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Papéis de atividade em uma audiência de conciliação no PROCON

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Academic year: 2021

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Resumo

de conciliação no PROCON

Ana Paula Cristina da Silva (UFJF)* | Amitza Torres Vieira (UFJF)

Este trabalho tem como objetivo investigar os papéis de atividade desempenhados por duas conciliadoras em uma audiência de conciliação no PROCON, com base nas discussões de Sarangi (2010) sobre papéis. O autor define papéis de atividade como aqueles que fazem parte do conjunto de papéis (Merton, [1949] 1968) em atividades profissionais, sendo dependentes do tipo de atividade (Levinson, 1992) e dos outros participantes. A metodologia do estudo é de cunho qualitativo e interpretativo (Denzin e Lincoln, 2006) e os dados foram transcritos de acordo com os analistas da conversa (Sacks, Schegloff e Jefferson, 1974). Os resultados da análise mostram que os papéis da conciliadora envolvem, além daqueles de natureza institucional, outros, relacionados ao controle interacional. No que tange ao cumprimento do mandato institucional (Maynard, 1984), os papéis assumidos pelas conciliadoras são denominados especialista e conciliador. No que diz respeito ao controle da interação, as conciliadoras desempenham o papel de orquestrador (Kolb, 1985; Ladeira, 2005).

* Bolsista de Mestrado da CAPES, no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Juiz de Fora, sob a orientação da Profª. Drª. Amitza Torres Vieira.

Introdução

A Teoria dos Papéis, cujo marco inicial constitui o trabalho do antropólogo Linton (1936), refere-se aos papéis assumidos por indivíduos na sociedade. Na moderna Teoria dos Papéis, representada pelos trabalhos de Sarangi (2010, 2011), há uma diferenciação entre três tipos específicos de papéis, a saber: papel social, associado à relação entre os indivíduos (pai-filho, médico-paciente, etc.); papel discursivo, referente à relação participante e mensagem (se o participante produziu, recebeu ou transmitiu a mensagem em nome de outro); e papel de atividade, dependente da atividade da qual o ator social está participando, sendo definido em relação aos outros participantes.

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da área da saúde, os papéis desempenhados pelos participantes podem não estar em conflito, mas em relação complementar.

Em outras interações institucionais, como, por exemplo, as audiências de conciliação no PROCON, as atividades e tarefas dos conciliadores possuem orientação para a meta referente àquela prática institucional1. Nesse sentido, o estudo dos papéis desempenhados pelo conciliador pode contribuir para a compreensão de como o hibridismo de papéis é utilizado para construir o ambiente profissional dessas audiências. Além disso, pode auxiliar na prática profissional dos conciliadores e de outros profissionais de áreas afins.

O presente trabalho adota o termo “papel” como um conceito organizacional utilizado por indivíduos em situações sociais (Goffman, 1961) e fundamenta-se nos trabalhos de Sarangi (2010, 2011) sobre papéis de atividade e hibridismo discursivo. A partir desse arcabouço teórico, este estudo tem como objetivo investigar os papéis desempenhados pelas conciliadoras em uma audiência de conciliação no PROCON de uma cidade de Minas Gerais. Mais especificamente, pretende-se:

i) mapear e descrever os papéis de atividade assumidos pelas conciliadoras na audiência; ii) investigar o motivo pelo qual alguns papéis de atividade são salientados neste tipo de atividade.

Como metodologia, será adotada a tradição da pesquisa qualitativa (Denzin e Lincoln, 2006; Stake, 2007), haja vista que entendemos como as principais tarefas do pesquisador o ato de descrever e compreender o significado das ações humanas, além de identificar o que os atores sociais estão fazendo ao utilizarem a linguagem. O artigo possui quatro seções, segmentadas da seguinte forma: na seção 1, serão apresentados os pressupostos teóricos da Teoria dos Papéis; na seção 2, será abordado o ambiente institucional; na seção 3 será apresentada a metodologia da pesquisa e a contextualização da audiência investigada; na seção 4, será realizada a análise dos dados.

1. A Teoria dos Papéis

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(Hilbert, 1981), que pode ser utilizado pelos atores sociais quando requerido e não como um comportamento governado por regras.

