'SH/UFC
-REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E "POLíTICA"
DE CLASSE: MOMENTOS DE CONSTITUiÇÃO
DOS INDUSTRIAIS CEARENSES COMO
SUJEITO COLETIV01
APRESENTAÇÃOfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O
xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAestudo aqui apresen-tado é parte de um trabalho mais amplo que venho realizan-do, orientado pela intenção de compreender processos de mudança sociopolítica no Ceará, tomando como re-ferência principal aquelas que vêm se dando no interi-or das camadas dominantes.
A escolha da temá-tica e a maneira de tratá-Ia a menos que definidas a partir de possíveis pressu-postos teóricos foi, por as-sim dizer, "imposta" pela realidade mais visível do mundo da política, isto é, na dimensão da política
que envolve disputas pelo poder formal e a presença nestas de empresários.
Em tempos mais recentes - desde me-ados da década passada - industriais cearenses emergiram na cena pública local, concorren-do a cargos do governo estadual e do Legislativo, apresentando a condição empre-sarial como um recurso central para a valida-ção de suas respectivas pretensões de acesso ao poder. É ainda ao longo deste período que se cristaliza no contexto local, e também naci-onal, a idéia de que as mudanças no espaço cearense, relativas ao desenvolvimento econô-mico e às maneiras de gerir o Estado, resul-tam dos princípios e das ações de uma elite industrial legitimada como elite dirigente.
Este reconhecimento, provado nas ur-nas em três sucessivas disputas eleitorais, foi construído em um persistente e amplo
processo de mobilização de cunho contestatório, ancorado em uma associa-ção civil - Centro dos In-dustriais - paralela à estrutura oficial dos sindi-catos e da Federação, sob a liderança de alguns dos poucos grandes empresá-rios do Ceará. As contes-tações eram dirigi das a vários sujeitos. Dirigentes nacionais, formadores e gestores das políticas eco-nômicas para o país foram avaliados como incapazes de propor e implementar políticas para solucionar as problemáticas da Região e, em especial, as do Ceará. Com -maior contundência combateram os dirigentes locais, concebidos como "coronéis" retrógrados que conduziam as questões públicas de forma clientelista, ineficaz e venal, cujas conseqüências mais graves eram a miséria absoluta das massas rurais e urbanas e a incapacidade daqueles de solucioná-Ias. O terceiro objeto de con-testação eram os próprios empresários. De um lado, combatiam de modo genérico os industriais que, destituídos de consciência e individualistas, ignoravam (no duplo senti-do senti-do termo) as dificuldades enfrentadas pela coletividade e os meios para solucioná-Ias. Por outro, questionavam as entidades oficiais (Federação das Indústrias e os sindi-catos) e, por extensão, as lideranças das mesmas por suas motivações estritamente corporativas e as práticas correspondentes (Lemenhe, 1996).
MARIA AUXILlADORA LEMENHE*
R E S U M O
P r o c u r a - s e n e s te a r tig o c o n h e c e r p r o -c e s s o s d e c o n s titu iç ã o d o s in d u s tr ia is c e a r e n s e s c o m o s u je ito c o le tiv o s o b a ó tic a d a s r e p r e s e n ta ç õ e s s o c ia is . P a r a ta n to s ã o a n a lis a d o s d is c u r s o s p r o fe r i-d o s p o r p r e s ii-d e n te s d a F e d e r a ç ã o d o s In d ú s tr ia s d o C e a r á ( F IE C ) , e m d o is m o -m e n to s d a h is tó r ia d a e n tid a d e . N e s te s , a o e d ific a r e m d ife r e n te s c o n c e p ç õ e s s o b r e a r e la ç ã o E s ta d o /e m p r e s a r ia d o e s o b r e o s p a p é is d e s e m p e n h a d o s p o r a m b o s n a p r o d u ç ã o d a r iq u e z a ( d o p a ís e d a r e g iã o ) éte c id a , n o p la n o , s im b ó li-c o u m a 'p o lítili-c a " d e c la s s e .
• D o u to r a , P r o fe s s o r a d o D e p a r ta m e n to d e C iê n c ia s S o c ia is e R lo s o fia d a U F C
A aglutinação dos empresários cearen-ses em uma entidade de classe marcada, num certo tempo, pela publicização de sua exis-tência e pela orientação contestatória dos dis-cursos, e, no tempo seguinte, pela presença das lideranças mais expressivas da entidade em espaços-chave da estrutura formal do poder, sugere a idéia de que são estes que inauguram a existência dos empresários como um sujeito coletivo, cuja constituição se expressa na exis-tência de interesses de classe definidos e per-seguidos. Esta perspectiva está subjacente à idéia de que este conjunto foi produtor de um projeto burguês para o Ceará ou na afirmati-va genérica de que até este tempo industriais cearenses se faziam presentes no cenário polí-tico apenas como sujeitos individuais.
