• Nenhum resultado encontrado

Obtenção da Resistência da Endurance: Treinamento com Cargas Contínuas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Obtenção da Resistência da Endurance: Treinamento com Cargas Contínuas"

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

OBTENÇÃO D A RESISTÊNCIA E DA "ENDURANCE": TREINAMENTO COM CARGAS CONTÍNUAS '

Lamartine Pereira da Costa

A aplicação de cargas contínuas, isto é, o treinamento com exercícios de movimentação termitente, foi o primeiro meio utilizado na evolução do Treinamento Desportivo para o aperfeiçoamento das qualidades liga-das à capacidade cardiopulmonar.

Certamente houve uma adaptação de um fato freqüentemente com-' provado no cotidiano: procurava-se repetir o gesto desportivo muitas vêzes, não somente em busca de melhor coordenação, mas para criar condições de um rendimento mais durável.

Êsse processamento, no entanto, era por demais simples para corres-ponder às ansiedades dos treinadores na procura d ê melhores marcas. Um aumento progressivo da quantidade de trabalho, à maneira dos na-dadores japoneses da Escola de Matsusawa (vide: "Histórico, Evolução e Fundamentos do Treinamento Desportivo Moderno"), até os supostos limites da capacidade fisiológica do atleta, parecia representar um risco não facilmente aceito, além de constituir uma fórmula cabível com ampla disponibilidade de horário, também de difícil realização prática.

O aparecimento do Interval Training de Gerschler-Reindell, na

déca-da de 1950, quebrou a monotonia e a simplicidéca-dade déca-da metodologia então existente. Tratava-se, finalmente, de algo científico que contrastava, so-bremaneira, com o empirismo da conceituação vigente. A perspectiva de melhores resultados com menos trabalho entusiasmou os treinadores do mundo inteiro. Surgiram variações do I T adaptadas para quase todas as modalidades desportivas e, inclusive, tentou-se a criação de métodos de Educação Física, dentro do receituário do nôvo processo.

Uma pequena mostra desse entusiasmo geral pôde ser apreciada no Brasil. A visita ao nosso país dos eméritos pesquisadores alemães, em 1953, gerou repercussões até hoje identificadas em nossos treinadores e no ensino de nossas Escolas de Educação Física.

Os efeitos, entretanto, não se ajustaram totalmente às proposições do método. O conhecimento sedimentado pela aplicação prática e a evolução da pesquisa da fisiologia do esforço, contribuindo com novas constata-ções, consolidaram a tese da relatividade do processo: o Interual Training

(2)

"per se" é apenas um meio e não um fim. Constitui-se, em última análise, de uma etapa num conjunto de maiores implicações.

Afortunadamente, alguns treinadores não foram atingidos pelo entu-siasmo inicial e continuaram a procurar soluções melhores no contexto do trabalho contínuo. Entre êles são de importante destaque o austra-liano Percy Wells Cerutty e o neozelandês Arthur Lydiard, pertencentes ao setor de corridas de fundo e meio-fundo.

Ambos antigos atletas, êsses dois famosos treinadores chegaram a seus métodos através de dura e lenta evolução, experimentando nêles próprios o que passaram a preconizar. Embora impregnados de contradições evi-dentes quanto ao conhecimento contemporâneo, Lydiard e Cerutty obti-veram resultados excepcionais com seus atletas. O último, em particular — que produziu, entre outros, Herb Elliot, recordista e campeão olímpico dos 1.500 metros, e introduziu nas pistas o notável Ron Clarke, um dos maiores exemplos de superatleta da atualidade —, atraiu as atenções dos estudiosos pelo aspecto altamente místico que envolvia seu trabalho

(Oosterlynck, 1959).

Cerutty era partidário irrestrito do trabalho continuado e intenso para o aperfeiçoamento de seus atletas. Seu método consistia basicamente em três estágios. No primeiro, o atleta fortalecia os braços e o tronco através de exercícios com halteres, ao mesmo tempo que executava cor-ridas contra-resistência em dunas de areia; no segundo, o atleta era soli-citado a correr até os limites de suas possibilidades, aumentando progres-sivamente as distâncias; no último, após seis meses de trabalho pesado dos estágios anteriores, era imposto um treinamento de ritmo e senti-mento das distâncias da prova, executando-se "tiros" de 100, 300 e 600 metros e, para o meio-fundo, 800 e 1.500 metros em tempos submáximos. Tudo isso era realizado longe das pistas de atletismo, em gramados, estra-das, pastos e, naturalmente, nas praias, sem controle rígido do trabalho: ao atleta oferecia-se um roteiro para uma semana e a compensação ficava a critério dc seus sentimentos. O papel prinuoal do treinador era incutir um permanente espírito de luta contra o sofrimento do cansaço.

