I Coríntios 10.14-‐22
Esta seção da carta é aberta no capítulo 9 (vs. 19-‐23), onde Paulo faz uma defesa do direito dos apóstolos e ao mesmo tempo, mostra que ele por livre vontade abriu mão de todos esses direitos por causa do evangelho, para ganhar o máximo de pessoas para Cristo. Paulo então dá dois exemplos, um positivo, e um negativo, para demonstrar sua abnegação:
1. Os atletas e seu extremo esforço para ganhar a coroa corruptível (vs. 24-‐27) 2. O povo de Israel no deserto que abdicou de seus privilégios pelo pecado (10.1-‐5)
O primeiro exemplo, representa Paulo e sua abnegação em prol do evangelho, o Segundo exemplo representa a Igreja de Corínto e sua abnegação da obediência ao evangelho em prol de interesses pessoais e egoístas, buscando comunhão com o estilo de vida pagão da comunida de Corínto. Posto isso, agora Paulo, dá suas conclusões sobre a liberdade cristã.
Podemos observar de forma geral que o problema tratado aqui era liberdade crista ante a assimilação da cultura, religião, comportamento, atitude, vestuário, etc… pagãos.
14
Διόπερ, ajgaphtov" ἀγαπητοί µου, ejgwv φεύγετε feuvgw ἀπὸ τῆς εἰδωλολατρίας. eijdwlolatriva Co. Co. Inf. Adj. Voc. MP Pron. 1a Gen. S 2a P Pres. Imp. At. Prep. Gen. Gen. FS
Portanto irmãos meus fugi (vós) desde da idolatria
A palavra Διόπερ aponta para o texto anterior onde Paulo recorda a historia de Israel no deserto, durante o seu período de peregrinação, e de alguns eventos onde Israel objetivamente ofendeu ao Senhor com pecados do tipo imoralidade, idolatria, murmuração e tentou ao Senhor. Porém, tudo isso está no arcabouço de uma postura de incredulidade e de falta de sujeição aos caminhos que estavam sendo determinados por Deus naqueles momentos.
A grande tentação exposta no versículo 13 é justamente “o desprezar do outro” aqui, por ser ele mais fraco ou mais ignorante, ou ainda não ter entendido algumas verdades espirituais que já entendemos. Essa tentação exposta no versículo anterior, se transforma aqui em idolatria, ou seja, quando eu me acho maior do que os outros, me esquecendo que diante de Deus e sem Deus eu não sei nada, e me torno meu próprio “deus”.
Também é importante notar o paradóxo:
“Não sobreveio a vocês tentação que não fosse comum aos homens. E Deus é fiel; ele não permitirá que vocês sejam tentados além do que podem suportar. Mas, quando forem
tentados, ele mesmo lhes providenciará um escape, para que o possam suportar”.
Ao mesmo tempo em que Deus dá o escape para a tentação de desprezarmos os nossos privilégios de liberdade desprezando os outros, a ordem imperativa agora é “fugi”, ou seja, Deus faz a parte Dele, portanto, faça a sua, não se exponha a tentação de se achar melhor que ninguém.
“A idolatria se pratica quando nós damos prioridade e devoção a todo e qualquer elemento que é tangível, visível e palpável, que nos conceda segurança e satisfação. É aquele objeto, que pode ser material, uma pessoa, um emprego ou status, no qual nós olhamos e sentimos que é aquilo que garante nossa felicidade”.1
(Wagner Palmiere)
Podemos observer algumas características da idolatria em comparação à vida segundo o sacrifício de Cristos:
1. Na verdadeira adoração, Deus é o centro, na idolatria eu sou o centro.
2. Na verdadeira adoração, é o nome de Deus que é exaltado, na idolatria é o meu nome.
3. Na verdadeira adoração, eu sou “queimado”, consumido, na idolatria eu consumo.
4. Na verdadeira adoração, o importante é que Deus se agrade, na idolatria eu preciso ser agradado. 5. Na verdadeira adoração, é a imagem de Deus que fica em evidencia, na idolatria é a minha. 6. Na verdadeira adoração, eu sirvo, na idolatria eu sou servido.
7. Na verdadeira adoração, eu me submeto a Deus, na idolatria eu submeto Deus a mim.
Paulo menciona 3 motivos claros pelos quais devemos fugir da idolatria:
1. Porque permanecer na Idolatria irá cancelar a ajuda de Deus para enfrentar a tentação. 2. Porque Deus dá a força necessária para fazê-‐lo.
3. Por causa do perigo de estar trazendo com eles julgamento para toda a comunidade. 4. Porque ela nos impede de servir a Deus.
