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RIO GRANDE DO SUL E A IDENTIDADE NACIONAL:
OS CONGRESSOS
DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA (1935-40fxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
LUIZ HENRIQUE TORRES"
RESUMO
Análise do discurso historiográfico vinculado nos Congressos
de História e Geografia Sul-Rio-Grandense, destacando o debate
luso-brasileirismo e platinismo frente ao processo político centralizador
do período pós-1930.
A discussão da identidade nacional brasileira está inserida na
necessidade de definir um projeto de sociedade a partir de uma redefinição
do poder'. A institucionalização desse debate remonta ao século passado, n0
período tumultuado de afirmação da independência brasileira e manutenção
da unidade nacional no contexto de continuidade da estrutura tradicional, com
base no latifúndio escravista, defendido pelas elites agrário-exportadoras e
viabilizados pela ordem econômica do 11Império.
Essa institucionalização, segundo Manoel Guimaràes", deu-se com
'Trabalho apresentado na "IV Jornadas Internacionales sobre Misiones Jesuíticas".
Assunção, Paraguai, 16 de outubro de 1990.
"Professor do Dep. de Biblioteconomia e História - FURG.
1"A temática da cultura brasileira e da identidade nacional é um antigo debate que
se trava no Brasil. Constitui uma espécie de subsolo estrutural que alimenta a discussão em
torno do que é nacional, relacionando, quase sempre,
GFEDCBA
à constituição de um ser brasileiro (noSentido do caráter nacional) e de um Estado Brasileiro (ver Renato Ortiz,
edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
C u lt u r a B r a s ile ir a eI d e n t id a d e N a c io n a l) . De modo que a problemática da cultura é essencialmente uma questão
Política, e falar nela, sobre ela, implica necessariamente falar em relações de poder. Neste
Sentido é modelar a colocação de José Luiz dos Santos - Oq u e é C u lt u r a -quando, discutindo
o que é cultura nacional, Jiz que há problemas para saber qual é seu conteúdo, para delinear
suas características, para definir os aspectos que a fazem única. Isto porque, para definir uma
CUlturacomo sendo nacional, faz-se necessário delimitar como se entendem os destinos de uma
S~?iedade, o que sempre implica definições valorativas, as quais, e no caso brasileiro é bem
n tido, são terreno fértil para a legitimação das relações de poder estabelecidas ou a serem
~tabelecidas". PEREZ, Léa Freitas. "A cultura brasileira e seu significado: a constituição de uma
oÇão de brasilidade". V e r it a s . Porto Alegre, PUCRS, n.137. 1990, p.46.
l i ' . 2GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. "Nação e civilização nos trópicos: o Instituto
d ISt6nco e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional". E s t u d o s H is t ó r ic o s . Rio
e Janeiro, Edições Vértice, n.1, 1988, p.5-27.
a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838) e a tentativa de
desvendar o processo de formação do Estado e a construção da nação. O
conceito de nação brasileira proposto por aqueles intelectuais ampara-se na
idéia de civilização no Novo Mundo, inserindo-se numa tradição advinda do
Iluminismo. A nação seria um desdobramento nos trópicos de uma civilização
branca e européia, excluidora da possibilidade de ação como sujeitos
históricos dos não-portadores desse referencial civilizatório: índios e neqros"
A recorrência dessa busca da identidade nacional foi encaminhada
pela historiografia do Rio Grande do Sul numa perspectiva diferenciada nas
décadas de 1920-30: a inserção do regional frente ao projeto nacional em
andamento. Acompanhar os novos rumos da sociedade brasileira representa
a revisão da história regional e a reafirmação da brasilidade, mesmo que seja
necessário refazer a história segundo as necessidades desse projeto."
