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Para além interpretação britânica: as traduções de Freud e suas consequências para a clínica psicanalítica

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA TRADUÇÃO

Edson Manzan Corsi

PARA ALÉM DA INTERPRETAÇÃO BRITÂNICA: AS TRADUÇÕES DE FREUD E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A CLÍNICA PSICANALÍTICA

Florianópolis 2019

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Edson Manzan Corsi

PARA ALÉM DA INTERPRETAÇÃO BRITÂNICA: AS TRADUÇÕES DE FREUD E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A CLÍNICA PSICANALÍTICA

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de doutor em Estudos da Tradução

Orientadora: Profa. Karine Simoni, Dra.

Coorientador: Prof. Pedro Heliodoro de Moraes Branco Tavares, Dr.

Florianópolis 2019

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor,

através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Corsi, Edson Manzan

PARA ALÉM DA INTERPRETAÇÃO BRITÂNICA: AS TRADUÇÕES DE FREUD E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A CLÍNICA PSICANALÍTICA /

Edson Manzan Corsi ; orientadora, Karine Simoni, coorientador, Pedro Heliodoro de Moraes Branco Tavares, 2019.

155 p.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão, Programa de Pós Graduação em Estudos da Tradução, Florianópolis, 2019. Inclui referências.

1. Estudos da Tradução. 2. Tradução . 3. Psicanálise. 4. Clínica . 5. Inconsciente. I. Simoni, Karine. II. Tavares, Pedro Heliodoro de Moraes Branco . III.

Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. IV. Título.

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Edson Manzan Corsi

PARA ALÉM DA INTERPRETAÇÃO BRITÂNICA: AS TRADUÇÕES DE FREUD E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A CLÍNICA PSICANALÍTICA

O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Gilson de Paulo Moreira Iannini, Dr. Universidade Federal de Minas Gerais

Prof. Maurício Eugênio Maliska, Dr. Universidade do Sul de Santa Catarina

Profa. Meta Elisabeth Zipser, Dra. Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Marcelo Bueno de Paula, Dr. Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de doutor em Estudos da Tradução

____________________________ Profa. Andréia Guerini, Dra.

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução ____________________________

Profa. Karine Simoni, Dra. Orientadora

______________________________

Prof. Pedro Heliodoro de Moraes Branco Tavares, Dr. Coorientador

Florianópolis, 2019.

Documento assinado digitalmente Pedro Heliodoro de Moraes Branco Tavares Data: 08/06/2020 10:06:19-0300

CPF: 023.435.859-97

Andreia

Guerini:63897946904

Assinado de forma digital por Andreia Guerini:63897946904 Dados: 2020.06.08 11:37:59 -03'00'

Karine

Simoni:03016327902

Assinado de forma digital por Karine Simoni:03016327902 Dados: 2020.06.08 12:14:05 -03'00'

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AGRADECIMENTOS

A Semíramis Manzan Corsi, Cícero Manzan Corsi, Karine Simoni, Pedro Heliodoro Tavares, Maurício Maliska, Marcelo Bueno, Meta Zipser, Gilson Iannini, Lillian Noleto e Isabella Coelho.

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RESUMO

Esta tese tenciona discutir diferentes traduções do principal livro de Sigmund Freud, Die

Traumdeutung [A Interpretação dos Sonhos], datado de 1900, para embasar certas

perspectivas acerca das consequências para a clínica psicanalítica do modo pelo qual um tradutor, devido a seus posicionamentos e vertentes conceituais, vem a trabalhar com a obra freudiana. Em termos de estilo e terminologia, procuramos pensar como a marca estilística, e a escolha de vocábulos que tal tradutor faz, pode influenciar, em sua contínua formação, o psicanalista; no que tange a seus modos e modelos de diagnosticar, intervir e pensar a própria clínica, ante as questões que podem advir na escuta de cada um de seus pacientes. Para tanto, selecionamos os capítulos II e VII desta obra enfocada, em diferentes versões, por bem falarem da interpretação freudiana e dos resultados metapsicológicos provenientes de sua prática teorizada. Relacionamos este ponto de vista sobre a importância das consequências práticas (que se tornam inclusive teóricas) das diferentes traduções de Freud com a Teoria Funcionalista dos estudos da tradução. Retomamos este tema ao final do texto, para vislumbrar as possibilidades de diálogo entre tal teoria e a criação funcional de Freud, que se relaciona com a escuta e a intervenção quanto ao inconsciente daquele que fala em análise, mesmo tendo em conta que esses insights foram usados por Freud, posteriormente, em textos culturais; mas que obtemos como resultado de sua prática prévia que trouxe as conceituações mesmas que vieram a embasar a amplitude de todo o seu pensamento.

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ABSTRACT

This thesis intends to discuss different translations of the main book of Sigmund Freud, Die Traumdeutung, dated of 1900, to ground certain perspectives around the consequences to the psychoanalytic clinics that come from the mode by which a translator, due to his positions and conceptual slopes, gets to work with the Freudian building. In terms of style and terminology, we strived to think how the stylistic mark, and the choice of words that this translator do, can influence, in his continuous formation, the psychoanalyst; in what touches his modes and models of diagnosing, intervene and think his own clinics, in front of the questions that can arise in the listening of each one of his patients. To achieve that, we selected the chapters II and VII of this focused book, in different versions, for well speaking of the Freudian interpretation and of the metapsychological results born from his theorized practice. We related this point of view about the importance of the consequences in practice (that become indeed theoretical) of the different translations of Freud with the Functionalist Theory of the studies of translation. We focus again on this theme in the end of the text, to glimpse the possibilities of dialogue between such theory and the functional creation of Freud, that relates itself with the listening and intervention about the unconscious of that who speaks in analyses, even seeing that these insights were used by Freud, after, in cultural texts; but that we obtain as result of his previous practice that brought the concepts themselves that came to ground the extent of all his thought.

Keywords: Translation. Psychoanalysis. Clinics. Unconscious. Intervention.

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SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE PSICANÁLISE E TRADUÇÃO ... 9

1.1 SOBRE ALGUMAS QUERELAS ... 17

1.2 METODOLOGIA ... 19 1.2.1 Objetivo geral ... 19 1.2.2 Objetivos específicos ... 20 1.2.3 Justificativa ... 20 1.2.4 Pergunta-problema ... 21 1.3 FUNCIONALISMO E FREUD ... 22

2 AS TRADUÇÕES DE FREUD E PRIMEIROS QUESTIONAMENTOS SOBRE A TRADUÇÃO DE SUA OBRA MÁXIMA ... 29

2.1 MAIORES DELIMITAÇÕES SOBRE AS OBRAS PESQUISADAS ... 47

2.2 BREVE NOTA SOBRE A STANDARD BRASILEIRA ... 50

3 O ESTILO DE JAMES STRACHEY EM THE INTERPRETATION OF DREAMS.. ... 52

4 O TRABALHO DE CRICK E ZWICK: DO WUNSCH AO TRIEB, DE DRIVE A IMPULSO ... 71

4.1 Partindo do Wunsch ... 84

5 INTERPRETANDO SONHOS, SOB A COORDENAÇÃO DE ADAM PHILLIPS.. ... 89

6 TRADUÇÃO E CLÍNICA ... 97

6.1 Considerações clínicas sobre termos específicos ... 107

6.2 Exemplos calcados na clínica e no pensamento clínico ... 113

6.3 Resultados e conclusão ... 117

REFERÊNCIAS ... 120

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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE PSICANÁLISE E TRADUÇÃO

