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IDEIAS O QUE PODEMOS FAZER PARA SALVAR A TERRA GRETA THUNBERG A ADOLESCENTE QUE MOBILIZA O MUNDO GRÁTIS V E Ç Ã R D E E D I

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1369 . 30/5 A 5/6/2019 . CONT. E ILHAS: €3,60 . SEMANAL

IDEIAS

O QUE PODEMOS FAZER PARA SALVAR A TERRA GRETA

THUNBERG A ADOLESCENTE QUE MOBILIZA O MUNDO

E D I Ç Ã O V E R D E

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R I A F O R M O S A

(2)

RIA FORMOSA

PARAISO

SELVAGEM

Frágeis e fascinantes, os cavalos-marinhos são uma boa metáfora para o sistema lagunar que se estende entre a península do Ancão

e a praia da Manta Rota, sob a proteção de cinco ilhas-barreira. Em vésperas de serem criadas zonas de “santuário”, visitamos um parque natural que parece o Amazonas visto do ar

R O S A R U E L A

(3)

RIA FORMOSA

PARAISO

SELVAGEM

Cenário inusitado Uma imagem rara da ria Formosa, vista do ar, pela lente do fotógrafo Nuno Sá

(4)

E

Maçarico-real

Numenius arquata É a ave portuguesa com maior bico (em relação ao corpo),

que usa para apanhar crustáceos no lodo

da ria Formosa.

É bastante comum, segundo o Livro

Vermelho dos Vertebrados

Esta reportagem lembra uma pescadinha de rabo na boca – e não é apenas por conter muitos metros cúbicos de água, variadíssimos animais que se dão bem nela e sal quanto baste. Pensa- mos nisso no último dia, ao largo da Praia dos Cavacos, em Olhão, quando estamos a acompa- nhar uma equipa de vigilantes do Parque Natural da Ria Formosa, à cata de artes de pesca ilegais, e damos com uma longa teia-de-carteiras iscada com berbigões. O cheiro dos bichos mortos ain- da não incomoda, mas é suficientemente forte para atrair búzios, alguns demasiado pequenos para merecerem ser capturados.

O primeiro búzio da semana aterrara-nos aos pés uns dias antes, frente à península do Ancão, junto à entrada norte do Ludo que fica perto do Aeroporto de Faro. “Já lhes mostro também uma búzia”, avisara o senhor Lino, de quatro na água, a remexer o fundo lodoso da ria à procura de um H. trunculus com a con- cha mais comprida. Eram onze horas de uma manhã a cheirar a verão, a maré baixa quase atingira o seu mínimo, e este mariscador nas horas vagas antecipava um belo petisco com os amigos. Quanto a nós, estávamos ali para provar salicórnia, uma planta comestível que cresce espontaneamente em zonas de sapal e voltou a ser usada como alternativa ao sal marinho.

“Que tal?”, quer saber Miguel Salazar, com um ligeiro sotaque a denunciar a sua origem espanhola. A salicórnia não tem segredos para este engenheiro agrónomo que se apaixonou por uma algarvia e, pouco depois, pela ria Formosa.

Sabe de cor que é uma planta que combate o sal acumulando-o numas células especiais, chama-

das vacúolos, e que, quanto mais quente estiver a ria, mais salgada estará a água e ela própria.

Por esta altura, a salicórnia traz o toque de sal ideal, ensinará já nas suas estufas, onde várias plantas tolerantes à salinidade devem sentir que estão em plena ria e sempre em maio.

Nos 3 500 m2 de estufas da Agro On, a em- presa que Miguel criou com a mulher, Carla, depois de desenvolverem um projeto de investi- gação nos sapais de Castro Marim, vigiam-se de perto a temperatura, a humidade, a salinidade e a iluminação. Filho de uma cozinheira, o espanhol ganhou cedo o gosto pelo bem comer, mas foi com chefes portugueses que aprendeu a melhor utilização das plantas que vende sob a marca Riafresh. Leonel Pereira, ao comando do São Gabriel, restaurante com uma Estrela Michelin em Almancil, é um dos mais entusiásticos – há vários anos que o algarvio serve um risotto de lavagante com salicórnias bom e bonito de se ver.

É também numa das estufas de Miguel que nos deliciamos com as primeiras ostras da reportagem. Sabíamos que íamos comê-las, porque as da ria Formosa têm fama; até já de- cidíramos exatamente quando e como, mas não esperávamos experimentá-las no género vegetal.

