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Arquitetura brasileira da redemocratização ao Plano Real : revisão crítica do discurso a partir de projetos e artigos publicados nas revistas Projeto e Arquitetura e Urbanismo entre 1985 e 1990  

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Academic year: 2021

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(1)

Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo

FLAVIO ANTONIO D’UGO BRAGAIA

ARQUITETURA BRASILEIRA DA REDEMOCRATIZAÇÃO AO PLANO REAL: REVISÃO CRÍTICA

DO DISCURSO A PARTIR DE PROJETOS E ARTIGOS PUBLICADOS NAS REVISTAS PROJETO E

ARQUITETURA E URBANISMO ENTRE 1985 E 1990

CAMPINAS

2019

(2)

ARQUITETURA BRASILEIRA DA REDEMOCRATIZAÇÃO AO PLANO REAL: REVISÃO CRÍTICA

DO DISCURSO A PARTIR DE PROJETOS E ARTIGOS PUBLICADOS NAS REVISTAS PROJETO E

ARQUITETURA E URBANISMO ENTRE 1985 E 1990

Dissertação de Mestrado apresentada a Faculdade

de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo

da Unicamp, para obtenção do título de Mestre

em Arquitetura, Tecnologia e Cidade, na área

de Arquitetura, Tecnologia e Cidade.

Orientador: Prof. Dr. RAFAEL AUGUSTO URANO DE CARVALHO FRAJNDLICH

Coorientadora: Profa. Dra. MARIA GABRIELA CAFFARENA CELANI

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO FLAVIO ANTONIO D’UGO BRAGAIA E ORIENTADO PELO PROF. DR. RAFAEL AUGUSTO URANO DE CARVALHO FRAJNDLICH.

CAMPINAS

2019

(3)

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6302-016X

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca da Área de Engenharia e Arquitetura

Rose Meire da Silva - CRB 8/5974

Bragaia, Flavio Antonio D'Ugo,

B730a

Bra

Arquitetura brasileira da redemocratização ao Plano Real : revisão crítica do

discurso a partir de projetos e artigos publicados nas revistas Projeto e

Arquitetura e Urbanismo entre 1985 e 1990 / Flavio Antonio D'Ugo Bragaia. –

Campinas, SP : [s.n.], 2019.

Bra

Orientador: Rafael Augusto Urano de Carvalho Frajndlich.

Bra

Coorientador: Maria Gabriela Caffarena Celani.

Bra

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade

de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo.

Bra

1. Arquitetura brasileira. 2. Regionalismo. 3. Vanguarda. I. Frajndlich,

Rafael Augusto Urano de Carvalho, 1982-. II. Celani, Maria Gabriela Caffarena,

1967-. III. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Engenharia Civil,

Arquitetura e Urbanismo. IV. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Brazilian architecture from redemocratization to Plano Real : a

discourse critical review from projects and articles published in Projeto and Arquitetura e

Urbanismo magazines between 1985 and 1990

Palavras-chave em inglês:

Brazilian architecture

Regionalism

Avant-garde

Área de concentração: Arquitetura, Tecnologia e Cidade

Titulação: Mestre em Arquitetura, Tecnologia e Cidade

Banca examinadora:

Rafael Augusto Urano de Carvalho Frajndlich [Orientador]

Ana Maria Reis de Goes Monteiro

Helena Aparecida Ayoub Silva

Data de defesa: 15-02-2019

Programa de Pós-Graduação: Arquitetura, Tecnologia e Cidade

(4)

Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo

ARQUITETURA BRASILEIRA DA REDEMOCRATIZAÇÃO AO PLANO REAL: REVISÃO CRÍTICA

DO DISCURSO A PARTIR DE PROJETOS E ARTIGOS PUBLICADOS NAS REVISTAS PROJETO E

ARQUITETURA E URBANISMO ENTRE 1985 E 1990

FLAVIO ANTONIO D’UGO BRAGAIA

Dissertação de Mestrado aprovada pela Banca Examinadora, constituída por:

Prof. Dr. Rafael Augusto Urano de Carvalho Frajndlich

Presidente e Orientador(a)/Universidade Estadual de Campinas

Profa. Dra. Ana Maria Reis de Goes Monteiro

Universidade Estadual de Campinas

Dra. Helena Aparecida Ayoub Silva

Universidade de São Paulo

A Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de

Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

(5)

Ao professor Rafael Urano Frajndlich, que orientou este trabalho com toda seriedade e

rigor e com quem eu pude compartilhar as alegrias e frustrações de dentro e de fora da academia,

pela confiança e pelo entusiasmo. Às professoras Gabriela Celani, essencial para que este trabalho

fosse possível, pelo acolhimento, Ana Maria Reis de Goes Monteiro, pelas valiosas contribuições,

e Helena Aparecida Ayoub Silva, referência no ensino, pesquisa e projeto, pela presença na minha

trajetória acadêmica desde a graduação. A Luana Espig Regiani, pela cumplicidade. Aos colegas de

Ghiparq, pelas trocas. Aos professores das disciplinas cursadas, Ana Maria Tagliari Flório, Daniel de

Carvalho Moreira, Gisela Cunha Viana Leoneli, Mauricius Martins Farina, Núbia Bernardi, Regina

Andrade Tirello, Stelamaris Rolla Bertoli e Wilson Florio.

À Paulo Sérgio de Souza Júnior, pelo incondicional companheirismo e por ter revisado

este texto, à minha família e aos meus amigos, em especial a Fernanda Aguiar, Bartira Ataliba e

Da-niela Carasco, exemplos de honestidade, força e resiliência, pela escuta e pela paciência, Ana Takeda,

Guilherme Pianca, Juliano Machado, Leonardo Klis, Luís Fernando Tavares e Marinho Velloso, pelos

projetos que desenhamos juntos, dos quais muito me orgulho, aos colegas de FEC e aos colegas de

SP Urbanismo, pelo apoio e pelos valiosos ensinamentos.

(6)

Este trabalho coloca em discussão o discurso produzido em torno da arquitetura

brasi-leira entre 1985 e 1990, privilegiando artigos e projetos publicados nas duas principais revistas de

arquitetura do país ao longo do recorte: Projeto e Arquitetura e Urbanismo (AU). O recorte temporal

começa com a instauração da Assembleia Constituinte, em 1985, que marcou o início de um novo

período democrático no país, e se encerra em 1990, quando o país entra em hiperinflação. O objetivo

é levantar algumas das pautas a partir das quais a produção teórica e a prática projetual do período

ganham corpo, bem como possíveis relações entre essa produção e os acontecimentos da época.

Espera-se como resultado relacionar esse período decisivo da política nacional com os debates entre

regionalismos e historicismos e a herança moderna de aspiração universalista.

(7)

This research discusses the discourse produced around Brazilian architecture between

1985 and 1990, privileging articles and projects published in the two main architectural journals of

the country at that time: Projeto and Arquitetura e Urbanismo (AU). The time frame begins with the

inauguration of the Constituent Assembly in 1985, which marked the beginning of a new democratic

period in the country, and ends in 1990, when the country goes into hyperinflation. The objective

is to raise some of the guidelines from which the theoretical production and the design practice of

the period take shape, as well as possible relations between this production and the events of that

time. As a result, we hope to relate this decisive period of national politics to the debates between

regionalisms and historicisms and the modern heritage of universalist aspiration.

(8)

[A] INTRODUÇÃO

9

[A.A] JUSTIFICATIVA, ESCOPO, METODOLOGIA E OBJETIVOS

9

[A.B] REVISTAS E PERSONAGENS

13

[A.C] PANORAMA POLÍTICO E ECONÔMICO E PERIODIZAÇÃO

17

[A.D] PANORAMA TEÓRICO

18

[A.E] REVISÃO CRÍTICA NO BRASIL

20

[1] CAPÍTULO 1 | 1985 – 1988

25

[1.1] PAUTAS EM MEIO AO PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO

25

[1.2] A PRESENÇA DO PASSADO

32

[1.3] UNIVERSAL AUTORITÁRIO

VERSUS REGIONAL E EMANCIPATÓRIO

47

[1.4] INOVAÇÃO UNIVERSAL

VERSUS MERCADO REGIONAL

58

[1.5] CONCLUSÃO DO CAPÍTULO 1

68

[2] CAPÍTULO 2 | 1988 – 1990

71

[2.1] AS REVISTAS NA NOVA REPÚBLICA

71

[2.2] O CONTATO COM O DEBATE INTERNACIONAL

82

[2.3] MODERNIDADE E TRADIÇÃO

99

[2.4] CONCRETO E MEMÓRIA

130

[2.5] CONCLUSÃO DO CAPÍTULO 2

143

[3] LEVANTAMENTO E ANÁLISE DE DADOS

146

[3.1] METODOLOGIA

146

[3.2] ANÁLISE DE DADOS

178

[3.3] CONCLUSÃO DO CAPÍTULO 3

182

[B] CONCLUSÃO

183

REFERÊNCIAS 187

[REFERÊNCIAS A] INTRODUÇÃO, CAPÍTULO 3 E CONCLUSÃO

187

[REFERÊNCIAS 1] CAPÍTULO 1 | 1985 – 1988

189

[REFERÊNCIAS 2] CAPÍTULO 2 | 1988 – 1990

196

(9)

[A] INTRODUÇÃO

[A.A] JUSTIFICATIVA, ESCOPO, METODOLOGIA E OBJETIVOS

Novas discursividades são causa e resultado de mudanças significativas e em larga

es-cala nos campos da política, da economia e da maneira de nos organizarmos enquanto sociedade.