15
ὡς frovnimo" φρονίµοις λέγω· κρίνατε krivnw ὑµεῖς o{" ὅ φηµι. Part. Subj. Adj. Dat. MP 1a S Pres. Ind. At. 2a P Aor. Imp. At. Pron. 2a Nom. P Pron. Rel. Ac. NS 1a S Pres. Ind. At.
Como à inteligentes (eu) falo Julgai (vós) vós (mesmos) o que (eu) digo
φρόνιμος (phrónimos) – Inteligente, sábio, prudente, i.e., atento aos próprios interesses.
Critério (φρονίμοις) – Paulo aqui ironiza o comportamento comum de alguns membros da Igreja de Corínto de por causa de sua sabedoria, percebendo que não era pecado comer carne sacrificada, zombarem dos que ainda não haviam adquirido tal conhecimento. Ou seja, ele demonstra que o mal uso dos privilégios, pode levar ao não desfrute da liberdade cristã.
16
Τὸ
ποτήριον τῆς εὐλογίας ὃ εὐλογοῦµεν,
pothvrion eujlogiva o{" eujlogevw
Nom. NS Gen. FS Pron. Rel. Ac. NS 1a P Pres. Ind. At.
O cálice de bênção que (nós) abençoamos
Provavelmente aqui um Genitivo com sentido passivo, ou seja, não um cálice que traz bênção (ativo), mas, um cálice que recebe sobre si uma bênção, que expressa uma “ação de graças”. Essa idéia é reforçada pelo Pronome Relativo seguinte e pelo sujeito ativo. Mas, pode também ir além, expressando a bênção que é participar da Ceia do Senhor, como alguém que participa espiritualmente e concretamente (navida real), do que ela representa.
οὐχὶ κοινωνία ἐστὶν eijmiv τοῦ αἵµατος ai|ma τοῦ Χριστοῦ; Cristov"
Part. Inter. Nom. FS 3a S Pres. Ind. At. Gen. NS Gen. MS
Não? comunhão (ele) é do sangue de Cristo
ποτήριον (potērion) – Copo, cálice, taça. Metaforicamente, representa a porção ou experiência de alguém, seja de prazer ou adversa. Designações divinas, sejam favoráveis ou desfavoráveis. Comparável a um cálice que Deus apresenta a alguém para beber: tanto de prosperidade, como de adversidade. Na tradição judaica, ao fim da refeição, o hóspete, ou patriarca da família, tomava um cálice e proferia uma bênção sobre aquela família (parecido com o custume de fazer um brinde em nossa cultura).
εὐλογία (eulogia) – Louvor, enaltecimento, gratidão: de Cristo ou Deus. Discurso elegante, linguagem polida. Num sentido negativo, linguagem ardilosamente adaptada para cativar o ouvinte: fala clara, discursos de excelente qualidade, invocação de bênção, graça divina, consagração, bênção (concreta), benefício.
τὸν ἄρτον ὃν κλῶµεν,
a[rto" o[" klavw
Ac. MS Pron. Rel. Ac. MS 1a P Pres. Ind. At.
O pão que (nós) partimos
οὐχὶ κοινωνία τοῦ σώµατος sw`ma τοῦ Χριστοῦ Cristov" ἐστιν; eijmiv
Part. Inter. Nom. FS Gen. NS Gen. MS 3a S Pres. Ind. At.
Não? comunhão do corpo de Cristo (ele) é
“Eu lhes digo a verdade: Se vocês não comerem a carne do Filho do homem e não beberem o seu sangue, não terão vida em si mesmos. Todo aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Todo aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Da mesma forma como o Pai que vive me enviou e eu vivo por causa do Pai, assim aquele que se alimenta de mim viverá por minha causa. Este é o pão que desceu dos céus. Os antepassados de vocês comeram o maná e morreram, mas aquele que se alimenta deste pão viverá para sempre” (João 6.53-‐58).
17
ὅτι εἷς ἄρτος, ei|" ἓν σῶµα οἱ πολλοί poluv" ἐσµεν, eijmiv Co. Sub. Causal Adj. Nom. MS Nom. MS Adj. Nom. NS Nom. NS Adj. Nom. MP 1a P Pres. Ind. At.
Porque um pão um corpo muitos (nós) somos
οἱ γὰρ πάντες pa'" ἐκ τοῦ ἑνὸς ei|" a[rto" ἄρτου µετέχοµεν. metevcw Nom. MP Co. Co. Exp. Adj. Nom. MP Prep. Gen. Adj. Gen. MS Gen. MS 1a P Pres. Ind. At.
(os) porque todos desde do único pão (nós) somos participantes (compartilhamos)
Paulo poderia estar invocando acima de todas as coisas à supremacia e presença de Cristo, na participação de sua morte, e sangue, dos quais todos os crentes fazem participam.