Na Sociolinguística Interacional, trabalhos como o de Clark (1996) empreendem discussões importantes sobre o conceito de papéis, aliando a Teoria à análise de dados. O autor aborda a noção de papéis de atividade por intermédio do conceito de atividades conjuntas. O autor utiliza o termo “tipo de atividade” (Levinson, 1992) para argumentar sobre o uso da linguagem, que ocorreria por meio de atividades conjuntas. Segundo Clark (1996), as atividades conjuntas recebem este nome por serem realizadas em conjunto, quando duas ou mais pessoas têm como meta atingir determinado objetivo. Como consequência dessa interação, os atores sociais são ratificados como participantes da atividade e recebem papéis. Esses papéis desempenhados pelos indivíduos são nomeados por Clark (1996) de papéis de atividade. Os papéis, segundo o autor, fazem parte da esfera pública da interação, auxiliando na divisão do trabalho e ajudando os participantes a modelarem o que deve ser feito por cada um. Por fim, os papéis de atividade são dependentes do tipo de interação, haja vista que eles podem mudar de uma atividade para outra.

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2. Interação institucional

No mais clássico texto sobre interação institucional, Drew e Heritage (1992) apontam que a interação institucional possui padrões inferenciais e procedimentos que são específicos de um determinado contexto institucional, além de apresentar uma redução das práticas interacionais dos participantes. Essa redução está relacionada às restrições impostas pelos locais/contextos/ambientes nos quais as interações ocorrem. Heritage (1997) acrescenta que a conversa institucional é orientada para a meta de uma atividade de fala2. No que tange às audiências de conciliação no PROCON, a meta mais importante é alcançar o acordo entre as partes.

Outros pesquisadores, como Kolb (1985), investigam como ocorre o controle de regras conversacionais nos ambientes institucionais. A autora faz uso do termo “orquestrador” para abordar o papel do mediador de controlar a distribuição dos direitos e deveres interacionais dos participantes de mediações em departamentos estatais dos Estados Unidos. Em estudo realizado no contexto de audiências de conciliação em um Juizado Especial Cívil de Relações de Consumo, Ladeira (2005) denomina “orquestrador” ao papel da mediadora de designar o tempo de fala dos participantes e de controlar os tópicos a serem discutidos na audiência, levando em conta sua relevância para o encontro3.

Sarangi e Roberts (1999) elaboram uma distinção entre dois tipos de conversa, a interação institucional e a profissional. Os profissionais estariam fazendo uso do discurso profissional quando o utilizam para cumprir e realizar suas obrigações e responsabilidades por meio de descrições profissionais, que possuem características duráveis, legítimas e de grande autoridade. Os profissionais, além de possuírem o conhecimento de uma determinada área, devem também conseguir fazer uso do discurso de sua profissão a fim de certificar e adquirir a credibilidade de seus clientes. É o caso das consultas médicas, por exemplo. Já o discurso institucional, segundo Sarangi e Roberts (1999), possui características de uma prática institucional conhecida pelos profissionais e clientes e é baseado em práticas descritivas legítimas e racionais restringidas por regras e regulamentações de uma determinada instituição, tal como as audiências de conciliação no PROCON investigadas neste estudo.

3. Metodologia e contextualização da audiência

Este trabalho é orientado pela metodologia qualitativa e interpretativa de pesquisa (Denzin e Lincoln, 2006; Stake, 2007). Dessa forma, alinha-se aos que acreditam ser necessária para os pesquisadores a compreensão do significado que subjaz às 2 Estudiosos da fala-em-interação nomeiam essa meta como mandato institucional (Maynard, 1984).

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ações humanas e o estudo de como a linguagem é utilizada no processo interacional. Baseando-se em Erickson (1986), Stake (2007) destaca que a característica principal da pesquisa qualitativa é a centralidade da interpretação. O autor defende que essa interpretação tem um caráter êmico, dando maior atenção à intencionalidade e ao eu do participante.

Neste estudo, serão investigados dados de uma audiência de conciliação no PROCON, denominada Ok Veículos, que pertence ao acervo do grupo de pesquisa “Linguagem e Sociedade: aspectos teóricos e empíricos”, coordenado pela Profa. Dra. Sonia Bittencourt Silveira no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Juiz de Fora. Os dados foram transcritos de acordo com as convenções dos analistas da conversa4 (Sacks, Schegloff e Jefferson, 1974).