Entende-se por discursividade um determinado conjunto de mecanismos de produção e controle do

discurso que dão unidade a um conjunto de discursos. Isso tendo em vista a noção apresentada por

Michel Foucault em “A Ordem do discurso”, aula inaugural dada em 1970 na ocasião de sua posse no

Collège de France

1

, de que a produção do discurso passa por uma série de filtros que têm por objetivo

a manutenção do poder vigente, enquanto o discurso é instrumento de poder que, contudo, pode

ser subvertido e reapropriado como ferramenta de luta e resistência; e considerando que Foucault

estabelece constantemente um diálogo com a psicanálise e, nesse caso, assume como verdadeira a

hipótese psicanalítica que diz que o discurso simultaneamente mostra e esconde o desejo do sujeito

que o produz (FOCAULT, 1994).

Acerca do conceito de discursividade na crítica de arte, Hal Foster, em O retorno do

real, publicado pela primeira vez em 1996, destaca o que havia sido descrito por Foucault em “O

que é um Autor?”, conferência dada em 1969 na Sociedade Francesa de Filosofia (FOSTER, 2014).

Foucault fala sobre diversos aspectos daquilo que entendemos como autoria, que é determinada

pela maneira como obras e discursos circulam, e traz a questão da linguagem como representação

dissimulada. Neste momento, interessa que, de acordo com o filósofo, existe uma relação direta

entre um determinado discurso e uma determinada linguagem que necessariamente leva ao retorno

à sua origem (FOUCAULT, 2002).

Isso porque a fundação de uma discursividade é a abertura de um novo campo de

co-nhecimento e o estabelecimento de suas regras de forma que novos trabalhos sejam possíveis a

partir de um trabalho primeiro, diferentes dele, tal como feito pela teoria da evolução de Darwin

ou a teoria da psicanálise de Freud. Contudo, se existe a necessidade do retorno, é porque houve

um distanciamento e um esquecimento parciais que, segundo Foucault, não são naturais mas

pro-gramáticos (FOUCAULT, 2002).

Um discurso particular marcou o campo da arquitetura brasileira ao longo das últimas

décadas do século XX, que, a partir de diversas entradas, retoma de maneira crítica o funcionalismo,

a abstração e a aspiração ao universal, elementos essenciais das vanguardas da primeira metade do

século XX, e encontra como contraponto a noção de arquitetura como linguagem: o historicismo e

o regionalismo. Se há uma ligação entre discurso e linguagem, não é equivocado afirmar que a

dis-puta entre duas correntes do campo da linguagem é espelho de uma disdis-puta no campo do discurso.

A partir da noção de que o discurso tanto exibe quanto esconde sua intenção, a questão colocada

é: quais os interesses sendo representados pelas correntes em conflito no campo da arquitetura

brasileira ao longo das últimas décadas do século XX?

A oposição “funcionalismo versus arquitetura como linguagem” foi postulada pelo

movimento estadunidense e europeu de revisão crítica da produção das vanguardas europeias do

(10)

começo do século XX e apropriada de maneira sistemática por Robert Venturi em Complexidade e

Contradição em Arquitetura (VENTURI, 2004). O texto, que, apesar de relativamente pouco citado

nos artigos publicados nas revistas Projeto e AU publicados ao longo da segunda metade da década

de 1980, claramente influenciou o movimento de revisão crítica da arquitetura brasileira no final

do século XX, defende abordagens regionalistas e historicistas e abriu espaço para que uma série

de procedimentos de análise fosse transposta da semiótica e da linguística para a arquitetura.

Em Aprendendo com Las Vegas, Robert Venturi, Denise Scott Brown e Steven Izenour

defendem o modelo prático conhecido como "galpão decorado" em detrimento de um outro modelo,

conhecido como "duck architecture" — ilustração do expressionismo funcionalista, ou um

reducio-nismo pejorativo do princípio funcionalista que busca um lugar de oposição em relação à ideia de

arquitetura enquanto linguagem (IZENOUR; SCOTT BROWN; VENTURI, 2003).

De acordo com esses autores, aqueles arquitetos de vanguarda trabalhavam com um

repertório de símbolos, imagens e analogias ligados ao universo industrial embora tenham feito

um grande esforço no sentido de negar qualquer metodologia de obtenção da forma e de

desqua-lificar todos os determinantes da forma arquitetônica, exceto quando justificado pelas decisões de

estrutura e programa. A abstração limita o conteúdo que pode ser deduzido de um edifício, e daí a

necessidade do outdoor, elemento do repertório “vernacular comercial”

2

.

Com isso é possível elencar as características que, segundo Venturi, definem as

van-guardas da primeira metade do século XX caracterizando o movimento moderno: f

uncionalismo,

abstração e universalidade, que têm como contraponto a arquitetura como linguagem,

histo-ricismo e regionalismo.

Ao longo da década de 1980, a ideia de que era preciso voltar à uma origem histórica e

regional estava associada à ideia de que era preciso superar as vanguardas da primeira metade do

século XX. Em contrapartida, já na década de 1990 e em meio à retomada das vanguardas já

consi-deradas históricas, Hal Foster afirma:

[…] a vanguarda histórica e a neovanguarda são constituídas de maneira semelhante, como

um processo contínuo de protensão e retenção, uma complexa alternância de futuros ante-cipados e passados reconstituídos – em suma, num efeito a posteriori que descarta qualquer esquema simples de antes e depois, causa e efeito, origem e repetição. […] a obra da

van-guarda nunca é historicamente efetiva ou plenamente significativa em seu momento inicial. Não pode ser porque é traumática – um buraco na ordem do simbólico de sua época, que não está preparada para essa obra, que não pode recebê-la, pelo menos não imediatamente, pelo menos não sem uma mudança estrutural. (Essa é a outra situação da arte que os críticos e historiadores precisam registrar: não só desconexões simbólicas, mas fracassos a serem significados.) (FOSTER, 2014, p.46)

Tanto a retomada da aspiração ao universal, nas últimas décadas do século XX, quanto

os esforços regionalistas e historicistas que ganharam relevância no momento da redemocratização

e se colocavam como um contraponto aos desdobramentos das vanguardas podem ser observados

como movimentos de volta às origens. Dessarte, uma primeira disputa travada no campo da

arqui-tetura brasileira tinha como objetivo a escolha dessa origem. Se a retomada de princípios

funcio-2 Venturi, Scott Brown e Izenour descrevem uma cidade cujo principal elemento é o corredor comercial, uma longa rodovia e seus acessórios, que geram espaços para construções individuais, controlam o crescimento da cidade e acomodam os empre-endimentos que, por sua vez, oferecem suas fachadas como suporte para informação. A infraestrutura satisfaz, primeiro, os usos individuais e privilegia as funções produtivas, sobretudo a circulação e o comércio – representados pela strip e pelos cassinos – em detrimento das outras funções, que se tornam problemas individuais, resolvidos no âmbito da propriedade privada. A forma perde a função diante da propaganda e a imagem da cidade perde força de dentro dos carros: “A percepção do movimento ao longo de uma estrada está dentro de uma ordem estrutural de elementos constantes – a estrada, o céu, o espaço entre as faixas amarelas. A pessoa pode se orientar por isso, enquanto o resto simplesmente acontece!” (IZENOUR; SCOTT BROWN; VENTURI, 2003, p.101).