Colocando em dúvida tais concepções, investigo aqui sob que processos teriam os industriais, em épocas anteriores, praticado a "política de classe", organizando-se como um coletivo para a consecução de interesses em-presariais-industriais.EDCBA
ALGUNS ESCLARECIMENTOS METODOL6GICOS
Tomo como objeto empírico textos produzidos por empresários, onde busco ana-lisar as representações que sujeitos membros do segmento industrial cearense constroem so-bre si mesmos, no que diz respeito ao papel que reconhecem desempenhar como industriais no contexto local (cearense) e nacional, bem como aos modos pelos quais concebem suas relações com o Estado/governo. Pressupondo que discursos de dirigentes de entidades de classes condensam idéias de seus pares e que, sobretudo, são instituídas como "palavra au-torizada" segundo formula Bourdieu (989) e, como tal, reconhecidas por audiências que transcendem o espaço onde as mesmas são constituídas, analiso, exclusivamente, discur-sos de dois ex-presidentes da Federação das Indústrias do Ceará, pronunciados em diver-sas situações. Dentre estas incluem-se: come-morações da entidade (Dia da Indústria, concessão de prêmio ao "Operário Padrão", etc); homenagens a personalidades (governa-dores, ministros, empresários, dentre outros),
66fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAR E V IS T A D E C iE N C IA S S O C IA IS v.2 8 N .1 /2 19 9 7
lançamentos de programas de iniciativa da entidade (por exemplo os do SESI) e palestras.
Os produtores dos discursos presidi-ram a Federação das Indústrias do Ceará (FIEC) entre 1970/1977 e entre 1978/1986. Os textos analisados cobrem quase todo o perío-do da gestão de ambos, embora, para o se-gundo, tenhamos definido o ano de 1986 como limite, época que marca o fim de um primeiro ciclo do movimento dos empresá-rios organizados na entidade para-sindical -o CIC - e que f-oi t-omada aqui como referên-cia para uma análise comparativa, ainda que de forma assistemática.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A FEDERAÇÃO
DAS INDÚSTRIAS DO CEARÁ
A Federação das Indústrias do Ceará foi criada, como suas congêneres no país, em 1950. Em um Estado onde o processo de desenvolvi-mento industrial foi tardio, teriam sido restritas as funções da entidade como porta-voz de inte-resses especificamente industriais, pelo menos até inícios dos anos 70, quando a industriali-zação viria apresentar sinais de alguma vitalida-de. Não seria outra a razão para a inserção de seus dirigentes em entidade que congrega pro-prietários rurais e exportadores, como a Fede-ração da Agricultura, Comércio e Indústria do Ceará - FACIC, e a perpetuação dos mesmos nos cargos. Entre a época da fundação até o ano de 1970 apenas dois indivíduos presidiram a Federação (FIEC, 1982, p.13/21).
Mudanças significativas ocorrem nas prá-ticas da FIEC ao final da década de 70. As direções que vinham se sucedendo são substi-tuídas por industriais de formação mais recente (pós-SUDENE), constituídas por médios empre-sários, com restritos vínculos com o mercado regional e nacional. Mantidas as dimensões ritualizadas dos vários eventos, em especial o do Dia da Indústria, a entidade se equipa com um conjunto de meios para a implementação de atividades genuinamente corporativas. Vári-os indíciVári-os podem ser apontadVári-os.
Constitui-se no interior da entidade uma estrutura técnico-burocrática para análise das políticas formuladas pelo Executivo federal e para estudos das leis que regulam as ativida-des econômicas. Palestras e reuniões agregam economistas, executivos do governo do Esta-do, do Banco do Nordeste, da SUDENE e re-presentantes dos poderes Executivo e Legislativo para a discussão de problemáticas de diversas ordens. São produzidos documen-tos de conteúdo reivindicativo, dirigidos a pre-sidentes da República, ministros de Estado e governadores e, ainda, envolvem-se os indus-triais em movimentos organizados por algu-mas entidades nacionais e regionais, como o Conselho Nacional da Indústria e Federações de outros Estados do Nordeste, participan-do de encontros, produzindo textos e "abai-xo-assinados" (Lemenhe, 1996). A filiação, em 1982, de 21 sindicatos, congregando 479 associados que têm à disposição ampla e re-quintada sede, é sugestiva da existência, no Ceará, de um segmento industrial consolida-do, como também da legitimação da FIEC como porta-voz de interesses específicos de setores da indústria e do conjunto deles.EDCBA
INDUSTRIAIS E O ESTADO/GOVERNO:
PATRIOTISMO E HARMONIA
No primeiro momento tomado como referência 0970/1977), o argumento central e organizador de diferentes lógicas e concep-ções presentes nas falas pode ser sintetizado no seguinte enunciado: Governo e empre-sariado industrial têm uma missão que é a de promover o desenvolvimento do país. A
centralidade desta tese se revela na freqüên-cia com que é apresentada e pela adjetivação
que a acompanha.'fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
obaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAg o v e r n o e o s i n d u s t r i a i s s ã o c o n d ô -m i n o s d a g r a n d e z a n a c i o n a l . . . e d a s
a ç õ e s d e a m b o s n o p a s s a d o e n o p r e
-s e n t e r e s u l t a u m a e x p l ê n d i d a (sic)
r e a l i d a d e .
A convergência de propósitos é um prin-cípio e uma missão que só podem ser realiza-dos porque o g o v e r n o e a i n i c i a t i v a p r i v a d a , d e m ã o s d a d a s , i d e n t i f i c a r a m d i v e r s o s p o n t o s
d e e s t r a n g u l a m e n t o e v ê m c o n s e g u i n d o r e s o l v ê
-l o s c r e s c e n t e m e n t e .
