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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS LUCAS LOPES OLIVEIRA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS

LUCAS LOPES OLIVEIRA

ETNOGRAFANDO A CONSTRUÇÃO DO DIREITO AO ACESSO À MACONHA MEDICINAL EM UM CONTEXTO PROIBICIONISTA:

DESAFIOS E POSSIBILIDADES FRENTE AOS DIREITOS HUMANOS

João Pessoa

2020

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS

ETNOGRAFANDO A CONSTRUÇÃO DO DIREITO AO ACESSO À MACONHA MEDICINAL EM UM CONTEXTO PROIBICIONISTA:

DESAFIOS E POSSIBILIDADES FRENTE AOS DIREITOS HUMANOS

Tese de Doutorado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba na área de concentração Direitos Humanos e Desenvolvimento como requisito para obtenção do título de doutor em Ciências Jurídicas.

Orientador: Prof. Dr. Luciano Nascimento Silva.

Linha de pesquisa: Teoria e História do Direito: Teoria e História dos Direitos Humanos.

Linha de pesquisa: Teoria e História do Direito – Teoria e História dos Direitos Humanos

João Pessoa

2020

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Dedico esta tese à luta pela maconha medicinal.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Divina Providência e ao amor que permite seguir e encarar a vida com braços abertos em cada percurso que sigo.

Agradeço aos meus pais, Ademir e Janice, e à minha irmã Pollyanna pela ajuda ao longo desta caminhada que me apoiam desde a mais tenra idade. Sem vocês nada disso faria sentido.

Agradeço à minha companheira Iany Costa, por seu amor e seu carinho, que me motivam a seguir em frente, sendo minha companheira, conselheira, amiga e me proporcionando um verdadeiro encontro de almas. Minha mais fiel leitora e crítica ferrenha, com suas sugestões pude concluir bem esta experiência. Com seu amor pude transcender as barreiras que a existência cotidiana me impunha até chegar aqui. Com você sou puro amor.

Ao meu filho, Raul Gabriel, por ter me ensinado tanto sobre amor, carinho e dedicação.

Uma vida de ensinamentos nestes pouco mais de um ano de existência. Com você pude conhecer o amor na sua forma mais sublime e sincera. Te amo, meu filho.

Ao meu orientador Luciano Nascimento pela prazerosa condução da orientação e pelo compartilhamento de sua sabedoria de forma leve, descontraída, mas com grande rigor científico.

Agradeço ao PPGCJ pela oportunidade de conduzir esta pesquisa. Aos professores com

os quais pude aprender e abrir meus horizontes para novas literaturas. Em especial a

Gustavo Batista que, desde as lições no mestrado, compartilha conhecimentos críticos das

ciências criminais; a Maria Luiza Feitosa pelas importantes parcerias intelectuais e de

pesquisa; e a Fernando pela possibilidade de ver a pesquisa científica como oportunidade

de diálogo com os movimentos sociais. Aos técnicos administrativos pelo empenho na

condução do programa. Aos meus colegas de curso por dividirem comigo os aprendizados

e pelas prazerosas interações. Agradeço às conversas com Thuanny, Ruan, Priscila,

Sérgio, entre outros, que tornaram esta experiência mais agradável. Agradeço, em

especial, a Maria Luiza Caxias, amiga pra além dos muros da universidade, por

compartilhar as dúvidas e as alegrias deste desafio que é a pós-graduação no Brasil.

(7)

Agradeço a CAPES pelo financiamento da pesquisa. Conforme estabelece a Portaria Nº 206, de 04/09/2018 da CAPES, informamos que “o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001”.

Agradeço a Eduardo Onofre e Faustino, pelas brilhantes contribuições em minha banca.

Agradeço a Ricardo Lucena também pelas contribuições na banca e pela bela amizade desenvolvida. Ao professor Rômulo pelo aceite em participar da banca final.

Ao Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos por ajudar na formação de minha base acadêmica humanista e minha militância acadêmica em Direitos Humanos, durante o mestrado, etapa sem a qual jamais teria chegado a este momento.

Agradeço a Liga Canábica por trazer a inspiração de sua luta para esta minha escrita e por colaborar na elaboração deste trabalho, por uma arguição criteriosa do mesmo na pessoa de Sheila Geriz. Agradeço também pelo acolhimento dado a mim enquanto pesquisador, acolhimento que já é marca registrada desta associação. A importância da Liga na vida de pacientes e admiradores não pode ser descrita em breves palavras, mas deixo aqui meu agradecimento por tudo. Agradeço em especial à Júlio, Sheila, Djanira, Gustavo, Bruna que se tornaram grandes amigos que tenho inestimável apreço.

Agradeço ao MPF e, em especial, ao procurador José Godoy que muito ajudou na viabilização desta pesquisa. Também à Defensora Pública Diana Andrade.

Agradeço ao colega militante-pesquisador Ribeiro Junior.

A todos os que colaboraram direta ou indiretamente com esta pesquisa, seja com entrevistas, com depoimentos, conversas, seja com compartilhamento de conhecimento em eventos ou textos científicos. A ciência não se faz sozinho e tive muito apoio de textos e falas importantes para chegara a estas conclusões aqui apresentadas.

Agradeço ao PEXCANNABIS e a prof. Katie pelo conhecimento compartilhado.

Agradeço a UFPB, local onde desenvolvo minhas pesquisas desde 2014, quando do

ingresso no mestrado e que agora estou na condição de Servidor Público Técnico

Administrativo em Educação. Agradeço a PROGEP, meu local de trabalho, pelo

incentivo constante à formação profissional e acadêmica.

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“...Você me ajudaria a cantar estas canções de liberdade?

Pois, tudo que eu sempre tive foram canções de redenção”.

(BOB MARLEY - Redemption Song [tradução livre])

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Lista de siglas

Ação Civil Pública - ACP

Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA

Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança – ABRACE

Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos – ABESUP Canabidiol – CBD

Constituição Federal – CF

Conselho Federal de Medicina – CFM Conselho Federal de Farmácia – CFF Conselho Regional de Medicina – CRM Código Penal – CP

Código de Processo Penal – CPP

Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ

Habeas Corpus – HC Inquérito Civil – IC

Instituto Nacional do Semiárido – INSA Justiça Federal – JF

Laboratório Industrial Farmacêutico da Paraíba – LIFESA

Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos – NEIP

Ministério Público - MP

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Ministério Público Federal – MPF Organização das Nações Unidas – ONU

Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão – PRDC Pró-Reitora de Pesquisa – PROPESQ

Procedimento Preparatória – PP Processo Judicial Eletrônico – PJE Partido Socialismo e Liberdade – Psol Partido Popular Socialista – PPS Partido dos Trabalhadores – PT Partido Verde – PV

Partido Socialista Brasileiro – PSB Resolução da Diretoria Colegiada – RDC Sistema Único de Saúde – SUS

Sugestão Legislativa – SUG Superior Tribunal de Justiça – STJ Supremo Tribunal Federal – STF Tetra-hidrocanabinol – THC Tribunal de Justiça – TJ

Tribunal Regional Federal – TRF Universidade de Brasília – UNB

Universidade Estadual da Paraíba – UEPB

Universidade Federal Fluminense – UFF

Universidade Federal da Paraíba – UFPB

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Universidade Federal de Pernambuco – UFPE

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

Universidade Federal do Estado de São Paulo – Unifesp Universidade Federal do Espírito Santo – UFES

Universidade de São Paulo – USP

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Lista de Imagens

Figura 1 Cigarros Indios 75

Figura 2 Marcha contra a proibição da cerveja em Chicago 81

Figura 3 Ordenações Filipinas 100

Figura 4 Número de relatos científicos publicados sobre maconha nos últimos 50 anos.