Lydiard, por sua vez, sem apelar para o misticismo, porém mais exigente, fundamentava todo o seu trabalho num "lastro" criado no atleta através de um percurso de 160 quilômetros de corridas variadas, por semana. O cumprimento dêsse programa não obedecia a um esquema padrão: o importante era a quantidade de trabalho. Também não impor-tava a especialidade do atleta, se meio-fundo, fundo ou maratonista; o treinamento tornava-se específico apenas nas últimas seis semanas antes da competição, através da aplicação de "tiros' no ritmo submáximo da prova. O atleta iniciante corria, sem tempo determinado, até alcançar a marca de 160 km/semana; isto demandava durações variáveis, conforme as aptidões apresentadas; se não atingia esse limite era aconselhado a se dedicar a outras atividades.

Êsse processo ficou sendo conhecido como Treinamento Maratona (Marathon Training) e baseava-se, esquemàticamente, em três etapas, de 8 meses de duração:

1. a — 160 km/semana (4 meses) para lastro.

2. a — Corrida contra-resistência; repetições em subidas e descidas numa colina de 30° de inclinação (400 metros planos, 800 metros de

(3)

su-bida em ritmo vigoroso, 400 metros planos no tópo da colina, 800 metros descida), executadas quatro vêzes, diariamente — aproximadamente 14 quilômetros —, durante um mês.

3.a — Repetições na pista de atletismo, em distâncias curtas e mé-dias, sem intervalo programado, em ritmo de velocidade intensa ou da prova.

Os resultados obtidos por Lydiard foram dos mais destacáveis de tôda a história do Atletismo. Trabalhando apenas com elementos moradores das proximidades de seu clube, em Auckland, conseguiu formar uma constelação de notáveis campeões de nível olímpico e mundial, dentre êles sobressaindo-se Peter Snell, vencedor em três Olimpíadas dos 1.500 metros.

A efetividade de rendimento do método de Lydiard tem sido compro-vada em diversos países e, em conseqüência, provocado uma reformula-ção quanto à atitude diante do trabalho contínuo.

O que tem sido ponderado, em primeiro lugar, é a questão da posi-ção psicológica do atleta frente à quantidade de trabalho. A doutrina desenvolvida por Cerutty e Lydiard, interpretada por alguns como ver-dadeira lavagem cerebral, solicitava um empenho cujos limites só tinham sido atingidos anteriormente por Zatopeck e. num plano inferior, pelos nadadores japonêses deMatsusawa e seus colaboradores. Empiricamente, mas com resultados efetivos, cs treinadores em lide fizeram seus atletas ultrapassarem a barreira da inibição ao esforço, fator primordial, segundo Bannister (1967), para o rendimento do treinamento e competição de provas de resistência e "endurance" e para a mobilização de reservas orgânicas normalmente inexploradas. Na verdade, são raros os atletas que conhecem suas potencialidades; a tendência normal é minimizar o alcance máximo obedecendo a um mecanismo psicológico de proteção. Uma visão, em proporções, dêsse potencial frente às necessidades do esforço, é apre-sentada pela figura 1, adaptada de dados de Nõcker (1964).

Secundariamente, a desinibição ao sofrimento da fadiga é reconheci-da como um fator importante que permite assimilar maiores cargas explo-rando os limites fisiológicos reais do atleta e, como vimos no capítulo anterior, sabe-se que, a,longo prazo, a problemática do treinamento da resistência e da "endurance" se baseia na quantidade total — em duração e intensidade —, n ã o importando a qualidade do método. Estaria assim explicado o valor relativo dos processos de trabalho contínuo.

É interessante fazer constar que um estudo comparado de informes disponíveis, realizado por Ward (1967), nos levou a crer que os japonêses de Matsusawa estavam próximos à descoberta do treinamento tipo ma-ratona. O pormenor ainda não mentalizado era o da intensidade. Segundo o Dr. Heriberto de Paiva (comunicação pessoal), que acompanhou o tra-balho de Saito no Brasil, em 1934, já era parcialmente aceito que treinar muitas horas por dia não era suficiente para se obterem melhores marcas: alguns nadadores rendiam melhor quando se solicitava mais intensidade em detrimento da quantidade. (Saito era um dos colaboradores de Matsu-sawa.)