Solidários em torno de uma missão, as tarefas de um e de outro não se confundem: cabe ao empresariado c r i a r r i q u e z a s p a r a a g r a n d e z a n a c i o n a l e ao g o v e r n o f o r n e c e r
m e i o s e s o l u c i o n a r d i f i c u l d a d e s .
Tais enunciados, descontextualizados das próprias falas e compreendidos à luz de uma lógica corrente, poderiam suscitar a idéia de que os industriais, ao atribuírem a si o pa-pel de realizadores de fins e aos governos o de provedor dos meios, se reconhecem como sujeitos principais na sua relação como os go-vernos. Contudo enquanto criadores de rique-zas, isto é, realizadores dos fins, se reconhecem como coadjuvantes - secundários portanto -na missão partilhada de promoção do desen-volvimento nacional, como denotam os trechos abaixo.
o
p o d e r p ú b l i c o r e v e l o u criatividade n o c a m p o e c o n ô m i c o . . . v o l t o u s e i n t e g r a l-m e n t e p a r a od e s e n v o l v i m e n t o
O g o v e r n o a d o t o u u m a f i l o s o f i a d o m e r c a d o l i v r e , dando à i n i c i a t i v a p r i v a d a u m a posição de
co-responsa-bilidade n o p r o c e s s o d e e x p a n s ã o e c o -n ô m i c a e n a p r o m o ç ã o d o b e m - e s t a r (. ..) oc o m p r o m i s s o d o s ó r g ã o s d e d e c i -s ã o ée f e t i v a m e n t e u m c o m p r o m i s s o a p e
-n a s c o m o i n t e r e s s e n a c i o n a l e é e s t a explêndida(sic) r e a l i d a d e q u e e n c h e d e c o n f i a n ç a oc o r a ç ã o e oe s p í r i t o . . . p a r -t i c u l a r m e n -t e d o s e m p r e s á r i o s q u e
a s s i m p o d e m s e e n t r e g a r a o s e u t r a b a
-l h o f e c u n d o d e p r o d u z i r r i q u e z a s , s a
-b e n d o q u efedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo só r g ã o s g o v e r n a m e n t a i s . . .
e s t ã o v o l t a d o s u n i c a m e n t e p a r axwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo i n t e -r e s s e n a c i o n a l .
O e m p r e s a r i a d o i n d u s t r i a l v i s l u m b r o u
c e d o oq u e l h e c o m p e t i a f a z e r p a r a aju-dar o poder público n a s u a m i s s ã o d e d e s e n v o l v e r op a í s .
Nestes fragmentos de discursos têm-se marcados os lugares hierárquicos dos dois sujeitos: o poder público pensa, cria, deci-de, vela, inspira confiança. O poder público como ser ativo principal é aquele que define a condição dos industriais de co-responsá-veis e de ajudantes na realização de missão que é comum a ambos, contudo formulada pelo Estado.
A auto-atribuição de coadjuvante se re-vela mais claramente posta quando o objeto de referência é a própria entidade. Em discur-sos proferidos em solenidades da FIEC, tais como na de comemoração dos 25 anos da FIEC e de posse de diretorias, registra-se a concep-ção de que as funções da entidade foram e são definidas pelo Estado e é nele que a mes-ma encontra sua razão de ser:
A l e i o r d i n á r i a , c o m b a s e n a
C o n s t i t u i ç ã o , fez d o s ó r g ã o s s i n d i c a i s
a g e n t e s d a P a z S o c i a l e d a i n t e g r a ç ã o d e t o d a s a s p r o f i s s õ e s e a t i v i d a d e s e c o
-n ô m i c a s n o P r o c e s s o d o d e s e n v o l v i m e n
-t o n a c i o n a l , fazendo-as p a r t i c i p a r
d i r e t a m e n t e d a s r e s p o n s a b i l i d a d e s i n e
r e n t e s a o P o d e r P ú b l i c o e a o P o d e r J u
-d i c i á r i o
. . . . o s i n d u s t r i a i s c e a r e n s e s , n o
â m b i t o d e s u a e n t i d a d e d e c l a s s e , cum-priram as tarefas q u e o l e g i s l a d o r f e d e
-r a l , o u m a i s p r o p r i a m e n t e o governo
f e d e r a l l h e s outorgou
É p o r m e i o d e s s e o r g a n i s m o q u e oE s t a d o ausculta os anseios d a e m p r e -s a p r i v a d a n a c i o n a l e , p o r via deles é
q u e e s t a d e v e r á s e f a z e r a t u a n t e e c a d a
v e z m a i s p r e s e n t e a o d i á l o g o a s e r m a n
-t i d o c o m o s p o d e r e s p ú b l i c o s
68 R E V IS T A D E C ItN C IA S S O C IA IS V .28 N .1 /2 1997
O governo o u t o r g a tarefas e o empre-sariado, em sua condição de parceiro secundá-rio, não se reconhece possuidor de interesses específicos passíveis de serem traduzidos em reivindicações. Não se faz ouvir, é solicitado a falar: tem a n s e i o s que são a u s c u l t a d o s . Assim, percebem os industriais que suas vontades/in-teresses estão restritos ao que lhe é solicitado manifestar pela voz do poder público. Tal é a natureza do diálogo as simétrico que deve ser travado entre os atores principais na promoção do desenvolvimento econômico nacional.
