celso Bodstein, com vários nomes ilustres do fotojornalismo nacional. Dividimos as funções e a mim, não sei como, nem porque, os detalhes agora me fogem, coube, entre outras coisas, a tarefa de entrevistar um fotógrafo carioca chamado Evandro Teixeira. Consegui o contato telefônico através do jornalista Hélio Campos Mello e, com um misto de timidez e medo, fiz a ligação. Grata surpresa! Tal estado não durou mais que alguns segundos, pois do outro lado da linha encontrava-se um homem extremamente simpático e generoso, que diante de minha proposta de fazer-lhe uma entrevista mais longa, além daquela que naturalmente já se ensaiava pelo telefone, se mostrou muito disposto e solícito. Tratou de me dar logo seus outros contatos. Pediu meu endereço para enviar-me um exemplar de seu livro Fotojornalismo, disse que estava prestes a lançar um novo trabalho, Canudos

100 anos. Concedeu a tal entrevista mais longa, por fax (era 1997, a internet ainda não era tão

acessível), além de ceder as fotos para a formatação final do nosso livro. Ufa!

Algum tempo depois do último contato, recebi pelo correio um exemplar de Canudos 100

anos autografado, o livro enfim ficara pronto. Junto com ele, havia um convite para o coquetel de

lançamento, que também inaugurava a exposição de mesmo nome. Dada a distância entre Campinas e Rio de Janeiro, infelizmente não pude comparecer ao evento, mas aquelas fotografias me tocaram profundamente. Naquele momento só consegui formular um pensamento: Um dia vou fazer algo

com esse livro!

Uma década se passou, neste período me tornei fotógrafa e professora de fotografia num curso de Jornalismo e aí certas reflexões se tornaram ainda mais urgentes. E Canudos 100 anos continuou me acompanhando, sempre me ajudando a pensar a fotografia, o fotógrafo. A relação intensa que estabeleci com esse trabalho de Teixeira me levou a dialogar com as teorias e com os teóricos da imagem e do fotojornalismo e, consequentemente, a expor esse experiência aqui, em

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forma de dissertação de mestrado. Sendo assim, o que se verá ao longo deste trabalho serão minhas interpretações das fotografias de Teixeira, permeadas por uma imensa inquietação em relação aos conceitos e regras que reduzem a prática do fotojornalismo a um campo bastante restrito, não muito aberto a inovações formais. Se pensarmos nas fotografias de jornais, como responsáveis, em grande medida pela formação de nossa cultura visual, não seria mais apropriado povoá-los com trabalhos fotográficos que promovam a diversidade de abordagens e linguagens, a fim de enriquecer essa educação do olhar proporcionada pelo meio?

Então, para realizar as análises das fotografias presentes no livro Canudos 100 anos, ao qual nutria essa imensa admiração, e tentar aplacar meu desassossego em relação as restrições formais impostas pelo gênero, realizei o seguinte percurso. No primeiro capítulo, fiz um estudo, a partir das considerações de autores como Sousa (2000 e 2004), Freund (1995), Alvarenga (1994), Keene (2002), das principais questões históricas e conceituais que envolvem o fotojornalismo e de como elas foram adquirindo novos contornos ao longo do tempo. Desta forma, pude reconhecer como foram sendo construídos os padrões e convenções que circundam a atividade, como por exemplo, o uso da foto espontânea, não posada, como recurso para ressaltar o caráter realista da imagem. O referencial teórico perpassou principalmente por Dubois (1999, 2000), Kossoy (2002, 2005), Bodstein (2006) e Flusser (2002).

Ainda nesse capítulo, me propus a fazer uma espécie de desmontagem desses padrões, num exercício de reconhecimento e estranhamento das características que supostamente definem o gênero. O reconhecimento se deu através da realização de uma pesquisa por amostragem aplicada aos dois jornais de grande circulação do Brasil – Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. O objetivo foi empreender um olhar mais atento aos tipos e locais onde são expostas as fotografias nos veículos de comunicação impressos brasileiros atualmente. O estranhamento se deu através da observação dessas mesmas imagens fora de seu contexto, longe da linguagem verbal e próxima de uma definição mais livre para o que chamamos fotografia. Em relação a esta questão, as reflexões de Christian Caujolle acerca das amarras e armadilhas que o termo fotojornalismo carrega, foram capitais para que eu pudesse realizar essa desmontagem. Como o foco do trabalho era a fotografia de Evandro Teixeira em Canudos 100 anos, realizei também esse mesmo exercício de estranhamento com fotos de outro livro do fotógrafo, Fotojornalismo, que compila parte de seu trabalho como fotojornalista. O resultado foi muito satisfatório, pois tiradas de seu contexto foi possível ver mais nas fotografias, encontrar o fotógrafo, tomar contato com a força da representação fotográfica, e me distanciar das classificações, dos discursos prévios. É o que nos aconselha Beceyro (1980, p.76), segundo o autor, devemos evitar classificar fotografias em gêneros, sob a pena de restringir seus significados.

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universo da Canudos de Evandro Teixeira. E é imbuído por esse clima que o segundo capítulo se dá. Neste, faço um paralelo entre os procedimentos técnicos utilizados pelo fotógrafo, como a seleção dos equipamentos e das técnicas de composição das imagens, e o tema. O livro faz menção à Guerra de Canudos, terminada exatamente 100 anos antes da publicação do trabalho, e à obra de referência sobre o assunto, Os Sertões, de Euclides da Cunha. Temendo me desviar do foco da pesquisa e me prender a um único aspecto para realizar as análises, me mantive longe da narrativa de Euclides, mas recorri aos estudos empreendidos pelo professor Leopoldo M. Bernucci, que se debruçam sobre a linguagem articulada pelo autor na referida obra. As conclusões de Bernucci serviram como uma espécie de inspiração e acabei por encontrar reflexos da obra de Euclides da Cunha na forma como o fotógrafo se aproximou do seu tema. Assim como em Os Sertões, ora Teixeira olha para a paisagem sertaneja, ora para o homem sertanejo, ora para os elementos que remetem à guerra, realizando suas versões de A Terra e A Luta, partes que integram a obra do escritor.

Diante de tal constatação, separei as fotos em grupos. Os signos do sertão; os signos da guerra e os signos religiosos; além de um item intitulado A luta continua, onde se encontram as fotos de dois eventos tradicionais realizados na região, a sexta-feira santa em Monte Santo e a romaria pelos mártires da guerra.

Na segunda parte do capítulo, segui por outro caminho. Fiz aproximações de algumas fotos de Canudos 100 anos com as de outros trabalhos que tiverem Canudos ou a obra Os Sertões envolvidas, como as fotos de Pierre Verger, feitas na ocasião do cinqüentenário da guerra para a revista O Cruzeiro; e uma seqüência retirada do livro Sertões: Luz&Trevas, da fotógrafa Maureen Bisilliat. Desta forma, pude encontrar outras possibilidades de interpretação para as fotografias de Teixeira.

O terceiro capítulo é todo dedicado às fotografias de sete idosos – Seu João de Régis, Dona Zefa de Mamede, Dona Ana de Bendegó, Seu Ioiô e o casal Seu João Botão e Dona Júlia. Se é possível fazer alguma relação com Os Sertões, este conjunto de fotos poderia corresponder à segunda parte do livro, O Homem. No entanto, essas imagens estão muito mais ligadas a uma Canudos idealizada por Evandro que àquela descrita por Euclides da Cunha. Por isso, o capítulo foi intitulado O HOMEM em Canudos 100 anos. Estas pessoas, que eu chamo personagens, são tratadas no livro de forma diferenciada, apresentam-se em poses solenes e são citadas nominalmente várias vezes no texto que as acompanha. Elas dão sustentação ao projeto de Teixeira, o inseriram em Canudos através de suas histórias, por isso separei um capítulo todo só para tratar de suas fotografias.