200

Figura 5 Distribuição por gênero dos crimes tentados/consumados entre os registros das pessoas privadas de liberdade, por tipo penal

228

Figura 6 Mostra a expansão da regulamentação da maconha nos EUA 242 Figura 7 Imagem escaneada do Folder de divulgação da Campanha Repense. 249

Figura 8 Pôster do filme “Ilegal 250

Figura 9 Entrada do “Seminário Internacional Cannabis Medicinal – Um Olhar para o Futuro” no Museu do Amanhã no Rio de Janeiro

256

Figura 10 Folder da Liga Canábica em exposição durante o Seminário Internacional Cannabis Medicinal – Um Olhar para o Futuro

258

Figura 11 Símbolo da Liga Canábica. 332

Figura 12 Folder de divulgação do Fórum Liga Canábica – Maconha, Ciência e Política de Drogas.

337

Figura 13 Capa de um dos 5 volumes do ICP do MPF-PB 353 Figura 14 Foto tirada em Seção da Câmara Municipal de João Pessoa, onde se

pode ver o símbolo da Liga Canábica juntamente com o Brasão do Município

363

Figura 15 Folder de divulgação dos eventos de comemoração do “Dia de Visibilidade da cannabis terapêutica”.

364

Figura 16 Foto da exposição de cartazes da Marcha da Maconha – JP na qual consta cartaz em apoio à Maconha Medicinal

367

Figura 17 Tenda da Liga Canábica durante o Festival Marielle Vive. 369

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Lista de Quadros

Quadro 1 Associações de pacientes, pesquisadores e ativistas em defesa da maconha medicinal no Brasil

252

(14)

RESUMO

Esta pesquisa doutoral tem como tema o estudo do processo de construção do direito ao acesso à maconha para fins terapêuticos no Brasil, estudando seus limites, as potencialidades e as formações discursivas que permeiam este tema. Estudamos as construções discursivas sobre a maconha dentro do discurso científico contemporâneo, bem como a luta dos movimentos sociais e seus impactos no status jurídico desta planta medicinal. Trabalhamos com a hipótese de que ocorre um deslocamento no regime de verdade que tensiona a definição jurídica da planta maconha, abrindo espaço potencial para a construção do direito ao acesso à maconha medicinal. O objetivo geral é o de explorar a construção do direito ao acesso à maconha terapêutica por via da atuação judicial, dos movimentos sociais e de demais atores sociais. Nosso estudo se dividirá em três partes. Na primeira estudamos, a partir dos marcos teóricos sobre as biopolíticas contemporâneas, como houve um sequestro das práticas de cura relacionadas aos usos terapêuticos populares da maconha, tendo como ferramentas o Direito Penal e o discurso em ascensão na medicina. Em um momento posterior, passamos a relatar os focos de tensão entre o discurso proibicionista da maconha e as recentes viradas epistemológicas dentro do discurso médico, a emergência do discurso dos Direitos Humanos, as críticas criminológicas e dogmáticas à criminalização da maconha e a visão do direito à saúde enquanto um Direito Humano. Por fim, estudamos a emergência do movimento social em defesa da maconha medicinal e as estratégias jurídicas e políticas na luta pelo acesso a essa substância no Brasil e na Paraíba. A presente pesquisa trata-se de um estudo qualitativo de perspectiva etnográfica e tem o pensamento genealógico de Michel Foucault e os marcos teóricos da sociologia jurídica como norte teórico-metodológico.

Como ferramentas da pesquisa de campo, utilizamos pesquisa documental, observação participante e entrevista aberta.

Palavras-Chaves: Maconha Medicinal; Direitos Humanos; Genealogia; Direito à Saúde;

Sociologia Jurídica.

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ABSTRACT

This doctoral research studies the building process of one’s right to use cannabis for therapeutic purposes in Brazil, in which we explore its limits, potentialities and the discursive formations that permeate this subject. We study the discursive constructions on marijuana within the contemporary scientific discourse, as well as the struggle of social movements and their impacts on the legal status of this medicinal plant. We work based on the hypothesis of the existence of a shift in the truth regime that influences the legal definition of the cannabis plant, which allows potential debate for the construction of the right to use medicinal marijuana. The general objective is to explore the construction of the right to obtain therapeutic cannabis through judicial action, social movements and other social agents. Our study will be divided into three parts. Firstly, based on contemporary biopolitics theoretical frameworks, we studied how there was a violation of the healing practices related to popular therapeutic uses of marijuana, by using Criminal Law and the ascending medicine discourse as tools. Secondly, we report the tension involving the prohibiting discourse of marijuana and the recent epistemological changes within the medical discourse, the emergence of the Human Rights discourse, the criminological and dogmatic criticisms of the criminalization of marijuana and the understanding of the right to health as a human right. Finally, we study the emergence of the social movement in defense of medicinal marijuana and the legal and political strategies in the struggle to use this substance in Brazil and Paraíba. This is a qualitative study from an ethnographic perspective and has the genealogical thought of Michel Foucault and the theoretical frameworks of legal sociology as theoretical and methodological guidance. As field research tools, we use documentary research, participant observation and open interview.

Key words: Medicinal Marijuana; Human rights; Genealogy; Right to health; Legal

Sociology.

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SOMMARIO

Questa ricerca di dottorato studia il processo di costruzione del diritto all'uso della cannabis a scopi terapeutici in Brasile, in cui esploriamo i suoi limiti, le potenzialità e le formazioni discorsive che permeano questo argomento. Studiamo le costruzioni discorsive sulla marijuana all'interno del discorso scientifico contemporaneo, così come la lotta dei movimenti sociali e il loro impatto sullo status giuridico di questa pianta medicinale. Lavoriamo sulla base dell'ipotesi dell'esistenza di un cambiamento nel regime di verità che influenza la definizione legale della pianta di cannabis, che consente un potenziale dibattito per la costruzione del diritto di utilizzare la marijuana medicinale.

L'oggetivo generale è esplorare la costruzione del diritto all'ottenimento della cannabis terapeutica attraverso azioni giudiziarie, movimenti sociali e altri agenti sociali. Il nostro studio sarà diviso in tre parti. In primo luogo, sulla base dei quadri teorici della biopolitica contemporanea, abbiamo studiato come vi fosse una violazione delle pratiche di guarigione legate agli usi terapeutici popolari della marijuana, usando come strumenti la Legge Penale e il discorso sulla medicina ascendente. In secondo luogo, riportiamo la tensione che coinvolge il discorso proibitivo sulla marijuana e i recenti cambiamenti epistemologici all'interno del discorso medico, l'emergere del discorso sui diritti umani, le critiche criminologiche e dogmatiche alla criminalizzazione della marijuana e la comprensione del diritto alla salute come diritto umano. Infine, studiamo l'emergere del movimento sociale in difesa della marijuana medicinale e le strategie legali e politiche nella lotta per usare questa sostanza in Brasile e Paraíba. Questo è uno studio qualitativo dal punto di vista etnografico e ha il pensiero genealogico di Michel Foucault e le strutture teoriche della sociologia legale come guida teorica e metodologica. Come strumenti di ricerca utilizziamo la ricerca documentaria, la ricerca sul campo, l'osservazione partecipanti e l'intervista aperta.

Parole chiave: Marijuana medicinale; Diritti umani; Genealogia; Diritto alla salute;

Sociologia legale.

(17)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 18

1. “OLHA AI O PROGRESSO ESTÁ SE ALASTRANDO E O VEGETAL VAI SUMINDO DA PRAÇA” – Biopolítica, discursos científicos e controle social: como emerge a criminalização da maconha?