Sobre as relações entre tradução e psicanálise, vemos que, na obra mesma de Sigmund Freud, elas podem apontar às suas primeiras perspectivas acerca do psíquico, remetido a fenômenos diretamente ligados à linguagem, em suas funções e disfunções – em especial no que concerne ao estudo das afasias1. Antes de surgir o termo “psicanálise”, já, por

exemplo, nos Estudos sobre a histeria, estabelecidos pelo próprio Sigmund Freud juntamente a seu colega Josef Breuer,em 1895 – o termo “psicanálise” surgiria em 1896; a sintomatologia neurótica era vista qual uma profusão sígnica ou sintagmática (também “simbólica”, no dizer dos próprios autores), que vinha a apresentar-se mediante o discurso dos pacientes em tratamento, e passível de converter-se em várias formas de adoecimento corporal. Trata-se, então, de conteúdos a serem recuperados; ou traduzidos, pela via do plano simbólico, no processo de tratamento pela fala, intitulado pelos autores naquela época como talking cure. “Não esqueçamos que o ‘tratamento pela fala’ era assim designado, em inglês, pela célebre paciente Anna O., pois sua curiosa condição clínica a deixara impossibilitada de comunicar o seu sofrimento em sua língua materna, o alemão...” (TAVARES, COSTA, de PAULA, 2013, p. 11). Isso fez com que ela tivesse que recorrer a uma língua estrangeira para transpor seus aspectos psíquicos pelas palavras. Nesse caminho, cinco anos depois, vemos Freud, em seu livro mais importante, Die Traumdeutung, conhecido no Brasil como A interpretação dos

sonhos, vislumbrar de fato o elo entre o labor psicanalítico e o fazer tradutório: ao utilizar-se

da comparação (metáfora) do psicanalista com um tradutor; mas no que diz respeito às transposições da linguagem inconsciente para a consciente, no intento de compreender as imagens oníricas, acústicas e visuais.

Freud fará um uso muito particular dos recursos imagéticos da língua alemã para tratar justamente, pelo exemplo da narrativa envolvendo o sonho, da

transposição, da tradução das imagens ao discurso. Tomando o sonho como a

pedra de toque de sua empresa teórica e clínica, Freud fará da tradução precisamente a metáfora do processo analítico e é através dela que procura tão belamente se expressar em sua escrita (TAVARES, 2011, p. 31).

Essa compreensão ocorreria pelas possibilidades associativas das imagens oníricas no plano discursivo – para destarte realizar o tratamento dos pacientes ao assimilar o sentido

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inconsciente de suas narrativas de sonhos; nas quais de fato intensamente se espraiam as imagens2.

Assim, se as descobertas de Freud podem levar-nos a pensar sobre as relações plausíveis entre os campos da psicanálise e da tradução, a discussão sobre esta interface vem se renovando, “a partir da entrada de sua obra para o domínio público em 2010, quando, finalmente, passamos a contar com as primeiras versões de Freud feitas diretamente do alemão para a língua portuguesa” (TAVARES, COSTA, de PAULA, 2013, p. 11). No presente aporta, desse modo, uma produtiva polifonia nos estudos da obra desse autor

2 A observação que Freud faz acerca desse aspecto, é importante destacar, não estabelece que alguém por

verter um texto de um idioma para outro seja psicanalista, ou que o trabalho do analista seja como o de alguém que encontra possíveis equivalências de vocábulos entre um ou mais idiomas. Trata-se antes de uma decifração a partir de um discurso apresentado, uma narrativa de sonho, por exemplo. É possível ressaltar que as interpretações tecidas por psicanalistas configuram, mais a rigor, traduções de um método estranho de expressão para outro que nos soa familiar. Quando se interpreta um sonho, somente traduz-se certo conteúdo de pensamento – os chamados pensamentos oníricos latentes – da maneira que se apresentam nos sonhos, para nosso modo de falar em vigília. "Essa analogia entre tradução (Übersetzung) e interpretação (Deutung) de sonhos (Traumdeutung) comparece com imensa frequência ao longo de toda a obra freudiana" (FROTA, 2015, p. 283). Na verdade, a tais vocábulos e noções, somam-se outros que são utilizados por Freud de modo que, em geral, se mostra intercambiável, como no exemplo de Übertragung, sobre o qual retomaremos, e aponta tanto para “transferência” quanto “tradução”. “Essa visão freudiana de fala e de escrita, da linguagem de um modo geral, do simbólico, enfim, a qual rompe com a imaginária transparência das línguas, e o imaginário controle do sujeito sobre o que diz (...) está forçosamente implicada na ruptura da psicanálise com a ‘ciência oficial’” (FROTA, 2015, p. 285). Ou seja, essa extrusão, digamos assim, quanto à ciência racionalista e idealista, apesar das ambições científicas de Freud que podem ser vislumbradas ao longo de seu trabalho, acontece conforme a psicanálise é erguida como um verdadeiro sistema de noções e conjecturas que subvertem as tradicionais ou hegemônicas concepções sobre o sujeito: de linguagem, cultura, e toda uma gama conceitual que com as mesmas se formula. Ou seja: a visão de Freud sobre tradução também é conceitual e epistemologicamente original. Nessas vias, para nosso trabalho, cabe observar que o conceito do qual Freud se utiliza, ao falar de tradução, em diferentes textos, como A interpretação dos sonhos, seu famoso caso clínico sobre o Homem dos Ratos, ou o ensaio O interesse científico da psicanálise, liga-se ao vocábulo germânico Übersetzung, que pode dialogar ainda com Deutung, usado no senso de interpretação. O sentido do primeiro aparece mais como de tradução mesmo, e toma em Freud, no entanto, o senso de decifração ou, talvez mais especificamente, decodificação simbólica. Em especial quanto às imagens do sonho. Parece-nos que fazer uma Deutung, para Freud, é realizar várias Übersetzungen; “traduzir” cada imagem onírica e, com essas decifracões, criar um conjunto de entendimentos que se juntam de forma inteligível, tornando-se assim capaz de transpor a linguagem estranha, por exemplo, do sonho, ao vir para a linguagem que nos é familiar, e criar uma narrativa compreensível e mais coerente sobre ele e seu sentido geral. Esta tradução freudiana pode se dar, como vemos ao longo de sua obra, quanto a outras formações do inconsciente (atos falhos, chistes, sintomas...). Mas o sonho é seu referencial mais forte, cuja tradução sempre tende a guiar Freud, como ele destaca, por exemplo, no caso do Homem dos Ratos: “Só então foi possível entender o inexplicável processo ocorrido na formação de sua ideia obsessiva; com a ajuda das teorias sexuais infantis e do simbolismo que se conhece a partir da interpretação de sonhos, tudo pôde ser traduzido significativamente” (FREUD, 2013, p. 79). Assim, trabalhar com a decifração da narrativa do sonho, que acontece mediante as palavras faladas pelo paciente para descrever sua(s) experiência(s) onírica(s), em psicanálise, como vemos em O sentido antitético das palavras primitivas, alinha-se com trabalhar com a linguagem: escutar o sonho, decifrá-lo assim, para Freud, significa decodificá-lo em suas imagens, mas ao passo em que as mesmas aparecem no discurso do paciente na sessão analítica. “E a nós, psiquiatras, impõe-se de modo imperioso a suspeita de que entenderíamos melhor e traduziríamos mais facilmente a linguagem dos sonhos se conhecêssemos mais a evolução da linguagem” (FREUD, 2013, p. 312).