Essas percepções construídas pelos in-dustriais cearenses não os singularizariam, isto é, podem ser identificadas como um pensa-mento corrente no conjunto do empresariado brasileiro. Num país, cujo processo histórico do desenvolvimento industrial se faz ancora-do nas iniciativas políticas e nos suportes ma-teriais oferecidos pelo Estado processo conceituado por Max Weber (967)como "ca-pitalismo politicamente orientado" - a atribui-ção dos empresários, do "lugar" central do Estado nas transformações econômicas se en-raizou nas mentes de industriais situados em quaisquer das regiões. No contexto que esta-mos analisando, a despeito dos movimentos realizados por grupos de empresários (Cruz, 1984) do Centro-Sul contra o intervencionismo estatal, em meados da década de 70, esta re-presentação do Estado se renova e se intensi-fica, tanto pela concretização, no conjunto do país, das políticas de desenvolvimento econô-mico conduzi das pelas agências estatais, quanto pela condução autoritária da ordem político-institucional.
No que se refere ao Ceará, os diversos programas federais orientados para expansão industrial e a transferência efetiva e vultuosa de recursos - sob a forma de empréstimos a fundo perdido ou não - e a correspondente expansão, até então contida, da produção in-dustrial, irão se constituir como a substância principal para o reconhecimento do Estado/ governo federal como o sujeito ativo principal da vida econômica.
d o t a r a R e g i ã o d e i n f r a - e s t r u t u r a a d e
-q u a d a d e a p o i o a o s e u c r e s c i m e n t o . I n i
-c i a l m e n t e c o m a p o l í t i c a d e i n c e n t i v o s
f i s c a i s e f i n a n c e i r o s a d m i n i s t r a d o s p e l a
S U D E N E e B N B e m a i s r e c e n t e m e n t e c o m
a a d o ç ã o d e n o v o s p r o g r a m a s c o m oxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo P I N e oP R 0 7 E R R A . F o r t a l e c e r a S U D E N E
e oB N B é q u e s t ã o d e p a t r i o t i s m o . . . E é p o r i s s o q u e d e i x a m o s p a
-t e n -t e o r e c o n h e c i m e n t o d o s e m p r e s á r i -fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o s e d o s s e u s l í d e r e s p e l o s t é c n i c o s q u e t ê m a r e s p o n s a b i l i d a d e d e p l a n e j a r e
e s t a b e l e c e r a s i m p o r t a n t e s d i r e t r i z e s q u e
t r a d u z e m a e s p e r a n ç a d e u m f u t u r o
m e l h o r p a r a oC e a r á .
A exaltação do Estado como sujeito prin-cipal em sua tarefa de promotor do desenvol-vimento nacional, e, a afirmação/comprovação dos resultados positivos das ações do Executi-vo federal, dirigidas à Região Nordeste e ao Ceará em especial, convergem para uma minimização do discurso regionalista, tão ar-raigado nas representações das camadas do-minantes do Nordeste. Ora os obstáculos ao desenvolvimento econômico do Ceará são atri-buídos às c o n d i ç õ e s e c o l ó g i c a s a d v e r s a s (secas periódicas), a c o n d i c i o n a n t e s c o n j u n t u r a i s d e o r d e m e x t e r n a (crise do petróleo) ou ainda, de forma genérica, à s d i f i c u l d a d e s n a t u r a i s d o
p r o c e s s o d e d e s e n v o l v i m e n t o . Ora comparados os níveis de expansão econômica do Ceará com os de outros estados do Nordeste, a constata-da inferioriconstata-dade daquele é atribuída à m a i o r
p o t e n c i a l i d a d e d e u n s e m d e t r i m e n t o d e o u t r o s
- m e l h o r i n f r a - e s t r u t u r a , g r a n d e q u a n t i d a d e d e
d i u e r s i f i c a d a s m a t é r i a s - p r i m a s , p r e f e r ê n c i a s
d o s g r u p o s d e i n v e s t i d o r e s d e o u t r o s c e n t r o s . Ora, de modo velado e pouco comum nas falas, sob a forma de uma sentença que afirma pela negativa, obstáculos ao desenvolvimento industrial do Ceará são atribuídos a privilégios conferidos a outras regiões do país. Em dis-curso proferido pelo presidente da FIEC em 1975 encontramos a afirmativa:
C o n t i n u a m o s d e f e n d e n d o a t e s e
q u e o s E s t a d o s q u e l u t a m c o m d i f i c u l -d a -d e s c o m p e t i t i v a s d e v e m s e r t r a t a d o s
d e m a n e i r a d i f e r e n t e p e l o G o v e r n o . N ã o
e s t a m o s a p r e g o a n d o op a t e r n a l i s m o , n e m m u i t o m e n o s or e c l a m o d a s v a n t a -g e n s a u f e r i d a s p e l a s R e g i õ e s d e m a i o r
p r o g r e s s o .