38

1.1 Biopolítica e drogas: entre o governo dos outros e o governo de si 40 1.2 A maconha medicinal na antiguidade: reflexões histórico-

antropológicas.

66 1.3 Discursos médicos sobre a maconha e o proibicionismo. 72 1.4 A criminalização da maconha: o interdito aos usos populares de

maconha pelo sistema penal.

99 2. “ESTÁ PROVADO CIENTIFICAMENTE QUE ESTA PLANTA

É MANEIRA E MEDICINAL” – Deslocamentos discursivos Como se desenha um novo status da maconha no direito e na medicina?

119

2.1 Direitos Humanos e desafios no século XXI: apontamento iniciais de

uma problemática 120

2.2 Crítica ao sequestro das práticas de cura por via do sistema penal: pela ilegitimidade da criminalização dos usos da maconha para fins medicinais e terapêuticos.

145

2.2.1 Considerações discursivas para uma crítica criminológica à criminalização da maconha para usos medicinais e terapêuticos.

146 2.2.2 Crítica dogmática à criminalização da maconha para usos medicinais e

terapêuticos a partir da teoria do delito e dos Direitos Humanos.

163 2.3 Análise legal: como a problemática se apresenta aos olhos do direito? 179

2.3.1 Análise a partir do Direito Internacional 179

2.3.2 Análise a partir do direito interno 184

2.3.3 Deslocamentos recentes no quadro das normativas infralegais sobre o tema: alguns avanços pontuais identificados.

189 2.4 O contradiscurso médico: emergência de um novo saber-poder médico

sobre a maconha medicinal.

199 2.5 Uma breve revisão de literatura sobre a emergência da luta pelo acesso

à maconha medicinal no Brasil pós-2014: como a academia passou a ler esta questão?

210

3. “ENTÃO EXPLIQUE DR. POR QUE QUE ESTA ERVA É PROIBIDA” - Uma revolução sobre a maconha medicinal – Um direito à maconha terapêutica em construção?

226

3.1 Os movimentos sociais antiproibicionistas. 226

3.2 A luta pela maconha medicinal: a emergência de um importante

movimento social. 243

3.3 Judicialização do acesso à maconha medicinal: o impacto dos contradiscursos nas representações e nas práxis do direito.

261 3.3.1 Autorizações para importação: as primeiras judicializações. 266 3.3.2 Ações com objetivo de fornecimento gratuito pelo SUS: o direito à

saúde e os limites dos recursos públicos.

276 3.3.3 Habeas Corpus e Autorização para produção de remédios: o retorno da

planta às práticas de cura. 281

3.3.3.1 Habeas Corpus: o cultivo doméstico. 286

(18)

3.3.3.2 Autorização para plantio e manipulação de cannabis sativa: o caso da ABRACE.

310 3.4 Estudo etnográfico dos deslocamentos nos regimes de verdade sobre a

maconha: narrativas, resistências, contradiscursos e diálogos entre a realidade paraibana e o contexto nacional.

328

CONCLUSÃO 375

REFERÊNCIAS 385

ANEXOS 417

APÊNDICES 423

(19)

INTRODUÇÃO

O presente estudo doutoral tem como tema o estudo da construção do direito ao uso da maconha medicinal através das estratégias de judicialização frente ao panorama repressivo e proibicionista. A atual política de drogas se caracteriza como tendo base a repressão de determinadas drogas classificadas como ilícitas. Este sistema de controle, baseado na proibição e repressão de determinadas drogas, como única forma de gerir os usos e as atividades econômicas a elas relacionadas, chamamos de proibicionismo. O proibicionismo constitui-se como verdadeiro paradigma em termos de análise de drogas.

Dentro deste contexto proibicionista, investigamos os recentes deslocamentos que permitiram a emergência da luta pelo acesso à maconha medicinal no Brasil, destacando as rupturas, os avanços e os entraves que envolvem o direito ao acesso à maconha para fins terapêuticos e medicinais no Brasil.

Optamos pelo uso do termo “maconha” por ser mais popular no Brasil e, justamente por nosso intento político de desmistificar e desestigmatizar os usos medicinais desta planta, bem como, por ser uma palavra utilizada politicamente nos movimentos como a “Marcha da Maconha” que visam uma mudança na Lei de Drogas no sentido de descriminalização e legalização desta planta. Também recorreremos ao termo científico cannabis, por ser amplamente utilizado pelo discurso médico científico.

Mas os termos que fazem referência a planta são inúmeros no Brasil como “pango”,

“ganja”, “diamba”, entre outros.

A maconha encontra-se criminalizada pelo regime jurídico da nossa atual Lei de Drogas. Ela se encontra proibida também internacionalmente pelas Convenções sobre Drogas da Organização das Nações Unidas, que foram oportunamente analisadas. Este conjunto de legislações, nacionais e internacionais, constituem o arcabouço jurídico responsável pela criminalização das condutas relacionadas aos usos e à atividade comercial ligada às drogas.

Mas sua proibição sistematizada é recente e data do início do século XX. Esta

proibição se deu essencialmente por uma reestruturação do poder político a partir das

estratégias de intervenção e controle dos hábitos populares que se estruturariam como

uma política sobre a vida, que chamaremos de biopolítica. A biopolítica do início do

século XX no Brasil, estruturada como projeto interventivo, que tinha como principais

ferramentas de intervenção os discursos científicos das áreas médicas e jurídicas,

(20)

estruturaria condições epistemológicas para a viabilização de uma maior intervenção nas práticas da população em geral.

Foi se estruturando um controle mais intenso sobre os hábitos da população a partir da lógica do racismo científico e das estratégias higienistas que condenaram os hábitos populares, principalmente da população negra e indígena no Brasil, como hábitos não evoluídos que deveriam ser erradicados para o progresso da nação e para a defesa da sociedade. O hábito popular de usar a maconha foi perseguido. As curas populares das mais diversas, nas quais se incluem os usos medicinais populares da maconha, foram proscritos. Antes vendidas por herbários em feiras livres e nas farmácias, sem maiores burocracias, a maconha passou a ser intensamente reprimida ao longo do século XX.

Ocorre, assim, um sequestro das práticas de cura popular que envolve os usos da maconha, constatação que foi um dos pontos centrais de nossa análise. A ferramenta para a efetivação deste sequestro é o sistema penal, sua matriz epistemológica e suas práticas repressivas. Consolida-se um monopólio médico sobre os processos de cura, protegido pelo Direito Penal. Este processo tem sua gradual consolidação no desenvolvimento das ferramentas repressivas, no qual a mais atual é a Lei de Drogas de 2006.

Mas, até mesmo as normas proibitivas abrem espaço para – quando realizamos uma análise dogmática, em diálogo com os preceitos da Constituição Federal de 1988, com os Princípios Penais e com as normativas sobre Direitos Humanos – a possibilidade de afastar a incidência penal das condutas relacionadas ao uso medicinal da maconha. E esta possibilidade provoca uma tensão na dogmática jurídica aproveitada por vários atores jurídicos para fundamentar o processo de judicialização do direito ao acesso à maconha medicinal e terapêutica.

Apesar disto, há pouca segurança jurídica que garanta a não incidência penal

criminalizadora e nem que proporcione a efetividade no acesso aos remédios por parte

dos usuários. Foi neste contexto que pacientes com patologias que dependem do uso da

maconha e familiares de pacientes começaram a se reunir e traçar estratégias políticas de

ação. As atuações se voltaram também para o âmbito das judicializações, nas quais foram

adotadas várias estratégias. E foram justamente estas estratégias que buscamos investigar

para melhor compreender este fenômeno e seu reflexo no status jurídico da maconha.