Para desenvolvê-lo, me concentrei em dois pontos, que julgo serem inerentes ao universo imagético, mais ainda, ao tema Canudos - a memória e o imaginário. O texto do livro, escrito pela

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pesquisadora e jornalista Ivana Bentes, cujos trechos ajudam a compor o capítulo, e a realização de mais um exercício comparativo usando as fotos do álbum Fotojornalismo, me impeliram sobremaneira a seguir nessa direção. As considerações sobre memória, apontadas por Bosi (1996), e as relações entre fotografia e imaginário estabelecidas por Lombardi (2007), além dos estudos sobre retrato de Fabris (2004) e as referências a respeito dos álbuns de família de Leite (2005) foram minhas fontes de inspiração.

No quarto e último capítulo, faço uma espécie de ensaio mesclando as fotografias de Canudos

100 anos rearranjadas de outra forma com trechos do texto retirados do livro e de fontes diversas.

Cheguei ao fim da pesquisa e me vi quase que impossibilitada de fechar o trabalho apenas com um texto. Então voltei às imagens de Canudos 100 anos. Afinal, elas sempre acabam me salvando. Mas desta vez não bastava olhar, precisava interferir nelas. Fui a um programa de manipulação de imagens e comecei a tecer minhas considerações. As fotos dos personagens foram o ponto de partida. Eles são os narradores do livro de Teixeira, contam sobre aquilo que não viram, a Guerra de Canudos, mas imaginam a partir do que ouviram de seus parentes e dos objetos (cartuchos de balas, facas, cruzes etc.) que guardam como verdadeiros troféus. Estes relatos parecem ter ativado a memória e o imaginário do fotógrafo e o impeliram a buscar as imagens que poderiam representar tais considerações. Então, sobre a composição dos seis retratos referentes aos personagens principais fui inserindo outras camadas de imagens que para mim representam visualmente suas memórias, obviamente criadas pelo fotógrafo. Além disso, desenvolvi algumas montagens para ressaltar a recorrência dos planos, quase sempre gerais, que exploram a divisão horizontalmente assimétrica da paisagem do sertão e a verticalidade dos objetos relacionados à guerra e à religião.

Inicialmente senti certo incômodo, afinal estava manipulando fotografias que não eram minhas. Interrompi o processo e me perguntei. Uma única imagem será vista da mesma forma por receptores diferentes? Claro que não, fotografias são polissêmicas. Quando as olhamos, as interpretamos de acordo com nosso repertório. Sendo assim, estamos sempre manipulando mentalmente as imagens fotográficas. Este é o estatuto da fotografia como bem definiu Kossoy (2002, p.). “Uma realidade moldável em sua produção, fluida em sua recepção, plena de verdades explícitas (análogas, sua realidade exterior) e de segredos implícitos (sua história particular, sua realidade interior), documental porém imaginária”. O incômodo passou. Modificar as imagens e construir um novo percurso para elas foi a forma que encontrei para reverenciar Canudos 100 anos, o fotógrafo Evandro Teixeira e, de forma mais ampla, discutir os aspectos intrínsecos a este meio de comunicação tão fascinante que é a fotografia.

As mudanças que esta pesquisa operou em mim são quase que indescritíveis, uma catarse conceitual poderia dizer. Talvez o último capítulo possa me redimir dessa ausência de palavras. Este trabalho me fez olhar para as fotografias de uma forma livre, longe das amarras das classificações

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que permearam minha formação jornalística. Meu objetivo não foi criar uma metodologia, um modelo a ser seguido, o que poderia resultar na criação de um outro empecilho classificatório, mas apenas apontar através da exposição de minhas interpretações outros formas de aproximação com as fotografias. O que sinceramente espero e almejo é que minhas reflexões possam contribuir, mesmo que timidamente, com as reflexões de outros que tomarem contato com esta dissertação. Acredito que num processo educativo, refletir por meio de outras experiências, que apontam para outros caminhos, possa nos ajudar a nos desviarmos das imposições unilaterais, que tanto embotam nossa capacidade de olhar criticamente para o mundo. Determinações essas relacionadas a uma cultura visual pobre adquirida, em grande parte, por meio do contato cotidiano com uma torrente de fotografias convencionais disseminadas pelos jornais.

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CAPÍTULO 1: DESMONTANDO CLASSIFICAÇÕES

O conhecimento, uma vez assimilado, torna-se transformador. Toda transformação afeta, fatalmente, estruturas de poder. Manter a mediocridade e impedir a renovação é garantir poder, na visão estreita da maioria daqueles que o detém. Isso explica por que a renovação – dita sempre tão ansiada – não ocorre com a frequência desejável. (HUMBERTO, 2000, p.77)

1.1 – A configuração do fotojornalismo como gênero

Podemos pensar o surgimento do fotojornalismo no momento em que os jornais começam a utilizar a fotografia em suas páginas. De acordo com Sousa (2000, p26), “as primeiras manifestações do que viria a ser fotojornalismo notam-se quando os primeiros entusiastas da fotografia apontaram a câmara para um acontecimento, tendo em vista fazer chegar essa imagem a um público, com intenção testemunhal”. E o autor aponta a publicação das fotos de um incêndio ocorrido em Hamburgo, em 1842, na revista inglesa The illustrated London como o ato propulsor do que mais tarde se chamaria fotojornalismo.

Mas é importante ressaltar que até esse momento as fotografias serviam apenas como modelo para os desenhistas, eram meramente ilustrativas, já que o processo de impressão de textos com fotos só foi criado em 1880, com a técnica do halftone1. Baynes (1971, apud Sousa 2004, p17)

indica que o uso que o tablóide Daily Mirror fez da fotografia, em 1904, foi decisivo para libertá-la desse caráter ilustrativo. Nesta publicação, as fotografias foram promovidas, ocupando mais espaços nas páginas, antes preenchidos essencialmente por textos.

Hicks (1952, apud Sousa, 2000, p.18) considera que a publicação de fotos modifica uma série de comportamentos e deflagra outros como “a competição na imprensa e o aumento das tiragens e da circulação, com os conseqüentes acréscimos de publicidade e lucro” o que ocasionou uma competição fotojornalística, a necessidade de rapidez e conseqüentemente deu origem à cobertura baseada na foto única, a convenção mais perene do fotojornalismo. Mas não foi somente a competição que estimulou a convenção da foto única. O fato de os fotógrafos operarem inicialmente com 1 Palavra do idioma inglês que significa meio tom. Técnica de impressão que simula imagens em tons contínuos

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flash de magnésio também incentivou esta prática, pois este só possibilitava uma foto e também necessitava que as pessoas estivessem paradas. Por isso, no início as melhores fotos eram as que estavam mais estáticas, posadas, uma questão de precariedade do equipamento.

Para Freund (1995, p.109), o uso dos flashes de magnésio, que deixavam as pessoas quase sempre de boca aberta e olhos fechados e as câmeras muito pesadas, faziam com que a escolha pelo fotógrafo se desse “mais pela força física que pelo talento”. O que evidencia que naquele momento o objetivo dos fotógrafos era conseguir uma foto, com nitidez, não importando o aspecto das pessoas fotografadas.

1.2 - O fotojornalismo moderno

Vimos que os primeiros fotógrafos da história tinham como principal tarefa realizar fotografias isoladas, a fim de ilustrar as matérias publicadas. Freund (1995, p 112) afirma que somente quando a imagem “se torna, ela mesma, história de um acontecimento que se encontra numa série de fotografias acompanhadas por um texto, frequentemente reduzido apenas a legendas” é que se pode falar realmente da história do fotojornalismo. Ou seja, a fotografia ganha aqui mais importância se comparada ao texto, principalmente se pensarmos no espaço conquistado, já que a autora se refere a uma série de fotografias. Segunda ela (1995), isso se dá na Alemanha, durante a chamada República de Weimar, período pós-1ª guerra, entre 1919 a 1933.

Freund (p. 113) ressalta que o “espírito liberal” que se instaura no país durante esse período “permite um extraordinário florescimento das artes e das letras”. É dessa época a criação da importante escola de artes e design Bauhaus, onde diversos artistas como Laszlo Moholy Nagy terão influência decisiva, este principalmente na fotografia. Com o clima próspero, surgem também importantes revistas ilustradas por toda a Alemanha, o que viabiliza e instiga a formação de uma nova geração de fotógrafos.