E o espanhol tem razão: embora originária de Ria-espelho Em Cabanas

de Tavira, é preciso apanhar um barco para chegar ao mar

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3 0 M A I O 2 0 1 9 V I S Ã O 51

Camaleão

Chamaeleo chamaeleon Em Portugal, é uma espécie que só existe no Algarve e que corre

perigo de extinção.

Ao contrário do que muita gente julga, não muda de cor para

se camuflar, mas como reação à luz e à temperatura, ou como forma de comunicar com outros camaleões lugares tão longínquos como a Islândia, o Nor-

te do Canadá, a Gronelândia ou o arquipélago norueguês Svalbard, a folha de ostra (Mertensia maritima) que está quase a comercializar faz todo o sentido nesta região do Algarve.

MÁ SORTE DOS “BOCAS”

Claro que também havemos de ver e saborear ostras verdadeiras e “especiais”, em plena ria, tal como havemos de regressar ao Ludo, uma antiga herdade paredes-meias com a Quinta do Lago, excelente para quem se estreia no Parque Natural da Ria Formosa. Entre zonas de sapal e pinhais, no Ludo é fácil observar uma grande diversidade de aves aquáticas, desde a garça-branca até ao corvo-marinho, o camão ou o pernilongo. É a parte mais selvagem da ria Formosa. Não admira, por isso, que a qualquer hora do dia estejam vários carros na berma da estrada em direção à chamada ilha de Faro, ali largados por quem foi caminhar, correr ou an- dar de bicicleta pelo trilho principal. Os aviões parecem incomodar mais os visitantes do que os animais – os bandos de flamingos que ve- mos a passear entre as lagoas e as salinas nem estremecem com o ruído dos seus motores.

Um pouco mais à frente, a nova ponte de madeira que permite o acesso a pé ou de bi- cicleta em segurança à praia de Faro também é um bom ponto de partida para se perceber a ria Formosa, sobretudo na maré baixa. É nessa altura do dia que se dá pela existência de di- ferentes tons de verde e de flores nos cabeços (as partes de vegetação mais altas), pelas estacas a delimitarem os viveiros de amêijoas e ostras,

A NOVA PONTE DE MADEIRA QUE PERMITE O ACESSO A PÉ OU DE

BICICLETA EM

SEGURANÇA À PRAIA

DE FARO É UM BOM

PONTO DE PARTIDA

PARA SE PERCEBER

A RIA, SOBRETUDO

NA MARÉ BAIXA

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FOTOS: MARCOS BORGA

O mapa do refúgio

Da Quinta do Lago à praia da Manta Rota, há 18 mil hectares de área protegida para visitar

São duas penínsulas, cinco ilhas-barreira e seis barras que fazem do sistema lagunar conhecido como ria Formosa uma das mais importantes zonas húmidas do País. O facto de se tratar de um parque natural implica que sejam autorizadas algumas atividades humanas – como a pesca ou a apanha de bivalves –, com regras bem definidas.

A bem do equilíbrio entre o Homem e a Natureza

Falcão- -peregrino

Falco peregrinus O animal mais rápido

do mundo (atinge velocidades de 320 km/hora) está espalhado por quase

todo o planeta. Em Portugal, a espécie está em risco, com a classificação de

Vulnerável

Coruja-do-mato

Strix aluco Está espalhada por

todo o País, mas é no Sul que é mais frequente. Noturna, esta rapina raramente é vista, mas o seu piar

característico – assustador, diga-se

– ouve-se muito

e pelas pinças gigantes dos caranguejos violi- nistas machos (Uca tangeri) que os algarvios chamam de “bocas”.

É por causa dessa pata maior, usada nas danças de acasalamento, que vamos encontrar duas biólogas da Universidade do Algarve a manobrarem um drone, à entrada para a ponte.

Em poucos minutos, vemos Andreia Ovelheiro e Beatriz Vinha recolher as coordenadas exatas de cinquenta fotografias tiradas pelo aparelho, um trabalho de campo que fazem todos os meses para estudar a densidade destes peque- nos caranguejos, no âmbito de um projeto de investigação.