(21)

A presente pesquisa trata-se de um estudo de doutorado em Ciências Jurídicas realizado junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas (PPGCJ) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) na área de concentração em Direitos Humanos e Desenvolvimento e na linha de pesquisa Teoria e História do Direito: Teoria e História dos Direitos Humanos. Será, portanto, a partir desta área do conhecimento, as ciências jurídicas, bem como, deste recorte, os Direitos Humanos, que estudaremos a temática do direito ao acesso à maconha medicinal no Brasil. Temos como base epistemológica o pensamento de Michel Foucault. Também recorremos, como ferramenta de análise, às construções teóricas da sociologia e antropologia jurídica.

Este estudo simboliza uma continuidade dos estudos sobre drogas ilícitas iniciados desde a graduação. Desde a monografia de graduação que a perspectiva da crítica à política de drogas esteve presente na construção dos nossos textos. De lá passamos para o mestrado em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas de natureza interdisciplinar realizado junto a Universidade Federal da Paraíba. Naquela oportunidade apresentamos o estudo intitulado “Discursos médicos e jurídicos sobre maconha no Brasil e na Paraíba: os contradiscursos no debate sobre as políticas de drogas à luz dos direitos humanos” que se constitui como um estudo crítico sobre a política de drogas com foco nas rupturas discursivas e nas ações judiciais que quebravam a lógica do proibicionismo. Naquela oportunidade estudamos decisões judiciais, Projetos de Lei, Sugestões Legislativas, documentos oficiais e o discurso dos movimentos sociais tentando identificar rupturas na lógica proibicionista, rupturas que chamamos de contradiscursos, dada nossa filiação foucaultiana.

Estudando os contradiscursos sobre drogas tivemos uma aproximação com o discurso jurídico de defesa do uso medicinal da maconha. Constituindo-se um importante tópico de análise naquela oportunidade, o referido estudo me aprofundou mais na luta pelo direito à saúde, direito este negligenciado pela permanência do saber/poder médico- jurídico de base proibicionista. Naquela oportunidade observamos as potencialidades desta luta com mais proximidade. A partir destes estudos iniciais, que nos constituíram enquanto pesquisador e acadêmico, pretendemos retomar este objeto de pesquisa da política de drogas agora com foco específico na luta pelo acesso à maconha medicinal.

Constitui-se, o presente estudo doutoral, portanto, um aprofundamento neste recorte

específico tentando observar o que este contradiscurso tem de potencial de ruptura frente

ao proibicionismo e de aproximação com os Direitos Humanos.

(22)

Naquele momento, as judicializações se concentraram primeiramente na tentativa de obter autorização judicial para a importação, em virtude do status judicial de substância proscrita que gozava o Canabidiol (CBD) e o Tetra-hidrocanabinol (THC) no Brasil. Logo após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) autorizar a importação destes canabinoides, as ações se concentraram na luta pelo acesso por via do Sistema Único de Saúde (SUS), pois a importação era extremamente onerosa.

De lá pra cá muita coisa mudou, inclusive algumas destas estratégias. Assim, as recentes possibilidades abertas pelos habeas corpus e pelas ações de autorização para cultivo e produção por parte de associações abriram um leque de oportunidades que se somam as já estudadas estratégias de atuação judicial. Com os habeas corpus individuais e as autorizações coletivas vemos que é possível a produção de remédios de forma legal, excluindo a incidência da tipificação penal, por via de decisão judicial. Ensaia-se a legalização das condutas criminalizadas pela Lei de Drogas a partir destes pronunciamentos quando estas condutas são praticadas com o fim medicinal/terapêutico.

Vemos então que o status jurídico da maconha muda, permanecendo em uma indeterminação, pois existem casos em que as condutas ainda presentes na Lei de Drogas se encontram descriminalizadas – quando presente algum provimento judicial neste sentido – e em outras ocasiões encontra-se ainda pairando em uma zona passível de criminalização, o que coloca em risco os Direitos Humanos dos pacientes.

Como forma de melhor compreender as estratégias de judicialização para a construção do direito ao acesso à maconha medicinal estudamos como problema de pesquisa a emergência de uma reconfiguração do status jurídico da maconha em um contexto proibicionista e repressivo a partir da atuação dos tribunais e de uma mudança cultural que permitiu o florescimento discursivo da luta em defesa da maconha medicinal.

Os derivados da maconha, bem como, a própria planta, encontravam-se até recentemente como substâncias inteiramente proscritas. Assim, a partir de vários deslocamentos operados a partir de estratégias de judicialização houveram grandes avanços por parte dos movimentos sociais na luta pelo acesso à maconha medicinal. O canabidiol (CBD) e o Tetra-hidrocanabinol (THC) encontram-se, atualmente, como substâncias de uso controlado.

Pessoas físicas e uma associação conseguiram, via sentença judicial, o

reconhecimento do direito ao plantio e a produção de remédios à base de maconha. Apesar

(23)

destes avanços, o acesso à maconha legal ainda é bastante restrito não abrangendo a demanda dos pacientes, além do mais a ausência de normativas de caráter geral que regulem o auto cultivo medicinal e constitua uma política pública de acesso à maconha e seus derivados cria uma insegurança jurídica para os pacientes, tanto no que diz respeito à possibilidade de criminalização e destruição da plantação, por parte das autoridades do sistema penal, quanto no que diz respeito à insegurança no acesso ao remédio. Neste sentido, o problema de pesquisa perpassa acesso à saúde, insegurança jurídica, criminalização e mobilização social despertando uma ampla gama de questões em termos de Direitos Humanos, cidadania e acesso à justiça. Encontramos aí a justificativa da relevância desta pesquisa por ter o potencial de lançar luz sobre esta questão a partir do estudo junto a uma Pós-Graduação em Ciências Jurídicas podendo se converter em uma ferramenta de mudança cultural no campo jurídico.

Aproximamo-nos, neste estudo, desta problemática a partir do campo epistemológico do Direito ao nos filiarmos enquanto discente junto a um Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba. A problemática desperta interesse jurídico, pois se relaciona com a necessidade de garantia de Direitos Humanos. Também este objeto de estudo, que hora propomos, constitui-se por fenômenos que podem ser objetos de pesquisa de outras áreas como é o caso dos estudos sobre maconha medicinal, que podem ser abordados pelas Ciências Humanas e Sociais como a Antropologia, o Direito, a Sociologia, mas também constitui objeto de estudo das Ciências Biológicas e da Saúde, como a Medicina, a Farmacologia, a Biotecnologia e etc. Por isto mesmo não nos fecharemos na abordagem jurídica, em nossa aproximação com o objeto de estudo, mas tentaremos realizar uma articulação com outras áreas do conhecimento. Reforça-se também, com esta articulação entre a perspectiva disciplinar do direito e outras disciplinas o diálogo com a natureza da Linha de Pesquisa

“Teoria e História do Direito: Teoria e História dos Direitos Humanos” cuja pretensão é de estudos a partir da perspectiva da multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.

A partir deste problema de pesquisa é que propomos uma pesquisa de base qualitativa (CRESWELL, 2016). Assim, esta pesquisa se diferencia das pesquisas quantitativas, pois, diferentes destas, “[...] a pesquisa qualitativa é emergente em vez de estritamente pré-configurada. Diversos aspectos surgem durante um estudo qualitativo”

(CRESWELL, 2016 p.186). Seus objetivos, questões, métodos, modelo teórico e etc. são

(24)

dinâmicos para que possa captar com mais profundidade a realidade social e os discursos que permeiam o campo de pesquisa. A partir desta proposta de estudo qualitativo é que propomos a declaração de objetivos propostos no estudo, abaixo enumerados:

A partir dos questionamentos sobre a insuficiência no acesso à maconha medicinal, tivemos como objetivo geral: explorar as possibilidades de construção do direito ao acesso à maconha medicinal no Brasil.