A conclusão final, à luz dos conhecimentos atuais, sôbre o treinamento com cargas contínuas, é que se trata de um método que se apóia essen-cialmente na dosagem de aplicação.

(4)

RESERVA INATINGÍVEL PELA FÔRÇA DE VONTADE

RESERVA ACESSÍVEL COM TREINAMENTO INTENSO APLICADO DURANTE VÁRIOS ANOS

RESERVA ACESSÍVEL ATRAVÉS DA FÔRÇA DE VONTADE RESERVA DISPONÍVEL DE FÁCIL EMPENHjO

EXIGÊNCIA DIÁRIA NORMAL

POTENCIAL DE RESERVAS ORGÂNICAS PARA A REALIZAÇÃO DO ESFÕRÇO

F i g . 1

O Dr. Ernst Van Aaken, do Instituto Superior de Educação Física de Colônia (Alemanha), que se tem notabilizado por seus estudos quanto à relatividade dos métodos (Calligaris, 1966; Ives, 1967), chama a atenção, muito propriamente, que freqüentemente o que se pensa ser uma forma de treinamento fracionado (fora do preceituado por Gerschler-Reindell no Interval Training), ou o Interval Training pròpriamente dito, nada mais é do que treinamento contínuo com ritmos variados de intensidade. O trabalho desenvolvido por Zatopeck constitui um exemplo de significa-ção. Êle corria, normalmente, a distância de 400 metros, recuperando-se com 200 metros de percurso em ritmo mais lento. Como entregava tempos de 85-90 segundos para cobrir a distância de base, ao contrário dos 62-70 segundos da padronização do Interval Training, não havia condições de criar os efeitos fisiológicos normalmente observados nas atividades cíclicas de esforços submáximos com intervalos programados.

(5)

Outra autoridade eminente, o Dr. James Counsílman (1968), treina-dor da seleção olímpica de natação dos Estados Unidos, localiza a defi-ciência de certas formas de trabalho cíclico na impossibilidade de pôr em prática os mesmos elementos que serão mobilizados durante a com-petição. Assim, por exemplo, quando se treina um nadador para 1500 me-tros nado livre, busca-se um pulso de 170, mas é evidente que não se pode consegui-lo com a tentativa simultânea de 'passagens iguais ao longo da distância.. Na prática são estabelecidos. curtos intervalos de recuperação para simular igual quantidade de esforço que será empregado na com-petição.

Essas ajustagens às necessidades encontradas na prática têm forçado a criação de inúmeras variações de treinamento fracionado. Na verdade, em muitos casos j á se torna difícil distinguir a fronteira entre o trabalho contínuo e o trabalho intervalado. Isto, sem embargo, reforça a tese da relatividade dos métodos e da importância da dosagem adequada.

Em face do exposto e complementando o capítulo anterior quanto à opção entre as formas de trabalho existentes, observa-se uma conver-gência no sentido de ser adotado o Interval Training de Gerscher-Reindell para atletas iniciantes, dada à segurança que oferece o controle de cargas, à rápida mobilização da capacidade cardiopulmonar e à reação ideal de adaptação do organismo jovem (se fôr o caso). Posteriormente, é prevista a utilização de trabalhos contínuos em duas fases: na primeira busca-se a eficiência em duração (quilômetros corridos, nadados, remados ou pe-dalados), e, numa segunda, procura-se o aperfeiçoamento através da in-tensidade. Neste último estágio, caso haja ainda condições de aceitação de maiores cargas pelo atleta, procurar-se-á contornar a dificuldade de ser mantida uma intensidade muito forte durante muito tempo através de fracionamentos por intervalos de descanso (figura 2),

TRABALHO INTENSO FRACIONADO TRABALHO CONTINUO EM INTENSIDADE

TRABALHO CONTINUO EM DURAÇÃO

INTERVAL - TRAINING DE GERSCHLER - REINDELL F I G U R A 2

Degraus da carreira atlética de acordo com o nível de aceitação de cargas de resistência e "rndurance".

Esta escalada comporta, naturalmente, vários anos de trabalho sem interrupções; caso haja impossibilidades — e sendo assim perdem-se as condições de máxima eficiência —, a altérnativa é a adoção de uma fór-mula de trabalho fracionado para mobilizar as reservas a curto prazo, ou, havendo disponibilidade de tempo, um processo misto para o alcance de um nível estável satisfatório de condição.