A institucionalização da prática historiográfica sul-rio-grandense
processou-se com a criação do Arquivo Público Estadual", em 1906, e do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do SUI6
, em 1920. Para
Marlene Medaglia Almeida, a tutela institucional buscava a constituição de
uma historiografia eficiente enquanto instrumento da estratégia de
hegemonia, buscando-se a definição da função do historiador e dos estudos
históricos, assim como a redefinição do espaço ocupado pelo Rio Grande do
Sul dentro da federação'. Para essa autora, institucionalizar a prática
historiográfica significou
edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a t r ib u ir - lh e
GFEDCBA
o e s t a t u t o d e c iê n c ia m o r a l, s u p r in d o - s e - I h e o c ie n t if ic is m o d e q u e c a r e c ia , p o r s u a n a t u r e z a n o r m a t iv a , p e lau t iliz a ç ã o a r t if ic io s a d e p o s t u la d o s positivos
f o r n e c id o s p o r á r e a s a f in s . A o b je t iv id a d e
r e a l d o conhecimento p r o d u z id o e r a o q u e
m e n o s im p o r t a v a , o u m e lh o r , o q u e
3GUIMARÃES, op. cit., p7.
4Possivelmente Moysés Vellinho tenha sido o autor que melhor expressou a
b r a s ilid a d e rio-grandense nas décadas seguintes. A síntese de seu esforço está no livro
C a p it a n ia d 'E l R e y . Porto Alegre, Globo, 1964.
50 primeiro número da Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul foi lançado
em 1921.
6Apesar de constituir-se numa instituição privada, manteve uma estreita cooperação
com o Arquivo Público. A primeira edição da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do RIO
Grande do Sul também é de 1921.
7ALMEIDA, Marlene Medaglia. Introdução ao Estudo da Historiografia
Sul-Rio-Grandense: inovações e recorrências do discurso oficial-1920-35. Porto Alegre, UFRGS,
dissertação de mestrado, 1983, p.165.
242 BIBlOS,Rio Grande. 7:241-248,1995.
B I B L I O T E C A
Bibtloteca de Clêncfra
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1..:::":. ---
e l a U F A " .im p o r t a v a , e ", u e se p r o d u z is s e m
a p e n a s desconhecimentos le g it im a d o s c o m o
c iê n c ia , a f im d e o r g a n iz a r a r a c io n a liz a ç ã o ea r t ic u la ç ã o s o c ia l v ig e n t e , q u e sep r e t e n d ia p r e s e r v a r e
eprotunosr"
A transição do federalismo de 1891 para o progressivo centralismo
pós-1930, na rearticulação regional-nacional, resultou num debate
encaminhado por membros do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande
do Sul (IHGRS), residindo a coerência discursiva na unidade de interesses
enquanto grupo dominante em busca de redefinições. Busca-se sobrepujar
as dissenções políticas tradicionais e sustentar a rearticulação dos grupos
dominantes locais, afirmando os interesses regionais.
Os três Congressos de História e Geografia Sul-Rio-Grandense
ocorridos entre 1935-1940 constituem-se num ponto de encontro da
institucionalização historiográfica. A promoção dos Congressos é do IHGRS,
e as temáticas abordadas possibilitam a compreensão do engajamento
desses intelectuais ao projeto nacional em andamento.
O I Congresso de História e Geografia Sul-Rio-Grandense
realizou-se em 1935, em comemoração ao centenário da Revolução
Farroupilha, caracterizando-se pela condenação das teses separatistas dos
farroupilhas e a afirmação do patriotismo rio-grandense; afinal, é
imprescindível "reafirmar a brasilidade que moveu os entusiasmos
farroupilhas"9. Os artigos de Castilhos Goycochea, destacando o papel dos
lagunenses e açorianos 10,de João Maia e o caráter patriótico e nacionalista
dos rio-grandenses1\ e de Félix Contreiras Rodrigues, demonstrando as
diferenças entre o gaúcho platina e o brasileiro 12, permitem analisar o
8ALMEIDA, op. cit. p.208.
9RODRIGUES, Félix Contreiras. "Discurso ao ser recebido no Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Sul". R e v is t a d o I H G R S . Porto Alegre, v. 15, n. 60, 1935, p.249.