Na audiência analisada, José, o reclamante, exige a participação financeira nas despesas que teve com o carro comprado na loja de Lucas, o reclamado. Lucas se nega a ressarcir os gastos com o veículo, pois afirma que José levou o automóvel ao seu mecânico de confiança e o profissional aprovara a compra. A conciliadora, Marta, ao descobrir que Lucas não emitira a nota fiscal do carro, tenta convencê-lo a assumir os gastos com o conserto do veículo. O reclamado, então, se compromete a comprar uma das peças e a averiguar se poderia pagar ou não por outra. Os outros participantes da audiência são Ana, a advogada do PROCON e Pedro, um amigo do reclamante.

4. Análise de dados

Nesta seção, são apresentadas as análises dos papéis desempenhados pelas conciliadoras na audiência investigada. Foram identificados papéis orientados para o cumprimento do mandato institucional das audiências, item 4.1, e papéis orientados para o controle da interação, item 4.2.

Papéis orientados para a realização de metas e tarefas institucionais

Dentre as ações realizadas pelas profissionais nesta audiência, a análise identificou os papéis de especialista e de conciliadora, apresentados a seguir.

Excerto (1)

Audiência OK Veículos (2: 03-17)

Participantes: Reclamado (Lucas) e Conciliadora 1 (Marta) Papel: Especialista

(6)

03 Lucas >ele fez uma reclamação. não é isso.<

04 Marta <fez (.) é porque: ele comprou:: um mo::nza, (0.5) na tu:a:: 05 (1.2)

06 Lucas >lá no meu estacionamento.< 07

08 09

Marta na loja, né? (0.5) e: no primeiro mês de uso o carro::: (0.2) apresentou alguns (0.2) defeitos

ou- e ele teve que:: (0.5) arca:r com isso. =

10 Lucas =sei. 11 (0.8)

 12

13

Marta então ele tava querendo:: que:- porque: (.) como saiu da loja ele tem que ter noventa dias de:: (.) [garantia.]

14 Lucas [garantia ] de motor e caixa. 15 (0.8)

16 Marta é só motor e caixa. =

17 Lucas = só motor e caixa. (0.2) a garantia cobre.

Nas linhas 12 e 13, marcadas com uma seta, a conciliadora 1, Marta, atua como uma especialista, pois utiliza seu conhecimento sobre leis, mais especificamente sobre o artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que concede ao consumidor o prazo de “noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis” para reclamar de vícios (defeitos) aparentes ou de fácil constatação. Entretanto, Lucas afirma que a garantia abrange apenas “motor e caixa” (linhas 14 e 15). Após uma pausa de oito décimos de um segundo, Marta concorda com a alegação de Lucas, que reafirma a cobertura da garantia na linha 18. Essa discussão, portanto, não segue adiante nesse momento. Mas, no decorrer da audiência, a advogada do PROCON, Ana, denominada conciliadora 2, adentra na sala e, ao ser informada da alegação de Lucas sobre a cobertura da garantia, confronta a afirmação do reclamado, como pode ser observado no excerto (2) a seguir.

Excerto (2)

Audiência OK Veículos (2: 25-13)

Participantes: Reclamado (Lucas), Reclamante (José), Conciliadora 1 (Marta) e Conciliadora 2 (Ana)

Papel: Especialista

Ação: Fazer uso de citações/conhecimentos sobre códigos legais brasileiros

25 Marta: ele tá alegando que a:: (0.2) que a garantia cobre o motor e da 26 caixa de direção. (0.2) que esse que foi aqui apresenta:do, não:: 27 (0.5)

(7)

30 Marta: [ n ã o:: ] 31 Ana: [da garantia dele?] = 32 José: = não, ué.

33 Marta: ué mas (.) é noventa dias::: 34 Ana: pra tudo né. =

35 Pedro.: = (já pagou tudo) [tudo foi pago]

01 Ana.: [a não ser é::] a não ser defeitos que fossem: 02 perfeitamente visíveis. né? fora isso =

03 José.: = [ não, um sendo ( ) ]

 04 Ana.: [noventa dias cobre tudo. não é só] motor e caixa. noventa dias é 05 garantia legal. não é garantia que vocês estão dando. é garantia 06 que [ a L E I dá. (.) tá:? ]