As patas dos “bocas” são tão apreciadas como petisco que os pescadores as cortam, lançando depois os bichos de novo à ria. Sabem que elas voltam a crescer, só não sabem que isso demora tanto tempo que muitas vezes inviabiliza a sua reprodução. Os “bocas” eram também usados como isco na pesca do polvo com covos, até a prática ser proibida entre Sagres e Vila Real de Santo António. Financiado pelo MAR2020, o projeto Crustapanha, coordenado pelo inves- tigador Francisco Leitão, do Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve, que pertence ao grupo Ecoreach (Ecology and Restoration of Riverine, Estuarine and Coastal Habitats), visa a regulamentação da pesca e apa- nha de caranguejos estuarinos e lagunares, com vista à sua gestão sustentada. Andreia e Beatriz esperam contribuir para ajudar os pescadores a alterar a legislação.

DE BINÓCULOS A VER AS AVES

Não podemos esquecer que o Parque Natural da Ria Formosa tem gente dentro – é essa, aliás, a

Viveiros A grande tradição ainda é a apanha da amêijoa, mas quem pode investe nas ostras, produzidas em “mesas” como as da fotografia

OS “BOCAS” ERAM TAMBÉM USADOS COMO ISCO NA PESCA DO POLVO COM COVOS

FARO

(7)

3 0 M A I O 2 0 1 9 V I S Ã O 53 7 mil hectares em terra

Além da ria Formosa, a área protegida compreende pontos

de interesse tão diferentes como o Ludo (na foto em cima), o núcleo histórico de Cacela Velha ou o Forte do

Rato, em Tavira

Vida de mariscador Há seis anos que Marcelo

Lopes comprou um bom retângulo de amêijoa, na ilha

da Culatra. Mesmo assim, de vez em quando, tem de lançar uns quilos de “semente”

(amêijoa pequenina), para ter o que apanhar dali a um ano Diversidade de flora

Se nas dunas a proximidade do mar e os ventos fortes dificultam o crescimento de vegetação com flores, as zonas

de sapal surpreendem pela abundância de cor, sobretudo

durante a maré baixa

Os “bocas”

Nesta altura do ano, os caranguejos violinistas estão em plena época de

acasalamento.

Os machos passam, por isso, o dia a agitar a sua grande

pata, para assim conquistarem

as fêmeas Passeios de barco

Não há ave que escape ao olhar atento de Fernando Graça, guia da Formosamar.

A melhor maneira de conhecer a ria Formosa é a bordo de um dos muitos barcos que realizam passeios entre as ilhas-barreira Vigilantes da Natureza

Todos os dias, técnicos do Parque Natural da Ria Formosa partem para o terreno. Sempre que se mete num

barco, Nuno Grade já sabe que vai encontrar situações de captura ilegal

Cacela Velha

TAVIRA

Pedras d’El Rey

Olhão

Quatro Águas

Terra Estreita

Armona

Farol

Ilha de Cabanas

Ilha da Armona

Ilha de Tavira

Ilha da Culatra

Ilha Deserta ou Barreta

OCEANO ATLÂNTICO

Cabanas

Praia da ilha de Tavira

Fuseta

Culatra

Santa Luzia

Barril

2 km

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Cavalo-marinho

Hippocampus guttulatus Sabe-se que os H. guttulatus, os mais abundantes e maiores (podem medir mais de 20 cm), costumam esconder-se em zonas de algas, com as suas caudas enroladas em plantas marinhas, e que os H. hippocampus

mais pequenos e com o focinho mais curto

preferem zonas de fundo misto de areia

e de conchas.

Espécie a proteger

A colónia de cavalos-marinhos da ria Formosa ainda é uma das maiores do mundo, mas todos os cuidados são poucos Em 2001, a canadiana Janelle Curtis, investigadora do projeto Seahorse, estimou que havia 1,3 milhões de cavalos-marinhos na ria Formosa, o que representaria de longe a população mais numerosa do mundo; hoje, não haverá mais do que 155 mil. Mesmo assim, a ria Formosa continua a ser um dos locais onde vive uma das maiores colónias do mundo. São várias as razões apontadas para este declínio. À cabeça, os investigadores colocam a captura, proibida mas realizada de maneira furtiva. Será essa captura que levará, em grande parte, à degradação do seu habitat, uma vez que ela é feita por arrasto de vara, destruindo as pradarias marinhas já de si “varridas” durante o fundeamento desordenado de embarcações. Ao mesmo tempo, as características destes peixes não ajudam à sua sobrevivência: são tão sedentários e lentos que se tornam presas fáceis. Por fim, assinale-se que a renovação das gerações em meio natural não é fácil. Os dados recolhidos nos vários censos permitem também saber em que locais da ria Formosa se concentram em maior número, sendo aí que deverão ser anunciados para breve

“santuários”. A reboque desses “santuários”, os biólogos Miguel Correia e Jorge Palma esperam que se avance com novas soluções para a amarração das embarcações ao largo das ilhas-barreira. Há vários anos que criam cavalos-marinhos em cativeiro, na Estação do Ramalhete, e que “pescam”

o seu alimento na ria, faça sol ou faça chuva.