10GOYCOCHEA, Castilhos. "A Revolução Farroupilha (causas sociais, políticas e
econômicas)". A n a is d o I C o n g r e s s o d e H is t ó r ia eG e o g r a f ia S u l- R io - G r a n d e n s e . Porto Alegre, GlObo, 1936, v. 2, p.121-43.
11"No vasto território em que se repetiam os embates e encontros guerreiros, com
o Correr dos tempos foi se formando uma robusta, adestrada e patriótica geração de
Combatentes. Surgiu então do próprio c.ontato dos dois opostos lidadores irreconciliáveis, um tipo
singularmente bizarro e destinado a desempenhar proeminente papel nos fastos da nacionalidade
brasileira: o gaúcho rio-grandense". MAlA, João. "Formação do Rio Grande do Sul". In:A n a is d o
I C o n g r e s s o d e H is t ó r ia eG e o g r a f ia S u l- R io - G r a n d e n s e . Porto Alegre, Globo, 1936, v. 1, p.66.
12RODRIGUES, Félix Contreiras. "Formação social e psicológica do gaúcho
brasileiro". In:A n a is d o I C o n g r e s s o d e H is t ó r ia eG e o g r a f ia S u l- R io - G r a n d e n s e . Porto Alegre, GlObo, v. 1, 1936, p.317-73.
BIBlOS,Rio Grande. 7:241-248,1995.
discurso de negação de um passado ligado à Bacia Platina e a afirmação dos
vínculos luso-brasileiros, expresso pelo heroísmo e antagonismo dos
pioneiros rio-grandenses frente ao universo hispano-americano.
No II Conqresso'", em 1937, o discurso
edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p a t r ió t ic o encontracontinuidade. Fernando Luiz Osório ressalta o trabalho e o patriotismo do
povo gaúcho 14 Rúbio Brasiliano considera os açorianos como "esteio em que
se alicerçou e se firmou a população primitiva do Rio Grande do SUI"15,
concordando com a posição de João Borges Fortes 16.
No 111 Congresso, em 1940, o luso-brasileirismo é
GFEDCBA
a tônica dosartigos. Para Jací Caldas, coube aos bandeirantes a façanha das conquistas
territoriais. Estes praticavam ações cívicas ao combater as reduções
jesuíticas, que representavam interesses castelhanos". Para Manuel Duarte,
os bandeirantes são "predestinados madrugadores do nacionalismo" e
"vanguarda da nacionalidace?". Walter Spalding destaca a ação dos jesuítas
responsáveis pela educação do indígena, que "pela primeira vez tornou-se
um homem de verdade"!", porém deixa claro, num trabalho posterior, que o
Rio Grande do Sul começa a viver ao tornar-se p o r t u ç u ê s " . Paulo Tollens
recorda o patrimônio das sólidas virtudes lusitanas". Souza Docca afirma que
o sentimento democrático nas estâncias e o espírito militar contribuíram para
aproximar os rio-grandenses da mentalidade brasileira". Esse autor, durante
o Congresso de 1935, destacou-se na defesa da brasilidade do movimento
farroupilha.
Maria Salvadori considera que um mito ou símbolo nacional é
13Congresso comemorativo ao bicentenário da fundação da cidade do Rio Grande.
140SÓR10, Fernando Luiz. "O Rincão de Pelotas". In: A n a is d o / I C o n g r e s s o d e
H is t ó r ia e G e o g r a f ia S u l- R io - G r a n d e n s e . Porto Alegre, Globo, 1937. v. 2, p.53.
15BRASILlANO, Rúbio. "Terra do gaúcho". In:A n a is d o / I C o n g r e s s o d e H is t ó r ia e
G e o g r a f ia S u l- R io - G r a n d e n s e . Porto Alegre, Globo, 1937. v. 1, p.53.
16BORGES FORTES, João. C a s a e s . Rio de Janeiro, Edição do centenário
Farroupilha, 1932.
17CALDAS, Jací Tupí. "Porto Alegre: síntese histórica - de estância a capital". In:
A n a is d o 1 1 IC o n g r e s s o d e H is t ó r ia e G e o g r a f ia S ú l- R io - G r e n d e n s e . Porto Alegre, Globo, 1940. v. 3, p.1529-31.