Na prática, Paulo está dizendo que: como alguém poderia se achar melhor e maior do que o outro, sendo que ambos, como pecadores, indignos participantes da mesa do Senhor, unidos na carência da participação no sangue de Cristo? Além do que, a participação neste cálice, também expressa nossa unidade com Cristo e obrigatoriamente, uns com os outros.
Deste modo, a Ceia do Senhor, diferente dos banquetes pagão onde as libações de bebida era oferecidas ao nada, e a deuses inesistentes que não mudam em nada a realidade, a Ceia do Senhor envolve, além de uma realidade espiritual, a realidade concreta de que os cristãos devem viver incluidos nas vidas uns dos outros, compartilhando não só um banquete, ou um encontro social, mas, a vida como um todo, ou seja, benefícios e propósitos, sendo membros uns dos outros, fortemente integrados pela participação no sangue de Cristo.
Esse texto bate de frente com muitos em nossos dias que se acham tão bons que podem viver a Cristo longe da comunhão com os crentes na Igreja. E é um combate ao individualism moderno que apregoa que a vida das pessoas não está relacionada e que cada um tem que cuidar de sua própria vida. Pois não existe Ceia sem Igreja, como também não existe comunhão com Cristo sem Igreja.
“A Ceia é elevada a mais do que um simples memorial e menos do que um sacramento. Onde experimentamos de uma maneira mais intensa e mais profunda nossa unidade com Jesus Cristo [e uns com os outros]. Não por nós mesmo, mas, pela auto-‐doação Dele por nós”.
(Carlos Osvaldo Cardoso Pinto)
“A Ceia do Senhor é uma recordação do sacrificio de Cristo, realizada em meio a uma realidade espiritual que transcende a experiência regular da igreja, na medida em que proporciona uma cumplicidade mais plena com o próprio Senhor, presente de forma intensa no momento da celebração, e provoca transformações nos participantes, mais do que meras recordações”. (Marcos Granconato)
A tragédia da Ceia do Senhor, é ela se tornar um ato religioso banal e egoísta, onde cada um está preocupado somente com seus próprios pecados, e não pensam na santidade do outro, no pecado do outro, nas fraquezas do outro, na unidade com o outro, no propósito em comum com o outro, na necessidade do outro, etc... Tomar a Ceia do Senhor assim, é literalmente mortal, individualmente e para uma comunidade local cristã.
“Quando você estende demais a sua liberdade, você torna mais raza a sua santidade, você torna menos eficaz a sua fé, você torna mais imaturo o seu relacionamento com Deus”
(Carlos Osvaldo Cardoso Pinto)
A Ceia do Senhor, não é um banquete qualquer como dos sacrifícios oferecidos aos demônios, ela representa uma escolha, por um Senhor, e pelo estilo de vida proveniente Dele. A Ceia do Senhor está totalmente relacionada com a liberdade Cristã, sendo que essa liberdade tem que ser coerente com o que a ceia representa, ou seja, minha liberdade não vai além de Cristo, e por Ele, nem além do outro.
Se um pastor, líder, irmão ou igreja rejeita servir a Ceia do Senhor a um irmão em Cristo, está rejeitando não só este irmão, mas o próprio Cristo, assim como anulando o sentido e efeito da própria Ceia que está sendo servida.
18
βλέπετε τὸν Ἰσραὴλ κατὰ σάρκα·
blevpw jIsrahvl savrx
2a P Pres. Imp. At. Ac. MS Prep. Ac. Ac. FS
Considerai (vós) a Israel conforme a carne
οὐχὶ οἱ ἐσθίοντες ejsqivw τὰς θυσίας qusiva koinwnov" κοινωνοὶ τοῦ θυσιαστηρίου qusiasthvrion εἰσίν; eijmiv Part. Inter. Ptc. Pres. At. Nom MP Ac. FS Nom. MP Gen. NS 3a P Pres. Ind. At.
Não? aqueles que comem aos sacrifícios participantes do altar de sacrifícios (eles) são
Paulo aqui, está se referindo ao Israel histórico, a nação de Israel, fazendo um flash back de 10.6-‐10 onde Israel é visto em idolatria (Êxodo 32). O objetivo dessa recordação é justamente observer na nação de Israel as consequências trágicas da desobediência.
“A linha de raciocínio de Paulo é a seguinte: Os cristãos que comem o pão na Ceia do Senhor, ao comerem, expressam a sua solidariedade com os outros e com Cristo. Da mesma forma como faziam os judeus, quando comiam a carne dos animais oferecidos nos sacrifícios (Deuteronômio 14.22-‐29), expressando sua solidariedade com os outros e com Deus. Portanto, os cristãos que comem a carne oferecida aos deuses pagãos, como parte de um culto pagão, expressam a sua solidariedade com os pagãos e com as divindades pagãs”.