Na ambigüidade dos conteúdos e das formas, sob um regionalismo mitigado, pode-se desvendar o processo lógico de que re-sulta a atribuição ao Estado do papel de sujeito ativo principal e do lugar secundário do industrial. Percebendo a realidade cea-rense confrontada com a de outros Estados do Nordeste e do país (em especial dos Esta-dos de desenvolvimento industrial consoli-dado), a "comprovada" magnitude de suas desvantagens fundamenta a idéia de que a realização de sua missão não pode prescin-dir do Estado/Governo. Mas, percebendo a realidade brasileira tendo a cearense daque-la conjuntura como referente, isto é, uma área do país de desenvolvimento industrial tardio que experimenta uma inusitada expansão in-dustrial, os empresários encontram elemen-tos para se reconhecerem como sujeitos principais da realização da missão de desen-volver o país: como cearenses são natural-mente vocacionados para superar, com otimismo, adversidades de toda ordem e as-sim realizar, enquanto industriais, sua mis-são de produtores de riqueza.
oB r a s i l t e m d e n t r o d e l e , c o m o u m a f o r -ç a v i v a e a t u a n t e , o C e a r á , q u e t r a z n a a l m a d e s e u p o v o a t r a d i ç ã o d e q u e a
d i f i c u l d a d e d e h o j e é a e s p e r a n ç a d e
a m a n h ã .EDCBA
INDUSTRIAIS E O ESTADO/GOVERNO:
REGIONALISMO E CONFLITO
o
período seguinte (1978/1986) é mar-cado por mudanças nos conteúdos das repre-sentações elaboradas pelos industriais sobre si mesmos e sobre o Estado/governo. Se até en-tão as relações entre industriais e Estado/ go-verno haviam sido pensadas por aqueles como solidárias para a consecução de fins comuns,agora passam a ser percebidas como opostas. Os sentimentos de "confiança" e o "otimismo" em relação ao Estado/governo dão lugar aos de "descrédito" e "pessimismo": a retórica de exaltação dá lugar à da contestação.'
O termobaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAd e s e n v o l v i m e n t o - anterior-mente secundário e sobrepujado pelo de
g r a n d e z a n a c i o n a l - e o empenho em reconceituá-Io é central na argumentação que institui as percepções dos industriais sobre si mesmos, sobre o Estado/governo e sobre a relação entre ambos.
a n o ç ã o d e d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o
n ã o s e c o n c i l i a a p e n a s c o m oc r e s c i m e n
-t o m e c a n i c i s -t a d a e c o n o m i a .fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAO d e s e n -v o l -v i m e n t o t e m q u e e s t a r a s s o c i a d o à
f r u i ç ã o d o bem-estar p e l a s g e r a ç õ e s c o n
-t e m p o r â n e a s
. . . é q u e d e f e n d e m o s c a d a v e z m a i s o p r o g r e s s o e c o n ô m i c o a s s o c i a d o a o p r o
-g r e s s o social e , p o r e x t e n s ã o , à i n d i s -s o l u ç ã o d o e c o n ô m i c o e o humano.
O t r a b a l h a d o r n ã o d e v e s e r v i s t o c o m o u m m e r o f a t o r d e p r o d u ç ã o , m a s c o m o
ser humano, c u j a dignidade d e v e s e r r e s p e i t a d a .
A agregação ao termo das noções valo-rativas de bem-estar, eqüidade, dignidade e integridade do ser humano, mais do que uma re-significação neutra e desinteressada, traz implícita a idéia de que há erros a serem corri-gidos e um produtor de equívocos que deve ser chamado à responsabilidade. Traz, por outro lado, a idéia de que quem tem competência para apontar os erros são os industriais.
Q u a l a t e r a p ê u t i c a c o e r e n t e p a r a os
p r o b l e m a s q u e a í e s t ã o . . . q u e o despre-paro d a c l a s s e d i r i g e n t e n ã o s o u b e
c o n t e r ?
Sabemos d o s t r e m e n d o s e q u í v o c o s p r a t i
-c a d o s e m t o d a s a s á r e a s d e d e c i s ã o
e c o n ô m i c a e c o n h e c e m o s os d é f i c t s e s
-t r u -t u r a i s d e n o s s a s o c i e d a d e . Avaliamos osd e s p e r d í c i o s p r a t i c a d o s e m n o m e d o d e s e n v o l v i m e n t o e sabemos medir os
s a c r i f í c i o s q u e d e v e r e m o s s u p o r t a r p a r a
70 R E V IS T AD E O ~ N C IA S S O C IA IS v. 2 8 N .1 /2 1 9 9 7
recuperar a e c o n o m i a e m r e c e s s ã o , s e m p e r d e r d e v i s t a a d e m o c r a c i a .
Se for pertinente estabelecer alguma analogia entre a concepção de Estado for-mulada por Durkheim - órgão de natureza s u i g e n e r i s , encarregado de elaborar repre-sentações que valem para a coletividade CDurkheim, 1983, p. 45) - e aquela produzi-da pelos industriais cearenses no período anterior, diria que neste tempo, aquela fun-ção é subtraída ao Estado pelos industriais, que se reconhecem como o ser pensante por excelência.