(11)

nalistas coloca a arquitetura das vanguardas como um ponto de partida, havia um tímido porém

importante movimento sobretudo ao longo da década de 1980 no sentido de retorno à arquitetura

colonial brasileira, de colocá-la novamente nas bases de projetos que então seriam regionalistas e

historicistas, dessarte desenhando um paradoxo: a origem da nova arquitetura da década de 1980

(regionalista e historicista) é a mesma origem escolhida por uma arquitetura antiga, que deveria

ser superada (universalista)

3

.

Além disso, uma disputa talvez anterior estava sendo travada acerca da relação entre

arquitetura e significado: de maneira geral, de um lado, aqueles que acreditavam que o significado

da arquitetura é dado sobretudo pelo uso – portanto a forma é dada pela função – e de outro, aqueles

que acreditavam que a arquitetura deveria ser lida como um texto, adquirindo significado à medida

que elementos (materiais ou não) são agregados à forma.

É preciso ressaltar que, naquele momento, essas revistas não eram editadas por

arqui-tetos, mas por jornalistas, e boa parte dos arquitetos que escreviam para esses periódicos não têm

vasta experiência no âmbito da prática projetual, isto é, há uma separação entre a prática projetual

e a produção de conteúdo editorial, marcando uma diferença entre a década de 1980 e o período

anterior ao golpe militar, no qual duas das principais revistas de arquitetura no Brasil – Módulo e

Habitat – foram fundadas por arquitetos consagrados por sua prática projetual – Oscar Niemeyer

e Lina Bo Bardi. Nesse âmbito, as revistas de arquitetura são ferramentas para

atestar bem como

para

atribuir significados às formas.

Com o avanço dos debates, o embate entre a aspiração ao universal e os esforços

regio-nalistas e historicistas se tornou uma relação dialética, o campo da arquitetura brasileira apontava

para a possibilidade de navegar no âmbito da aspiração à universalidade levando consigo a

consci-ência da existconsci-ência da linguagem. O retorno às vanguardas da primeira metade do século XX ou a

algo que seja histórico e/ou regional pode ser repetitivo e formalista, ou um ato de afirmação e de

resistência, transformando o retorno do passado em também uma mirada para o futuro.

Esta pesquisa identifica elementos do debate no campo da arquitetura no Brasil entre

1985 (ano da instauração da Assembleia Constituinte) e 1990, a partir do estudo de artigos e projetos

publicados nas duas principais revistas de arquitetura do país ao longo do referido período: Projeto

e Arquitetura e Urbanismo (AU).

Os periódicos contaram com a colaboração de diversos intelectuais até hoje relevantes

para o campo da arquitetura, como os acadêmicos Hugo Segawa, Ruth Verde Zein, Sylvia Ficher,

Cêça de Guimarães, Nabil Bonduki, Raquel Rolnik e Sophia da Silva Telles, além de trazerem

pro-jetos e depoimentos de arquitetos como Oscar Niemeyer, Lucio Costa e Paulo Mendes da Rocha,

aproximando o debate nas universidades com a produção projetual num cenário de mudanças

eco-nômicas, políticas e sociais. A escolha pelas revistas como fonte primária é amparada no seu caráter

de testemunho sob o ponto de vista dos atores envolvidos nos processos examinados e com pouca

ou nenhuma distância temporal, permitindo a aproximação com o discurso corrente da época. “A

difusão dessas revistas especializadas constitui ao mesmo tempo um indicador do êxito da produção

brasileira e uma das fontes da constituição de sua história” (TINEM, 2006, p.19).

Outras publicações que estavam em circulação ao longo do período não foram

conside-radas, seja porque foram descontinuadas – como a revista Módulo, que deixa de existir em 1989 – e

não permitem analisar sua evolução após os acontecimentos estudados; seja por conta de serem

(12)

publicações acadêmicas ou institucionais – como a revista São Paulo em Perspectiva, publicada pela

Fundação SEADE – de circulação mais restrita; ou por estarem relativamente mais afastadas, naquele

momento, dos debates acadêmicos – como Casa Cláudia e Casa Vogue.

Paula Gorenstein Dedecca, em sua dissertação de mestrado que discute “a unidade no

meio arquitetônico paulista, a partir de suas redes de sociabilidade, espaços de profissionalização

e movimentações críticas, tendo como material primário as revistas especializadas” (DEDECCA,

2012, p.8), demonstra a importância dos periódicos como suporte e fomento para os debates em

torno da disciplina e cita diversas outras pesquisas, consultadas ao longo do trabalho aqui exposto,

que tomam os periódicos brasileiros especializados como fonte primária, tais como: Modernizada

ou moderna? a arquitetura em São Paulo, 1938-45, de Maria Lúcia Bressan Pinheiro; Arquitetura

revista: a Acrópole e os edifícios de apartamentos em São Paulo (1938-1971), de Fernando Castelo

Serapião; e Revista Habitat: um olhar moderno sobre os anos 50, de Fabiana Terenzi Stuchi. Revistas

especializadas estrangeiras também têm um importante papel no debate em torno da arquitetura

brasileira, como demonstra Maria Beatriz Camargo Cappello em sua tese, Arquitetura em Revista:

Arquitetura Moderna no Brasil e sua recepção nas revistas francesas, inglesas e italianas (1945-1960).

Em torno do recorte proposto existe uma série de trabalhos já desenvolvidos que, de

maneira geral, se detêm sobre uma questão determinada do campo da arquitetura ou sobre o conjunto

da obra de um determinado arquiteto ou grupo, como Estratégias minimalistas na arquitetura dos anos

1980 e 1990, dissertação de mestrado de Décio Otoni de Almeida, que procurou analisar a relação,

sugerida pela crítica de arquitetura das décadas de 1980 e 90, entre a arquitetura dessa época e a arte

minimalista (ALMEIDA, 2015). Alguns trabalhos, porém, tratam do discurso e da prática de projeto

do recorte de uma maneira mais abrangente, como Uma arquitetura outra: o processo de ruptura

entre forma e função, tese de doutorado de Patrícia Pereira Martins, que trata da reestruturação dos

conceitos de “forma” e “função” e examina a persistência desses elementos presentes no campo da

arquitetura nos dias de hoje (MARTINS, 2011). A pesquisa de Martins é especialmente importante

porque, assim como a pesquisa aqui apresentada, trata do contato entre a prática de arquitetura de

vanguarda e os paradigmas teóricos que ganham força a partir da década de 1960, construídos em

torno de certas noções de regionalismo e historicismo. O trabalho também elucida, a partir de um

certo ponto de vista, a relação entre as metodologias de projeto que ganharam força da década de

1960 em diante e o sistema capitalista.

O trabalho Arquitetura no Brasil 1900-1990, de Hugo Segawa, se propõe a construir

um panorama da arquitetura brasileira ao longo do século XX a partir da ideia de que correntes

universalistas estiveram sempre no centro do debate (SEGAWA, 2014). A dissertação de mestrado

de Francisco Spadoni, Quase contemporâneo. Questões para a arquitetura dos anos 60 aos anos 80:

a forma; a figura e a técnica, analisa a arquitetura internacional das décadas de 1960, 70 e 80 e as

mudanças de paradigmas que são observadas ao longo desse recorte (SPADONI, 1997). A tese de

doutorado do mesmo autor, A transição do moderno. Arquitetura brasileira nos anos de 1970, propõe

uma análise semelhante, mas traz o foco para a arquitetura brasileira da década de 1970 (SPADONI,

2003). Esses trabalhos também foram construídos em torno de importantes chaves de

interpreta-ção para a produinterpreta-ção do campo da arquitetura da década de 1980 até os dias de hoje, e enunciaram

uma série de questões que marcaram o debate que acontecia no campo da arquitetura brasileira ao

longo do período estudado. Ademais, é preciso citar os trabalhos Crítica de arquitetura no Brasil:

1985-2010, de Jaime Solares Carmona (CARMONA, 2015), e Arquitetura na Revista Projeto (1980 –

1995): identidade, memória e não-lugares, de Elane Ribeiro Peixoto (PEIXOTO, 2003), dos quais esta

(13)

pesquisa de algum modo se aproxima, que compõe o corpo teórico acerca do recorte e validam as

revistas Projeto e AU publicadas ao longo do período em questão como importantes registros

da-quele momento histórico.