(Thomas Costable)
19
Τί οὖν φηµι;
tiv"
Pron. Inter. Ac. NS Co. Co. Co. 1a S Pres. Ind. At.
que pois (eu) digo
ὅτι εἰδωλόθυτον eijdwlovquo" tiv" τί ἐστιν eijmiv Co. Sub. Int. Nom. NS Pron. Indef. Nom. NS 3a S Pres. Ind. At.
será que o sacrifício a ídolos alguma (coisa) (ele) é
ἢ ὅτι εἴδωλον tiv" τί ἐστιν; eijmiv
Co. Co. Alt. Co. Sub. Causal Nom. NS Pron. Indef. Nom. NS 3a S Pres. Ind. At.
ou que o ídolo alguma (coisa) (ele) é
20
ἀλλ̓ ὅτι ἃ θύουσιν,
ajllav o{" quvw
Co. Co. Adver. Co. Sub. Int. Pron. Rel. Ac. NP 3a P Pres. Ind. At.
mas que o que (eles) sacrificam
δαιµονίοις καὶ οὐ θεῷ [θύουσιν]·
daimovnion Qeov" quvw
Dat. NP Co. Co. Ad. Part. Neg. Dat. MS 3a P Pres. Ind. At.
à demônios e não à Deus (eles) sacrificam
οὐ θέλω δὲ uJmei`" ὑµᾶς κοινωνοὺς koinwnov" τῶν δαιµονίων daimovnion γίνεσθαι. givnomai Part. Neg. 1a S Pres. Ind. At. Co. Co. Ad. Pron. 2a Ac. P Ac. MP Gen. NP Pres. Inf. Med.
Não (eu) quero e a vós associados (cúmplices) de demônios tornar-‐vos
21
οὐ duvnamai δύνασθε ποτήριον kuvrio" κυρίου πίνειν pivnw καὶ ποτήριον δαιµονίων, daimovnion Part. Neg. 2a P Pres. Ind. Pass. Ac. NS Gen. MS Pres. Inf. At. Co. Co. Ad. Ac. NS Gen. NP
Não (vós) podeis o cálice do Senhor beber e o cálice de demônios
οὐ duvnamai δύνασθε τραπέζης travpeza kuvrio" κυρίου µετέχειν metevcw καὶ travpeza τραπέζης δαιµονίων. daimovnion Part. Neg. 2a P Pres. Ind. Pass. Gen. FS Gen. MS Pres. Inf. At. Co. Co. Ad. Gen. FS Gen. NP
não (vós) podeis da mesa do Senhor compartilhar e da mesa de demônios
A expressão idiomática aqui: τραπέζης μετέχειν (participar da mesa), expressa a ideia de que, participar de uma cerimônia onde seja servida comida sacrificada à um Deus/deus (Senhor ou demônios), o participante mostra que ele pertence a esse grupo religioso, e que está em harmonia com a divindade (ou (pseudo-‐divindade), a quem a refeição representa e é oferecida.
21
ἢ παραζηλοῦµεν parazhlovw τὸν κύριον; kuvrio"
Co. Co. Alt. 1a P Pres. Ind. At. Ac. MS
ou (nós) provocaremos o ciúme (ira) ao Senhor
µὴ ἰσχυρότεροι Ijscurov" aujtov" αὐτοῦ ἐσµεν; eijmiv Part. Inter. Adj. Nom. MP Pron. 3a Gen. MS 1a P Pres. Ind. At.
Não? fortes como Ele (nós) somos
Esta parte do texto, principalmente pelo chamado à lembrar do exemplo da nação de Israel, pode ser uma referência ao cântico de Moisés em Deuteronômio 32, em especial os versos 15b – 17:
“… Abandonou o Deus que o fez e rejeitou a Rocha, que é o seu Salvador. Eles o deixaram com ciúmes por causa dos deuses estrangeiros, e o provocaram com os seus ídolos abomináveis. Sacrificaram a demônios que não são Deus, a deuses que não conheceram, a deuses que surgiram recentemente, a deuses que os seus antepassados não adoraram”.
E por fim Paulo alerta que quem usa mal sua liberdade está mechendo com fogo e querendo medir forças para com Deus. Os coríntios defendiam o direito de participar das refeições religiosas pagãs. Eles viam a proibição de frequentar os templos pagão, como um pensamento ridículo de seus irmãos "mais fracos". Paulo responde que frequentar as refeições pagãs é errado em dois aspectos:
1. Demonstrava falta de amor aos irmãos; 2. Era incompatível com a vida em Cristo;