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essencial para o pensamento do século XX, igualmente para a história universal das ideias, que então se vê traduzido por distintas perspectivas, em termos de estilo e terminologia.

As ligações entre a psicanálise e as pesquisas no campo da linguagem, em todo caso, já contam com uma tradição profícua. Tradição muito enriquecida, por exemplo, por Jacques Lacan, em seu movimento de retorno a Freud, no qual apoiou-se em noções de linguistas e grandes nomes da literatura; ou por Bruno Bettelheim, psicanalista austríaco, em sua obra (Freud and man’s soul - 1982) na qual destrincha questões sobre o posicionamento dos primeiros tradutores ingleses de Freud. Para ficarmos por enquanto com dois exemplos basilares. Por essas vias, e na seara dessa tradição, é aspecto bem interessante observar que o próprio Freud exerceu o ofício de tradutor, transpondo para o alemão autores de diferentes campos: John Stuart Mill, na filosofia, Jean-Martin Charcot e Hippolyte Bernheim, na medicina, que o influenciaram significativamente, seja em termos de sua produção teórica ou de sua prática clínica. As relações entre psicanálise e tradução, portanto, podem se apresentar bem mais primevas que muitos imaginam, e abarcarem aspectos cujo rastreamento pode enriquecer muito a discussão em tela.

Aliás, a tradução, efetuada por Freud de parte da ensaística de Mill, demonstra o quanto o primeiro foi influenciado, ao cursar Medicina na Universidade de Viena, por seu professor de Filosofia Franz Brentano. Este, inclusive, indicou ao filósofo austríaco e erudito em obras clássicas, Theodor Gomperz, que Freud poderia traduzir alguns ensaios de Mill, expoente da tradição do associacionismo na filosofia britânica. O convite foi aceito, demonstrando indício sólido do contato mais aprofundado de Freud com a obra de tal filósofo. Então, o fundador da psicanálise, ao fundamentar e desenvolver seu conceito de representação [Vorstellung], a partir da tradição ocidental de pensamento, o faz pelas vias não exatamente das menções do mesmo feitas por seu professor Brentano em aula, ou via textos de autoria do professor, como poderia ser o caso. O que ocorre é que o contato de Freud com a obra de Mill, dado em especial pelo trabalho de tradução de ensaios, "torna-se incontestável quando Freud introduz o conceito de representação de objeto (Objektsvorstellung), uma vez que não é a Brentano que ela faz referência, mas a Mill" (de CARVALHO & MONZANI, 2015).

Na metapsicolgia freudiana, que acreditamos ter surgido em seu primeiro grande livro, Sobre a concepção das afasias, o conceito de representação vem a veicular-se qual peça basilar para a articulação de concepções ricas concernentes às características de funcionamento do psíquico. Assim, foi tendo em vista esse conceito, conforme houve o denso e tão frutífero desenrolar das ideias na década de 1890, que ele considerou a existência de

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representações inconciliáveis no âmbito psíquico – permitindo extrair conclusões psicopatológicas (e etiológicas) fundamentais para a psicanálise.

Apesar de Freud referenciar Mill, um representante de relevo da tradição do empirismo inglês, ressalta-se: o filósofo inglês mesmo não usa o termo "representação" em seu trabalho. Por crer que, se o fizesse, estaria referenciando-se ao kantismo, ou seja, ao Idealismo Alemão, algo que o tiraria da visão de mundo mais empírica. No entanto, suas ideias serviram mesmo assim de base para o conceito freudiano de representação. A noção de coisa, que aparece no documento enviado por Freud a seu interlocutor Wilhelm Fliess, em 1895, e intitulado Esboço de uma psicologia3, pode ser entrevisto qual referência à noção

kantiana de "coisa em si". Isso faz do aporte kantiano uma plausível fontepara o conceito freudiano de representação de objeto. Todavia, é diretamente de fato a Mill que Freud faz referência, deixando claro que sua perspectiva filosófica tendia mais ao empirismo, já que, apesar da possível influência de Kant, a "coisa" à que Freud se refere no Esboçotende a ter seu correspondente no pensamento do britânico mediante o que este estabeleceu como uma permanente possibilidade de sensação.

Tal concepção floresce na obra de Mill, mencionado nas referências de Freud em

Sobre a concepção das afasias. Ainda, há uma argumentação de Mill de que a realidade

concreta só é passível de ser apreendida mediante certa "crença psicológica".

Para ele, isso ocorre porque após receber sensações reais dos objetos externos, a mente forma sensações possíveis, um processo que, baseando-se na psicologia de Hamilton, Mill chama de “expectativa” (Mill, 1979 [1865], p. 170). Nesse processo, as sensações reais são entendidas como fugazes, ou fugitivas, ocorrendo apenas mediante a presença dos objetos externos, enquanto que as sensações possíveis são entendidas como permanentes, significando que o objeto não precisa estar disposto em dado momento para que posteriormente na mente apareçam sensações que ele forneceu (cf. Mill, 1979 [1865], p. 180). Assim, as sensações possíveis permanentes podem ser entendidas como correlativas ao que Freud entende como representação de objeto ao passo que em ambos os entendimentos há a suposição de que as sensações são apreendidas por meio da referência a um objeto e este pode ser evocado posteriormente sem a sua presença (de CARVALHO & MONZANI, 2015, p. 803).

Como outros autores de sua época e, de certo modo, o próprio Kant, Stuart Mill pretende sustentar que apenas seria plausível apreender a realidade de maneira relativa pelo fato de não haver como conceber em total integridade os objetos externos que a constituem. Os objetos exteriores não são apreensíveispor via factualmente objetiva, já que o que é mesmo