FOTOS: NUNO SÁ

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3 0 M A I O 2 0 1 9 V I S Ã O 55

FOTO: MARCOS BORGA

Robalo

Dicentrarchus labrax Este peixe gosta de águas salobras de estuários e lagunas

costeiras, sobretudo no verão. Alimenta-

-se de crustáceos, moluscos e outros pequenos peixes.

E utiliza a ria na fase juvenil, migrando em adulto para o mar razão por que não foi classificado como reserva.

Gente que, com frequência, vive daquilo que a ria dá (a agricultura encontra-se em regressão, como acontece no resto do território), e não estamos apenas a pensar nos pescadores e nos mariscadores – é preciso incluir nesta equação as atividades marítimo-turísticas. “Temos de encontrar um equilíbrio entre a Natureza e as pessoas”, sabe Paulo Nugas, dono da empresa de ecoturismo Formosamar, “para ver se isto chega ao futuro em condições”. Ele é o primeiro a admitir que a pressão do turismo está cada vez maior, mas recusa-se a enfiar o barrete sozinho.

“Nós estamos a apostar nas energias alternativas – já temos um barco movido a energia solar.”

Certo é que a doca de recreio de Faro nunca esteve tão animada. Fernando Graça, cómico no seu chapéu à explorador, prefere fazer passeios a partir de outubro e inverno dentro, a altura do ano em que se avistam mais aves na ria, mas sabe na pele que o trabalho aumenta com a chegada do verão. Entre maio e setembro, a bordo de um dos barcos da Formosamar, guia sobretudo os turistas interessados na Natu- reza, pelos canais mais estreitos e ao longo da península do Ancão. A primeira coisa que faz, por isso, é distribuir bons binóculos, enquanto ensina que não estamos numa ria, mas sim num sistema lagunar com duas penínsulas e cinco ilhas-barreira. “Um ecossistema protegido,

OS PESCADORES DESCOBRIRAM RAPIDAMENTE QUE UM QUILO DE CAVALOS-MARINHOS PODE SER VENDIDO POR 1 500 EUROS

“Ilegais à vista?” Por momentos, Capela e Hugo Eusébio presumiram tratar-se de um pescador em zona interdita. Era um estrangeiro, a apanhar banhos de sol, que teve de sair dali

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Colhereiro- -comum

Platalea leucorodia Com o estatuto

de Vulnerável em Portugal, no

Livro Vermelho dos Vertebrados, o colhereiro usa o bico em forma de (lá está) colher para procurar

alimento no lodo

Pilrito-pequeno

Calidris minuta Uma ave minúscula,

muito ativa, que perscruta moluscos

e crustáceos nas margens de estuários, é comum durante todo o ano no Sotavento

algarvio

que serve de berçário para muitas espécies”, sublinha. Mesmo aqui ao pé ou ali ao longe, Fernando vai indicando um casal de chilretas ou andorinhas-do-mar-anãs que esvoaçam, uma garça-branca a esconder-se no sapal, um colhereiro e uma garça-branca-pequena a trabalharem juntos (ela come os restos) e um borrelho-de-coleira-interrompida que parece estar a fazer uma corrida com um avião rumo a norte. A embarcação não tem sonda, navega-se a “olhómetro”. Não é o caso no momento, mas por vezes desaparece 80% da água – e aí vemos os canais sinuosos da ria, daí o nome “Formosa”.

A meio do percurso, somos ultrapassados pela lancha Grelo, guiada por João “Grelo”, dono do único táxi aquático que opera de Faro. Pelo caminho, passamos por um ilhote conhecido como “praia dos tesos” (por se encontrar per- to da costa), por vários iates fundeados (“Uma praga”, ouviremos na Culatra) e dezenas de viveiros de ostras e amêijoas. Não vamos até à ilha Barreta ou Deserta (há um outro passeio que inclui ali uma paragem de meia hora), mas voltamos a ouvir falar do famoso senhor Alves, o seu único habitante.