18DUARTE, Manuel. "Estância". In:A n a is d o 1 1 I C o n g r e s s o d e H is t ó r ia eG e o g r a f ia
S u l- R io - G r a n d e n s e . Porto Alegre, Globo, 1940, v. 3, p.1607.
19SPALDING, Walter. "A Igreja no velho continente de São Pedro do Sul". In:A n a is
d o / lI C o n g r e s s o d e H is t ó r ia e G e o g r a f ia S u l- R io - G r a n d e n s e . Porto Alegre, Globo, 1940. v. 3, p.1433-4.
2oSPALDING, Walter. G ê n e s e d o B r a s il S u l. Porto Alegre, Sulina, 1953.
21TOLLENS, Paulo. "Fundamentos do espírito brasileiro". In:A n a is d o / I C o n g r e S S O
d e H is t ó r ia e G e o g r a f ia S u l- R io - G r a n d e n s e . Porto Alegre, Globo, 1940. v. 3, p.1642.
22DOCCA, Emílio Fernandes de Souza. "Gente sul-rio-grandense". In: A n a is d o
1 1 IC o n g r e s s o d e H is t ó r ia eG e o g r a f ia S u l- R io - G r a n d e n s e . Porto Alegre, Globo, 1940, v.2, p.676.
244 BIBLOS, Rio Grande. 7:241-248,1995.
construído a partir da tentativa de generalização que pretende unificar o
múltiplo, negar o conflito e construir a harmonia, mesmo que essa unidade
e harmonia, existam apenas em nível de representação23. A produção
intelectual dos Congressos de História e Geografia indica essa tentativa de
negar o conflito e impor a unidade. A valorização do bandeirante, do
lagunense, do açoriano busca a reafirmação do vínculo histórico com o
mundo luso-brasileiro, demonstrando que a História do Rio Grande do Sul
sempre esteve patrioticamente vinculada à História do Brasil.
A elaboração de um mito denominado g a ú c h o b r a s ile ir o pretende
unificar o múltiplo, negar o conflito e construir a harmonia. Essa proposta
também está presente em Ruben Barcenos", Moysés Vellinho'" e V ic t o r
Russomano'", como destaca Ruben Oliven:
M a is d o q u e u m a o m is s ã o e s c a n d a lo s a e m
r e la ç ã o ao q u e e s t a v a o c o r r e n d o n o R io
G r a n d e d o S u l, o q u e s e n o t a n o s e s c r it o s d e s t e s in t e le c t u a is , q u a n d o e le s in s is t e m n o
n ã o s e p a r a t is m o d a R e v o lu ç ã o F a r r o u p ilh a
e n a s d if e r e n ç a s e s s e n c ia is e n t r e o g a ú c h o
b r a s ile ir o e o g a ú c h o p la t in a , é u m a t e n t a t iv a
d e a f ir m a r a b r a s ilid a d e d o R io G r a n d e d o
S u l e d e seus h a b it a n t e s . E m b o r a
a t u a lm e n t e isso p o s s a p a r e c e r s u p é r f lu o ,
c o n v é m le m b r a r q u e b o a p a r t e d e le s e s t a v a
e s c r e v e n d o a n t e s o u lo g o d e p o is d e 1 9 3 0 ,
q u a n d o a in d a n ã o h a v ia se c o n s o lid a d o a
in t e g r a ç ã o e c o n ô m ic a e p o lí t ic a d o P a í s . U m d o s t e m a s c e n t r a is d a in t e le c t u a lid a d e n e s t a
é p o c a e r a o d a f o r m a ç ã o d a n a c io n a lid a d e
e d a in t e g r a ç ã o n a c io n a l. A R e v o lu ç ã o d e
1 9 3 0 , n a m e d id a em q u e s ig n if ic o u u m
p r o c e s s o c r e s c e n t e d e c e n t r a liz a ç ã o
e c o n ô m ic a e p o lí t ic a (a p o n t o d e em 1 9 3 7
---23SALVADORI, Maria A.B. "Malandras canções brasileiras". Revista Brasileira de
História. São Paulo, Marco Zero/ANPUH, n.13, set.1986/fev.1987, p.103-24.