(6)

Uma questão final, que se impõe para exame, é o da diferença entre os treinamentos específicos para a resistência e a "endurance" para atle-tas confirmados, quando da utilização de cargas contínuas. Com efeito, nos trabalhos de resistência o débito de oxigênio instala-se mais rapida-mente do que nos de "endurance". Assim, as fórmulas de treinamento precisam ajustar-se às características visadas. E isto é feito, em obediên-cia ao proposto anteriormente, através da dosagem da intensidade.

Para a obtenção da "endurance", que objetiva um steady-state dura-douro, diminui-se a intensidade em favor da distância percorrida, e, in-versamente, no aperfeiçoamento da resistência, aumenta-se a intensidade em detrimento da distância, procurando-se uma adaptação ao sofrimento provocado pelo débito de oxigênio.

É necessário sublinhar, na generalidade dêsse contexto, que as linhas de ação propostas são válidas não somente para as atividades contínuas como também para as intermitentes (desportos coletivos, por exemplo). A resistência e a "endurance" não sáo específicas para determinadas mo-dalidades, apenas há uma relatividade de empenho. A contradição dessa assertiva tem equivocado um grande número de treinadores, que procuram ajustar suas especialidades aos métodos, fazendo seus atletas ! desloca-rem-se com bolas e outros implementos.

As qualidades ora em evidência são ligadas predominantemente à ca-pacidade cardiopulmonar, cujo pleno desenvolvimento é dificultado pela aplicação de cargas reduzidas em razão de um movimento complexo. Desta forma, o procedimento de melhor efetividade é o de separar as sessões dedicadas ao preparo técnico e tático das destinadas ao condicionamento físico propriamente dito.

(7)

B I B L I O G R A F I A

Calligaris, A. (1966) — "Pro y Contras dei Intervel Training", Stadium, n.° 1, Buenos Aires,

Cerutty, P. W, (1962) — "Athletics", Stanley Paul lo, Londres..

Cerutty, P. W. (1964) — "Middle — Distance Running", Pelhan Books, Londres. Counsilman, J . (1968) — "Interval Training e'a Natação", Boletim Técnico e I n

-formativo, n." 1, janeiro, pág. 28, D i v i s ã o de Educação Física do M E C , Rio da Janeiro.

Ives, J . (1967) — "Methods and men or the fierce Gerschler — van Aackeu", Jeunesse et Sport, n." 24, pág. 211.

Lydiard, A . (1963) — "Run to the top", A . H . & Á. W. Reed, Wellington.

Nõker, J . (1964) — "Phisiologie der L e i b e s ü b u n g e n " , Ferdinand F u k e Verlag, Stuttgart.

Oosterlynck. G . (1959) — "Os paradoxos do Senhor Cerutty", Documento n.° 10, D i v i s ã o de Educação Física do M E C , Rio de Janeiro.

Ward, T . (1967) — "Modem Concepts of Middle — Distance Training", Track Technique, n.u 30, pág. 931.

Referências

Documentos relacionados

Sobretudo recentemente, nessas publicações, as sugestões de ativi- dade e a indicação de meios para a condução da aprendizagem dão ênfase às práticas de sala de aula. Os

Obedecendo ao cronograma de aulas semanais do calendário letivo escolar da instituição de ensino, para ambas as turmas selecionadas, houve igualmente quatro horas/aula

A disponibilização de recursos digitais em acesso aberto e a forma como os mesmos são acessados devem constituir motivo de reflexão no âmbito da pertinência e do valor

Lista de preços Novembro 2015 Fitness-Outdoor (IVA 23%).. FITNESS

os atores darão início à missão do projeto: escrever um espetáculo para levar até as aldeias moçambicanas para que a população local possa aprender a usufruir e confiar

Avaliação técnico-econômica do processo de obtenção de extrato de cúrcuma utilizando CO 2 supercrítico e estudo da distribuição de temperatura no leito durante a

FIGURA 1: Valores médios da porcentagem de germinação de sementes de Hymenaea stigonocarpa submetidas a diferentes tratamentos pré-germinativos.. contrapartida, Souza et

Objetivo: Identificar critérios de seleção para a rizotomia dorsal seletiva (RDS) na paralisia cerebral (PC), analisar os instrumentos de avaliação e descrever as características