Longe de ser um eremita, o velho pescador tem a companhia de um cão e a presença cons- tante dos clientes do restaurante Estaminé e de quem escolhe visitar a ilha mais selvagem da ria Formosa. De vez em quando, também recebe investigadores que andam há anos a estudar a única colónia no País de gaivotas-de-audou- in (Larus audouinii), que são mais pequenas e esguias do que as vulgares Larus michaelis

e têm o bico vermelho e as patas cinzentas.

E, como a sua mulher mora em Faro, vai com frequência à cidade.

PROTEGER OS MAIS FRÁGEIS

Sempre guiados por Fernando Graça, seguimos por canais principais e secundários, e ainda por alguns esteios que são interditos à navegação a não ser que o ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) autorize a passagem.

Por se tratar de um parque natural, existem também canais de interdição total que só po- dem ser utilizados por vigilantes da Natureza, forças da segurança e ambulâncias. E, em breve, serão anunciadas zonas de reserva de cavalos- -marinhos – uma notícia que merecia ter sido recebida com champanhe na Estação Experi- mental do Ramalhete, do CCMAR, um antigo armazém utilizado por armações de atum, em pleno sapal. É ali que os biólogos Miguel Correia e Jorge Palma dedicam a melhor parte dos seus dias a estudar estes peixes tão frágeis e fascinantes, ameaçados de extinção local (ver caixa Espécie a proteger).

Antes de ficarmos a conhecer a pequena sala cheia de aquários com cavalos-marinhos em diferentes fases de crescimento, que a dupla monitoriza 365 dias por ano, atravessamos o

“laboratório molhado” onde outros inves- tigadores desenvolvem projetos focados na aquacultura. A nadar em grandes tanques, há peixes e moluscos da nossa costa que também costumam entrar na ria Formosa, muitos deles para desovar. Robalos, linguados, douradas, A dois tons A beleza natural deste

parque tanto se encontra numa salina como na pose dos flamingos que não parecem importar-se com o ruído dos aviões que sobrevoam a região de Faro

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FOTOS: MARCOS BORGA

Enguia

Anguilla anguilla Está distribuída por toda a Europa, mas tem a classificação de Criticamente em Perigo (de extinção).

Em Portugal, encontra-se apenas ligeiramente melhor:

Em Perigo.

Há um plano europeu para a recuperação

da espécie chocos, polvos, às vezes enguias… Estudam-se

rações, fazem-se estudos de endocrinologia e de comportamento, e surpreendem-se os visitantes ignaros com um tanque onde um choco fêmea está a pôr ovos (pretos, lindos) a toda a velocidade.

Perto dos chocos há um outro tanque de um projeto com pepinos-do-mar, um invertebrado da família da estrela-do-mar, espécie ameaçada na ria Formosa tal como os cavalos-marinhos.

Ambos são usados na medicina tradicional chi- nesa e o seu habitat é mais ou menos o mesmo.

Conta Miguel Correia que os pescadores co- meçaram por capturar pepinos-do-mar, que chegam a ser vendidos por 200 euros o quilo, e rapidamente descobriram uma nova oportuni- dade de negócio com os cavalos-marinhos, ainda mais rentáveis: um quilo (cerca de 300 espéci- mes) pode ser comercializado por 1 500 euros.

No caso dos pepinos, é relativamente fácil as autoridades detetarem a captura ilegal acima dos dois quilos diários por pescador, porque são uns animais q.b. volumosos. Os cavalos- -marinhos, cuja captura é proibida, têm menos sorte – facilmente se escondem 100 espécimes num saco pequeno.

“Foi feita uma apreensão em Espanha, com uma família de Olhão, e percebeu-se que era a ponta de um icebergue”, recorda Miguel Correia.

“Nos cafés, havia quem dissesse à boca cheia que tinha apanhado 400 e 500 cavalos-mari- nhos num só dia.” Nada de estranhar quando falamos de peixes sedentários

e muito vagarosos (chegam a

ENTRE ZONAS DE SAPAL E

PINHAIS, NO LUDO É FÁCIL OBSERVAR UMA GRANDE

DIVERSIDADE DE AVES AQUÁTICAS.