O material primário da pesquisa é composto pelas edições 71 a 133 da revista Projeto

(totalizando 63 edições) e pelas edições 1 a 32 da revista AU (totalizando 32 edições), publicadas

entre 1985 e 1990. O trabalho foi dividido em duas partes. Em uma frente, exposta nos capítulos

1 e 2 deste caderno, sobretudo de leitura e interpretação de texto, eminentemente teórica, foram

selecionados e lidos prioritariamente textos, artigos, reportagens e notas que tratam do tema da

dissertação, isto é, das relações entre o momento político e econômico pelo qual o país passava, de

um lado, e o movimento de revisão crítica da arquitetura brasileira, de outro, dos quais cerca de 465

foram citados e constam nas referências bibliográficas.

Em outra frente de trabalho, exposta no capítulo 3, foram levantados e sistematizados

projetos publicados ao longo do recorte de forma a fazer ver algumas das relações entre os discursos

defendidos nas páginas das revistas e o cenário político e econômico brasileiro ao longo da segunda

metade da década de 1980. Os capítulos 1 e 2 foram organizados em subcapítulos de acordo com

temas e questões proeminentes quando da leitura dos textos, e contam, cada um, com uma

conclu-são de capítulo. Todavia, o levantamento e a análise sistemática de dados requerem uma estrutura

própria de apresentação; destarte, questões metodológicas específicas dessa frente de trabalho são

discutidas com mais detalhes no capítulo 3.

A tiragem da revista Arquitetura e Urbanismo em janeiro de 1985 foi de 16.000

exempla-res, distribuídos nacionalmente aos sócios do IAB. Em novembro de 1990, a tiragem da revista foi de

12.500 exemplares, vendidos avulsos ou por assinatura anual, caracterizando-a como uma revista

especializada de porte médio. As informações acerca da tiragem e distribuição da revista Projeto

não estão disponíveis; contudo, na ocasião dos 15 anos da publicação, em 1987, o texto “Projeto,

uma debutante com muita história para contar” afirma que Projeto distribuía 22 mil exemplares,

dos quais 18 mil eram enviados a assinantes (MORENO, 1987, n.102, p.70).

Espera-se levantar, arquitetos, temas e programas de necessidades que se destacam ao

longo do período estudado, bem como as principais pautas que permeavam a produção teórica e a

prática projetual. O objetivo geral da pesquisa é estudar as relações entre a redemocratização e as

medidas para conter a profunda crise econômica pela qual o Brasil passava, e os debates

específi-cos do campo da arquitetura ao longo do recorte como reportado nas revistas especializadas AU e

Projeto. Nesse sentido, ela participa do movimento de revisitação da história recente da arquitetura,

aprofundando-se na complexa rede de pretensões ideológicas lançadas na atividade de projeto,

co-tejando-a com o efervescente cenário político do recorte. A dissertação se insere no espectro mais

amplo de dar contornos históricos mais sólidos à relação entre política e arquitetura.

[A.B] REVISTAS E PERSONAGENS

Para compor as bases a partir das quais será lançada mirada sobre as revistas, os

próxi-mos parágrafos irão apresentar, de maneira geral, as principais figuras responsáveis pela produção

dos periódicos Projeto e AU.

A história de Vicente Wissenbach, nascido em São Paulo, fundador da revista Projeto,

é atravessada pela relação entre jornalismo e política, do início da década de 1960 – quando, então

estudante de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, teve importante papel na fundação

(14)

de publicações estudantis –, passando por seu trabalho na grande imprensa, em Santa Catarina e

no Rio de Janeiro, até 1970 – quando, por pressão do regime militar, passou a trabalhar de forma

autônoma colaborando com publicações especializadas e de menor alcance. Em 1972, foi convidado

por Alfredo Paesani – seu cunhado, fundador e primeiro presidente do Sindicato dos Arquitetos

de São Paulo (SASP) – a montar uma publicação informativa para o SASP. O resultado do trabalho

articulador de Wissenbach foi o jornal Arquiteto, editado por Fábio Penteado e ligado também ao

Departamento de São Paulo do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB SP), então presidido por Paulo

Mendes da Rocha. As informações disponíveis acerca do financiamento do jornal são conflitantes:

ora sugerem que o jornal era financiado pelo IAB, ora por anúncios publicitários. De todo modo, há

consenso acerca da ideia de que em dois anos o jornal tinha alcance nacional, num primeiro

mo-mento distribuído gratuitamente; depois, para assinantes – as assinaturas se tornaram uma fonte

de receita para a publicação.

A publicação era essencialmente um boletim informativo das entidades. Contudo, no

momento de sua fundação, a revista Acrópole havia sido recentemente fechada e a revista Módulo

ainda não havia sido reaberta, isto é, havia uma vacância no âmbito da publicação de projetos de

arquitetura. Para que o jornal pudesse, por um lado, atender à demanda por publicações que

tratas-sem de projetos de arquitetura e, por outro lado, sugere Fábio Penteado (PENTEADO; MELENDEZ

[repórter]; SERAPIÃO [repórter]), captar anúncios e alcançar certa autonomia financeira e

burocrá-tica, Wissenbach montou o caderno “Projeto”, integrante do jornal Arquiteto, cuja primeira edição

foi publicada em janeiro de 1977, já com a intenção de transformá-lo futuramente em uma revista

autônoma (MORENO, 1987, n.102, p.66).

As diferentes frentes de trabalho do arquiteto da década de 1970 no Brasil, no que dizia

respeito à prática projetual, foram colocadas pelo jornalismo e pela historiografia da arquitetura nas

décadas seguintes da seguinte maneira: de um lado, havia a figura do profissional autônomo cujo

principal cliente era o Estado, que, ainda sob um regime ditatorial militar, colocava em prática uma

política econômica expansionista custeada por empréstimos tomados no mercado internacional;

do outro lado, a figura do arquiteto assalariado, sindicalizado, cujo empregador não era

necessa-riamente um escritório de arquitetura.

O debate entre essas duas posições ganhou complexidade com as reflexões de Sérgio

Ferro sobre organização do trabalho e de Rodrigo Léfrèvre sobre as condições do arquiteto

assala-riado (LÉFRÈVRE, 1981, n.66, p.68); com a lei da anistia de 1979, que permitiu o retorno de Vilanova

Artigas e Paulo Mendes da Rocha à FAU USP afastados desde 1969 por força da ditadura militar; e

com a crise econômica, que se agravou ao longo da década de 1980, em meio à qual o Brasil passou

por um processo de redemocratização – a crise e a redemocratização foram pautas importantes das

instituições representativas de classe como os Sindicatos e os departamentos estaduais do IAB. Esse

debate reverberou ao longo da década de 1980 e, por vezes, está presente nas entrelinhas da crítica

de arquitetura até os dias de hoje, ainda que proeminentes jornalistas e acadêmicos como Hugo

Segawa tivessem passado por experiências breves no âmbito da prática projetual, associadas ao

chamado “milagre econômico” e cuja interrupção está associada à crise desencadeada pelo segundo

choque do petróleo, em 1979 (SEGAWA; SABBAG [repórter], 2005, n.135).

Também em 1979, após nove edições do caderno “Projeto” no jornal Arquiteto, é

lan-çada a primeira edição da revista Projeto, de número 11 (o número 10 foi pulado deliberadamente),

independente do SASP e do IAB SP, mas com seções dedicadas aos informativos das entidades. A

publicação sistemática de projetos de arquitetura apenas vai se consolidar a partir da edição de

(15)

número 42, publicada em 1982, que comemorava os dez anos da publicação (MORENO, 1987, n.102,

p.68) e a publicação sistemática de artigos e ensaios é estabelecida apenas a partir da edição 65,

publicada em julho de 1984, com a inauguração da seção “Ensaio e Pesquisa” (CARMONA, 2015).

Em textos sobre a revista escritos ao longo dos anos é comum a ideia de que, ainda

que contasse com contribuições de arquitetos, Projeto era uma publicação feita sobretudo por

jor-nalistas, até que, no início da década de 1980, Hugo Segawa e Ruth Verde Zein, arquitetos então

recém-formados, passaram a integrar a equipe da publicação. Ambos figuram como colaboradores

da revista a partir da edição 42. Ainda na primeira metade da década de 1980, as arquitetas Anita

Regina di Marco (FAU USP, 1976) e Lêda Maria Brandão de Oliveira (FAU USP, 1976) também

pas-saram a integrar o quadro da revista.