Sousa (2004, p20) reafirma o argumento da autora. “A forma como se articulava o texto e a imagem nas revistas ilustradas alemãs dos anos vinte permite que se fale com propriedade em fotojornalismo”. Este é o momento em que a atividade ganha força, pois pela primeira vez na história a fotografia suplantou o texto, que agora aparecia como um complemento da imagem, reduzido a legendas. Muitos destes trabalhos publicados em sequências serão chamados por Sousa de fotodocumentais, mais adiante falaremos sobre o assunto.

De acordo com Freund (1995, p.114), os fotógrafos destas revistas também atingem uma nova posição na sociedade. São bem educados, se vestem adequadamente para os eventos a serem cobertos, falam diversas línguas. “O fotógrafo deixou de pertencer à classe dos empregados

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subalternos e passa a proceder, ele mesmo, da sociedade burguesa ou da aristocracia que perdeu fortuna e posição política, mas que preserva ainda o seu estatuto social”.

O fotógrafo mais célebre desse período foi Erich Salomon. Judeu, formado em Direito, de família burguesa, mas endividada devido aos desdobramentos pós-1ª guerra, Salomon oferece seus serviços de advogado à Casa Ullstein, onde se torna responsável pelo controle dos acordos que a empresa estabelecia com os camponeses que alugavam as paredes de suas casas para a publicidade. O advogado anexava fotografias feitas por ele com uma câmera emprestada aos processos contra os proprietários que quebravam os contratos de exclusividade. Era o espírito de fotógrafo que começava a aflorar em Salomon.

Anos mais tarde, adquire seu próprio equipamento, a Ermanox, uma câmera leve, fácil de manipular e que promete proporcionar fotografias sem a utilização do flash. Freund (p. 115) aponta.

Salomon será o primeiro a tentar a experiência de fotografar pessoas em interiores sem que elas se apercebam disso. Essas imagens são vivas porque elas não são posadas. Isso será o início do fotojornalismo moderno. Já não será a nitidez de uma imagem que lhe dará o seu valor, mas o seu assunto e a emoção que ela deverá ser capaz de suscitar.

É importante notar que a mudança nas convenções fotográficas aqui também assume um caráter social e não somente de desenvolvimento tecnológico, como alguns autores tendem a afirmar. Os equipamentos são de suma importância, mas somente se por trás deles estiverem profissionais preparados para explorá-los de forma criativa. As pessoas e assuntos flagrados pelas lentes do fotógrafo também passam a ter um novo significado, capazes de despertar emoções. E a fotografia não posada se torna um pré-requisito para o desenvolvimento de um fotojornalismo moderno.

Com a chegada de Hitler ao poder, em 1933, o clima próspero na Alemanha se dissipa e com ele o fotojornalismo alemão. Muitos fogem do país, levando estas concepções do fotojornalismo para outras partes do mundo.

Se na Europa o desenvolvimento do gênero se deu nas revistas ilustradas, nos EUA é nos jornais diários que a atividade alcançará mudanças significativas. Segundo Sousa (2004, p.21), a integração completa do fotojornalismo nos jornais americanos se deu no fim da década de trinta do século XX, com um aumento de dois terços no número de fotos publicadas, em comparação com o início da década.

As guerras também desempenharam papel importante na história do fotojornalismo. De acordo com Sousa (2004), as coberturas fotojornalísticas da Guerra Civil da Espanha (1936-1939) e da II Guerra Mundial (1939-1945) promoveram a elevação definitiva do fotojornalismo à condição de subcampo da imprensa.

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O autor (2004, p. 22) afirma que as agências fotográficas cresceram em importância após a II Guerra Mundial. O que ocasionou também uma banalização das fotografias.

Se, por um lado, a fotografia jornalística e documental encontrou novas e mais profundas formas de expressão, devido aos debates em curso e ao aparecimento de novos autores, por outro lado a rotinização e convencionalização do trabalho fotojornalístico originou uma certa banalização do produto fotojornalístico e a produção “em série” de fotos de fait-divers2. Estas duas linhas de evolução contraditórias coexistiram até nossos dias, mas

após a junção de uma terceira: a “foto ilustração”, nomeadamente a foto glamour, a foto beautiful people, e a foto institucional, que ganharam relevo na imprensa [...]

Na década de cinqüenta, romperam-se as fronteiras temáticas e conseqüentemente houve o desenvolvimento do gênero foto-reportagem. Sousa (2004, p. 22) aponta: “[...] nota-se uma importante evolução estética em alguns fotógrafos ‘da imprensa’ – documentaristas ou fotojornalistas – que cada vez mais fazem confundir a sua obra com a arte e a expressão”.

Mas mesmo com as tentativas de superar as rotinas e convenções, para o autor (2004), o pós-2ª guerra foi marcado pela industrialização e massificação da produção fotojornalística: a “fundação de agências fotográficas e a inauguração de serviços fotográficos nas agências noticiosas foram dois fatores que promoveram a transnacionalização da foto-press3 e o esbatimento das suas

diferenças nacionais” (p. 23).

No final dos anos cinqüenta do século XX, são notados os primeiros sinais de declínio nas revistas ilustradas. A crise teve origem a partir da transferência dos investimentos publicitários dos veículos impressos para a televisão. Em 1957, a Collier’s encerra suas atividades; no ano seguinte, a Picture Post e; quinze anos mais tarde, será a vez das gigantes Look e Life fecharem as portas.

Nos anos oitenta do século XX, “[...] assiste-se ao início de uma forte segmentação dos mercados da comunicação social e ao aumento da atenção que é dada ao design gráfico na imprensa”. (p.25). Sousa (2004) destaca ainda os seguintes pontos: aumento da aquisição, por parte das agências, de fotos tiradas por amadores; a inserção da fotografia nos museus, no mercado artístico e no ensino superior e; o salto tecnológico significativo (as tecnologias digitais revolucionaram as condições de transmissão e edição de imagens).

É ainda pelos anos oitenta que os fotógrafos vão começar a usar generalizadamente o computador para reenquadrar as fotos, escurecê-las ou clareá-las, mudar-lhes a relação tonal e até retocá-las. A imagem totalmente ficcional tornou-se mais fácil e rápida de criar. (SOUSA, 2000, p. 27)

2 Fait divers é um termo do jargão jornalístico que designa notícias diversas, com toques de bizarrice e

espetacularização. No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, fait divers é definido como “assuntos variados; variedades” e “notícias de pouca importância num jornal”.

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Sousa aborda aqui uma questão crucial, a construção de fotografias ficcionais, que ele relaciona aos processos de digitalização da imagem, que têm início nos anos oitenta e que irão se desenvolver nas décadas posteriores e invadir as redações de jornais e revistas. Com isso, ele acaba por pressupor que até aquele momento era possível se realizar fotografias totalmente não ficcionais, tomando como base apenas os recursos utilizados pós-imagem e ignorando as ações que acontecem antes a captação da fotografia.