07 Lucas.: [não, mas a garantia que a gente dá] perante a nota, é a 08 garantia de motor e caixa do carro =

09 Ana.: = a garantia que vocês podem da:r, é além dos noventa dias. noventa 10 dias quem dá é a lei. =

11 Lucas: = então

12 Ana.: mesmo se você não desse garantia nenhuma:, 13 Lucas.: a lei [ já dá ]

No excerto (2), após Marta relatar a Ana que Lucas afirmara que a garantia abrangia apenas motor e caixa de direção, a conciliadora 2, nas linhas 4 a 6, cita o CDC, segundo o qual a garantia legal de noventa dias abrange todas as peças que compõem o veículo. A conciliadora 2 fundamenta-se no fato de que o fornecedor não pode se exonerar da obrigação de responder por todo o produto, conforme prevê o artigo 24 do CDC: “A garantia legal de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor”. O argumento legal, então, é aceito por Lucas, ação evidenciada pela completude do turno de Ana, na linha 13: “a lei já dá”. Nesse excerto, o papel de especialista é usado pela conciliadora para convencer o reclamado de sua obrigação legal em ressarcir o reclamante dos eventuais defeitos apresentados pelo veículo e, dessa forma, chegar ao acordo entre as partes.

Excerto (3)

Audiência OK Veículos (13: 12-19)

Participantes: Conciliadora 2 (Ana), Reclamante (José) e Reclamado (Lucas) Papel: Especialista

(8)

12 Ana [ eu::, e a::, e a no ]tá fiscal do carro? cadê ela?= 13 José =nu- nu- nu me deram.

14 Lucas ( )//o carro é de terceiro ( ) 15 ((risos do José ))

 16 Ana =(mas tem que ter)uma no[ tá de venda, ué. ] 17 José [mas tem que ter tudo, uê!.]

 18 Ana tem que ter uma nota de venda, uê! (quer dizer que)você é isento de, de pagar imposto? 19 Lucas Hum, hum. do carro é( ) a senhora não me conhece, sabe onde é o problema do carro=

Nas linhas 16 e 18, a conciliadora 2, Ana, novamente desempenha o papel de especialista ao fazer uso de seus conhecimentos sobre leis, mais precisamente sobre o artigo 1° da Lei 8.846, de 21 de janeiro de 1994. Segundo esse artigo, a emissão de nota fiscal é obrigatória na venda de mercadorias, devendo o consumidor recebê-la no momento da efetivação da operação. A ação desempenhada pela profissional foi a de fazer o uso de conhecimentos sobre o código legal brasileiro no intuito de persuadir Lucas a pagar as despesas que José tivera com os defeitos apresentados pelo carro.

Excerto (4)

Audiência OK Veículos (1: 03-09)

Participantes: Reclamado (Lucas) e Conciliadora (Marta) Papel: Conciliadora

Ação: Construir a história do conflito

03 Lucas >ele fez uma reclamação. Não é isso.<

 04 Marta <fez(.) é porque: ele comprou:: um mo::nza, (0.5) na tu:a:: 05 (1.2)

06 Lucas >lá no meu estacionamento.<  07

08

Marta na loja, né? (0.5) e: no primeiro mês de uso o carro::: (0.2) apresentou alguns (0.2) defeitos

ou- e ele teve que:: (0.5) arca:r com isso. = 09 Lucas =sei.

(9)

Excerto (5)

Audiência OK Veículos (5: 03- 15)

Participantes: Reclamante (José), Conciliadora (Marta) e Reclamado (Lucas) Papel: Conciliadora

Ação: Negociar o acordo

03 04

José não- num tá:- é: só = uma questão de regulagem. (0.2) eu levei lá ontem. =eu tava saindo de

lá ontem. eu levei pra ele vê pra mim. 05 (0.8)

 06 Marta cê pode apresentar:: a no:ta. pro:: (.) lu::::cas,=

07 José =<aqui. tem essa [aqui QUE ELE] V I U ] LÁ ONTEM.] Ó::]  08

09

Marta [pra gente] tentar : ::]:: :: :: ] (.) ] ach[a r : : (.) a melhor s a í d a] prá isso, [né.] 10 Lucas [(mas tem coisas que realmente eu::-] 11 12 José [é. ] [essa aqui ó:( )]= 13 [((mostra nota))] 14 Marta =porque::::- =

15 José =°tá tudo aqui. [( )°]

Nos turnos 07, 08 e 09, Marta desempenha o papel de conciliadora, demonstrando o intento de buscar soluções em conjunto com os participantes da audiência. Primeiramente, ela solicita ao reclamante que apresente a nota dos serviços realizados no carro para o reclamado a fim de que o acordo seja realizado em conjunto. Nessa ação, Marta se inclui na mediação – “[pra gente] tentar”- e explicita a tarefa maior da audiência: “ach[a r : : (.) a melhor s a í d a] prá isso”.