A necessidade de esclarecimentos a respeito da manifestação deste fenômeno em meio à cultura jurídica, nos direcionou no sentido dos seguintes objetivos específicos:

1- Realizar um estudo genealógico que interligue a criminalização da maconha e a biopolítica contemporânea na emergência de um controle policial e sanitário sobre a maconha.

2- Analisar os deslocamentos epistemológicos dentro dos discursos jurídicos e médicos que possibilitam a emergência de uma nova epistemologia dos usos da maconha.

3- Estudar os discursos que permeiam a luta pelo acesso à maconha medicinal no Brasil.

Deste modo, à partir da observação do sequestro, por parte do sistema penal, da autonomia dos processos de cura que envolviam a maconha por via da criminalização dos hábitos de cura popular relacionados à maconha, tentamos observar em que medida atualmente ensaia-se um processo inverso, ou seja, de tentativa de criação áreas de não incidência penal de forma a garantir uma autonomia nos processos de cura de usuários de maconha medicinal.

Assim, questão central, que anima este trabalho, é que, a partir de um sequestro

das práticas de cura relacionados à maconha por via do sistema penal, ocorre um processo

inverso a partir do retorno ao uso medicinal da planta garantido por via de processos de

judicialização. Assim, exploramos as possibilidades abertas com a luta pelo acesso à

maconha para fins medicinais e terapêuticos e como esta luta tende a garantir maior

autonomia dos pacientes nos processos terapêuticos e efetividade no direito à saúde. Neste

sentido, a luta pelo direito ao acesso à maconha medicinal/terapêutica, a construção de

uma segurança jurídica frente a não criminalização do usuário, a remoção de barreiras

burocráticas, financeiras entre outras, constituem importantes frentes que visam garantir

(25)

maior acesso aos usos medicinais e terapêuticos relacionados a planta. Tem-se uma luta pelo empoderamento do paciente de forma a garantir a autonomia sobre os processos de escolha de suas experiências terapêuticas. Este processo ocorre com a possibilidade de consolidação de novos marcos discursivos de interpretação e aplicação da incidência penal dos dispositivos da referida legislação.

Como apontamento inicial cabe refletir sobre o método genealógico que foi aquele utilizado na análise em questão. O método se ligará a nossa abordagem epistemológica relacionada ao pensamento de Michel Foucault. Assim, utilizaremos o método genealógico de inspiração foucaultiana, método que já utilizamos como ferramenta em outras análises, a exemplo de nosso estudo de mestrado (OLIVEIRA, 2016). Retomamos a perspectiva genealógica tentando, agora, estudar, especificamente, a construção do acesso à maconha medicinal no Brasil.

Este método de investigação proposto por Foucault foi aplicado sobre objetos sociais que foram seu foco de análise, sendo, também, teorizado em vários momentos da trajetória do referido filósofo. O estudo genealógico tem base de inspiração a partir do filósofo alemão Nietzsche (2010), que utilizou tal perspectiva em seu livro “Genealogia da Moral”. Foi da experiência do estudo das várias genealogias do poder propostas por Foucault ao longo de sua crítica às instituições modernas, que buscamos ferramentas para nosso empreendimento. Também utilizamos as reflexões teóricas sobre o referido método de análise presente em alguns escritos e cursos do filósofo, para uma compreensão mais aprofundada desta perspectiva genealógica. Para se somar aos estudos de Foucault, utilizamos, também, a leitura de outros teóricos que refletiram ou empreenderam estudos genealógicos de modo a atualizar e adaptar esta perspectiva a outros contextos.

A genealogia é uma tentativa de superar a análise histórica a partir de uma meta-

história, que veja o presente como continuidade do passado. Ver a história como algo não

linear, desprendido da valoração e idealização do presente na análise histórica remete a

pensar o passado não como um caminho que desemboca no presente, mas sim como

fluxos. Neste sentido, segundo Foucault, empreender uma genealogia é “marcar a

singularidade dos acontecimentos” (2014c, p.55), se desvencilhar de qualquer “finalidade

monótona”, e buscar nos locais mais inesperados, por parecerem que não possuem

história, como, por exemplo, “os sentimentos, o amor, a consciência, os instintos” (idem).

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O intento genealógico ao fugir das generalizações e enfatizar as singularidades pode, através da indução, chegar “a uma crítica filosófica do conhecimento, a constatação de que as coisas humanas não têm fundamento e um ceticismo sobre as ideias gerais”

(VEYNE, 2011, p.24). Desperta-se, assim, segundo o historiador Paul Veyne (2011) o intento desmistificador.

Contra a pretensão generalizante, a genealogia irá impor importantes deslocamentos que implicarão em uma análise que foque a contingência, a historicidade material e os deslocamentos provisórios em oposição às formas de mitificação do passado que eterniza o presente em uma linearidade ideal, anti-histórica e metafísica. Destaca Paul Veyne (2011, p.25) que “a originalidade da busca foucaultiana está em trabalhar a verdade no tempo”. Neste sentido “a história, com suas intensidades, seus desfalecimentos, seus furores secretos, suas grandes agitações febris como suas síncopes é o próprio corpo do devir. É preciso ser metafísico para lhe procurar uma alma na idealidade longínqua da origem” (FOUCAULT, 2014c, p.61). Assim, partindo da história é possível inferir uma antropologia empírica a partir das amostras das práticas discursivas inscritas e sobrepostas no tempo (VEYNE, 2011).

A genealogia, em sua análise, torna-se uma ferramenta política de análise de poder, sendo, portanto, segundo Roberto Machado, “[...] uma análise histórica das condições políticas de possibilidade dos discursos” (MACHADO, 2012, p.167). O intendo de uma genealogia do poder a partir do estudo das instituições foi o programa político de Foucault durante os anos de 1970, onde foi possível tecer uma importante crítica das práticas de subjetivação postas em marcha pelas instituições modernas. Este projeto de uma genealogia do poder a partir dos estudos das instituições produtoras de saberes e subjetividades modernas constitui-se, segundo Candiotto (2013 p.46), uma história política da verdade. Deste modo, “[...] a verdade é pensada como efeito, mera justificação racional das estratégias de poder presentes nas práticas sociais”

(CANDIOTTO, 2013, p.50).

Neste sentido, concordamos com Veyne (2011) que os estudos genealógicos se

constituem como uma crítica sociológica/antropológica das regras constitutivas do

verdadeiro e mostra-nos como cada verdade, por mais absoluta que possa ser, tem uma

história marcada no tempo social e não na divindade sublime. É neste sentido que,

segundo André Yazbek (2008, p.273), o objetivo principal da genealogia do poder é o de

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“[...] explicitar o aparecimento dos saberes a partir das condições extra-discursivas que os situam como elementos de um dispositivo de natureza fundamentalmente política”.

Esta crítica sociológica à produção do conhecimento é fundamental no processo de reconfiguração do saber hegemônico e emergência de saberes plurais.

Este intento político pode desnudar a neutralidade do controle social nas mais diversas áreas, desnudando, para além de sua retórica declarada, sua função real: a prisão, longe de sua finalidade declarada de correção/ressocialização, constitui-se uma forma de produção de subjetividades e controle diferencial das ilegalidades. Seu aparente fracasso está diretamente relacionado a seu real sucesso. As demais instituições modernas também trazem a marca da produção de um saber poder que constitui subjetividades e formas de controle e sujeição: neste sentido, enquadra-se o hospital, os manicômios, os asilos, as escolas e etc. Realizar um estudo sobre a produção de saberes na modernidade implica estudar também as instituições que produzem e sustentam tais saberes e a relação entre saber e poder.