Diante deste quadro histórico, é possível afirmar que a história do fotojornalismo é também uma história de convenções e de reformulações delas. E segundo o autor (2000, p.18), é através da observação do conteúdo dos manuais de fotojornalismo que se pode analisar “a evolução e as rupturas das convenções profissionais e das rotinas”. Os primeiros manuais, que datam de 1932, indicavam fotografias simples, com o motivo centrado. Nos anos de 1980 e 90, os manuais pediam fotos assimétricas, com o uso da regra-dos-terços. Além disso, os fotojornalistas deveriam apostar.

na escolha de um único centro de interesse em cada enquadramento, na não inclusão de espaços mortos entre os sujeitos eventualmente representados na fotografia, na exclusão de detalhes externos ao centro de interesse, na inclusão de algum espaço antes do motivo (inclusão de um primeiro plano, que deve dar uma impressão de ordem), na correção do efeitos de inclinação dos edifícios altos, na captação do motivo sem que o plano de fundo nele interfira (aconselhando, para tal, usar pequenas profundidades de campo, andar à volta do sujeito para que não haja elementos que pareçam sair-lhe do corpo nem fontes de luz indesejadas, etc.), no preenchimento do enquadramento de um espaço (para que aconselham técnicas como a aproximação ao sujeito ou o uso de objetivas zoom), na agressividade visual do close-in, na inclusão no enquadramento de um espaço à frente de um objeto em movimento, na fotografia de pessoas a 45 graus em situações como as conferências de imprensa. (SOUSA, 2000, págs. 20 e 21)

Atualmente, alguns manuais, além das regras de composição apresentam esquemas de abordagem dos assuntos. Keene (2002, p.123) divide as notícias em fortes e ligeiras. As fortes são as não previstas na pauta como incêndios, acidentes. Nestes casos, é preciso que “o fotógrafo tenha sorte de chegar ao local de um incidente enquanto este ainda está em curso [...]. O mais importante é o conteúdo; melhorar a composição, ou encontrar outro ponto de vista pode ficar para depois”. (p.124).

As notícias consideradas ligeiras são as que possibilitam maior planejamento da cobertura, pois atendem a uma pauta. O autor insere nessa classificação as pautas de atualidades, esporte, moda, publicidade. Como são realizadas com tempo um pouco menos apertado, o fotógrafo pode recorrer ao recurso da pose dos fotografados, principalmente quando o assunto envolve uma personalidade.

Além das classificações determinadas por Keene, Sousa (2004) destaca os retratos e as picture

stories (histórias em fotografias). A existência do retrato fotojornalístico deve-se, principalmente,

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matérias. O autor (2004) divide esse tipo de fotografia em: retrato individual, de uma única pessoa; retrato coletivo, de um grupo de pessoas; retrato ambiental, que aproveita elementos do ambiente onde o sujeito ou o grupo é retratado, para salientar determinadas características e; retrato não-ambiental, que mostra apenas rosto e ombros de uma pessoa, sem identificar o ambiente onde ela está.

A difícil tarefa do fotojornalista ao retratar alguém consiste em procurar não apenas mostrar a faceta física exterior da pessoa ou do grupo em causa, mas também em evidenciar um traço da sua personalidade (individual ou coletiva, respectivamente). A expressão facial é sempre muito importante no retrato, já que é um dos primeiros elementos da comunicação humana. (SOUSA, 2004, p. 97)

As histórias em fotografias se configuram num gênero em que um conjunto de imagens pretende relatar amplamente um determinado tema, isto é, seus vários aspectos. Para Sousa (2004, p. 101), este é o gênero “nobre” para o fotojornalista, “aquilo que a reportagem é para o redator”.

O autor subdivide as picture stories em foto-ensaio e foto-reportagem. O foto-ensaio procura analisar a realidade e opinar sobre ela, portanto permite ao fotógrafo escolher um ponto de vista sobre os fatos, conferindo-lhe mais liberdade autoral. Já a foto-reportagem tem o objetivo de “situar, documentar, mostrar a evolução e caracterizar desenvolvidamente uma situação real e as pessoas que a vivem” (p.104), sem posicionar-se diante dos fatos. Portanto, cabe ao fotojornalista apenas registrar a realidade do modo mais objetivo possível, sem opinar nem interferir.

Jornais de grande circulação e prestígio também começaram a produzir seus próprios manuais de jornalismo (com seção dedicada ao fotojornalismo também). Caso do jornal Folha de S. Paulo. Em 1984, o periódico criou o projeto Folha, que dentre as inúmeras inovações, lançou o Manual Geral da Redação, onde constavam regras gramaticais, recursos de padronização de linguagem, além de noções de produção gráfica. Mais tarde, em 1992, foi criado o Novo Manual de Redação (com versão revista e ampliada em 2001), onde a padronização deu lugar à flexibilização das regras. O que é confirmado logo na introdução, as normas “apostam na iniciativa e no discernimento individuais, na inventividade das soluções em cada caso e na disposição para manter o jornalismo em aperfeiçoamento constante” (p.7).

No item dedicado à fotografia, as indicações não são técnicas, mas de postura do profissional frente ao amplo campo de sua atuação. Segundo o manual (2001, p32), a fotografia é muito mais que um complemento do texto “não serve apenas para ‘arejar a página’ ou ‘valorizar a notícia’, tampouco para preencher eventuais vazios que a falta de planejamento tenha criado”. Sendo assim, o repórter-fotográfico deve evitar o isolamento em seu universo essencialmente técnico e se envolver com todo o processo de produção de uma edição de jornal.

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Sua cultura geral e seu grau de informação a respeito não somente do foco de sua atenção, mas também de todos os seus contextos e implicações, são tão importantes quanto o seu envolvimento com o corpo da Redação, como uma peça imprescindível ao seu funcionamento.(2001, p32)

Podemos perceber que os manuais foram também adquirindo novos contornos no decurso do tempo. Inicialmente, davam indicações técnicas; depois esquemas de abordagem, a fim de orientar o fotógrafo no tratamento do tema fotografado e, por fim, os próprios veículos de comunicação impressos começam a padronizar os trabalhos não somente fotográficos, mas de toda a estrutura de construção das notícias nos jornais e revistas, já que as indicações destes manuais também se referem às atividades de redação, edição e diagramação.

Com isso, as rotinas de trabalho também sofreram alterações, mas ao contrário do que indicava o manual da Folha, por exemplo, não foram abertos espaços para a flexibilização das regras. A atividade do profissional foi ficando cada vez mais atrelada aos anseios dos veículos de difusão, ou seja, o fotógrafo foi perdendo seu estatuto de autor na medida que se foi aproximando dos canais de distribuição massiva.

1.3 - Observação das fotografias publicadas na mídia impressa atual

A partir do elenco de informações descritos anteriormente a respeito da história do fotojornalismo e de suas convenções, fomos para o campo da observação.

Com a perspectiva de reconhecer os tipos e os locais onde são expostas as fotografias nos veículos de comunicação impressos brasileiros, realizamos uma pesquisa por amostragem, aplicada aos dois jornais de grande circulação no Estado de São Paulo – Folha de S. Paulo e O Estado de

S. Paulo, e também em três edições da Revista Carta Capital. Os períodos observados na Folha

compreenderam de 20 a 31 de dezembro de 2009 e de 09 a 12 de janeiro de 2010. No Estado foi examinado também o período de 09 a 12 de janeiro de 2010. Na Carta Capital, a verificação se deu nas edições de 2 e 16 de julho de 2008 e de 10 de setembro de 2008.

Notamos, como já era esperado, que grande parte das fotografias publicadas nos veículos impressos são os chamados instantâneos fotográficos, ou seja, flagrantes de acontecimentos ou pessoas com composição bastante simples, como as produzidas por Erich Salomon na Alemanha, no início do século XX, contrariando o que dizem os manuais abordados anteriormente, sobre a flexibilização de regras. Os jornais e revistas também seguem o culto da foto única, são raros os momentos em que uma matéria é ilustrada por duas ou mais fotografias. Neste caso, a atualidade não corrobora a chamada “fase moderna”, descrita por Freund, do fotojornalismo na Alemanha, já

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que hoje o uso da foto isolada está em ascenção, diferente do que se fazia nas revistas ilustradas da época.

Apesar da grande quantidade de imagens encontradas nos meios impressos, é escasso o número de fotografias de conteúdo editorial. Elas disputam espaço com os textos, anúncios publicitários e, constantemente, são substituídas por ilustrações e infográficos.

Já é notório que a mídia impressa, desde meados dos anos 90 do século XX, passa por uma crise profunda. Segundo informações do MidiaDados e do IBGE, de 1996 a 2006 a circulação de exemplares no Brasil teve uma redução de 11%, que passou de 3,5 milhões de exemplares por dia, em 1995, para 3,09 milhões de exemplares por dia, em 2005. Daí a redução do espaço editorial.