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absorvido pelo observador são as sensações recebidas pelos órgãos dos sentidos. Destarte, são as sensações que dão esteio para que surjam as ideias, estas, por sua vez, para alguns pensadores britânicos (Hume, Hartley, James Mill e mesmo Stuart Mill), associar-se-iam para compor os fenômenos mentais. “Exceto Stuart Mill, esses outros filósofos pensavam que as associações de ideias ocorriam por meio de um processo mecânico, o que significa que para obter-se uma ideia de corpo, por exemplo, é preciso apenas somar as ideias de cabeça, braços, pernas e assim por diante” (de CARVALHO & MONZANI, 2015, p. 804).Mill depreende que a associação de ideias ocasiona ideações distintas das que configuram simplesmente sua soma. Por tal vislumbre, ele igualmente propõe que a causa para determinado fenômeno não é encontrável mediante a busca de seus antecedentes – que, claro, estão conjugados à causa – porém não efetuam o fenômeno senão compondo o conjunto de todos os antecedentes, conjunção por ele nomeada como "condições". Tal maneira de entender os fenômenos interfere na compreensão sobre a psicologia que o britânico apresenta. Na esteira de Brentano, “Mill também defendeu a cientificidade da psicologia argumentando que essa disciplina pode ser científica sem necessariamente recorrer a uma base conceitual exclusivamente fisiológica”(de CARVALHO & MONZANI, 2015, p. 804).Igualmente, Mill não assimilava as ideias do fundador do positivismo francês Auguste Comte, que negava o rigor metodológico e científico da psicologia pelo fato de ver os fenômenos psicológicos como meramente ligados aos fisiológicos, então o estudo de fato de interesse seria o destes últimos. Noutra via, ele entende que a fenomenologia mental não está reduzida à fisiologia, pois a fisiologia mesma não dá conta de tal redução. Assim, os processos psicológicos ocorreriam por sucessões – cujas leis caberia à psicologia elucidar. Desse modo, a fisiologia não precisa ser olvidada, mas cabe à psicologia encontrar as explicações às sucessões que ocorrem nos seres humanos, para além dos planos anátomo-fisiológicos.

Fala-se, nessas vias, de um filósofo cujo trabalho Freud conheceu bem, em especial, por meio de uma tradução que realizou, o que veio a inegavelmente influenciá-lo, inclusive na defesa epistemológica do caráter e autonomia científicos de sua psicologia profunda4.

Porquanto, mesmo que Freud não apresente manifestações diretas que confirmem a influência de Stuart Mill, “em termos de sua concepção sobre a cientificidade da psicologia, não nos parece que sua interação com a obra do britânico restrinja-se à referência de seu conceito de representação de objeto” (de CARVALHO & MONZANI, 2015, p. 804). Inclusive, ao

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tomarmos em conta os desdobramentos plausíveis, no âmbito epistemológico, que tal conceito requer, na obra freudiana. Pois, ao cogitar sobre as representações de objeto qual ocasionadas pelas sensações, ele coloca em foco uma atitude filosófica atrelada à estratégia empirista; tanto numa perspectiva gnosiológica quanto no que tange às formulações sobre o campo psíquico.

É interessantíssimo também notar que o filósofo britânico busca apresentar certa teorização que não se sintoniza com a possibilidade de poderem aportar proposições conhecíveis a priori. Para ele, o conteúdo cognitivo legítimo surgiria somente a posteriori. Trata-se de filosofia que então apresenta larga crença no Naturalismo. Desenvolvendo-se, daí, o ceticismo e o empirismo. O empirismo é marca fundamental do trabalho freudiano. O que resvala na primazia da clínica para o desenvolvimento da psicanálise, que, como Freud foi tecendo, formula não exatamente uma teoria, mas uma prática teorizada, proveniente da percepção empírica dos fatos discursivo-sintomáticos em consultório. Inicialmente na formulação de uma clínica das neuroses; o que possibilitou todos desenvolvimentos posteriores, como, por exemplo, os grandes textos culturais de Freud; em todo caso, aliás, sem jamais perder o escopo de enriquecer a reflexão empírico-clínica de todo analista que venha a consultar mesmo os textos mais metapsicológicos, ou especulativos do mestre vienense5.

Trata-se, então, da leitura de um grande filósofo, e de um processo de tradução de certos ensaios seus, que deixa marca indelével no caminho freudiano, e nas bases mesmas da construção do tecerclínico-teórico6. Desse modo, outra relação, da qual resultou igualmente

um processo de tradução, remete à influência exercida por Jean-Martin Charcot, e sua obra, sobre Freud.

O magistral tradutor inglês de Freud, James Strachey, relata, em sua nota introdutória ao Prefácio à tradução de Leçons sur les maladies du système nerveux:tome troisième, de

5 Ao nos referirmos aqui a Freud como mestre, trata-se, muito mais do que um sentido absolutamente

dogmático, referi-lo como um autor de fato cardeal para o campo analítico. Nele, estão as bases desse campo e os principais aspectos de sua instauração. Retomá-lo, seja acerca de sua primeira ou segunda tópica, torna-se sempre premente ao psicanalista em sua formação continuada. Falamos então de um mestre, na significação de uma obra referencial, sempre rica de nuances para a reflexão analítica, além de um clínico fundador, que pôde correr os riscos técnicos pela primeira vez, e tão bem deles sempre falar e instigar questões sobre nosso lugar, em nosso ofício.

6 Em todo caso, os grandes epistemólogos freudianos não chegam a esmiuçar sobre a possível influência de

Mill em suas obras. Pensamos, apesar disso, que a hipótese de Carvalho e Monzani pode ser pertinente, devido à atenção e tempo que Freud dedicou em sua formação inicial a tal filósofo. No entanto, é assunto bastante em aberto para debate, cuja pesquisa de fato precisaria ser mais bem confirmada. Ao mesmo tempo em que a pesquisa de Carvalho e Monzani é bem embasada e as relações conceituais que faz não soam forçadas. Em nosso trabalho, por consequência, nos fiamos em sua hipótese para começar a pensar sobre as relações ente psicanálise e tradução, juntamente a algumas de suas possibilidades e decorrências.

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Charcot – breve prefácio feito por Freud à sua tradução do autor francês – que três de tais conferências falam sobre as afasias, tema que se tornaria a base do mencionado primeiro grande livro de Freud, ainda na época neurofisiológica, anterior à criação da psicanálise. "Em um breve comentário, Freud mostra que já estava especialmente interessado no assunto, sobre o qual, cinco anos depois, escreveria sua monografia" (STRACHEY, 1996, p. 53). Nesta, refere-se a tais conferências e sintetiza a perspectiva de Charcot. "Conta-nos Jones (...) que Charcot recompensou Freud pela tradução, dando-lhe de presente uma coleção completa de suas obras, encadernada em couro, com esta dedicatória: ‘A Monsieur le Docteur Freud, excellents souvenirs de la Salpêtrière. Charcot’” (STRACHEY, 1996, p. 54

Assim, em seu próprio texto, Freud mostra que um empreendimento como a tradução de um autor tão relevante dispensa justificativas. Mas resolve destacar as circunstâncias de que adveio a tradução:

No inverno de 1885, quando cheguei ao Salpêtrièrepara uma permanência de quase meio ano, constatei que o professor Charcot (então pelos seus sessenta anos, trabalhando com o vigor da mocidade) se havia afastado do estudo das doenças nervosas que se baseiam em alterações orgânicas e estava-se dedicando exclusivamente à pesquisa das neuroses - e, em especial, da histeria. Essa mudança relacionava-se com as modificações (...) que se efetuaram nas condições do trabalho e do ensino de Charcot, em 1882 (FREUD, 1996, p. 55).