As mudanças na representação de um objeto de conhecimento ao longo da história se ligam justamente a mudanças estruturais, tanto na forma como os discursos foram produzidos quanto nas instituições produtoras destes discursos. Vemos que a maconha como objeto de investigação científica mudou drasticamente ao longo do tempo. Entre os fins do século XIX a maconha era amplamente usada e reconhecida como remédio, com amplas publicações científicas que ratificavam tal posição privilegiada no saber médico.

No início do século XX a maconha deixaria de ser vista como remédio para ser vista como uma droga nociva e perigosa. Atualmente a maconha tem sido “redescoberta” como remédio com ampla possibilidade terapêutica para quadros clínicos antes desacreditados pelos tratamentos convencionais. Estas mudanças radicais, que estudamos em profundidade em momento oportuno, de representação de um mesmo objeto ao longo do tempo, retratam mudanças na percepção social e no fazer científico a partir de tecnologias políticas que sustentam a produção de saberes. As mudanças políticas tiveram significativo impacto no estudo da maconha e impuseram politicamente a forma de representação deste objeto no saber em sua época.

Destaca-se, como expressão genealógica, o potencial das “ofensivas dispersas e descontinuas” como crítica aos discursos das instituições modernas (FOUCAULT, 1999).

Estas críticas têm o caráter disperso, pois não se sustentam em teorias globalizantes e tem

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sua potencialidade mesma no fato de serem críticas descontinuas e particulares. Elas desmascaram os efeitos inibidores das teorias totalitárias que, apesar de terem a oferecer em termos de análise, têm bastante dificuldade ao realizar incursões no terreno do local e particular. Assim, crítica de caráter local e não unitária, esta é uma característica importante destas ofensivas dispersas e descontinuas, que geram importantes efeitos na crítica discursiva à modernidade. Observamos, segundo Foucault, uma “produção teórica autônoma, não centralizada, ou seja, que, para estabelecer sua validade, não necessita chancela de um regime comum” (FOUCAULT, 1999, p.11). Saímos do plano da totalização e permitimos leituras das singularidades. Assim, permite-se uma “insurreição dos saberes sujeitados” (FOUCAULT, 1999, p.11), que seriam os saberes formais, excluídos do saber científico hegemônico, e também os saberes populares que foram menosprezados pelo paradigma científico e seu regime de saber poder. Estes saberes são o que Foucault chama de “saber das pessoas” (FOUCAULT, 1999, p.12).

Foi a partir da retomada e articulação destes sabres alternativos, calados pela hierarquia científica, que foi possível a formulação de importante crítica ao discurso das instituições modernas a partir de enfrentamentos pontuais. Estes saberes das pessoas, saberes populares, saberes do povo, saberes outros que não o hegemônico, constituem pontos de crítica que tensionam o discurso unitário. Foi, então, do “acoplamento entre os saberes sepultados da erudição e os saberes desqualificados pela hierarquia dos conhecimentos e da ciência” (FOUCAULT, 1999, p.12) que se produziu a crítica aos discursos modernos referida por Foucault. Por trás do saber hegemônico, existem outros saberes com grande potencial de crítica e de contraponto e, principalmente, de enfrentamento.

O que estes saberes simbolizavam? Segundo Foucault, eram os saberes históricos

das lutas. E este ponto é importante, pois discurso é expressão de luta. Em todas as

manifestações destes saberes sujeitados estavam presentes a marca das batalhas

discursivas, ou seja, a memória dos embates entre os discursos. A importância desta

análise se dá justamente aqui: mostra-nos como para além da verdade consolidada na

hierarquia dos saberes do conhecimento hegemônico existem outras verdades que foram

mascaradas ou excluídas. Para além da verdade unitária imposta pelo discurso

hegemônico, houveram outras verdades, outras formas de pensar e agir com sua história

e seu potencial.

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O discurso no instante atual aceito como científico é um discurso que foi sistematizado e controlado por estratégias de controle discursivo. Neste processo houve a exclusão de outros saberes, a exemplo dos saberes populares, das práticas de cura tradicionais marginalizados pelo discurso médico hegemônico e, até mesmo, do discurso médico que se põe na contramão da medicina institucionalizada, mas que, mesmo nesta situação, oferece um fundamento discursivo importante. Na constituição de um discurso hegemônico houveram enfrentamentos e lutas, alguns discursos foram assimilados e outros excluídos neste processo de exclusão/hierarquização discursiva. Apesar desta tentativa de silenciamento discursivo estes saberes não foram apagados nem estão mortos, ao contrário, é possível um resgate histórico e uma rememoração como ponto de partida para importantes críticas institucionais.

Importante também é que uma genealogia das práticas de controle sobre a maconha implica reconhecer a historicidade dos fundamentos do proibicionismo e que o mesmo se liga a uma tecnologia de controle social específico. Logo, não é algo dado, foi construído historicamente, principalmente a partir do século XX, como veremos a seguir.

Os discursos científicos da época refletiam toda uma episteme que reproduzia a necessidade de defesa da sociedade contra os ditos anormais. O controle dos hábitos da população e a moralização das práticas jurídicas só seria possível a partir de um discurso científico que sustentasse tais práticas. Neste ponto, torna-se fundamental pensar a importância de analisar genealogicamente a maconha na modernidade: o discurso que legitima a criminalização da maconha possui uma história e se liga a tecnologias específicas que reproduziam seus pressupostos. Esta tecnologia de poder que dava suporte a produção médica da época sobre a maconha estava imbuída de práticas eugênicas e representações higienistas. Perder de vista este horizonte de historicidade que constituiu a criminalização da maconha é perder de vista as limitações do discurso proibitivo.

Observamos que a opção pelo método genealógico para o estudo deste objeto de

investigação se dá em virtude da necessidade de se descontruir o paradigma discursivo

médico-jurídico, reativando os saberes marginalizados pelo processo de constituição

discursiva do proibicionismo. Reativar estes discursos através da memória das lutas e

fazendo estes discursos sujeitados se insurgirem dentro da atual configuração dos

discursos médico-jurídicos torna um intento de natureza genealógica. Com esta

importante ferramenta é que tentamos observar a constituição deste regime de verdade

médico-jurídico proibicionista, tentando também ver possibilidades de libertar saberes

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históricos outros, dando voz a novos sujeitos que proferirão os saberes das pessoas diretamente impactados pela escolha política proibitiva.

Assim, como forma de mostrar a provisoriedade da criminalização das drogas em geral, e da maconha em específico, retomamos a narrativa histórica da criminalização, evidenciando que o proibicionismo não é a única forma de regulação dos usos e práticas relacionadas à maconha e outras drogas. Também a restrição do uso medicinal da maconha representa apenas um discurso, expressão do discurso médico/farmacológico do início do século XX. Em paralelo ao discurso hegemônico proibitivo, houveram saberes sujeitados que no instante atual podemos ver se rebelando, tanto os excluídos da sistematização, quando os desvalorizados (FOUCAULT, 1999). Serão estes discursos que retomamos e que são postos em funcionamento nas estratégias jurídicas dos pacientes que dependem da maconha medicinal. Evidenciam os registros médicos pré-proibição, os usos tradicionais, as experiências de vida dos pacientes e a utilização de discursos que façam referências a estes saberes nas petições jurídicas e constituem-se um importante objeto de pesquisa genealógica.

Tendo em vista estas considerações sobre o método, passemos a análise mais detalhada da natureza qualitativa desta pesquisa e de sua base etnográfica com a qual observaremos o referido objeto de pesquisa.