Ruth Verde Zein terminou sua graduação na FAU USP em 1977 e, em 1982, começou

a trabalhar na redação da revista, lá ficando até 1996. Entre 1997, ano em que começa a dar aulas

na Universidade Presbiteriana Mackenzie, e 1999, desenvolveu sua dissertação de mestrado na

Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, entre 2002 e 2005, sua tese de doutorado na mesma

instituição. Ademais, fez parte do programa de Pós-Doutorado da FAU USP em 2008. Zein leciona

desde 1993 e já esteve como professora visitante em universidades da América Latina e da Europa.

Hugo Segawa formou-se arquiteto pela FAU USP em 1979, desenvolveu sua dissertação

de mestrado entre 1982 e 1988 e, entre 1989 e 1994, sua tese de doutorado, ambas pela mesma

instituição, pela qual adquiriu o título de Livre Docente em 2002. Sua principal atuação na revista

Projeto vai do começo da década de 1980 até o começo da década de 1990. Como professor desde

1982, passou pela Universidade Católica de Santos (1982 a 1987) e pela Universidade Presbiteriana

Mackenzie (1992 a 1994). Entre 1995 e 2004 foi professor no Departamento de Arquitetura e

Ur-banismo da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, e, desde de 2005,

leciona na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da mesma universidade. Ademais, foi professor

visitante em universidades da América Latina, Europa e Japão.

Para além da revista Projeto, Wissenbach fundou o Prêmio Ópera Prima e colaborou

com o argentino Jorge Glusberg, fundador da revista Suma, na criação da Bienal de Arquitetura de

Buenos Aires, cuja primeira edição aconteceu em 1985 e da qual ainda participa como curador dos

projetos brasileiros. A proximidade entre Wissenbach e Glusberg e, consequentemente, entre as

revistas Suma e Projeto, foi fundamental para o estabelecimento de um importante canal de

co-municação entre Brasil e Argentina. Em 1986, Nildo Carlos Oliveira, também jornalista, junta-se à

Projeto como editor executivo, depois de passar por outras publicações que tratavam da construção

civil, e procura incluir o tema nas páginas da Projeto com mais destaque.

Ao longo da segunda metade da década de 1980, Wissenbach fundou as revistas Design

e Interiores, que começou como um caderno da revista Projeto, e Obra. Ao longo de 1990, a revista,

normalmente publicada mensalmente, foi publicada de forma irregular – apenas 9 edições, e não

as usuais 12 por ano, três delas (132 a 134) sem mês de publicação anotado. Em 1992, a

recém-fun-dada editora Arco adquire a revista Projeto. A venda é vista por Wissenbach como uma necessidade

advinda dos impactos negativos causados pelo Plano Collor (“Vicente Wissenbach, um ícone do

jornalismo de arquitetura no Brasil”, 2016). Pouco tempo depois, Arco adquire Design e Interiores

e, em 1996, promove a fusão das duas revistas, dando origem à revista Projeto Design. Em julho de

1964, depois de 21 anos à frente da Projeto, Wissenbach assina seu último texto como editor. Seu

sucessor é Arlindo Mungioli. Em 1994, Wissenbach esteve envolvido na fundação da revista Finestra

no Brasil, título que foi adquirido também pela Arco em 2003.

(16)

A história da Editora Pini remonta a 1948, ano em que Aldo Pini funda O Informador

Profissional – A Construção em São Paulo, cujo objetivo era apresentar preços de materiais e serviços

para a construção civil. Logo em seguida, Fausto Pini e seus filhos Roberto Pini e Sérgio Pini – pai de

Mário Sérgio Pini – assumem a publicação, fundam a editora e, nas décadas seguintes, expandem o

catálogo de publicações, produtos e serviços ligados sobretudo à composição e gestão de custos de

obras de construção civil. Em 1981, a revista A Construção passa a editar números especiais voltados

para a arquitetura, sob direção de Mário Sérgio Pini.

Mário S. Pini iniciou sua carreira aos 16 anos como redator da revista A Construção em

São Paulo. Estudou Arquitetura e Urbanismo na FAU USP na década de 1970, tem especialização

em economia e mestrado em planejamento pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), e foi professor

na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas) entre 1976 e 1984. Em 1981,

tornou-se diretor da redação da Editora Pini e, em 1985, fundou a revista Arquitetura e Urbanismo.

A revista trouxe uma proposta mais analítica, característica reforçada pelo contexto histórico em que surgiu: a transição para a Nova República. O IAB também foi um im-portante apoiador, já que, naquela época, deixava de ser um espaço de resistência ao regime autoritário para voltar ao debate da produção da arquitetura. (PINI in “

Entre-vista - AU 25 anos”

, 2010, n.197)

Na primeira edição da revista, Mário S. Pini assinava como diretor de redação e os

jor-nalistas José Wolf, Éride Moura, Haifa Y. Sabbag e Lívia Álvares Pedreira assinavam como editores.

Nota-se que, assim como a revista Projeto, nos seus primeiros anos a revista AU era feita

predo-minantemente por jornalistas. De acordo com José Wolf, “a revista é uma epifania editorial que

aposta na abertura política do país” (WOLF, 2005, n.137). Na ocasião do falecimento de José Wolf,

Pini o credita como fundador da revista AU. “A AU, segundo Wolf, não poderia ser dominantemente

factual, deveria explicar, analisar em profundidade seus objetos de pauta” (PINI, 2012, n.226). José

Wolf era jornalista, nasceu em Salto, SP, e faleceu em São Paulo, no dia 23 de novembro de 2012,

aos 75 anos. O jornalista trabalhou no Jornal do Brasil, na Folha de São Paulo e, entre 1976 e 2002,

na Editora Pini, onde foi diretor editorial da revista AU nas suas 15 primeiras edições (de janeiro de

1985 a dezembro de 1987, sendo creditado como editor e redator em edições posteriores). A edição

16 inaugura um novo projeto gráfico e editorial da revista AU:

[…] esse trabalho tem alcançado inúmeros objetivos. Mostrando a produção e o discurso de uma arquitetura realizada por arquitetos de diferentes gerações e várias tendências, tanto no Brasil quanto no exterior, com ênfase na América Latina. Saindo em busca do novo produzido com consciência. Voltando-se ao passado para descobrir patrimônios capazes de revigorar nossa consciência crítica. (PINI, 1988, n.16, p.3)

Até a edição de número 15, de dezembro de 1987/janeiro de 1988, a revista AU era uma

publicação marcada por manifestações políticas, ensaios teóricos e textos críticos com pouco ou

nenhum espaço em suas edições para a apresentação e descrição do desenho de arquitetura, ou seja,

com pouco espaço para a publicação de projetos. Em 1988 a revista passa, então, por uma reforma

editorial, marcada pela estreia da sessão “Documento” sobre arquitetos modernos brasileiros, e

começa a publicar projetos de arquitetura de forma sistemática, o que a aproximou da Projeto. No

mesmo ano, é inaugurado um novo projeto gráfico da revista A Construção São Paulo, que passa a

se chamar Construção – indicativo de que, no ano em que a nova Constituição seria promulgada, a

Editora Pini daria novos enfoques à sua produção. Mário S. Pini assina os editoriais até a edição 47,

(17)

de abril/maio de 1993, passando a responsabilidade pelos textos de abertura para Haifa Y. Sabbag.

Mário S. Pini é creditado como diretor de redação da AU até a edição 64, de dezembro de 1995/

janeiro de 1996, porém desde então ocupa cargos na direção da Pini que, hoje, deixou de ser uma

empresa familiar.

[A.C] PANORAMA POLÍTICO E ECONÔMICO E PERIODIZAÇÃO

O recorte temporal da pesquisa foi escolhido por ser o período ao longo do qual o país

passava por um processo de redemocratização, que, podemos considerar, foi iniciado de fato em

1985. Ainda que seja possível dizer que, no âmbito da organização política em escala nacional, o

processo de redemocratização foi encerrado com a promulgação da Constituição de 1988, é preciso

considerar que, por um lado, esse processo continuou ao longo dos anos seguintes nas esferas

esta-dual e municipal, enquanto a primeira eleição direta para presidente aconteceu somente em 1989;

e, por outro lado, o Brasil passava por uma crise econômica que se agravava e entraria na década

de 1990 marcada por um grave aumento da inflação. O recorte é encerrado em 1990, primeiro para

que o trabalho coubesse no tempo que lhe foi dado e, segundo, tomando como verdadeira a hipótese

de que nos anos finais da década de 1980 foram construídas as bases, ao menos ideológicas, sobre

as quais se desdobraram as decisões políticas dos anos seguintes. As revistas consultadas apontam

para a confirmação de tal colocação.