Após um choque inicial, ao ver Charcot utilizar-se da hipnose para provar a origem psíquica, e não anatômica, dos fenômenos histéricos, Freud pode avaliar a importância clínica do que o grande médico francês estava a desempenhar, e em decorrência veio a pedir que o mesmo lhe permitisse traduzir para o alemão as conferências que contivessem tais novas teorias. Nelas, acrescentou notas com informações dos pacientes fornecidas pelo mestre francês. O núcleo de tal trabalho remete a uma nova visão sobre a histeria, de que seus sintomas somáticos provêm de fatores psíquicos, e não apenas corporais, como antes se acreditava plausível. Isso influenciaria a visão global de Freud sobre o conceito de inconsciente, qual instância psíquica que se manifesta simbolicamente, inclusive em nosso corpo, mediante, por exemplo, sintomas somáticos de origem desconhecida ao paciente, e de significação infantil e sexual, como o referido autor atesta primeiramente em seus citados

Estudos sobre a histeria formatando-se, destarte, uma temática que não só estaria na base,

mas atravessaria toda a obra freudiana como mote de discussão em diversos matizes de desenvolvimento conceitual e discussão clínica.

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Segundo Freud, poder-se-ia esperar que viesse a se abrir uma nova era na conceituação de tal neurose ainda pouco pesquisada "e, a rigor, denegrida" (FREUD, 1996, p. 55). Desse modo, pode-se vislumbrar como o encontro com Charcot foi decisivo para o desenvolvimento freudiano, inclusive por esse fator das traduções realizadas pelo criador da psicanálise, que o tornou ainda mais íntimo da obra do mestre francês, com o qual igualmente estreitou o diálogo sobre a clínica, para, por exemplo, acrescentar ao texto das conferências em alemão notas sobre os historiais dos pacientes. Ainda, como coloca Adam Phillips, em seu trabalho biográfico intitulado Becoming Freud (Tornando-se Freud[2016]), Charcot se queixou de uma perda de contato com o tradutor alemão de suas conferências, e que ficaria contente se alguém aceitasse fazer tal trabalho acerca de um novo volume que pretendia publicar. Freud o escreveu e se ofereceu para tanto. A oferta foi aceita, e Freud se tornou em decorrência um colega mais próximo de Charcot, visitando sua casa, sua família, e a intimidade desses textos em questão. É interessante notar, segundo Phillips, que este é um episódio fundamental no percurso freudiano, e que a ideia de tradução se tornaria, ao longo da constituição da psicanálise, uma das analogias referentes ao trabalho da psique, e para a tarefa do psicanalista.

Nessa linha da temática sobre a hipnose, já que nas demonstrações que Freud assistiu de Charcot, este usava deixar o paciente em estado hipnótico para, então, via sugestão, levar ao desaparecimento ou modificação da sintomática manifesta no corpo, provando por conseguinte a origem psíquica dessa sintomática; encontramos que Freud também traduziu dois livrosde Hippolytte Bernheim (ROUDINESCO E PLON, 1998).

A querela de Hippolyte Bernheim com Charcot, cuja noção era de uma hipnose assimilada a um estado patológico, e usada não exatamente para tratar sintomas, mas influenciá-los, sendo capaz, por exemplo, de ocasionar crises convulsivas e atribuir à histeria um contexto de neurose; dizia então respeito a acusar o mestre da Salpêtrièrede manipular os enfermos e criar sintomas artificialmente. Apartando-se da visão de Charcot, formou com Liébeault, Beaunis e Liégeois, a Escola de Nancy, que por uma década combateu a Salpêtrière. Neste âmbito, Bernheim veio a afirmar que as decorrências conseguidas com o hipnotismo podiam igualmente ser alcançadas por sugestão em estado de vigília. O que viria a ser denominado: psicoterapia (ROUDINESCO E PLON, 1998). A seu modo, posteriormente, Freud criou a psicanálise.

Freud visitou Bernheim e Liébeault em 1889, junto a Anna von Lieben (Frau Cäcilie, paciente apresentada nos Estudos sobre a histeria). Em decorrência, testemunhou

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experiências impressionantes e se decidiu até por traduzir o trabalho de Bernheim (ROUDINESCO E PLON, 1998). Assim, vemos como os processos e o envolvimento com as atividades de tradução influenciaram Freud em seu caminho, e, portanto, a criação da psicanálise mesma, o que nos torna possibilitados a melhor vislumbrar como os âmbitos da psicanálise e da tradução possuem uma relação muitas vezes mais estreita do que se pode imaginar, se não ocorre um maior aprofundamento neste tema ou, como vimos, sem um maior conhecimento da trajetória biográfico-intelectual de Freud mesmo.

1.1 SOBRE ALGUMAS QUERELAS

O psicanalista francês Jacques Lacan, ao longo de seu ensino, criticou o trabalho da portentosa, e sólida, Standard edition of the psychological works of Sigmund Freud7. E esta

veio a se configurar como uma das críticas mais significativas e referidas do século XX. Como aventaremos e desenvolveremos em certos momentos desta tese, Lacan apontou o ressaltado tom cientificista dessa primeira grande edição inglesa, no senso de tentar atribuir ao texto freudiano um estilo mais assimilável pela comunidade médico-científica. O importantíssimo tradutor inglês, James Strachey, apresenta um estilo de escrita que é ao mesmo tempo científica e de expressão límpida, na apresentação do conteúdo conceitual, e de vocabulário bem erudito. Mas o estilo de Freud, no alemão original, como o próprio Lacan, dentre outros, aponta, é de assimilar vocábulos mais do senso comum e lhes atribuir sentidos técnico-teóricos. Seu estilo, no alemão, é de bela tonalidade literária, o que rendeu a Freud inclusive o Prêmio Goethe de Literatura; mas de escolhas vocabulares mais acessíveis e fluidez textual. A edição inglesa é mais erudita, e existem nela, como apontaremos à frente em nosso trabalho, tentativas de preencher e clarear o pensamento de Freud, em momentos em que o texto fonte é mais informal, e não tão preocupado com preencher todos os detalhes do raciocínio apresentado, de forma científico-positivista.

Em caminho similar ao de Lacan, o psicanalista austríaco Bruno Bettelheim teceu suas questões acerca da Standard, mediante o volume Freud and man's soul (Freud e a alma do homem), no qual mais se concentra no que tange à tradução do vocábulo germânico Seele, alma, em comparação à opção dos britânicos por mind(mente), destacando o aspecto poético, e não cientificista, do termo escolhido por Freud para falar, por exemplo, de um aparelho

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psíquico, um aparato de alma, que remete à visão mais poética de uma alma insondável, um psiquismo que sempre resvala nas malhas do irrepresentável atinente à experiência humana, e que remete à visão poética sobre a subjetividade do Romantismo Alemão; que se propõe a falar em literarura, e até filosofia, do inefável mesmo que se apresenta na experiência humana, percorrendo os planos irracionais de nossa experiência existencial. Assim, Bettelheim também se tornou uma grande referência crítica quanto aos padrões cientificistas incrustados na Standard; e sobre esta obra do analista austríaco e algumas de suas implicações e visões conceituais de relevo, também apresentaremos maiores desenvolvimentos no ampliar-se de nossa tese.