Para Righetti e Carvalho (2008), como o modelo de negócios dos veículos impressos no Brasil tem como principal fonte de receita os anúncios publicitários, cujo mercado procura os nichos que atinjam o maior número de pessoas, a queda de circulação de exemplares afugentou os anunciantes. A penetração da internet é um fator importante na mudança do cenário impresso, mas como apontam Meyer (2004) e Boczkowski (2004) apud Righetti e Carvalho (2008) a televisão ainda se mantém como espaço privilegiado para a ação da publicidade.

Christian Caujolle (2000), fundador da agência de fotografia Vu, afirma que graças aos interesses econômicos que regem o modelo de negócios dos jornais e revistas no Brasil, os canais de difusão “se apropriam da imagem fotográfica e, tirando vantagem de sua dimensão polissêmica, fazem com ela aquilo que consideram útil comercialmente [...], é pega como refém de operadores que a fazem dizer aquilo que eles desejam”. Ou ainda, exploram a relação de cerceamento entre o verbal e o não verbal, pois fotografias em jornais e revistas vêm sempre acompanhadas de textos e sob esta perspectiva seus significados estarão atrelados aos da linguagem. Apesar da imensa oferta de fotografias na sociedade atual, o texto domina a recepção das imagens.

Sendo assim, o fotógrafo-autor desaparece e a fotografia se torna um objeto do jornal. Talvez seja por isso que muitas das fotografias observadas na pesquisa obedecem às velhas convenções fotojornalísticas dos manuais.

No entanto, foi possível verificar um número considerável delas que apresentavam linguagem mais elaborada, como uso de grande-angular, efeitos de velocidade e de luz, além de algumas seqüências fotográficas. Foi uma surpresa encontrar a maior parte destas imagens nos cadernos Cotidiano e Dinheiro, da Folha, e Metrópole/Cidades, do Estadão, em suas edições dominicais. A sua presença nos espaços menos “nobres” (que tratam do cotidiano das cidades) e onde as fotografias são escassas (caderno dinheiro, que traz as matérias de economia, normalmente ilustradas por infográficos) e seu número reduzido e eventual não permitem considerar a existência de um novo cenário fotográfico se configurando na mídia impressa brasileira, mas indicam que uma pequena parcela de fotógrafos resiste à padronização.

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Vejamos dois exemplos.

Na edição do dia 30 de dezembro de 2009, a Folha trouxe na capa, na parte inferior da página, uma fotografia de Joel Silva não muito convencional (foto 1). Ela foi captada com uma lente grande-angular, pois há um efeito circular notado no fundo da imagem; observamos também o uso de um recurso técnico chamado panorâmica. Para realizá-lo o fotógrafo deve selecionar uma velocidade mais baixa do obturador e acompanhar o movimento do objeto fotografado. Neste caso, nosso objeto é um homem usando uma espécie de cocar, de cor amarela com enfeites dourados, vestindo uma camiseta azul e branca, bem ao estilo dos uniformes dos times de futebol. Ele parece se movimentar. E as perguntas se dão. Seria um índio num ritual? Ou então, um homem num baile de carnaval ou numa escola de samba? Um índio com uniforme de futebol? Estaria ele jogando uma partida? Mas na medida que nos voltamos para o contexto, a capa do jornal, sanamos nossa curiosidade. Trata-se de um corredor do Amazonas, treinando para a Corrida de São Silvestre, evento que sempre acontece em São Paulo no último dia do ano. Mas o jornal não se furta em fazer uma certa ironia, que se apoia no suposto preconceito dos leitores. O texto da legenda tem o seguinte título: Programa de índio. E mais uma questão nos vem à mente. Por que o jornal optou por essa imagem e não por uma onde as informações estavam mais claras?

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Considerando que a fotografia foi publicada na capa, espaço privilegiado e estratégico do jornal, já que na banca vai ser o principal chamariz para o leitor, o uso dessa foto pode ser justificado pela platicidade, pois a composição traz algo de incomum. E exatamente por suas informações não serem muito claras, o veículo pôde construir seu sentido para ela, que nos parece ser uma espécie de crítica ao evento, ou mesmo aos corredores brincalhões que participam da corrida só por diversão, ou ainda para dar um certo tom de exotismo a ela. O interessante neste caso é que o jornal traz uma imagem bastante diferente do que a TV poderia produzir, que por ser estática reproduz o movimento de uma forma bastante original, sendo impossível de ser imaginado fora da representação fotográfica. É uma pena que a tenha usado de forma a disseminar um significado que esbarra no preconceito.

Em 30 de dezembro de 2009, o mesmo jornal paulistano publicou na coluna Mercado Aberto, do caderno Dinheiro, uma fotografia ainda mais curiosa, levando-se em conta o perfil mais “sisudo” do suplemento, que trata de temas relacionados à economia. Na imagem (foto 2), em plano médio, temos um homem em pé vestindo calça jeans, paletó e gravata, ele está encostado numa parede de tom vermelho. Do seu lado direito, vemos um tronco de árvore de pequena espessura e, à esquerda, a janela de um porão, já que ela se encontra na altura das pernas dele. No primeiro plano, quase que encobrindo o homem descrito, percebemos um vulto, que parece ser de uma mulher andando apressadamente pela calçada. Esse efeito de movimento foi produzido devido a baixa velocidade de obturação ajustada pela fotógrafa Marlene Bergamo, autora da imagem.

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Analisando a fotografia fora do contexto do jornal, poderíamos afirmar que trata-se da representação da relação entre homens e mulheres na sociedade moderna. O homem aparece nítido no momento atual, porém um pouco mais relaxado que outrora, onde toda a responsabilidade de provedor da família recaía sobre ele, este relaxamento é expressado pela roupa, que mistura elementos formais e despojados, e pela atitude corporal. A responsabilidade ele agora divide com a mulher, cuja posição ainda não está confirmada, daí sua apresentação em forma de espectro, mas que vem se afirmando de forma cada vez mais acelerada. O fato da mulher se encontrar no primeiro plano da imagem e quase que sobre o homem, sugere que ela possa futuramente se sobrepor a ele em vários aspectos, e talvez até já o faça em alguns setores profissionais.

Porém, ao voltarmos para o contexto em que a fotografia foi publicada, ou seja, o jornal Folha de S. Paulo, coluna Mecado Aberto, caderno Dinheiro, nossa interpretação é outra, pois o homem passa a ter uma individualidade e uma função específica e a mulher em espectro talvez seja apenas fruto de um acaso, ou mesmo tenha servido a uma função estético-fotográfica. O homem nítido é o escritor Jorge Caldeira, que acabava de lançar na época um livro sobre a história econômica do Brasil colonial sob uma ótica, segundo o jornal, “diferente da difundida por marxistas e conservadores”. Daí podemos relacionar os elementos constitutivos da fotografia de formas diversas; a roupa poderia ser uma referência a essa nova ótica do escritor, que não é nem conservadora, nem socialista; o ambiente ao fundo, uma construção mais antiga, com a época

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que o livro se debruça, o Brasil colonial; sem contar o efeito utilizado pela fotógrafa que dá um tom ousado à imagem, tirando-a do lugar-comum das representações fotográficas de escritores e economistas. Qual seria então a justificativa para a publicação da foto num caderno onde fotografias muitas vezes são substituídas por infográficos? Talvez a resposta esteja exatamente nesse ponto. Os cadernos de economia não têm tanto compromisso com o factual e sim com análises e interpetações de dados (daí a grande presença dos gráficos), o que acaba por abrir espaços para a publicação de fotografias em composições mais criativas, pouco usadas em outros cadernos.

Mas como vimos, tratam-se de exceções, pois imagens assim não aparecem com frequência nos jornais e revistas brasileiros. Segundo Caujolle (2000), a mídia impressa ainda não encontrou um posicionamento diante da televisão, daí o pouco espaço dedicado a uma nova produção fotográfica nos jornais, que permanecem reproduzindo os estereótipos visuais, as formas consagradas de representação da realidade que até certo momento na história despertavam a atenção e a comoção dos espectadores/leitores, mas que agora pouco provocam, pouco estimulam, pois a televisão explora com muito mais competência tais sensações. As imagens televisivas ocupam mais espaço na vida das pessoas, ligar a TV é a forma mais fácil e barata de buscar informações. Para o autor (2000), “se a imprensa não der um lugar justo à fotografia ela se abaterá”, será substituída pela TV e pela internet, já que se os jornais não trouxerem imagens diferentes da televisão, perderão grande parte de seu apelo visual. E acrescenta que a saída está no investimento na “foto de autor”. A fala de Caujolle demonstra a importância em se manter presentes as fotografias nos jornais e, por isso, aponta uma saída.