O industrial que teoriza, conceitua, tam-bém diagnostica. De que modo se expressam os erros cometidos pelo Estado? Ou, como a desigualdade e a exclusão promovidas pelo Estado se manifestam no plano concreto? A resposta está:
a) no supra-poder político e econô-mico da tecnoburocracia estatal: A t é q u e p o n
-t o o m a n i q u e í s m o p o l í t i c o t ã o d e s t r u t i v o e
i n i b i d o r d a s n o s s a s l i d e r a n ç a s t e r i a s i d o a l i
-m e n t a d o n o s e s c a l õ e s t e c n o b u r o c r á t i c o s àr e -v e l i a d a a u t o r i d a d e m a i o r , e m b e n e f í c i o d o
p r ó p r i o p r o v e i t o n o p o d e r e , a i n d a m a i s , s e r
-v i n d o C H I I O S A (sic), a u m p l a n o d e p a c i ê n
-c i a o p o r t u n i s t a ?
b) nos benefícios concedidos ao setor financeiro em detrimento do industrial e co-mercial: A i n d ú s t r i a e oc o m é r c i o e n c o n t r a m
-s e s u b o r d i n a d o s à b i p e r t r o f i a d o s i s t e m a f i n a n c e i r o , e m p r e j u í z o d a p r o d u ç ã o e g e r a
-ç ã o d e c a p i t a l n a q u e l e s s e t o r e s q u e , e m ú l t i m a
a n á l i s e , g e r a m a r i q u e z a n a c i o n a l .
c) na concorrência exerci da pelo Esta-do, enquanto produtor direto, com as empre-sas privadas: H á a i n d a a c o n s i d e r a r a c r e s c e n t e p a r t i c i p a ç ã o d o E s t a d o n a f o r m a ç ã o d a r e n d a
( m a i s d e 5 0 % d o P r o d u t o I n t e r n o B r u t o ) a n o s
a p r o x i m a r d o s m o d e l o s S o c i a l i s t a s . M a s a f o r
-m a ç ã o d o n o s s o p o v o e a i n t e n ç ã o p r o c l a m a d a
n o s p r o j e t o s g o v e r n a m e n t a i s s ã o p e l a d e m o c r a
-c i a s o -c i a l e e -c o n ô m i -c a .
decisões no Executivo federal, privilégios ao setor financeiro e a situação econômica do país, temas que marcaram os discursos na década dos 80, sobretudo na primeira metade (con-tenção dos recursos públicos, juros altos e in-flação). Neste sentido as visões dos industriais do Ceará não os singularizam, podendo ser percebidas como indícios da incorporação dos mesmos e de suas entidades ao movimento mais geral de contestação ao Estado e às polí-ticas econômicas do governo federal.
Mas, aquelas formulações se revestem de uma particularidade, na medida em que se constituem como um recurso argumentativo estratégico para validar a questão fundamen-tal, presente em quase todos os textos analisa-dos: o mesmo Estado que privilegia o setor financeiro, a tecnoburocracia, as empresas es-tatais, privilegia a economia do Centro-Sul e subtrai do Nordeste e do Ceará as
possibilida-des de possibilida-desenvolvimento.baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A t e o r i a e c o n ô m i c a m o s t r a q u e ,
l o n g e d e s e r m o s i n e v i t a v e l m e n t e p o
-b r e s , t e m o s s i d o vítimas d e s é r i o s e t r e
-m e n d o s e r r o s d a p o l í t i c a e c o n ô m i c a
f e d e r a l , d e i x a n d o - n o s e n t r e o u t r a s
d i s t o r ç õ e s , e m p o s i ç ã o v e r d a d e i r a m e n
-t e c o l o n i a l f r e n t e a o c o n c e n t r a c i o
-n i s m o i n d u s t r i a l d o sul.
N a s í n d r o m e d o s p r o b l e m a s q u e
s e d e s d o b r a m s o b r e on o s s o p a í s , s a b e o N o r d e s t e q u e e l e m e s m o n ã o é c a u s a
d e s s e s p r o b l e m a s q u e a f l i g e m a t o d o s ,
p o i s s ã o poucosfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo s g a s t o s f e d e r a i s n a região (. ..) q u e t e m o s s a l d o n a s t r o c a s
e x t e r n a s , q u e n ã o t e m o s e s t o u r o s f i n a n
-c e i r o s . A t e r a p i a p a r a e s s e s m a l e s d o s u l
é , n o N o r d e s t e , inadequada,
incompe-tente e perversa.
B a s i c a m e n t e oN o r d e s t e n e c e s s i -t a d e recursos: recursos p a r a o e s t a b e -l e c i m e n t o d e i n f r a - e s t r u t u r a , recursos
p a r a e d u c a ç ã o e s a ú d e , recursos p a r a
i m p l a n t a ç ã o d e e m p r e s a s p r i v a d a s , re-cursos p a r a c o n s t i t u i ç ã o d e e m p r e s a s p ú b l i c a s , recursos p a r a e q u i p a r ó r g ã o s
g o v e r n a m e n t a i s , recursos, recursos,
re-cursos, recursos ...
o
regionalismo, anteriormente obliterado, presente nas entrelinhas passa para as linhas, orientado pelo entendimento de que os obstá-culos ao desenvolvimento da Região não resul-tam de determinantes naturais ou dificuldades conjunturais e passageiras mas, sim, da perversa combinação de injustiça e incompetência.Reconhecendo-se os industriais como um sujeito reflexivo e contestador de outros, estendem esta capacidade elaborando análise crítica sobre si mesmos. Enquanto justiça e sa-bedoria são valores que orientam as avalia-ções sobre os outros, no que respeita à autocrítica prevalecem os ideais de solidarie-dade e ativismo que se expressam na contes-tação ao individualismo e à apatia.