Ao longo do século XX, conseguintemente, desenvolveram-se várias querelas acerca das traduções do corpus freudiano. Em 2010, esta obra entrou em domínio público, o que reavivou o debate sobre as possibilidades tradutórias. Isso inclusive tem gerado novas edições, não só dos principais textos, mas de toda a produção de Freud; no Brasil e no mundo. Uma nova edição que apresenta um aspecto bem original, que discutiremos em um capítulo específico, é a da Penguim Books inglesa, coordenada pelo psicanalista britânico Adam Phillips. Também discutiremos vários pontos sobre as edições brasileiras, atuais, posteriores a 2010, e igualmente sobre aspectos da versão brasileira da Standard. Desse modo, já no capítulo seguinte, detalharemos sobre os aspectos históricos desses debates, e das traduções que discutiremos neste trabalho, visando observar, mediante traduções do principal livro de Freud, die Traumdeutung, a possibilidade de perceber como o posicionamento do tradutor de Freud pode influenciar no modo de clinicar do psicanalista, que, em seu estudo, consulta uma ou outra tradução, e tem, assim, seu manejo clínico plausivelmente influenciado por tal leitura. Portanto, visamos atingir a discussão clínica, pensando em presumíveisdecorrências das traduções, em seus aspectos de terminologia e estilo, atingindo o clínico mediante o posicionamento do tradutor de Freud que ele venha a consultar, para estabelecer e aprimorar sua formação técnico-teórica8. E, também, pensar em como uma tradução poderia mais se

8 Sabe-se que a formação do psicanalista é sustentada por um tripé: a análise pessoal, a mediação de uma

instituição ou escola (o que inclui, por exemplo, a supervisão clínica em grupo e o estudo teórico), e a supervisão clínica de casos realizada sob a escuta de outro psicanalista. Assim, os estudos pelas traduções de Freud acontecerão por meio das instituições, ou constituirão estudos pessoais, para que haja maior reflexão sobre os casos clínicos, através da ampliação do conhecimento dos conceitos freudianos, ou para, em todo caso, maior aprofundamento mesmo nesses conceitos. Quanto às instituições de psicanálise, por exemplo, as questões de tradução de Freud permeiam, de maneira mais direta ou indireta, as discussões e temáticas de cada escola, sendo uma questão dentre outras que a escola pode tratar de forma direta, ou que pode se imiscuir nas discussões sobre paradigmas ou visadas técnicas de forma não tão clara; mas estando ali a falar devido aos fatores conceituais, já que cada perspectiva sobre a tradução de Freud, que influencia a(s) escola(s), não é algo que desapareça, mesmo que outras temáticas sejam postas em pauta. De maneira

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aproximar de propiciar o acontecimento de uma clínica mais fiel às propostas de fato freudianas, tornando-se, portanto, uma práxis mais freudiana de fato,por meio de uma fidelidade maior, melhor desenvolvida, face aos planos conceituais e pensamento técnico do mestre vienense. Pensamos tratar-se de um tema que resguarda em si considerável relevância, pois, o tradutor brasileiro de Freud, Luiz Alberto Hanns, ressalta acerca da importância das nuances sobre traduzir Freud, em tais quesitos: "as implicações teóricas e clínicas destas diferenças não são poucas" (HANNS, 1999, p. 14). Sobre a pulsão, por exemplo, observa que esta "não é só uma questão teórica, mas também uma questão clínica diretamente relacionada ao conflito psíquico e à intervenção psicanalítica - ainda num de seus últimos escritos, Freud fala de um 'tratamento psicanalítico dos conflitos pulsionais'" (HANNS, 1999, p. 15). Tema já bastante tratado, mas que aqui retomamos para falar de duas escolhas específicas, uma que trata a pulsão de forma mais coloquial (impulso), ou, de outra parte, etimológica (drive), e sobre como discutir não apenas a revisão do conceito de pulsão, já tão realizada, mas as implicações conceituais das escolhas tradutórias que, cada uma mesmo que obedecendo certa intenção, podem precarizar a visão sobre o conceito, como pensamos mais sobre o caso da opção em português por impulso, o que discutiremos melhor num capítulo sobre o trabalho da germanista inglesa Joyce Crick, e o do germanista brasileiro Renato Zwick, no que concerne a transpor a Traumdeutung.

Na seção a seguir, exporemos a metodologia aplicada em nossa pesquisa.

1.2 METODOLOGIA

1.2.1 Objetivo geral

Esta tese tenciona discutir as influências das traduções de Freud no que diz respeito ao fazer clínico do psicanalista, ou seja, discutir por que e como as maneiras de os tradutores trabalharem com Freud, em termos de seus posicionamentos intelectuais e perspectivas técnicas, remete a modos de influência sobre o psicanalista, em seus meios e modos de

que a cada passo da formação do analista, onde se discuta os conceitos freudianos, acontecerão vieses mais ou menos diretos sobre traduzir-se Freud, já que serão debatidas as semânticas possíveis atreladas às suas palavras. Sempre que as palavras de Freud estiverem em jogo, estarão em jogo possíveis perspectivas tradutórias; e isso se acentua, é claro, se os analistas produzem tais discussões em idiomas que não são o idioma fonte. Abarcar os conceitos e aprofundar-se nos mesmos é tentar transpor o que Freud quis dizer em sua língua original. Todo psicanalista se forma então por meio de alguma perspectiva conceitual-tradutória concernente à textualidade freudiana original.

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escutar, intervir junto ao paciente e obter vislumbres sobre diagnósticos. Trata-se de desenvolver certo estudo, porquanto, sobre como a estilística e a terminologia adotada pelos tradutores de Freud, devido a seus posicionamentos, podem ou tendem a influenciar, pela recepção de tais textos vertidos, a prática diária de consultório dos psicanalistas. Sendo que estes consultam tais obras em seu estudo ou formação clínica, e sobre as mesmas discutem, aproximando-se ou distanciando-se da visão funcional mesma de Freud no original, tendendo a adotar, em decorrência, uma ou outra visão acerca de sua própria práxis. Para tanto, recorre-se à Teoria Funcionalista de tradução, que nos auxilia a pensar as condições mais adequadas de um tradutor de Freud, no reconhecimento das funções do texto base e a serem bem visadas também no texto meta, na relação do texto vertido com o público com o qual se comunica, e sobre as maneiras de que a feitura do texto meta seja mais bem pensada e elaborada.

1.2.2 Objetivos específicos

1. Sustentar sobre a existência de um diálogo entre tradução e clínica psicanalítica, proveniente das traduções de Freud.

2. Demonstrar as influências históricas e conceituais sobre diferentes tradutores de Freud, e discernir como tais influências determinaram suas formas de laborar com o corpus freudiano, em especial no concernente a seu principal livro, Die

Traumdeutung, e dois capítulos que dele elencamos como basilares para o

embasamento de nosso trabalho: o II e o VII.

3. Estudar as tradições de recepção das traduções de Freud e pensar, pela perspectiva teórica do Funcionalismo, as incidências e aspectos destas, conforme se analisa como os textos vertidos têm sido pensados, para quais perspectivas funcionais, e como esses procedimentos têm influência sobre o psicanalista, em especial sobre sua prática.