1.4 - A fotografia autoral

Os veículos de comunicação impressos vivem um dilema devido a imensa concorrência promovida pela televisão e pela internet. As fotografias, em sua maioria, publicadas em jornais e revistas, estão estagnadas num modelo constituído antes da penetração massiva destes meios. O que dizer dos fotógrafos?

Muitos deles continuam a produzir somente para jornais e revistas. Outros buscam caminhos alternativos para mostrarem seu posicionamento político, como os livros e exposições. Ou então, transitam pelos dois universos. Entendemos política aqui em seu sentido filosófico, como determinadas escolhas estéticas, intervencionistas da realidade, adotadas por fotógrafos em busca de um estatuto de autor. Esses fotógrafos-autores, aponta Caujolle (2000), “conscientes de que a televisão é um meio de notícias e que a maior parte da imprensa é desesperadamente medíocre, estão preocupados com a forma que escolhem quando apresentam suas imagens ao investigar o

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mundo real”.

Neste caso, estamos falando não mais da fotografia do jornal, mas da fotografia do fotógrafo no jornal. Segundo o autor (2000).

O ideal é que os fotógrafos transmitam aos que vão olhar suas fotos, suas impressões e nesse sentido é necessário que eles criem uma escrita própria, onde possam escolher entre a fotografia em preto e branco ou colorida ou mesmo as duas, onde possam decidir qual tipo de câmera, fazer fotos quadradas, retangulares ou panorâmicas e de inserir elementos com uma coerência visual que nos permita entender.

Alvarenga (1994) parece ir pelo mesmo caminho quando define o Fotodocumentarismo. Fotografia documentária é um gênero fotográfico que prima pela concepção construtiva da realidade. É dado ao autor o ato de criar, não segundo a natureza, mas em igualdade com ela. Há sempre uma colaboração entre fotógrafo e realidade que cria uma linguagem capaz de expressar fotograficamente a complexidade do momento vivenciado. ( p. 223)

Aqui, como na abordagem de Caujolle (2000), a palavra autor também ganha força e novamente o distanciamento entre o autor-fotógrafo e o jornal se torna ainda mais evidente.

Alvarenga (1994) ressalta que, num certo momento da história do fotodocumentarismo, mais especificamente na primeira metade do século XX, as revistas ilustradas deram grande espaço aos trabalhos fotográficos que tratavam de temas sociais, que inicialmente eram o grande filão do gênero, mas exatamente devido a chegada da televisão e a consequente transferência de investimentos publicitários para esse novo meio de comunicação, as fotos documentais perderam o espaço das revistas e alcançaram visibilidade em outros suportes. Esta proximidade dos trabalhos fotodocumentais com as revistas talvez explique a grande quantidade de relações que são feitas entre os gêneros fotodocumentarismo e fotojornalismo.

Para Sousa (2004, p.12), o “fotojornalista fotografa assuntos de importância momentânea, assuntos da atualidade ‘quente’. Já os temas fotodocumentarísticos são tendencialmente intemporais”. Mas fotografias que tratam da atualidade quente podem se tornar intemporais logo após serem retiradas de contexto. Assim como, fotografias que tratam de determinados temas ditos pelo autor como intemporais, podem num determinado contexto assumirem o significado do momento. O que talvez seja mais conveniente abordar é a questão da rotina de trabalho.

Enquanto o chamado fotodocumentarista tem condições de desenvolver um projeto fotográfico e estudar profundamente o tema que vai fotografar, o fotojornalista, quando chega diariamente ao seu local de trabalho, raramente sabe o que vai fotografar e em que condições o vai fazer.

Além disso, o tempo dedicado ao tema, às vezes, não passa de alguns segundos. Estamos diante de uma questão importante – o tempo de permanência de um fotógrafo no local em que deve extrair aspectos significativos da realidade. Muitos deles se ressentem da falta de tempo e de espaço.

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O fotógrafo Rogério Reis (1989, p.41), por exemplo, diz “uma das coisas que me incomodam no jornalismo é a falta de tempo, isto é, o imediatismo: vai lá, volta correndo.” André Dusek (1989, p. 41), referindo-se à sua atividade de fotojornalista fala de uma espécie de incapacidade em expor seu ponto de vista: “procuramos fazer um trabalho pessoal, mas há limitações muito grandes”. E acrescenta, “no gabinete do presidente tem-se trinta segundos a um minuto para fotografar – nunca se passa de um minuto – e tem a limitação do espaço. Há seguranças de um lado e de outro. Todos os fotógrafos têm quase o mesmo ângulo para fotografar”.

Reis e Dusek levantam uma questão muito importante, pois para o fotógrafo dar seu ponto de vista, e é isso que o autor faz, necessita de liberdade formal e tempo para aprofundar seu contato com o universo a ser fotografado. Para isso, a definição de um projeto é essencial, atitudes incompatíveis com o ambiente das redações dos jornais e revistas, onde tempo e liberdade estão fora da pauta há muito tempo.

No Brasil, muitos fotógrafos buscam o espaço dos livros para mostrarem seus posicionamentos diante do mundo. A opção por esse tipo de abordagem, que sugere também assumir uma nova rotina de trabalho, proporciona um pouco mais de autonomia ao profissional. Uma reflexão a ser feita quando falamos em livros de fotografia é a relação entre os textos e as imagens, que podem assumir outros contornos, diferentemente do que acontece nos jornais. Mitchell (2002) observa esta questão no que ele chama de ensaio fotográfico.

1.5 - O ensaio fotográfico

Nos jornais e revistas os textos aparecem em grande quantidade e cercam as fotografias por todos os lados – aparecem em forma de títulos, legendas, destaques, reportagens. Possuem um objetivo quase que didático, pois tendem a explicar o conteúdo das imagens, dirigindo sobremaneira seus significados. Nos livros, e é muito difícil encontrar um álbum fotográfico que não os tenha, os textos podem ser inseridos de outras maneiras e estabelecer outras relações com as fotografias. É o que nos apresenta Mitchell (2002).

Segundo o autor (2002, p.105), o ensaio fotográfico pode ser classificado como um subgênero “(ou será uma mídia no interior da mídia?)” onde esta relação entre fotos e textos pode adquirir contornos diferentes dos comumente encontrados nos jornais e revistas. Mas por que ensaio fotográfico?

Mitchell (2002) usa o termo ensaio, numa referência ao ensaio textual e justifica a expressão ensaio fotográfico. Para ele (p.107), há três pontos onde fotografia e ensaio textual se cruzam.

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a primeira é a suposição de uma realidade de referência comum: não “realismo”, mas “realidade”, não ficção, mas até “cientificidade” são as conotações genéricas que ligam o ensaio à fotografia. A segunda é o companheirismo íntimo entre o ensaio informal ou pessoal, com sua ênfase em um “ponto de vista” privado, na memória e na autobiografia, e o estatuto mítico da fotografia como uma espécie de rastro da memória materializado, imerso no contexto de associações pessoais e “perspectivas” privadas. Terceira, é o sentido etimológico do ensaio como uma tentativa parcial, incompleta, um esforço para apanhar, tanto quanto os limites de espaço e da engenhosidade do escritor permitirem, a verdade sobre algo a seu alcance.

A fotografia também se mostra incompleta. Ela não pode dizer tudo, na verdade como afirma Caujolle (2000) ela não diz, ela mostra. Esta relação entre textos e fotos explicitada por Mitchell, o chamado ensaio fotográfico, pode ser bem diferente daquela que se encontra nos jornais, onde imagens ficam aprisionadas numa estrutura rígida que não permite o extracampo.