4.2 Papéis orientados para o controle da interação Excerto (6)

Audiência OK Veículos (2: 40-53)

Participantes: Reclamado (Lucas), Reclamante (José) e Conciliadora (Marta) Papel: Orquestrador

Ação: Distribuir/alocar turnos de fala

40 Lucas >ele=ligou dizendo que não queria< o carro.

41 José nã[o.

42 Lucas [então tudo bem.=

43 José =tá errado.

44 45

(10)

46 José [nã[o,

 47 Marta [deixa [o- d e i x a] [ele (.)depois- ] 48 José [tá. então tá] bom.

49 (.)

50 Lucas depois[cê fala.>senão nó-(nós ( )vamos(começar)discu]tir<=

 51 Marta [passa a palavra pra você. =<não.pera aí<.]

52 Lucas =>uma [ c o i s a] que não vai ter nad-<=

53 José [então tá:.] =já começou errado.

Nas linhas 47 e 51, Marta atua como orquestradora e gerencia a interação, de modo a permitir que o reclamado construa sua versão dos fatos. Como o reclamante vinha discordando de Lucas (linhas 41, 43) e se recusava a ouvi-lo (linha 46), o conflito entre as partes poderia prejudicar o andamento da audiência. Na linha 47, em sobreposição ao turno de José e fazendo uso do imperativo (“deixa [o- d e i x a] [ele”), a conciliadora assume o controle da interação e aloca Lucas como o próximo falante nesta primeira fase da audiência5, na qual é preciso dar voz à parte reclamada. Observa-se que a ação surte efeito, pois José, em sobreposição, apressa-se em concordar a ceder o turno de fala (linha 48). Após uma pausa de menos de dois décimos de um segundo, Lucas toma o turno e parece desempenhar o papel de orquestrador (“depois[CE fala”) e de conciliador (“.>senão nó-(nós( )vamos(começar)discu]tir<”) (linha 50). Mas, na linha 51, Marta assume o papel de orquestradora da interação, ao completar o início do turno de Lucas, em fala sobreposta, confirmando que o reclamante terá direito a refutar a versão de Lucas em momento posterior da audiência.

Também o excerto (7), apresentado a seguir, ilustra o papel de orquestradora, mas realizando outra ação: o controle dos tópicos a serem tratados na audiência.

Excerto (7)

Audiência OK Veículos (18: 17-34)

Participantes: Reclamado (Lucas), Amigo do reclamante (Pedro), Reclamante (José), Conciliadora 1 (Ana), Conciliadora 2 (Marta).

Papel: Orquestrador

Ação: Controlar a agenda tópica

17 Lucas: =não cara, agora você vê, eu fiquei super chateado por causa da 18 da atitude de vocês, bicho. [a gente é tu]do jovem, a gente não

(11)

19 Pedro: [ eu fiquei ] ...

20 Lucas: prec[isa disso não] entendeu, ... entendeu ...

21 Pedro: [eu fiquei su]per chateado da atitude dele. o cara me tocar, 22 tirou de dentro da agência dele.=

23 José: =isso aí ele ficou mesmo.=

 24 Ana: =aq[ui. acho que isso agora aqui, não vem ao caso, né.] 25 Lucas: [o problema que você faltou- a falta de respeito,]  26 Marta: não vem ao caso. vamos resolver o problema.