É A PARTE MAIS

SELVAGEM DA RIA

FORMOSA

(12)

1 3

2 4

gastar quatro minutos para nadar um metro), que vivem em áreas de 100 metros quadrados.

O cenário torna-se ainda mais negro, quando se sabe que a captura de cavalos-marinhos é habitualmente realizada de noite e por arrasto de vara, uma arte de pesca ilegal que destrói o habitat – sem as suas pradarias marinhas, eles não têm onde se agarrar e alimentar, sublinha o biólogo. “É dizimar uma população.”

NEGÓCIOS ILEGAIS

Percebemos o que Miguel Correia queria dizer quando, uns dias mais tarde, estivermos no barco do Parque Natural da Ria Formosa. Uma hora antes de catarem as carteirinhas carrega- das de búzios na zona de Olhão, os vigilantes chefiados pelo biólogo Nuno Grade avistam um barco com dois casais a bordo, na zona da Fortaleza de S. Lourenço, submersa entre a ilha do Coco e a Armona (uma das pontas da Culatra que quase toda a gente chama de ilha).

É um local de viveiros e mariscadores, o mais provável é terem estado a apanhar bivalves na maré-baixa – uma atividade legal, desde que possuam licenças de pesca lúdica apeada e limitem a captura a 2,5 quilos cada, por dia.

1

Viva a salicórnia!

Nas estufas da Riafresh, nas campinas de Faro, esta planta (boa para substituir o sal nos pratos) é enganada para pensar que está na ria e sempre em maio

2

Ostras “especiais”

É uma trabalheira, mas vale a pena o esforço, sabem Nuno Leonardo (aqui em primeiro plano) e Hugo João, da empresa Aqua Prime, que tudo fazem para que cada bicho chegue aos 100 gramas

3

Fraca campanha?

Pescador desde os 16 anos, Celso Padinha conhece como poucos as manhas da ria. Numa noite, a rede deitada ao largo da Culatra pode quase só trazer algas, na seguinte terá mais sorte

4

A quatro mãos Todas as manhãs, Valério Arrais tem a companhia do antigo pescador Norberto Batista que, de chapéu de palha e óculos escuros, o ajuda a limpar a rede

A RIA FORMOSA

TEM GENTE DENTRO – DAÍ TER SIDO

CLASSIFICADA COMO PARQUE NATURAL. ALÉM DE PESCADORES E MARISCADORES, NÃO ESQUEÇAMOS AS ATIVIDADES MARÍTIMO-

-TURÍSTICAS

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3 0 M A I O 2 0 1 9 V I S Ã O 59

FOTOS: MARCOS BORGA

Texugo- -europeu

Meles meles É um mamífero muito

comum por todo o País, incluindo o Algarve, mas poucas

vezes é avistado, devido aos seus hábitos noturnos e ao

seu comportamento tímido. Chega a ter 80 centímetros de comprimento e 10 quilos de peso

Pilrito-comum

Calidris alpina Tal como o nome indica, é uma ave efetivamente comum:

na ria Formosa, chegam a ser vistos

bandos de largas centenas destes animais, que se alimentam

de caranguejos e de moluscos

A identificação é rápida e ineficaz – ninguém traz documentos pessoais, além de duas licen- ças; as moradas ditadas podem nem ser verda- deiras – e o saco de amêijoa parece não pesar mais de cinco quilos. Em minutos, zarpam dire- tos à costa, sem olharem para trás. Quanto aos vigilantes, demoram pouco tempo a descobrir nas imediações quatro grandes sacos de rede a estalarem com marisco. Pesado o conteúdo (34 quilos de amêijoa e 66,5 de berbigão), as contas são feitas num ai: com a amêijoa a cinco euros o quilo e o berbigão a dois ou três, os dois casais teriam ganho mais de 300 euros numa só maré. “Amanhã estão aqui outra vez”, aposta Nuno Grade. “A nossa vantagem de virmos no final da maré é que eles perdem o dia todo.”

Ali perto estavam também duas grandes ganchorras de mão, utilizadas na captura por arrasto, proibidas no interior da ria. Não é pre- ciso imaginação para perceber o efeito de um aparelho semelhante no fundo deste sistema lagunar e particularmente no habitat de pei- xes tão vulneráveis como os cavalos-marinhos.