Para o autor (2002), a invasão das fotografias pela linguagem pode também, em alguns casos, criar certa resistência, permitindo uma interpretação para além da própria imagem. E é a partir desta resistência, segundo ele, que devemos tratar a questão. Na perspectiva de Mitchell (2002, p.104),

isso não deve sugerir que a resistência é sempre bem-sucedida, ou que a “conivência” e o “intercâmbio” entre a fotografia e a linguagem são impossíveis ou automaticamente indesejáveis, e sim que o intercâmbio, que parece tornar a fotografia apenas uma outra linguagem, um complemento ou apêndice à linguagem, não faz sentido sem a compreensão da resistência que ele supera.

O autor nos apresenta um exemplo. No livro de fotografias sobre os cortiços de Nova Yorque How the other half lives, de Jacob Riis, Mitchell observa que logo no início o texto aborda um incidente ocorrido no momento em que as fotos eram realizadas – um incêndio ocasionado pela pólvora do flash de Riis (era final do século XIX e os fotógrafos ainda operavam com flash de magnésio). No entanto, as fotografias que acompanham o relato não mostram o incêndio, nem mesmo os estragos causados por ele, “o que vemos, em vez disso, são cenas da miséria nos cortiços, nas quais pessoas atordoadas (que eram frequentemente acordadas de seu sono) são exibidas num susto passivo, sob a crua iluminação da pólvora do flash de Riis”. (2002, p.105). Na hipótese do autor, quando Riis insere esse texto que em nada explica o conteúdo das fotografias, ele subverte seus sentidos e as coloca em questão. Sendo assim, textos e imagens se tornam independentes e “uma resistência aparece na relação foto-texto; nos movemos com maior dificuldade, mais lentamente, do ler para o olhar.” (p.105)

Mais um ponto de reflexão neste percurso de desmontagem dos gêneros fotográficos. Vimos que se os suportes mudam; se as formas de inserção dos textos em relação às fotos mudam, sugerindo tensão, no lugar da esperada complementariedade; as fotografias passam a receber novos

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nomes – fotojornalismo, fotodocumentarismo, fotografia autoral, ensaio fotográfico. E os fotógrafos assumem outras rotinas de trabalho, mas continuam a praticar o mesmo ato, o de fotografar.

Na visão de Caujolle (2000), fotojornalismo não existe.

O que existe são profissionais que trabalham e publicam na imprensa. O que existe são fotógrafos que têm dado à fotografia um papel de documentário e que querem ver suas investigações impressas em milhares ou milhões de cópias.

Quando foi editor do periódico francês Libération costumava enviar fotógrafos acostumados a fazer esporte para cobrir eventos de moda ou vice-versa, além disso, publicava trabalhos não encomendados de artistas das mais diversas áreas. Com isso, ele discutia os gêneros, indicava outros caminhos para a produção fotográfica nos jornais, desafiando classificações.

O fotógrafo Evandro Teixeira, objeto de estudo deste trabalho possui um vasto material publicado nos jornais e revistas brasileiras. Em 1982, com reedição em 1988, parte dele foi compilado num livro intitulado Fotojornalismo, no qual nos deparamos com um conjunto de imagens, retiradas de seu contexto jornalístico e dispostas de forma a construir uma história contada por Evandro, ou melhor, contada através dos olhos e das lentes de Evandro. E aí as classificações ficam muitos difíceis de serem sustentadas. Nas palavras de Otto Lara Resende, em texto presente no livro, o documentário exposto “fala do nosso mundo e fala de quem o viu, de quem o fixou”.

Observemos a foto (3) da Rainha Elizabeth II, realizada em São Paulo em 1968. O fotógrafo supera os limites da foto protocolar e capta o momento em que ela arruma o vestido para se sentar

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no interior do automóvel oficial, uma atitude das mais prosaicas, muito distante daquela que a coloca em sua posição de rainha. Vimos então a ousadia do fotógrafo, que não se contentou com o convencional e arriscou uma espiada no interior do carro da rainha e a flagrou a sua maneira, assumindo assim as consequências de seu ato. Teixeira logo depois foi descoberto por um segurança que o empurrou bruscamente. A ação resultou numa fratura no cotovelo.

Na foto (4) do encontro entre o Rei Olavo da Noruega e o presidente Costa e Silva no Rio de Janeiro em 1967, mais uma vez a ousadia e a coragem de Teixeira se mostram. O presidente militar parece anunciar um tapa no rei, que se esquiva. Há uma dose de humor e ironia, há também a possibilidade da cena ter sido obra do acaso fotográfico, mas sem dúvida a busca por uma maneira própria de registrar o poder, fugindo novamente aos protocolos, reforça a autoria do fotógrafo.

É possível dizer que em cada imagem do livro, a opção do fotógrafo por contrariar as convenções, ou ainda, por procurar outro viés da indicação padrão da pauta se torna mais evidente. Peguemos duas imagens referentes às visitas de papas. A primeira (foto 5) trata da vinda do Papa João Paulo II, ao Rio de Janeiro, em 1980. Ao contrário de nos depararmos com a típica foto de fiéis disputando um espaço para alcançar maior proximidade do religioso, vemos uma freira sendo carregada por policiais, como uma garota eufórica num show de rock. Novamente temos a visão bem humorada de Teixeira posicionado num local onde não é possível ver nenhum outro fotógrafo ou membro da imprensa, ou seja, fora do lugar padrão.

A segunda fotografia (foto 6) apresenta a visita do Papa Paulo VI a Colômbia em 1968. Mais uma vez o fotógrafo nos surpreende. Traz um plano fechado de um poster com a imagem

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do papa e recostado nele um bebê envolvido por uma mão gigante. Se pensarmos nas reflexões de Caujolle acerca da fotografia autoral, avessa aos estereótipos visuais, a imagem de Evandro nos apresenta como diz Otto Lara Resende “evidências ocultas”. Sem dúvida alguma, vemos algo que em nada se assemelha ao que é produzido pela televisão, ou seja, o fotógrafo impõe seu ponto de vista, e nos permite ver outra versão do evento.

Uma constatação: apesar das fotos das visitas dos papas, por exemplo, terem sido feitas em épocas distintas, provavelmente com equipamentos distintos, a estética, a posição política de Teixeira não muda, seu modo de fotografar permanece. O que acaba por desconstruir a ideia de que talvez o desenvolvimento tecnológico tenha mudado as convenções fotográficas. As práticas só mudam se os fotógrafos assim o quiserem.

FOTO 5

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1.6 - Fotografia e realidade

As discussões acerca do caráter realista da fotografia são inúmeras. Muitos autores se debruçaram sobre o assunto, a fim de estabelecerem parâmetros formais a respeito de seu estatuto. Dubois (2000, p.26) propõe um percurso histórico das principais correntes que tratam da relação da fotografia com a realidade. Ele aponta três momentos. O primeiro toma a fotografia como espelho

do real. Em reação a esse discurso ingênuo, uma nova corrente se forma e define a fotografia como impressão do real, um espelho não neutro pronto para ser interpretado segundo códigos culturais. O

terceiro momento toma a fotografia como traço de um real, ou seja, apesar de toda a possibilidade de codificação em torno dela e sobre ela, “subsiste apesar de tudo na imagem fotográfica: um sentimento de realidade incontornável [...]”.

Para o autor (2000), a fotografia estabelece uma conexão física entre o índice (marca, objeto que corresponde) e seu referente. E aponta três eixos que caracterizam esta conexão.

1 – Singularidade – índice reproduz aquilo que é particular. O referente jamais pode se repetir existencialmente, já que a fotografia é marca do tempo, e é impossível retornar o tempo.

2- Atestação – o índice atesta aquilo que existiu. Fotografia como atestado de presença. A fotografia pode mentir sobre o sentido da coisa, mas não sobre a existência.

3 – Designação – aponta, indica, ali! O fotógrafo aponta algo para alguém.