S e r e m p r e s á r i o n ã o é a c u m u l a r
l u c r o s , c o n t a b i l i z a n d o - o s a v i d a m e n t e .
S e r e m p r e s á r i o é c o n s t r u i r , p r o d u z i r ,
p r o d u z i r d e s e n v o l v i m e n t o p a r a t o d o s
O s i n d i v i d u a l i s t a s , s o c i a l m e n t e m í o p e s , e s t ã o s a t i s f e i t o s o u n ã o q u e r e m
m u d a n ç a s . N ã o e n x e r g a m af r a g i l i d a
-d e -d o s o c i a l ( . . . ) N o C e a r á é d i f í c i l a
r e u n i ã o . É i n c ô m o d o v i r àF e d e r a ç ã o , f a l t a e s t a c i o n a m e n t o , n i n g u é m q u e r
s a c r i f í c i o s . . . p r e c i s a m o s n o s o r g a n i z a r ,
p a r a r e s p o n d e r m e l h o r a o s c o m p l e x o s
d e s a f i o s .
A F e d e r a ç ã o é u m a v e r d a d e i r a
t r i n c h e i r a d e n o s s a s l u t a s
A definição da entidade como lugar constituidor da solidariedade de classe e base para o ativismo é construída na negação das instâncias formalizadas de ação política bem como das lideranças políticas, posição que é fundamentada na constatação de que nos par-tidos o personalismo e a ambição prevalecem sobre interesses coletivos.
N o s s o a t i v i s m o n ã o t e r á q u e p a s
-s a r p e l a m i l i t â n c i a p a r t i d á r i a a i n d a
c o m p r o m e t i d a (et pour cause) p e l a p e
-n o s a t r a d i ç ã o b r a s i l e i r a d e v a z i o p o l í t i
-c o , p r e e n -c h i d o p e l a a m b i ç ã o e p e l o
p e r s o n a l i s m o d e m u i t o s , o n d e p r e v a l e
-c e m o s i n t e r e s s e s g r u p a i s p e l o m a n d o .
Recusando a rnilitância partidária e descredenciando as lideranças instituídas afir-mam-se os industriais como os mais
habilita-dos para aceitar obaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAd e s a f i o d e l u t a r p o r u m a s o c i e d a d e m a i s j u s t a e m a i s h u m a n a .
A certeza gestada no período preceden-te de que o sentimento de otimismo, entra-nhado na alma cearense, era suficiente para ultrapassar obstáculos é agora subvertida pela idéia de que o instrumento essencial para trans-formação da realidade são ações partilhadas, pensadas e praticadas no âmbito da entidade. Na afirmação de que a s s i m t e m o s c o n d i ç õ e s d e m u d a r a s e s t r u t u r a s d e c a d e n t e s e m q u e s e
e m p e r r a m a t é h o j e oN o r d e s t e eoC e a r á vêem-se justapostas a perspectiva regionalista e o princípio corporativo.EDCBA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em estudos (O' Donnell, 1976) que tra-tam das relações entre empresários e o Estado em sociedades de industrialização incipiente e, via de regra, com organização política de tipo patrimonialista, encontramos a afirmativa segundo a qual, nestas, as entidades formal-mente representativas de interesses industriais desconhecem as práticas corporativas, pois as demandas desses segmentos são apresentadas ao Estado de modo atomizado e de igual modo contempladas. Têm-se também argumentado que, na vigência do regime autoritário no Bra-sil, em decorrência da "corporativização" do Estado (termo cunhado por O' Donnell), as demandas dos empresários dirigidas às instân-cias decisórias chegam até elas por meio de vinculações informais e individuais, entre mem-bros da cúpula da burocracia pública e os da burocracia privada, ou de forma orgânica, mediante alianças de interesses entre grupos de empresas e funcionários ou instituições es-tatais (Cardoso, 1975 e O' Donnell, 1976). Isto significa dizer que, tanto num contexto histó-rico como no outro, as práticas políticas corporativas não se realizam, ainda que na di-mensão formal existam entidades organizadas. No que diz respeito ao contexto caracterizado por convergência de limitada industrialização com poder de base partrimonialista, afirma-se
72fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAR E V IS T A D E C lE :N C IA S S O C IA IS v .2 8 N .1 /2 1 9 9 7
que restam às entidades realizar, no plano co-letivo, apenas atividades ritualizadas que envolvem, por exemplo, homenagens orien-tadas para legitimar ou reiterar as autoridades constituídas. Quanto ao contexto caracteriza-do pelo autoritarismo, as análises deixam im-plícita a idéia de imobilismo político das entidades de classe.
Analisando a realidade cearense, pode-ríamos encontrar evidências da debilidade da Federação das Indústrias para o exercício de sua função de mediadora dos interesses dos industriais junto às agências estatais. Afinal, no movimento inicial de expansão da indústria aos padrões do mando clientelista, ainda for-temente presentes no Nordeste, se sobrepõem os processos autoritários que marcaram a vida brasileira daquele período.
Mas, os textos - analisados sob a idéia de que os "símbolos objetivam relações e criam a comunhão entre indivíduos e grupos" (Cohen, 1976, p. 48) ou que "estruturas simbólicas são combinadas para atingir funções organizativas" (idem, p. 29) - podem desvendar uma realida-de distinta da alegada
atomização/fragmenta-ção das condutas dos industriais e da ausência de ações coletivas no interior de sua entidade e a partir dela.