O seu perigo de extinção é um tema quente na ria Formosa, neste momento. A captura furtiva é uma realidade, mas os pescadores não serão

os únicos culpados do seu eventual desapare- cimento.

“Esse tipo de peixe, tão tímido e sensível, vai deixar de se sentir bem aqui com tanta agitação”, ouvíramos no início da semana a Nuno Leo- nardo, um dos sócios da empresa de produção de ostras Aqua Prime, que tem viveiros frente à península do Ancão. “Se, em agosto, eu dei- xar uma pessoa num determinado sítio da ria, sempre com barcos a passar, vai ver o stresse que a poluição sonora lhe causa...”

O fundeamento de iates, por exemplo ao largo da Culatra, também é apontado como grande responsável. As âncoras e, sobretudo, as correntes varrem o fundo marinho, destruin- do as pradarias, já lembrara Miguel Correia e há de sublinhar Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra.

Na zona em que é permitido fundear barcos até aos nove metros (e de graça), nesta altura do ano podem ali juntar-se trinta, um número que assusta só até nos dizerem que no verão costuma chegar aos trezentos.

“Temos a amarga sensação de que está tudo por fazer, mas sabemos que lutamos o que podemos”, dirá Nuno Grade, depois de abor- dar os donos de dois veleiros estrangeiros, aos quais explica que se encontram fora da zona permitida. Nada será dito em relação ao facto de a maioria despejar os dejetos diretamente na ria – o que é sabido e na prática tolerado.

Percebe-se porquê: basta navegarmos um pouco para estarmos outra vez em águas de um azul transparente de fazer inveja às Caraíbas, e à vista de areais quase brancos.

VÁRIOS PEIXES E MOLUSCOS

COSTUMAM ENTRAR

NA RIA FORMOSA,

MUITOS DELES PARA

DESOVAR. ROBALOS,

LINGUADOS, POLVOS,

DOURADAS, CHOCOS

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FOTO: MARCOS BORGA

Pernilongo

Himantopus himantopus Também chamado

“pernalonga”, por razões óbvias, costumava ser uma espécie sazonal, mas

agora já é residente, sobretudo no Sul do País, mais quente e com uma ria que lhe dá alimento todo o ano – insetos e crustáceos

Dourada

Sparus aurata Apesar do nome,

é um peixe bem mais prateado do que dourado. Muito apreciado na culinária

portuguesa, tem no estuário do Alvor e na ria Formosa importantes locais de produção, em regime

semi-intensivo

A ARTE DAS OSTRAS

É o que acontece a meio da semana, quando o biólogo Hugo João nos der boleia entre a Cula- tra e os viveiros da Aqua Prime. Andar de barco pelo meio das ilhas-barreira, mesmo que seja só na parte central do sistema lagunar, entre Olhão e Faro, enche os olhos para o resto do ano, já tínhamos pensado no calmo mar Santo, ao longo da ilha Deserta. Agora, é a chegada à península do Ancão que deslumbra.

Nuno Leonardo espera-nos junto aos vivei- ros. Os seus avós tinham uma indústria con- serveira, ele começou pelo mergulho e depois fez-se mariscador, antes de se pôr a produzir amêijoas. Em 2013, para rentabilizar os lotes, apostou nas ostras. Já tinha experiência de quase quinze anos e sabia o que queria: vender apenas das “especiais”, com um elevado índice de carne e um peso por unidade a rondar os 100 gramas. Abaixo delas ainda estão as “finas”, explicará junto às mesas de ferro que aguentam os sacos de rede.

É através desses sacos que as ostras se alimen- tam da água da ria, rica em fitoplâncton. Com-

pradas em maternidades, são estéreis, uma vanta- gem que se nota à mesa, ensina Nuno Leonardo:

“A ova dá um sabor muito metálico e é uma massa consistente. E, durante o período do verão, a ostra está a maturar, fica leitosa. Uma ostra das nossas tem um sabor melhor e mais carne porque não se esforça com a desova, ora provem lá!”

Depois de aprender vários truques com os franceses, Nuno Leonardo convidou Hugo João a trabalhar consigo e juntou-se à Socie- dade Piscicultora Farense, do Grupo Gray, que também aposta na aquacultura. Mas já mal o ouvimos. Fechamos os olhos e sentimo-nos uns sortudos, registando mentalmente que é agora o biólogo quem fala das ostras da ria de Aveiro, com menos sal do que estas.