24BARCELLOS, Ruben. "A ideologia separatista e o caráter rio-grandense". E s t u d o s
R iO - G r a n d e n s e s . Porto Alegre, Globo, 1960.
2~ELLlNHO, Moysés. "O Rio Grande do Sul e o Prata: contrastes". Capitania d'EI
Rey. Porto Alegre, Globo, 1964.
26RUSSOMANO, Victor. AR e v o lu ç ã o d o s F a r r a p o s . Rio de Janeiro, Oficina Gráfica
da Secretaria Geral de Educação e Cultura, s / d .
BIBLQS. Rio Grande. 7:241-248,1995.
t e r s id o r e a liz a d a u m a c e r im ô n ia p ú b lic a d e
q u e im a d a s b a n d e ir a s e s t a d u a is ) , a c e n t u o u
GFEDCBA
a id é ia d e u n id a d e n a c io n a l e a t r ib u iu
xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
aoE s t a d o e s t a t a r e f a . ~ p r e c is o , p o r t a n t o , n ã o
só a f ir m a r a b r a s ilid a d e d o g a ú c h o , mas
e n f a t iz a r s e u s t r a ç o s p o s it iv o s , m e s m o q u e
p a r a is t o s e ja n e c e s s á r io m a q u ila r a r e a li-d a li-d e , p a s s a n li-d o p o r c im a d o s e le m e n t o s q u e
p o d e r ia m e v e n t u a lm e n t e s e r c o n s id e r a d o s
bárbaros. E s t e s d e v e r ia m s e r exportados p a r a o o u t r o la d o d a f r o n t e ir a : o P r e ie , "
Nesse contexto de integração nacional, recorre-se à reinterpretação
das idéias e semelhanças que nos uniram historicamente com o Prata. O
passado é repensado e a história é reescrita, orientada pelo esforço político
de integração ao Brasil.
Na busca de uma identidade com referência na tradição lusitana, as
Missões Jesuítico-Guaranis serão abordadas segundo duas orientações: a) o
enaltecimento dos padres e da Companhia de Jesus na conquista espiritual
e h u m a n iz a ç ã o do indígena; b) a rejeição integral do projeto missioneiro
entendido como um corpo estranho à tradição luso-brasileira. As duas
orientações, porém, convergem no sentido do papel da luso-brasilidade
contrapondo-se aos interesses castelhanos.
O papel civilizatório e humanizante dos jesuítas é destacado por
Spalding, mas esse autor acredita que a "dominação espanhola-jesuítica
-para felicidade nossa - não deixou sequer vestígios na organização e
civilização de nosso pOVO,,28.A simpatia de Jorge Sallis Goulart pelo trabalho
de conversão espiritual promovido pelos jesuítas não descarta igualmente o
fato de que "a formação do Rio Grande do Sul foi uma conseqüência das
influências geográficas e da força coletiva portuguesa':". Rúbio Brasiliano,
destacando o atraso moral e social do indígena, enaltece o trabalho dos
jesuítas, porém lembra que foi nos combates com os vizinhos platinos que o
rio-grandense desenvolveu o e s p í r it o d e b r e s it id e d e " .
270LlVEN, Ruben George. "O Rio Grande do Sul e o Brasil: uma relaçãO
controvertida". Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, Edições Vértice, v. 3, n. 9,fe v .
1989, p.9-10.
28SPALDING, W. G ê n e s e d o B r a s il S u l. op. cit., p.19. dO
29GOULART, Jorge Sallis. "Aspectos da formação rio-grandense". In: A n a is 7 4 .
/ I C o n g r e s s o d e H is t ó r ia e G e o g r a f ia S u l- R io - G r a n d e n s e . Porto Alegre, Globo, 1937, v. 3, p.