Mas, segundo Dubois (2000), esse caráter designatório da fotografia em nada tem a ver com “representação figurada da imagem, é uma designação bem mais essencial, que opera aquém de qualquer figuração, no nível ontológico da imagem”. (p.77) e que implica, juntamente com os princípios de singularidade e atestação, “plenamente o próprio sujeito na experiência, no experimentado do processo fotográfico”. (p. 78). O autor nos aponta aí o fotográfico, aquilo que difere a fotografia de todos os outros meios de representação e através desse conceito justifica os diversos usos e valores relacionados ao meio. Usos esses que atribuem à foto uma força particular, pessoal, parte dos jogos do desejo e da morte “algo que faça dela um verdadeiro objeto de crença, além de qualquer racionalidade, de qualquer princípio de realidade ou de qualquer esteticismo”. (p.79)

No entanto, para Kossoy (2005, p41), o índice e o ícone apesar se serem “inerentes ao registro fotógrafico – embora diretamente ligados ao referente no contexto da realidade -, não podem ser compreendidos isoladamente, ou seja, desvinculados do processo de construção da representação”.

De acordo com o autor (2002, p.22), a realidade da fotografia não é a mesma do assunto que a originou. “Trata-se da realidade do documento, da representação: uma segunda realidade, construída [...], mas que é, todavia, o elo material do tempo e espaço representado, pista decisiva

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para desvendarmos o passado”.

A segunda realidade se constitui de elementos que resultam da relação assunto/fotógrafo/ tecnologia, e se desdobram em componentes de ordem material, relacionado aos recursos técnicos; e imaterial, mentais e culturais. “Estes últimos se sobrepõem hierarquicamente aos primeiros e com eles, se articulam na mente e nas ações do fotógrafo ao longo de um complexo processo de

criação” . (KOSSOY, 2002, p.26)

Sendo assim, seja qual for o objetivo do fotógrafo, se sua motivação tem algo pessoal ou se atende a uma demanda profissional, ele “influirá decisivamente na concepção e construção da imagem final” . (p.27)

Portanto, apesar da fotografia ser tomada como um traço do real, colada que está ao seu referente (caráter documental), também resulta do processo de criação do fotógrafo (caráter representacional). O que Kossoy (2002) chama de “dualidade ontológica que convive perenemente nos conteúdos fotográficos”.(p. 35)

Para Alvarenga (1994), uma transformação importante no ato fotográfico foi sua passagem de descritivo para narrativo. Após ser considerada, num primeiro momento, “o mais confiável de todos registros visuais existentes” (p. 92), a fotografia passa a ser entendida em seu aspecto simbólico, isto é, como visão ou representação que o fotógrafo tem da realidade.

Além disso, há que se considerar também neste universo complexo que é o da fotografia, os mecanismos internos que se referem ao processo de construção da interpretação, que de acordo com Kossoy (2002, p.44), “é elaborado no imaginário dos receptores, em conformidade com seus repertórios pessoais, culturais, seus conhecimentos, suas concepções ideológicas/estéticas, suas convicções morais, éticas, religiosas, seus interesses econômicos, profissionais, seus mitos”. O que significa dizer que não existem interpretações neutras.

Sendo assim, a objetividade não é uma característica fundamental na fotografia. Segundo Alvarenga (1994), “[...] o ato fotográfico é interpretativo, [...] a fotografia não passa de uma forma extremamente frágil de ‘citar’ aspectos da realidade”. (p. 256)

Fazendo um paralelo com as convenções que permeiam o fotojornalismo, podemos refletir sobre qual conceito de fotografia se baseiam tais padronizações. Talvez suas bases estejam fincadas naquela ideia primeira da fotografia como espelho do real. Já que os esforços de se reproduzir a fotografia de caráter apenas documental, se refletem no grande número de fotografias não posadas encontradas nos jornais, onde o fotógrafo e seu equipamento não devem ser evidenciados, como numa negação de seu caráter representacional. Segundo Bodstein (2006, p.96), “o trabalho do fotógrafo finca-se como o de capturar a evidência de um índice, recompondo ‘vestígios testemunhais’ de realidade por técnicas de tratamento visual que visam ‘purificar’ tais vestígios e lançá-los ao patamar do signo máximo de condensação de significados”.

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Diante desse quadro, convém perguntar porque apesar de toda esta gama de estudos acerca do estatuto representacional da imagem fotográfica, no fotojornalismo ainda persiste a convenção do instantâneo fotográfico, da foto não posada, como sinônimo de naturalidade e, conseqüentemente, de realismo.

São muitos os exemplos de fotografias não posadas que tiveram sua “veracidade” contestada. Um caso clássico, que já mereceu diversos artigos é o da foto Morte de um soldado legalista (foto 7), feita durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39) pelo célebre fotógrafo Robert Capa. A imagem se tornou ícone da fotografia de guerra e registra o exato momento em que um homem é atingido por uma bala.

Num primeiro olhar a imagem impacta e parece não deixar dúvida, o homem da foto está morrendo. Mas observando-a de forma mais atenta muitos elementos podem suscitar dúvidas. A figura, chamada na legenda de soldado, veste roupas civis e limpas; parece ter recebido uma bala na cabeça, mas não há nenhum sinal de sangue. O contexto da imagem também não pode ser identificado, já que o suposto soldado está sozinho num campo aberto. Seu rosto não está definido, impossível saber exatamente de quem se trata. No entanto, trata-se do típico retrato instantâneo, sem pose aparente, marca convencional da fotografia de realidade, e que por isso não deveria deixar dúvida quanto a sua autenticidade, mas deixa.

Citamos esse exemplo para realçar a fragilidade dessa ideia de que é possível através de um retrato informal, não posado, imprimir total credibilidade à cena fotografada. Digamos que a imagem de Capa tenha sido totalmente encenada, que o soldado não tenha morrido e que talvez nem fosse realmente um soldado. O que isso importa? O que se considera é a verossimilhança com a

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realidade, aqui criada através da fotografia. Essa é a lógica do jornalismo como bem definiu Bodstein (2006, p. 145), “Ficcionar é fornecer relatos verossímeis, construídos na lógica da representação, por argumentos factíveis, cuja linguagem doma os sentidos coroando a versão como mais plausível em seus constitutivos, portanto, mais consistente que o próprio real que o inspirou”.

Para Caujolle (2000), a fotografia expressa uma marca do passado, algo inacessível no tempo presente. Significa dizer que nenhuma fotografia é objetiva, seja ela posada ou não, exposta num jornal ou numa galeria. O editor é enfático.

Sendo assim, segue-se que a maneira pela qual a imprensa insistentemente usa a fotografia como testemunho da realidade e prova de sua própria veracidade é com toda certeza a maior mentira destilada pela mídia durante os últimos cem anos.

No entanto, muitos fotógrafos vinculados a jornais e revistas parecem também se guiar por uma visão ingênua. Orlando Britto, fotógrafo que durante muito tempo cobriu política em Brasília, afirma (1989, p. 38).

Fotografia reproduz o real. Você não está ali para mostrar mentira. [...] Atualmente a fotografia alcançou uma importância tão grande na comunicação de massa que ela já faz parte da agenda das autoridades. Há solenidades acontecendo com a simples finalidade de serem fotografadas”.

Vejamos a contradição nas afirmações. Se um fotojornalista não pode mostrar mentira, mas alguns acontecimentos ocorrem somente para serem fotografados, de que verdade falamos? A situação descrita pelo fotógrafo fala numa encenação para a fotografia, a fim de exatamente pessoas importantes, políticos, cientes do traço indicial da fotografia, como a reprodução do real, criarem talvez “falsas” representações de si mesmos. Não podemos falar da veracidade das cenas captadas, mas discutir seus propósitos e significados, o que não parece estar muito claro para Britto.

Fizemos essa explanação, com o intuito de deixarmos mais claros os princípios que regem esta pesquisa. No próximo capítulo abandonaremos as classificações e trabalharemos com outras hipóteses de interpretação de fotografias. Para isso, nos debruçaremos especialmente sobre a produção fotográfica de Evandro Teixeira observada em seu livro Canudos 100 anos.

Referências

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