A revista Acrópole circulava no Brasil desde 1938. Em 1950, Lina Bo Bardi e Pietro Maria

Bardi fundam a revista Habitat, em São Paulo e, em 1955, Oscar Niemeyer, no Rio de Janeiro, funda

a revista Módulo. Ao mesmo tempo, ao longo da década de 1950, nos Estados Unidos e na Europa,

ganha força um movimento que coloca em xeque premissas das vanguardas do começo do século

em diversas frentes. Dali a alguns anos, isso recairia de modo marcante em um país marcado por

uma suposta institucionalização da arquitetura de aspiração universalista desde os anos 1930.

As revistas Habitat e Módulo fecham em 1965, por pressão do regime militar

recém--instaurado. O período de consolidação do regime militar imediatamente após o golpe de 1964, que

vai até 1973, ficou conhecido, no Brasil, como “milagre econômico”. O país esteve sob uma ditadura

que incentivava a exportação de bens de baixo valor agregado e financiava medidas expansionistas

contraindo dívidas. A revista Acrópole deixa de circular em 1971.

Em 1973, após o amplamente conhecido primeiro choque do petróleo, a dívida externa

brasileira aumentou significativamente, ao mesmo tempo em que as exportações caíram. O

resul-tado desse processo foi um grande aumento da inflação. Ainda assim, o país continuou a registrar

taxas elevadas de crescimento. Em 1975, a revista Módulo volta a ser publicada e, em 1977, Vicente

Wissenbach funda a revista Projeto. O segundo choque do petróleo, em 1979, marcou o início de

uma crise econômica. Em dezembro daquele ano, o pluripartidarismo foi restabelecido e o então

presidente Ernesto Geisel propõe uma transição lenta e gradual para a democracia (FISHLOW, 1986;

BASTOS MARQUES, 1987).

Em 1984, em meio aos processos de redemocratização e trocas de moeda, e com a

recu-peração da economia mundial e o consequente aumento das exportações brasileiras, o PIB volta a

crescer, mas não de maneira significativa. O movimento Diretas Já não conseguiu apoio suficiente

na Câmara dos Deputados, e Tancredo Neves foi eleito presidente de forma indireta. Após sua morte,

em 1985, seu vice, José Sarney, assume o cargo e abre a Assembleia Constituinte. No mesmo ano

é fundada a revista Arquitetura e Urbanismo. Em 1988, promulga-se a nova Constituição. A revista

Módulo fecha definitivamente em 1989.

(18)

Após uma série de trocas de moedas, em 1990 a variação de preços no país atingiu

patamares de hiperinflação. Em meio aos esforços para conter a crise, a equipe econômica de

Fer-nando Collor de Mello, eleito presidente já de forma direta em 1989, opta por um plano econômico

composto por uma série de medidas incluindo o confisco de todos os depósitos bancários, que ficou

conhecido como “confisco da poupança”. A medida foi um dos estopins do processo de impeachment

de Collor, que renunciou ao cargo em 1992, horas antes de ser condenado pelo Senado por crime de

responsabilidade. A presidência foi ocupada pelo seu vice, Itamar Franco, até 1994.

A inflação – mas não a dívida externa – fica mais estável apenas a partir de 1994, após

a implantação do Plano Real pelo governo de Itamar Franco, do qual Fernando Henrique Cardoso

foi Ministro da Fazenda entre maio de 1993 e março de 1994. O político deixou o cargo de ministro

para concorrer à presidência, venceu as eleições e assumiu o cargo em 1995. O período que

com-preende a segunda metade da década de 1980 e a primeira metade da década de 1990 foi, para o

Brasil, marcado também pela transição de um regime político ditatorial para um regime democrático

pautado por reviravoltas políticas que orbitavam em torno de propostas e planos econômicos de

caráter neoliberal.

Assim, o recorte da pesquisa é dividido em dois períodos. O primeiro começa em 1985

e é encerrado por volta de outubro de 1988, quando é promulgada a nova Constituição, ao longo do

qual o processo de redemocratização do país é amplamente discutido pelas revistas de arquitetura;

e o segundo período parte desse momento e passa pelos anos de 1989 e 1990, ao longo do qual as

revistas discutiam as consequências do processo de redemocratização e da crise econômica,

pro-punham a revisão da década passada e especulavam sobre a década que ali se iniciava, sobretudo

no que dizia respeito ao campo da arquitetura.

[A.D] PANORAMA TEÓRICO

Os debates do campo da arquitetura no contexto internacional, em especial em alguns

países da Europa e nos Estados Unidos, desde a década de 1950 giravam em torno de correntes que

estabeleciam uma série de embates em relação à produção teórica e projetual estabelecidas pelas

vanguardas europeias do começo do século XX, marcadas pela aspiração ao universal. No Brasil, por

outro lado, arquitetos que de alguma forma estavam alinhados com aquelas vanguardas mantinham

um volume de produção significativo, em parte ligado à demanda gerada pelo Estado.

Contudo, a crise econômica pela qual o país passava ao longo da década de 1980 e a

ameaça de escassez e precariedade colaboraram para que fossem colocadas em xeque as suas bases

ideológicas – em especial, na América Latina, a noção de que seria possível promover o crescimento

e o desenvolvimento do país a partir de um plano único, desenvolvido, implementado e gerido pelo

Estado – e também a sua produção projetual. A recuada da demanda estatal por novos projetos e o

enfraquecimento do regime militar induziram novas dinâmicas de mercado e criaram um terreno

propício para o desenvolvimento de projetos de aspirações regionalistas e historicistas, pensados a

partir de um novo olhar sobre a arquitetura como linguagem e que trabalham com a incorporação e

a ressignificação de elementos “tradicionais” e também com a reformulação de noções de “lugar”,

“território”, “tipos arquitetônicos”, “elementos vernaculares” e “novidades tecnológicas”.

Em 1985 morre Vilanova Artigas, apenas seis meses após a famosa prova para professor

titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP). Em torno

desse acontecimento, diversos textos serão publicados, escritos por Hugo Segawa, Maria Cecília dos

Santos, Ruth Verde Zein, Marlene Milan Acayaba e Vicente Wissenbach.

(19)

Ao escrever a introdução para Complexidade e contradição em arquitetura, Vincent Scully

afirma que o livro é o mais importante sobre a criação e produção de arquitetura desde Por uma

arquitetura, de Le Corbusier, publicado pela primeira vez em 1923 (SCULLY in VENTURI, 2004)

4

.

Porém, Complexidade e contradição também pode ser entendido como um esforço de Venturi no

sentido de assumir uma postura de autoridade que, até então, não poderia ser sustentada por sua

prática projetual. Venturi, Scott Brown e Izenour contribuíram para que, em um certo momento,

a complexidade e a contradição fossem valorizadas no campo da arquitetura brasileira em

detri-mento da simplicidade e da coerência, que passaram a ser entendidas como características de uma

arquitetura autoritária e avassaladora. Dois dos projetos de maior importância de Venturi são a

casa Vanna Venturi, de 1961, e a Guild House, do mesmo ano. Ambos são apresentados tanto pelo

próprio Venturi em Complexidade e contradição quanto por Rafael Moneo em Inquietação teórica e

estratégia projetual, publicado pela primeira vez em 2004.

4 Cf. Urano Frajndlich (2010).

Figura 1: Casa Vanna Venturi, Robert Venturi, 1961. Foto: Carol Highsmith.

Fonte: Wikimedia Commons.

Figura 2: Guild House, Robert Venturi, 1961. Foto: Bradley Maule.

(20)

A casa Vanna Venturi (Figura 1) é um manifesto em si, segundo Moneo. O projeto,

pen-sado a partir de uma forma genérica, é resultado – ambíguo e alienado em relação ao contexto e

aos meios de produção – do casamento promovido pelo projeto de arquitetura entre o conjunto de

experiências pessoais do arquiteto e uma série de referências imagéticas figurativas ressignificadas

ou despidas significado, apropriadas transformadas em elementos vernaculares (MONEO, 2008).

A casa de repouso para idosos Guild House (Figura 2), assim como todo o texto de

Complexidade e contradição, é um grande elogio aos elementos comuns da construção de mercado

e, portanto, uma crítica à “busca incessante pela novidade” que Venturi observa em meio aos

des-dobramentos das vanguardas da primeira metade do século XX; “os espaços privados predominam,

mas não se destacam pela sua singularidade – muito pelo contrário, são projetados para oferecer

um máximo de regularidade e tamanho” (MONEO, 2008, p.65). O discurso de Venturi poderia ser

uma crítica à arquitetura autoral, não fosse o fato de ele próprio se colocar, como autor.