30BRASILlANO, Rúbio. op. cit. p.188-213.
A rejeição do projeto missioneiro - sem o reconhecimento da o b r a
civilizatória dos jesuítas - aparece em João Mala, que relaciona os
a ld e a m e n t o s je s u í t ic o s com o interesse dos espanhóis "na sua faina
desesperada de incorporar territórios aos domínios de Castela?". Jací Caldas
compartilha com Maia essas preocupações, afinal "os jesuítas, cumprindo a
sua tarefa, exerceram influênciª social, profissional, moral-religiosa e de
nacionalização castelhana'f". Para Emílio Fernandes de Souza Docca,
CUltivava-se nas Missões a simpatia à Espanha e o ódio a Portuqal. Esse
autor sintetiza o esforço em demonstrar as raízes étnico-culturai~ que
identificam com o Brasil:
S o m o s n o v o s n a A m é r ic a c o m o p o v o , m a s
c o m o n a ç ã o s o m o s , c o m o p r e d o m í n io d o s
e t e m e n t o s e s t á t ic o s d o
meio
é lm b ie n t f ) e d a sim p o s iç ã . e s
nettvistes
e p a t r ió t ic a s , .0d e s d o b r a m e n t o , d a n o b r e ,e
torte
n a ç ã o ,lu s it a n a ,
etrevé«
d a í n d o le , d e s e u susos
ep q s t u r r } , e § , d e s u e s t r a d iç õ e s , d e s e u 9 L J ! t o ,
d e s e u s a n g U f ) , ç J . es u e lí n f lu a . 3 3
Afirmar nacionalmente os interesses r~gionaissigninc9 exorcizar os
fantasmas castelhanos e missioneiros e cultuar a luso-brasilid,ade, mitifiçando
o gaúcho e destacando não apenas o seu passado heróiç;o, I T J é ; l S definindo
a sua n a c io n a lid a d e - o gaúcho brasileiro, que se contrapõe à belicO,sidade,
ao
expansionismo e à desordem caudilhesca do g a ú c h o p I a t in o . O RioGrande do Sul é o espaço da ordem e da disciplina, da conquista e
manutenção de fronteiras para o Brasi! G espírltc nacional aqui chegou com
os bandeirantes, prosseç: ..iiu com os /agunenses e açonanos. Supostamente,
sempre tivemos claro um projeto d.e nação em sintoma com o Brasil. Mas existiu esta s in t o n ie n e c io n s ! em pleno perloco colonial?"
Essa interpretaçáo com recurso constante ao nacionaíismo dos
rio-grandenses foi o encaminhamento dos intelectuais do período, frente à
,11
31MAIA, João. op. cit., p.62. 32CALDAS, J. C. op. cit., p.1529. 33DOCCA, E.F.S. op. cit., p.674.
I 34Mesmo no momento político culminante de crise do sistema colonial no Brasil _ a
n~ependência - o nacionalismo "não teria condições de assumir o seu significado pleno num país
tl/ja economia baseaya-se essencialmente na exportação, onde o mercado interno era
extremamente limitado, as vias de comunicação escassas e por isso mesmo difíceis os contatos
entre as várias regiões". COSTA, Emília Viotti da. D a M o n a r q u ia à R e p ú b lic a : m o m e n t o s
d e C iS iV O S .São Paulo, Brasiliense, 1987, p.29,
2 4 6 SISLOS, Rio Grande, 7:241-248,19
95 .
reorganização nacional e às estratégias de continuidade e mudança no projeto das elites gaúchas.
Atualmente, com a busca de integração econômica da Bacia Platina,
é preciso repensar o discurso historiográfico e desvelar os mitos e pretensas
verdades científicas que forjaram os antagonismos. Repensar
GFEDCBA
é reencontrara historicidade acobertada pelos interesses políticos de uma dada conjuntura,
como a questão da identidade nacional no período analisado, relativizando
o antagonismo hispano-americano/luso-brasileiro que por tanto. tempo foi
intelectualmente legitimado.