1.2.3 Justificativa

As traduções de Freud têm sido alvos de discussão ao longo do século XX, e também na entrada do século XXI. Seu trabalho, além de ressoar em vários campos das produções humanas, como a antropologia, a arte e a filosofia, por exemplo, atinge uma determinada forma clínica que por ele foi criada e teve suas bases estabelecidas. Essa criação, proveniente de sua experiência de consultório, acontece desde então como processo para vários pacientes

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(ou, conforme a perspectiva, analisantes), estando relacionada à formação e estudo de inúmeros analistas em diferentes lugares no mundo. Considerável parte destes analistas conhecem seu labor e proposições mediante diferentes traduções de seus textos, e isso ressoa em suas leituras, discussões, conjecturas e pontos de vista acerca da psicanálise. Sendo assim, uma tradução de Freud, conforme o posicionamento do tradutor que a execute, pode influenciar o profissional, e até mesmo sua escola ou instituição de formação, mediante a terminologia e estililística adotadas nela. Esta influência, ao incidir sobre o ponto de vista do psicanalista acerca da psicanálise, o atinge também, enquanto clínico, na prática teorizada com a qual lida. Tal incidência o colocará em diferentes posições quanto à condução e manejo dos processos dos sujeitos que escuta em consultório. Estudar os posicionamentos dos tradutores de Freud, suas razões históricas e intelectuais, é estudar como o conjunto textual que chega aos analistas se apresenta como influência para suas clínicas, pela leitura direta ou discussão de tais textos nos âmbitos de formação. Discutir as traduções de Freud não é discutir somente teoria, mas o posicionamento prático que o analista ressoará, e isso se vincula à condução e intervenção sobre vários sujeitos em processos analíticos. Como pensar essa questão, então, é pensar sobre como tais sujeitos podem ser escutados, e como a psicanálise pode questionar ou intervir sobre seus posicionamentos ou procedimentos em suas próprias vidas. Pelo valor prático e ressonante na vida de tantos sujeitos (destas questões), este estudo e discussão se afiguram como aspectos importantes sobre as traduções de Freud e suas consequências no mundo da psicanálise. Em especial no que remete à prática desta com cada um, e se vincula aí com a situação fundamental de Freud: ter a clínica como lugar primordial para pensar seu labor técnico e conceitual; aspecto ao qual inclusive outros clínicos, mesmo depois dele, não têm como se furtar, pois com cada sujeito terão de pensar a prática analítica, e como podem ser entrevistos e aplicados ali os conceitos freudianos.

1.2.4 Pergunta-problema

Seria possível estabelecer que as traduções de Freud, mediante os posicionamentos de seus tradutores, influenciariam os psicanalistas que as consultam, em sua formação e estudos, em seus meios e modos de clinicar; tendo em conta como tais textos e suas recepções incidem sobre as intervenções e perspectivas técnicas desses analistas?

No próximo item, demonstraremos a relação de uma teoria da tradução com o escopo de nosso trabalho.

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1.3 FUNCIONALISMO E FREUD

No artigo Tradução como ação comunicativa: a perspectiva do funcionalismo nos

estudos da tradução, as professoras Silvana Ayub Polchlopek, Meta Elisabeth Zipser e Maria

José R. Damiani Costa (2012) apresentam que os termos “função” e “funcionalismo” podem ser usados em muitos campos do saber, como a matemática, a física, ou dizer respeito à utilização de um objeto ou, ademais, por exemplo, o atributo de determinado vocábulo ao longo de alguma oração. Conceituá-lo envolve questão árdua, e tema que deve ser avaliado conforme o contexto. Em relação aos estudos linguísticos, vemos que o Funcionalismo aponta para a primazia da função comunicativa, angariada por determinadas estruturas linguísticas, no tocante ao intento pragmático do usuário da língua e da análise estrutural atinente a tal função. “Em outras palavras, ser funcional (ou funcionalista) implica quatro questões básicas: para que eu quero dizer isso (função comunicativa da mensagem); por que quero dizer isso (intenção pragmática); como vou dizer isso (estruturas que servem a essa intenção) e para quem eu digo isso (o interlocutor)” (POLCHLOPEK; ZIPSER; COSTA, 2012, p. 22). Assimila-se, daí, que se trata de obter em conta que um canal de comunicação não é isento; no tangencial à fala ou à escrita, é prenhe de intencionalidade. E isso se explicita na maneira como a linguagem é edificada para atentar aos propósitos dos interlocutores. Fala-se de processo não ideal (pela tríade comunicativa emissor-mensagem-receptor), pois as situações em que mensagens são transmitidas não se fundam em padrões únicos, o que faz com que as estruturas, a intenção, e a função da fala ou da escrita se transmudem em sintonia com as posições tidas pelo interlocutor final, ou seja, sua prática social e as nuances contextuais em que se encontra.

Como escola linguística, o funcionalismo nasceu na década de 70 e teve seu auge nas décadas de 80-90. Opondo-se às abordagens formalistas como a da gramática gerativa e a estruturalista, voltadas para a transparência na forma, nos constituintes da oração e nas relações entre eles, nos ‘conjuntos de frases, sistemas de sons e signos’ (NEVES, 2004), o funcionalismo passou a se preocupar com as situações comunicativas, isto é, com todos os eventos em que a comunicação poderia ocorrer (uma conversa telefônica; carta; palestra; aula; artigo, etc.). Sendo assim, uma das questões centrais dessa nova vertente foi compreender a “competência comunicativa” (NEVES, 2004, p. 44), ou seja, verificar como os usuários da língua se comunicavam com eficiência (POLCHLOPEK; ZIPSER; COSTA, 2012, p. 23).

Assim, atrelada à perspectiva de competência, encontrava-se certa noção de linguagem como instrumento de interação social, tencionado para estabelecer comunicação;

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dinamicamente, e permitindo às necessidades comunicativas responderem às modificações linguísticas e, decorrentemente, cumprirem funções e intenções embebidas na mensagem. O idioma é visado, então, qual produto social, e entender seu funcionar é ecoar o processo comunicativo a se dar em concordância com as necessidades dos interlocutores, face às exigências situacionais nas quais transcorre o evento comunicativo. O texto é, porquanto, entendido na prática social, por estar mergulhado na intencionalidade dos usuários da língua, e ainda, por advir das inter-relações entre os sujeitos em constante processo de construção, reconfiguração dos sentidos.

O Funcionalismo estuda o uso junto ao contexto da linguagem. “Visto que só é possível construir sentidos a partir do ato comunicativo quando os interlocutores compartilham o assunto, a situação e compreendem (ainda que intuitivamente) o uso de determinadas estruturas em detrimento de outras, como é o caso de piadas e ironias, por exemplo”(POLCHLOPEK; ZIPSER; COSTA, 2012, p. 24). Em tal senso, função remete a uma perspectiva sociocultural da língua, relacionando também a forma e o significado, além do sistema formal e a situação.

Na ambiência dos estudos da tradução, a mudança mais significativa que o Funcionalismo aponta remete ao processo de produção textual, e igualmente ao conceito de texto. “Segundo Nord (1991,1997), Reiss e Vermeer (1996) o processo de tradução passa a ser guiado por um propósito, designado por Vermeer através da palavra grega skopos e é esse propósito que, uma vez estabelecido, deve ser alcançado na cultura alvo”(POLCHLOPEK; ZIPSER; COSTA, 2012, p. 26), mediante uma série de atribulações que o tradutor passa a gerir, no procedimento de produção textual, continuamente obtendo o leitor final em tela.