Diria que, nos dois períodos analisados, os industriais tecem um coletivo no plano sim-bólico, quer levados em conta os argumentos desenvolvidos nos discursos, quer nas situa-ções mesmas que são produzidos/veiculados.
a realização dos fins coletivos. A apresenta-ção do Estado como o ente que atribui à in-dústria esta tarefa-meio e à entidade a função de interlocutora é recurso discursivo estratégi-co, mobilizados para a legitimação do segmento industrial, de seus interesses específicos e de ações partilhadas, orientadas para a realização dos mesmos.
Há outras expressões instituidoras de unidade de interesses. A prevalência da idéia de nação sobre a de região aponta para o bus-ca de auto-reconhecimento de médios empre-sários, situados em uma área de expansão econômica recém-iniciada e periférica aos cen-tros decisórios, como parte do empresariado industrial do país. Mas, na ambivalência das formas e dos conteúdos e no regionalismo mitigado delas resultante, é demarca da a iden-tidade cearense desses industriais. Dado que o Ceará tem problemas específicos, originári-os de condições físicas adversas, a missão atri-buída aos industriais pelo Estado requer, para se concretizar, tratamento diferenciado: difi-culdades específicas demandam vantagens es-pecíficas.fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ sob este argumento que ganha sentido a percepção de que o Estado é, en-quanto provedor dos meios, o sujeito princi-pal. Não teria outro sentido a prevalência de ações coletivas, motivadas para celebrar au-toridades posicionadas em lugares-chave do poder federal.
Diversas são as estratégias discursivas produzidas na conjuntura seguinte. Segundo analisamos, a solidariedade grupal é fundamen-tada no argumento de que o desenvolvimento do Nordeste não se concretiza porque a Re-gião é vítima da injustiça e do abandono. Dis-solve-se assim o patriotismo para dar lugar ao regionalismo agudo, que emerge como um princípio organizador da diferença e da seme-lhança: concebem-se diferentes porque são tra-tados como tal pelo Estado - que privilegia outras regiões - e, semelhantes, porque todos estão contra um Estado que os priva de direi-tos. Essas práticas discursivas de conteúdo contestatório têm sua força aglutinadora pontecializada por um elenco de ações con-cretas tais como "abaixo-assinados"; documen-tos fundados em análises técnico-jurídicas,
avaliando e propondo rumos às políticas eco-nômicas; reuniões com autoridades governa-mentais para se fazerem ouvir que, dentre outras, assinalam um momento de marcado ativismo político dos empresários vinculados à Federação.
Se pudessem ou quisessem poderiam encontrar os industriais cearenses, nas motiva-ções para o regionalismo agudo e nas acima mencionadas ações coletivas, elementos sim-bólicos para avivarem a pálida identidade de empresários brasileiros, pretendida no primeiro momento analisado. Isto porque as práticas políticas corporativas dos industriais cearenses, durante o segundo período aqui considerado, reproduzem os motivos e as formas mais ge-rais de pressão sobre o Estado, praticadas pelos empresários do conjunto do país.
A análise aqui feita aponta para a con-veniência de que sejam revistas certas in-terpretações correntes sobre as condições em que se deu a participação dos industriais do Nordeste - e por extensão a dos cearenses -no processo de desenvolvimento da economia da Região. Segundo interpretação corrente, considera-se que a expansão industrial das re-giões periféricas ao centros econômicos do país, realizada a partir de fins da década de 60, res-pondeu a interesses do. capital nacional e in-ternacional. Desta afirmativa deduz-se que os sujeitos ativos desse processo teriam sido os grandes empresários (do Centro-Sul e de fora do país) e o Estado nacional, restando aos empresários da Região a condição de bene-ficiários passivos da modernização da econo-mia. É inegável que, dadas as condições gerais da economia do Ceará - agricultura atrasada, mercado restrito, baixa capitalização, etc - uma expansão industrial intensa e contínua, tal como se deu no espaço cearense, seria impossível sem as políticas comandadas pelo Estado na-cional. Contudo, este processo os industriais, recorrendo a padrões discursivos e ideológi-cos arraigados em sua cultura política - como o discurso regionalista - e reformulando-os de acordo com as conjunturas e suas necessida-des, puderam aglutinar interesses e traduzi-los, pela voz de sua entidade, como expressão de uma vontade de classe.
BH/UFC
NOTASfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
IxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBATrabalho apresentado no Grupo de Trabalho
"Cultura e Política", por ocasião do XX En-contro Anual da ANPOCS, Caxambu, 1996.
2 Os discursos produzidos neste primeiro
perí-odo foram publicados pela FIEC, sob a forma de uma coletânea. Consulte-se Silveira (977). As sentenças e palavras em itálico assinalam falas dos empresários. A palavra em desta-que é utilizada como marcador de ênfase.
3 Foram trabalhados diversos discursos do
pre-sidente da FIEC neste período - publicados em jornais ou reproduzidos em xerox - or-ganizados pela entidade e disponíveis para consulta na biblioteca da mesma.EDCBA
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74 R E V IS T A D E O ~ N C IA S S O C IA IS v. 28 N .1/2 1997
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