27 Lucas: o negócio é o seguinte. eu vou apreçar uma bomba disso aqui, isso 28 aqui eu já me proponho a pagar, porque eu já tô falando aqui. ... 29 [e isso aqui] ,eu vou ver quanto que custa, . e te ligo para você e 30 Ana: [o sensor. ]

31 Lucas: te falo. eu dou meu parecer:, eu compro ou não compro. isso aqui eu 32 já não proponho a pagar não.

33 José: = mas aí-, aí vai ficar aquela coisa, o carro tá parado! (0,5) o 34 carro, eu não tô nem andando no carro.=

O excerto (7) ilustra momentos da interação na terceira fase da audiência, quando são discutidos os termos do acordo entre as partes. Como o tópico discursivo6 introduzido pelo reclamado - sua decepção com as atitudes do reclamante José e de seu amigo Pedro – não era pertinente ao mandato institucional de audiências no PROCON, as conciliadoras, Ana, na linha 24, e Marta, na linha 26, tornam-no irrelevante (“não vem ao caso”) e reintroduzem a discussão sobre o pagamento das peças do veículo para que o acordo possa ser realizado (“vamos resolver o problema.”). Desse modo, desempenham o papel de orquestradoras, controlando a agenda tópica da interação. Observa-se que esse papel é reconhecido pelos participantes, pois no turno subsequente, Lucas se prontifica a pagar uma peça (“uma bomba disso aqui, aqui eu já me proponho a pagar”) e a pesquisar o custo de outra (“[e isso aqui]eu vou ver quanto que custa”). Considerações finais

As análises realizadas neste estudo mostram que as conciliadoras, em sua atividade profissional nesta audiência no PROCON, desempenham papéis de atividades:

i) vinculados às metas e tarefas institucionais;

ii) relacionados ao desenvolvimento e ao controle da interação.

Os papéis identificados como orientados para o cumprimento do mandato institucional são os de especialista e de conciliadora. As ações empreendidas no

(12)

papel de especialista estão relacionadas ao conhecimento sobre o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e sobre outras leis brasileiras. No papel de conciliador, as profissionais tentam negociar o acordo entre as partes, a meta-fim da audiência, e constroem a história do conflito em conjunto com os participantes.

No que diz respeito ao controle da interação, as conciliadoras desempenham o papel de orquestrador (Kolb, 1985), realizando as ações de distribuir/alocar turnos de fala e de controlar a agenda tópica. Este papel de atividade não é definido pela pauta da audiência e apenas é ativado se houver problemas na condução da interação. É um papel subsidiário, que se orienta para o controle da interação e diz respeito ao andamento da audiência, em função de dar continuidade às tarefas previstas para aquele tipo de atividade.

Corroborando os trabalhos de Sarangi (2010, 2011), nossas análises indicam que os papéis performatizados pelas conciliadoras, nesta interação institucional, constituem conjuntos de papéis complexos que estão em uma relação complementar, pois contribuíram para que a meta maior da audiência – a celebração do acordo entre as partes – fosse alcançada.

Referências

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(13)

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LADEIRA, W. T. O papel do mediador no gerenciamento e negociações de conflitos em

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SARANGI, S. Applied linguistics and professional discourse studies. Veredas, v. 16, n. 1, p. 1-18, 2012.

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(14)

STAKE, R. E. A natureza da investigação qualitativa. In: ________. A arte da

investigação com estudos de caso. Lisboa: Fundação Calouste Goulbenkian, 2007.

(15)

Anexo

Convenções de transcrição1

. (ponto final) entonação descendente ? (ponto de interrogação) entonação ascendente , (vírgula) entonação intermediária : ( dois pontos) prolongamento do som  (flecha para cima) som mais agudo do que os do entorno  (flecha para baixo) som mais grave do que os do entorno

- (hífen) corte abrupto na produção vocal Fala (sublinha) ênfase em som

FAla (maiúscula) som em volume mais alto do que os do entorno °fala° (sinais de graus) som em volume mais baixo do que os do entorno >fala< (sinais de maior do que e

menor do que) fala acelerada <fala> (sinais de menor do que e

maior do que) fala desacelerada

[ ] (colchetes) fala sobreposta (mais de um interlocutor falando ao mesmo tempo)

.hh (série de h precedida de

ponto) inspiração audível hhh (série de h) expiração ou riso (2,4) (números entre parênteses) medida de silêncio (em segundos e

décimos de segundos)

( . ) (ponto entre parênteses) silêncio de menos de 2 décimos de segundo = (sinais de igual) elocuções contíguas

( ) (parênteses vazios) segmento de fala que não pôde ser transcrito (fala) (segmento de fala entre

parênteses) transcrição duvidosa

((risos)) (parênteses duplos) descrição de atividade não audíveis ou gestos. ° (sinal de grau) fala mais baixa imediatamente após o sinal

Referências

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