Ao longo da segunda metade do século XX, a revisão crítica das correntes arquitetônicas

predominantes das décadas imediatamente anteriores ganha diversos desdobramentos e o discurso

de Venturi começa a perder força. Em “Perspectivas para um regionalismo crítico”, publicado pela

primeira vez em 1983

5

, Kenneth Frampton trabalha a partir de noções de “lugar” e “território”, e

desenvolve uma postura crítica em relação ao galpão decorado entendido como resultado de uma

prática projetual pautada por construções meramente imagéticas (FRAMPTON, 2008b). Em “Rappel

à l’ordre, argumentos em favor da tectônica”, assim como Venturi em Complexidade e Contradição,

Frampton associa a busca incessante pela novidade aos desdobramentos das vanguardas da

pri-meira metade do século XX (FRAMPTON, 2008a). O autor propõe a retomada de procedimentos

de projeto de aspiração ao universal associados a um novo olhar sobre a tectônica e a poética da

construção, como ferramentas de resgate e perpetuação de culturas locais, e de resistência diante

do esvaziamento da arquitetura (FRAMPTON, 1998).

[A.E] REVISÃO CRÍTICA NO BRASIL

Os desdobramentos dos debates em torno da revisão da produção teórica e da prática

projetual da arquitetura foram marcados – nos Estados Unidos e na Europa, ao longo das décadas de

1960, 70 e 80 – por publicações como: A imagem da cidade, de Kevin Lynch, publicado pela primeira

vez em 1960, traduzido para o português em 1997; Morte e vida de grandes cidades, de Jane Jacobs

(1961, trad. em 2000); Complexidade e contradição em arquitetura, de Robert Venturi (1966, trad.

em 1995); Território da arquitetura, de Vittorio Gregotti (1966, trad. em 1975); Aprendendo com Las

Vegas, de Robert Venturi, Denise Scott Brown e Steven Izenour, (1972, trad. em 2003); e Nova Iorque

delirante, de Rem Koolhaas (1978, trad. em 2008).

A distância entre o ano de publicação desses livros e o ano de sua tradução para o

por-tuguês, que dá aos textos significativamente mais alcance no Brasil, colocada ao lado dos

aconte-cimentos políticos, econômicos e sociais no Brasil, permite inferir que as mudanças de paradigmas

para a prática projetual no Brasil tiveram um caráter próprio, diferente dos Estados Unidos e da

Europa (SPADONI, 1997; SPADONI, 2003). Ainda assim, esses textos circulavam em suas línguas

originais ou em suas traduções, sobretudo para o espanhol ou para o italiano, e esses autores, seus

textos e projetos de arquitetura são comumente citados na bibliografia sobre o recorte, mesmo nas

5 A primeira versão de “Perspectivas para um regionalismo crítico” foi publicada em The Anti-aesthetic: Essays on postmodern

culture [A Antiestética: Ensaios sobre a cultura pós-moderna], coletânea de textos organizada por Hall Foster, em 1983. A

ver-são desse texto traduzida para o português na ocasião da publicação de Uma nova agenda para a arquitetura foi originalmente publicada também em 1983, em Perspecta, publicação especializada em arquitetura da universidade de Yale.

(21)

análises em torno da arquitetura brasileira, talvez porque ofereçam instrumentos para a elaboração

de uma crítica de arquitetura característica da segunda metade do século XX.

Diversos textos publicados pelas revistas Projeto e AU tomam emprestado da crítica

internacional, por exemplo, a noção de que as vanguardas da primeira metade do século XX se

esgotaram como uma consequência do que se entende por uma busca incessante pela novidade:

[…] a corrida frenética em busca do novo, fora dos nossos limites de “país novo”, com a constante importação de movimentos de uma modernidade estrangeira, que mal tem tempo de ser digeridos com alguns valores locais para serem substituídos por outros mais modernos […] (SANTOS in SEGAWA [org.], 1988, p.33)

As abordagens sobre a prática projetual de caráter regionalista e historicista, assim como

as reflexões da arquitetura como linguagem, ganham força no Brasil, segundo diversos autores, a

partir de 1985, ano em que a equipe liderada por Hector Vigliecca e Bruno Padovano foi a primeira

colocada no concurso que escolheu o projeto para o Sesc Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Também

em 1985 aconteceu o XII Congresso Brasileiro de Arquitetos, que teve como tema “A produção

do espaço habitado no Brasil contemporâneo – avaliação e perspectivas”. O Congresso – também

chamado de Congresso Vilanova Artigas, em homenagem ao arquiteto, que faleceu naquele ano,

ou Congresso de Minas – foi um marco da revisão crítica teórica e projetual pela qual passava a

arquitetura brasileira no período (BRAGA, 2004). Todavia, no final do século XX a metrópole já é

um fato e, no Brasil, a cidade subdesenvolvida como campo de políticas neoliberais transformará a

simples oposição entre correntes universalistas, de um lado, e correntes historicistas e regionalistas,

de outro, em uma relação dialética. Segundo Massimiliano Fuksas, curador da Bienal de Veneza de

2000 — cujo tema foi Less Aesthetics, More Ethics — em entrevista à revista AU em 2003:

[…] existe um novo tipo de cliente que é privado, porque utiliza o capital da iniciativa privada, mas não deixa de ser público, visto que não constrói para uso próprio, mas para outros ocuparem. Para esse cliente, obra é investimento. É uma situação comple-tamente nova que exige do arquiteto uma nova forma de pensar. (FUKSAS; FIGUEROLA [repórter], 1999)

O embate entre correntes regionalistas e historicistas e correntes universalistas passa

por um processo de reorganização ao longo dos primeiros anos da década de 1990, marcado pela

publicação do texto “Museu da Escultura”, de Sophia da Silva Telles, na revista AU em 1990. Em 1991

Ângelo Bucci, Alvaro Puntoni e José Oswaldo Vilela vencem o concurso para o projeto do Pavilhão

Brasileiro da Feira Mundial de Sevilha de 1992

6

. Um dos primeiros e talvez mais importantes textos

sobre o projeto, escrito já fora do recorte desta pesquisa, é o artigo “Deu em vão”, por Hugo Segawa,

publicado em fevereiro de 1991 na revista Projeto, uma severa crítica. Telles, em 1993, convida Peter

Eisenman para expor seus projetos no Brasil.

O cenário econômico do recorte foi marcado por uma série de tentativas de

implemen-tar um modelo neoliberal de organização em meio ao acelerado agravamento da crise. No campo

da arquitetura, foi marcado por uma retomada do repertório de aspiração ao universal, marcando

o debate entre diferentes correntes, colocando lado a lado a produção teórica e a prática projetual.

Não será mais possível pensar a prática de arquitetura descolada das lógicas do mercado, que, com

o progressivo aumento da participação do capital estrangeiro na economia brasileira, passaram a

influenciar de maneira cada vez mais direta a vida cotidiana (FUKSAS; FIGUEROLA [repórter], 1999;

6 Participaram da equipe de projeto de arquitetura: Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, João Oswaldo Villela, Geraldo Vespaziano Puntoni, Edgar Dente, Fernanda Barbara, Clovis Cunha e Pedro Puntoni (historiador).

(22)

FIORIN, 2012). As novas dinâmicas econômicas e sociais que se desenhavam colocaram algo que

era tomado como o repertório moderno, de um lado, e as correntes historicistas e regionalistas, do

outro, em uma relação não dualista, na qual estes ao mesmo tempo se confrontavam e se

comple-mentavam. Os artigos publicados na AU e Projeto são um testemunho excelente desse processo.

(23)
(24)

Figura 3: Arquitetura vernacular

Residência Nelson Ometto, SP, Carlos Bratke, 1983/1986. Fonte: "Uma casa de fazenda em meio ao verde do canavial", 1987, n.98, p.45.

Edifício Notre Dame e Edifício Barão do Rio Branco, RS, Flávio Leão Lembert e José Carlos Mandarino Peixoto, 1984/1987. Fonte: "Simpli-cidade e cuidado na utilização dos materiais", 1988, n.106, p.101.

Residência, Vitória, ES, Gregório Repsold, e Olímpia Repsold, 1987/1988. Fonte: "Solu-ções para maior conforto ambiental", 1989, n.125, p.98.