CUIDADO PARA NÃO ESTRAGAR

Desculpe-se a gula – o almoço resumira-se a umas sanduíches engolidas à pressa num restaurante na Culatra, a tempo de entrevis-

BASTA NAVEGARMOS UM POUCO PARA

ESTARMOS EM

ÁGUAS DE UM AZUL TRANSPARENTE DE FAZER INVEJA ÀS CARAÍBAS, E À VISTA DE AREAIS BRANCOS

Cacela Velha Cá do alto, perto da igreja, a paisagem é tudo aquilo que se espera de uma área protegida. Com o bónus de mudar radicalmente com a maré

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62 V I S Ã O 3 0 M A I O 2 0 1 9

FOTO: MARCOS BORGA

Bútio-comum

Buteo buteo Com o nome alternativo de águia-

-de-asa-redonda, é uma das aves

de rapina mais abundantes em Portugal. Alimenta-

-se de pequenos mamíferos, répteis

(incluindo cobras) e até insetos

Pato- -trombeteiro

Spatula clypeata Nidifica no Centro e Norte da Europa e usa

o nosso país como poiso de inverno, entre finais de agosto

e abril. A espécie é considerada Em Perigo, a segunda mais grave da escala (excetuando a categoria Extinto).

Algumas populações, no entanto, vivem aqui

durante todo o ano

tarmos a mulher de quem todos falam na ilha e arredores. Três anos depois de os ânimos se terem exaltado com a promessa de cente- nas de demolições de casas em quase todas as ilhas-barreira, ao abrigo do Polis Litoral Ria Formosa, podemos escrever que Sílvia Padinha obteve um consenso inesperado.

E que se tivesse um slogan, ele seria: “As pes- soas fazem parte do meio”.

Das 300 demolições previstas, foram avante cerca de 80 – e nenhuma delas na Culatra, onde se conseguiu reverter o dinheiro da Polis para a requalificação da ilha. As obras ainda decor- rem, agora a toda a pressa porque espera-se a visita do ministro do Ambiente e da Transição Energética a 5 de junho. Nesse dia, João Pedro Matos Fernandes irá entregar simbolicamente os títulos de legalização de dez casas. Parte da nova passadeira de placas de cimento, que irá cobrir várias “ruas” desta ilha com cerca de mil habitantes, já está colocada e brilha ao Sol.

Talvez a passadeira seja demasiado larga e clara, admite Sílvia Padinha, que gostava de ter sido consultada. “Há 150 anos que aqui vive- mos, em harmonia com a Natureza. É preciso encontrar um equilíbrio entre nós e aqueles que nos visitam – massificar o turismo é estragar.”

Urgente será, na sua opinião, acabar com a fundeação “sem regulamento” de iates (“Eles chegam e ficam como querem, o tempo que querem”) e evitar o excesso de embarcações, em geral, e a atividade marítimo-turística, em particular. “Se não, vão ser as atividades tradi- cionais as prejudicadas, e um dia os turistas só vêm visitar turistas – e em barcos com motores de 200 cavalos.”

Turistas que visitam turistas é um cenário que lembra Lisboa, atiramos no porto de abrigo da Culatra, na direção de um velho pescador.

Norberto da Conceição Batista coça a cabeça, debaixo de um grande chapéu de palha e ri-se.

“Lisboa é quando a ambulância leva, para ir a uma manifestação ou ver o Benfica. A gente só vai a Olhão vender o peixe na lota e fazer o aviamento no supermercado.”

A inveja dá-nos para jurar ali mesmo que havemos de nos despedir com mais uma dose de amêijoas, ao pôr do Sol, numa esplanada estrategicamente virada para a ria, em Cabanas de Tavira. As noites ainda estão frias para os ca- maleões se deixarem ver à vontade – uma falha imperdoável no Parque Natural da Ria Formosa.

Salva-nos saber que podemos matar saudades com a salicórnia que já se encontra em vários supermercados em Lisboa. rruela@visao.pt

Cheira a verão Ainda faltam umas semanas no calendário, mas já apetece acabar o dia ao ar livre, de preferência com vista para a ria Formosa

“É PRECISO

ENCONTRAR UM EQUILÍBRIO ENTRE NÓS E AQUELES QUE NOS VISITAM – MASSIFICAR O TURISMO É ESTRAGAR”

SÍLVIA PADINHA, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DA ILHA DA CULATRA

Referências

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