A pesquisa ora proposta tem natureza qualitativa. Assim, por tal característica, utilizará uma pluralidade metodológica. Ela se desenvolverá no cenário social, onde a vida cotidiana, dos atores sujeitos da pesquisa, ocorre. Além do mais, o caráter emergente da pesquisa qualitativa nos convida a readaptar os métodos e técnicas de coleta e análise de dados conforme as exigências e a aproximação com o diálogo com o campo (CRESWELL, 2007). O caráter interpretativo nos afasta de modelos de pesquisa que se propõe neutro e imparcial, nos convidando a refletir sobre o nosso papel enquanto pesquisador no processo de produção do conhecimento exposto neste texto. Todas estas características tornam a pesquisa qualitativa complexa e aberta, de base interativa.

Considerando estas características é comum em uma pesquisa qualitativa a escolha de

uma ou mais estratégias de investigação que servirá como guia no processo de pesquisa

(CRESWELL, 2007). Neste sentido, propõe-se uma pesquisa qualitativa emergente de

ferramentas metodológicas múltiplas, aberta e humanística, que pôde adaptar-se ao

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campo e às vozes dos sujeitos da pesquisa tendo como foco o processo interpretativo e reflexivo na construção da narrativa da pesquisa.

Refletimos, a seguir, sobre como estas características se expressam no referido projeto delimitando as escolhas metodológicas do processo de pesquisa.

O caráter essencialmente interpretativo da pesquisa qualitativa, seu caráter reflexivo e a grande relevância da relação entre pesquisador e demais sujeitos da pesquisa nos levam a questionar nosso papel enquanto pesquisador de forma crítica frente ao campo que nos é apresentado. Neste momento, passamos a reflexões sobre nossa posição enquanto pesquisador, nossa aproximação/imersão no campo e nossas posições frente ao referido tema.

A aproximação nossa com a política de drogas e sua relação com os Direitos Humanos não é recente. Logo, a imersão no campo, para utilizar um termo formal, se deu bem antes do início do presente doutorado. Enquanto pesquisador e militante, a área de política de drogas foi um local de destaque nas minhas análises teóricas e lutas políticas.

Militei na área de política de drogas na luta por mudanças no atual modelo de gestão dos corpos que é a política repressiva proibicionista. Assim, tenho uma visão de crítica à política atual e minha trajetória política me liga a questionar este modelo em busca de uma transformação. Filio-me a uma perspectiva política antiproibicionista que visa superar o modelo proibicionista de gestão da política de drogas, substituindo por um modelo não repressivo, pautado na saúde pública, nos Direitos Humanos, na autonomia dos indivíduos, no aprimoramento de estratégias de Redução de Danos (RD), no empoderamento dos usuários de drogas recreativas e medicinais e no abolicionismo do controle penal sobre drogas, em busca de sua gradual substituição por um modelo de controle social menos autoritário e vertical e mais aberto e plural.

Assim, militei na Marcha da Maconha e em parceria com movimentos sociais que pudessem debater a pauta da reforma na atual política de drogas, oportunidade em que houve o favorecimento de grande diálogo com a luta pela maconha medicinal no aspecto do acesso ao medicamento, da criação de políticas públicas e da segurança jurídica frente à criminalização de usuários e fornecedores de maconha para fins medicinais.

Na área acadêmica tentamos explorar cientificamente os argumentos de crítica a

este sistema desde minha monografia de graduação. Aprofundei meus estudos ao longo

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do Mestrado em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas em área interdisciplinar da CAPES realizado junto ao Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba. Foi nesta oportunidade que a temática da maconha medicinal foi se aproximando mais forte de minha trajetória acadêmica e política. Ao defender a já mencionada dissertação de mestrado pudemos investigar as construções discursivas médicas e jurídicas dentro da construção de políticas públicas e as estratégias de judicialização na busca de rupturas com o modelo proibicionista de repressão às drogas.

Entre as rupturas jurídicas, destacamos as já mencionadas Ações Civis Públicas junto à Justiça Federal da Paraíba no qual estava em disputa a efetividade do direito ao acesso à maconha medicinal. Assim, nos aproximamos cada vez mais do movimento social em defesa do uso da maconha medicinal, tanto academicamente quanto politicamente, acompanhando a formação da Liga Canábica da Paraíba e as constantes mobilizações e debates sobre o tema. Esta aproximação se deu tanto nos espaços de militância política, como nas Marchas da Maconha de João Pessoa, quanto durante a pesquisa de mestrado.

A conexão entre nossa trajetória enquanto militante antiproibicionista e a luta pela maconha medicinal proporcionou uma aproximação gradual até nossa colaboração com Liga Canábica da Paraíba, através de várias atividades em parceria com a referida associação nos filiando a mesma. O fato de ter me tornado pai e descoberto uma nova forma de amar e seu significado ao longo desta pesquisa me fez entender a urgência desta luta e admirar ainda mais a história de vida destes pais e mães que movem estruturas bem maiores do que eles à fim de garantir o melhor para seus filhos. Apenas o amor, como sentimento mais nobre do ser humano, pode expressar uma justificativa para os riscos que estes pais e mães correm, e que nossa filosofia ocidental racionalista, adepta do pragmatismo dos valores, jamais poderá compreender completamente.

A trajetória das narrativas de vida destes pacientes, familiares e militantes, bem

como, as lutas travadas contra as estruturas médico-jurídicas do proibicionismo

permanecem como uma inspiração que alimenta nossa vontade de lutar contra o

autoritarismo inerente a estruturação da atual política de drogas. Também foi a luta e as

estratégias de enfrentamento judicial que nos despertou o interesse pelo estudo acadêmico

desta problemática dentro dos marcos das Ciências Jurídicas que agora realizamos juto

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ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da UFPB. Em uma perspectiva clássica e positivista de ciência, minha proximidade com a causa me afastaria de uma isenção necessária para um correto funcionamento do agir científico. Felizmente os argumentos que defendem esta visão imparcial, vem sendo enfrentados por correntes críticas de pensamento, crítica que dialoga com nosso intento genealógico. Assim, ao constatar que o saber científico se constitui como uma construção social, torna-se impossível pensar um saber produzido por um sujeito alheio ao social. Assim, o fazer científico é um fazer social e nossa etnografia dos saberes científicos parte, necessariamente, de nossa posição enquanto sujeito social inserido em um campo científico e com vários vieses, preferências, contradições, limitações e potencialidades.

Desta forma, mais do que uma completa imparcialidade/isenção buscamos uma validação a partir da identificação de nossos vieses de forma honesta ao leitor e uma busca incessante de aprimoramento do rigor científico crítico.

Assim, nossa trajetória acadêmica e política nos faz ter uma postura bem definida sobre a política de drogas e sobre o acesso à maconha medicinal. Trazemos esta história de aproximação com a política de drogas e nossa militância pela legalização da maconha tanto na perspectiva recreativa quanto medicinal para identificar nossos vieses, valores, interesses e convicções frente ao campo que nos propomos a investigar, haja vista a natureza interpretativa e reflexiva do processo de pesquisa qualitativa. Assim, temos preferências políticas no que diz respeito à política de drogas e a necessidade de uma política pública de maconha medicinal, em paralelo à necessidade de ruptura com a política criminal proibicionista. Neste sentido, nossa posição nos coloca imersos neste campo de pesquisa e nossas atividades, experiências e contatos pessoais foram usados no processo de escolha das amostras das ações judiciais e das estratégias de luta política pela maconha medicinal. Esta posição bem definida deve ser esclarecida como papel fundamental no processo de escrita acadêmica, sendo também uma importante ferramenta de validação da pesquisa por tornar a narrativa mais transparente e honesta através da demarcação especifica destes vieses e posições políticas que nos animam (CRESWELL, 2007).