Nova Itá, Itá, SC, Divisão de Urbanismo do Departamento de Projetos Ambientais e de Arquitetura das Centrais do Sul do Brasil S.A. (Eletrosul), 1979/1988. Fonte: "Uma nova pos-tura para o planejamento de cidades", 1989, n.126, p.86.

Edifício Lina Paola, Bogotá (Colômbia), Juan Manuel Gutierrez A., Guillermo Rodriguez Amaya e Sérgio Trujillo Jaramillo, 1984. Fon-te: "Edifício em Bogotá quer manter tradição local", 1989, n.122, p.98.

Residência, Rio de Janeiro, RJ, Carlos Alberto Pingarilho, 1987/1988. Fonte: "Avanços, recuos e balanços criando espaços múltiplos", 1989, n.125, p.91.

(25)

[1] CAPÍTULO 1 | 1985 – 1988

O primeiro capítulo trata do período que vai de 1985 até 1988, cobre os anos ao longo

dos quais o processo de redemocratização estava em curso em sua forma mais intensa, isto é, do

início do processo de redemocratização institucional até a promulgação da Constituição da Nova

República. Ao longo desse período muito se especulava acerca da nova Constituição e de suas

con-sequências para o campo da arquitetura. Ainda que os autores pareçam, hoje, numa primeira lida,

não tomar posições claras a respeito dos rumos que acreditavam ser os mais interessantes para a

nova democracia brasileira, uma análise comparativa permite construir algumas hipóteses, que

serão exploradas em quatro frentes. Primeiro, tentar-se-á identificar as pautas que emergiam no

campo da arquitetura e que procuravam seus caminhos até os debates oficiais acerca da

Consti-tuinte. Em seguida, será lançado um olhar sobre os dilemas acerca do olhar para o passado como

ferramenta da construção de um futuro. Um outro dilema surge, então, acerca dos embates entre

noções de universalidade e noções de regionalismo e historicismo. Encerrando o primeiro capítulo,

há um esforço no sentido de identificar relações entre os debates teóricos do campo da arquitetura,

o cenário político e econômico do período e as consequências na prática projetual.

[1.1] PAUTAS EM MEIO AO PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO

Em 1985, a vitória da Aliança Democrática nas eleições indiretas para presidente do

Brasil e a aprovação da abertura da Assembleia Constituinte (que funcionou em 1987 e 1988)

in-centivaram alguma movimentação na esfera política do campo da arquitetura. O país vinha de um

período marcado, por um lado, por mudanças na organização do trabalho do arquiteto, passando

primeiro pelo período conhecido como “milagre econômico”, de desenvolvimento sustentado por

um Estado cada vez mais endividado, e em seguida por uma crise; e, por outro lado, pela ação de

um forte aparato opressor que trabalhava no sentido de afastar os cidadãos de qualquer

posiciona-mento político e que encontra reflexos no aparente quadro de desmobilização observado, de certa

maneira, até os dias de hoje. Ainda assim, existiam atores que se empenhavam em colocar na pauta

do processo de redemocratização assuntos discutidos no campo da arquitetura, como a qualidade

dos espaços urbanos e a habitação de interesse social. Para isso, porém, era preciso construir

ferra-mentas com as quais os arquitetos pudessem participar dos debates oficiais. As revistas contribuíam

com essa construção, ainda que a declaração de um determinado posicionamento político estivesse,

de maneira geral, restrita aos editoriais.

Em 1985, Telmo Borba Magadam, então presidente da Diretoria Nacional do Instituto

de Arquitetos do Brasil (IAB), fala sobre a desmobilização em torno das entidades de classe e a

“dificuldade de se obter dos governos o encaminhamento consequente das questões urbanas e

habitacionais” como consequências do autoritarismo do regime militar e da escassez de

traba-lho causada pela crise econômica. Magadam afirma que os sindicatos enfrentavam dificuldades ao

exercer seu papel no sentido de proteger a profissão, dada a legislação pouco democrática vigente

(MAGADAM, 1985, n.1, p.3).

(26)

Um aspecto importante do debate político do campo da arquitetura naquele período

é a defesa de reformas na transição para a democracia, como contraponto à continuidade de

polí-ticas públicas implementadas pelo regime militar. Era importante reconhecer, naquele momento,

um novo cenário político e consolidar uma transição que afastaria a política nacional do regime

anterior. Mário S. Pini escreve:

Há muito tempo se aponta para a necessidade de Reformas, que agora poderão sair do ideário e ocupar o centro da arena política com a Constituinte. Essas esperadas Refor-mas implicam uma nova forma de distribuição de recursos públicos e privados, poucos disponíveis e muitos a serem criados, que só serão obtidos com o fim da recessão eco-nômica, desejo unânime da sociedade brasileira. […] Crescimento econômico e urbano têm sido parceiros históricos e a urbanização é socialmente desejável, na medida em que abre acesso a novas oportunidades econômicas, bens e informações, a novos valores culturais. (PINI, 1985, n.2, p.2)

Tendo em vista o XII Congresso Brasileiro de Arquitetos e seu papel em meio à

Cons-tituinte, o número 3 da revista AU tem “espaço habitado” como tema central. No texto editorial

dessa edição, Pini aponta novamente para a precariedade das cidades brasileiras e afirma que a Nova

República seria resultado não das reformas anteriormente reivindicadas, mas de um acordo entre o

bloco dissidente do governo militar e a oposição, marcada, em muitos aspectos, pela continuidade do

regime anterior (PINI, 1985, n.3, p.2). Os textos de Milton Santos (SANTOS, M., 1985, n.3, p.88), Aziz

Ab’Saber (AB’SABER, 1985, n.3, p.90), Paul Singer (SINGER, 1985, n.3, p.97), Paulo Bastos (BASTOS,

1985, n.3, p.102) e Raquel Rolnik (ROLNIK, 1985, n.3, p.112) publicados nessa edição trazem temas

como a degradação do ambiente urbano, as relações entre cidade e campo, a questão da habitação

e as relações de poder expressas pelo desenho.

Demétrio Ribeiro, em sua fala de abertura do XII Congresso Brasileiro de Arquitetos,

afirma que a reorganização política do país não tocava no quadro institucional básico e na política

econômica (RIBEIRO in “As Cartas de Minas”, 1986, n.4, p.58)

7

. No campo da prática projetual, o

encontro deixa clara a revisão crítica pela qual passava o campo da arquitetura brasileira em meio

aos processos de reorganização política do país, enquanto marca, também, uma certa vontade de

participação nesses processos:

Agora, em novo ambiente político, fazendo parte do processo de conscientização de toda a sociedade civil, cresce a mobilização de estudantes e arquitetos brasileiros pela participação na nova Constituição. O quadro de contribuições dos arquitetos está re-fletindo o momento da profissão e a experiência acumulada historicamente.

Se hoje viabilizar a democracia está acima de todas as questões, no plano da profissão será necessário ampliar o nível de conhecimento sobre a realidade brasileira, o que implica também a transformação da consciência crítica sobre o produto do seu trabalho. (PINI, 1986, n.4, p.3)

A prática da arquitetura estava, segundo os textos, distante da realidade cotidiana do

povo, e dela deveria se aproximar. Arquitetura é um direito cultural, uma ferramenta de acesso a

7 Na mesma ocasião, Jorge Moreira destaca a militância política e suas relações com o ensino de arquitetura e com o exercício da profissão (MOREIRA in “As Cartas de Minas”, 1986, n.4, p.58). Lucio Costa envia um manuscrito ao evento: “Como lem-brança minha, gostaria que constasse das resoluções o seguinte: 1o Cidade é a expressão palpável da humana necessidade de contato, comunicação, organização e troca, numa determinada circunstância político-social inserida num contexto histórico. 2o Urbanizar consiste em levar um pouco de cidade para o campo, e trazer um pouco do campo para a cidade. 3o Nas tarefas do engenheiro, o homem é primeiramente considerado como ser coletivo, como ‘número’, prevalecendo o critério de quan-tidade, ao passo que nas tarefas do arquiteto o homem é encarado, antes de mais nada, como ser individual, como ‘pessoa’, predominando então o critério de qualidade. Por outro lado, os interesses do homem como indivíduo nem sempre coincidem com os interesses desse mesmo homem como ser coletivo, cabendo ali ao urbanista procurar resolver, na medida do possível, esta contradição fundamental.” (COSTA in As Cartas de Minas, 1986, n.4, p.58).

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