Para garantir a integridade ética da pesquisa o protocolo de pesquisa foi submetido à Plataforma Brasil que segundo o seu site oficial “é uma base nacional e unificada de registros de pesquisas envolvendo seres humanos para todo o sistema CEP/Conep”

(BRASIL, s.d.). Foi, também, comunicado aos participantes da pesquisa as finalidades da

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mesma, o estágio de desenvolvimento da pesquisa, bem como, ao final do processo será entregue o texto escrito. Também teremos o trabalho de pensar o retorno deste relatório para a comunidade, com a ampla divulgação do texto e apresentação do mesmo em oportunidades posteriores sobre a forma de comunicação oral, minicurso ou oficina de forma a garantir a função social da referida pesquisa. Como marco de análise utilizaremos Resolução Nº 510, de 07 de abril de 2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) que estabeleceu as normas que regulamentam a pesquisas nas Ciências Humanas e Sociais

“cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana, na forma definida nesta Resolução”.

Como estratégia de investigação do tema proposto utilizamos a etnografia.

Delineia-se, em nosso estudo, uma pesquisa qualitativa etnográfica, seguindo a linha apontada por Kant de Lima (2009), pois se constitui como seu ponto central “a descrição e interpretação dos fenômenos observados tanto das categorias como aquelas do saber antropológico utilizado pelo pesquisador” (LIMA, 2009 p.12). A pesquisa etnográfica tem natureza flexível e surge, conforme aponta Creswell (2007 p.32), “contextualmente em resposta às realidades vividas, encontradas no ambiente de campo”. Assim, mostra-se uma estratégia de investigação aberta e dinâmica, apta a servir como ferramenta de análise de uma questão social emergente e em constante transformação como são os embates jurídico-políticos sobre o direito ao acesso à maconha medicinal na tentativa de garantir a segurança jurídica do direito à saúde frente ao viés repressivo da política de drogas.

Tentamos, ao longo da pesquisa, ligar o método genealógico foucaultiano à nossa

abordagem qualitativa etnográfica, de modo a tornar este estudo genealógico mais apto a

dialogar com a interdisciplinaridade e com a pluralidade metodológica exigida em uma

pesquisa qualitativa emergente. Assim, um dos intentos da referida pesquisa é realizar um

estudo genealógico do processo de constituição da política de drogas e das atuais

reconfigurações epistemológicas a partir da instrumentalização do discurso da maconha

medicinal frente ao saber poder médico-jurídico que sustenta o proibicionismo. Este

estudo será realizado a partir da perspectiva etnográfica e das experiências do saber

antropológico na análise dos discursos científicos, em diálogo com os discursos

populares. Também colheremos a experiência antropológica e sociológica na análise

sobre o direito. Para ligar o método genealógico à perspectiva etnográfica utilizaremos as

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considerações de Paul Rabinow (2006) e seus estudos antropológicos sobre ciência, sociabilidade e poder.

A partir desta visão é possível cada vez mais pensar nesta ferramenta de compreensão da realidade.

Sendo uma pesquisa com foco nos Direitos Humanos, foram incorporadas entre estas ferramentas metodológicas as que possam melhor adequar-se às demandas sociais por uma cidadania mais ativa. Assim, ao refletir sobre a pesquisa em Direitos Humanos, Eduardo Bittar aponta a importância desta, que deve se apoiar sobre, entre outras coisas, o ato de “incentivar a reinvenção criativa permanente das próprias técnicas” (BITTAR, 2007, p.331) como uma das ferramentas para o desenvolvimento de uma cultura e práxis em Direitos Humanos. Desta forma, questões como interdisciplinaridade e transdisciplinaridade da pesquisa, abordagem humanista, compreensão do processo de efetivação dos Direitos Humanos a partir dos conflitos sociais e compreensão da historicidade do processo de expansão dos Direitos Humanos constituem-se como fundamentais para uma pesquisa que se volte à compreensão dos Direitos Humanos (BITTAR, 2007). Por isto ligamos esta pesquisa emergente com a interdisciplinaridade e a multiplicidade metodológica própria da pesquisa em Direitos Humanos. Neste sentido, também, destaca-se Debora Diniz (2001) ao apontar o viés etnográfico das pesquisas em ciências sociais como forma de compreensão da luta dos movimentos sociais na efetivação de Direitos Humanos.

O diálogo do campo jurídico com outros saberes é fundamental, pois o direito

constitui-se como um saber de caráter dogmático e constituído a partir de suas próprias

verdades. Dentre estes saberes, a contribuição da antropologia pode ser uma fonte de

diálogo privilegiado que permite uma aproximação importante com as representações

sociais dos atores jurídicos e dos sujeitos impactados pela aplicação do direito,

produzindo, assim, uma visão mais completa e democrática sobre o fenômeno jurídico

(LIMA & BAPTISTA, 2014). Esta aproximação interdisciplinar entre o saber jurídico e

as demais ciências sociais, como a antropologia e a sociologia, é algo fundamental neste

processo de oxigenação do direito. Destaca Lima e Baptista (2014) que a articulação entre

estes saberes pode ser realizada pela via teórica, mas que a maior contribuição que este

diálogo pode proporcionar é ao nível metodológico

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Esta perspectiva etnográfica permite realizar um importante diálogo com a contribuição de Emílio Santoro (2005; 2010) para a sociologia jurídica. Ao interpretar o direito enquanto uma prática social ou uma cultura – tema que apresentamos com mais profundidade em momento oportuno deste trabalho – torna possível abrir um campo novo de indagações, pois permite observar o direito enquanto dinâmico e historicamente determinado a partir da prática da comunidade de interpretes do direito. Assim, o direito, ao ser observado como um discurso persuasivo historicamente determinado, permite que se abra uma série de indagações sociojurídicas que facilitam a aproximação entre o fenômeno jurídico e o viver da sociedade. Ao perceber o direito enquanto algo vivido pela sociedade, a contribuição da sociologia jurídica não deve ser vista apenas como uma função de reconhecer as normas jurídicas efetivas, mas sim de ajudar a compreender a constituição e estruturação do direito e reconhecer o que é direito em meio a dinâmica de determinado contexto social. Neste sentido, ao propormos uma análise etnográfica com observação participante, entrevistas, pesquisa em mídias sociais, jornais, revistas, audiovisual, imagens, catalogação e análise documental nos propormos a investigar a dinâmica das relações de poder que configuram o direito em sua dinamicidade enquanto cultura jurídica e prática social.

Como o referido trabalho se encontra na área de conhecimento das Ciências Jurídicas, tivemos como procedimento de coleta de dados a pesquisa documental, de modo a juntar ao texto, de forma intensa, leis, tratados e convenções internacionais, dispositivos constitucionais, julgados, acórdãos, resoluções e normativas em geral, de forma a obter um panorama interessante do quadro legal e regulamentar que envolve o tema. Tendo em vista o viés etnográfico e a aproximação com a sociologia e antropologia jurídicas, não restringimo-nos a coleta de dados documentais e colhemos também dados qualitativos advindos da experiência etnográfica como entrevistas, discursos das mídias tradicionais e digitais, registros oficiais e de audiovisual, memória pessoal, observação participante e percepções de campo, de forma a estabelecer um cruzamento de dados normativos com outros discursos e percepções passíveis de captação ao longo da pesquisa.

As entrevistas realizadas foram entrevistas abertas, nas quais não foram usados

questionários pré-definidos, mas sim diretrizes gerais (APÊNDICE B), partindo delas

para, de forma aberta, explorar as questões que permeavam o debate, conforme a natureza

emergente da pesquisa qualitativa e que as entrevistas abertas exigem. A observação foi

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