Em tal via, o que interessa não seria a equivalência ou a fidelidade total ao texto-fonte, mas se a tradução foi apta a cumprir ou não as necessidades do seu solicitador – tradutor, autor ou outro sujeito que não necessariamente produziu o texto – de modo adequado ao seu leitor e contexto final. Assim, a tradução passaria a se presentificar enquanto texto independente na cultura de chegada9. Em todo caso, para o Funcionalismo, trata-se da

9 No caso de pensar-se Freud, como se dá em nosso trabalho, sua tradução sempre acaba tendo como leitor,

ou contexto final, entre demais leitores, em diferentes áreas, discentes dos cursos de psicologia, estudiosos das aplicações da psicanálise em instituições (onde também se apresentam perspectivas clínicas), sujeitos com interesse em algum momento realizar uma formação psicanalítica e, em especial, os psicanalistas. Sendo assim, nosso texto procura pensar como a mensagem freudiana chega a este recorte: o psicanalista que consulta uma tradução de Freud, já que, como for, a tradução deste autor, qualquer uma delas, poderá ser vista como fonte de informação ao psicanalista, ao clínico, que talvez não conheça o escopo de quem a encomendou, e mesmo assim lê-la como fonte de estudo e reflexão. Claro que existem diferentes objetivos

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premência de perceber-se que o público receptor pensa, sente, observa e julga o mundo por meio de sua própria perspectiva, tendo ou não algum grau de conhecimento relativo ao texto traduzido. Essas temáticas têm de ser gerenciadas no andamento da tradução de maneira que o texto referente seja bem entendido por seus novos leitores, ou seja, fala-se de que possam formar sentido, conceber novos conhecimentos através do texto. Por outra vereda, se se desconsiderar os pressupostos angariados pelo Funcionalismo, “o que se pode garantir é apenas a possibilidade de o leitor decodificar o código escrito, ato que destitui a língua de sua dinâmica transformadora e priva o texto da sua função de prática social comunicativa” (POLCHLOPEK; ZIPSER; COSTA, 2012, p. 26). Isto colocado, o Funcionalismo oferta uma visão distinta para o texto; trata-se de um ato comunicativo, tal qual os atos de fala e, então, prenhe de significações para fora das margens da página e até mesmo das especificidades culturais de seu contexto de produção ou recepção. Constitui-se uma oferta informativa que deve alinhar-se a um conceito de adequação ou adaptação do texto ao novo leitor. A língua, sendo peça integrante da cultura, é propícia a nos fazer atentar para a situação-em-cultura, ou seja, observa-se a relevância das questões culturais acerca do ato tradutório, seja no tangível ao contexto que a produz ou ao que a recebe.

A troca de símbolos e significados entre contextos sociais distintos é chamada por Christiane Nord (2019) de comunicação intercultural. O ponto a ser entrevisto é o de que, integrados na mesma cultura, emissor e receptor intercambiam sem maiores problemas; entretanto, ao pertencerem a comunidades culturais distinguidas, pode haver a necessidade de um mediador apto tanto a estabelecer como a manter a comunicação entre os interlocutores. No Funcionalismo, o tradutor adquire ainda um desempenho mais acentuado e humanizado, à parte do labor mecânico existente em demais teorias. Para além de bem conhecer os idiomas envolvidos, é essencial que seja bicultural: angariar um considerável conhecimento concernente aos fenômenos culturais dos contextos embutidos no processo tradutório – contexto de criação do texto referente e de recepção do texto traduzido. Isso para que as intenções do autor do texto referente sejam preservadas e claramente percebidas (em nosso trabalho, é ponto crucial discutir então as intenções de Freud, e como bem discutir suas ideias a partir do que se mostra como mais importante no desenvolvimento de sua obra à volta da prática teorizada que veio a chamar de psicanálise; aqui, vemos que nosso texto alinha-se com

e encomendas de diferentes traduções de Freud, o que aqui defendemos é que, como mais desenvolveremos ao longo de nosso texto, o escopo clínico é inerente à sua obra e à constituição desta, tratando-se de tópico inescapável para sua apreensão e possíveis usos, pois a perspectiva de sua obra, e de seu principal público, tende, em grande parte, a sempre apontar para uma ambiência relativa a questões clínico-funcionais.

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as ideias de Nord acerca de ter-se sempre em observação a visada do autor do texto fonte, além do que se configura como capital ao entendimento conceitual e cultural da textualidade do último). A figuração do tradutor adquire uma maior preponderância conforme ressalta fatores pragmáticos e culturais da língua, enlevando o teor específico da competência tradutória como aspecto que ultrapassa a proficiência linguística, atingindo a proficiência coligada às particularidades culturais das ambiências sociais postas no fazer tradutório. Assim, o tradutor é tido por Nord como um receptor crítico, em sua habilidade de manejar as nuances culturais, ao mesmo tempo: de agir como mediador entre duas codificações, razão devido à qual está sempre em intenso trâmite entre as culturas envolvidas – e o receptor, atuante indiretamente no processo de configuração textual.

No artigo O modelo funcionalista de Chritiane Nord aliado ao dispositivo de sequências didáticas: norteamentos para o ensino de tradução, de Valdecy de Oliveira Pontes e Livya Lea de Oliveira Pereira (2017), encontramos que, por considerável período, o ato tradutório foi concebido pela pauta de uma perspectiva formalista, isso tratava a tradução, frequentemente, qual correspondência linguística; nas circunstâncias frasais e lexicais, e, por mais, almejava-se o manejo do significado – sentido – constituinte do texto base, original. Diante disso, na década de 1970, atendo-se à influência da perspectiva linguística funcionalista, para mais do que o desenvolvimento da pragmática linguística, sociologia e antropologia cultural, vem à tona, no campo dos Estudos da Tradução, "a vertente alemã conhecida como Teoria Funcionalista da Tradução ou Tradução Funcionalista" (PONTES E PEREIRA, 2017, p. 2129). Esta busca se desgarrar do exclusivamente linguístico para assimilar fatores contextuais, culturais e interacionais na tradução. Em tal teoria, não se traduzem significantes isolados, mas funções comunicativas. “Para a Tradução Funcionalista, o texto é entendido como um evento comunicativo, localizado em tempo e lugar, que possui, pelo menos, dois interlocutores em condições apropriadas e dispostos a se comunicar para alcançar um objetivo concreto" (PONTES E PEREIRA, 2017, p. 2129). Assim, como atesta Nord (2012), já os primeiros tradutores da linha alemã concordavam que, destituído de uma análise apropriada do texto, o tradutor jamais estará apto a assimilar todos os seus aspectos, menos ainda, vertê-los. Com tais pontos vistos, obtendo em conta que essa análise se ampara na compreensão larga e aprofundada do texto (igualmente facilitando a feitura de decisões pelo tradutor), Nord (2012) apresenta certo modelo de análise pré-translativo, que observa planos intra e extratextuais, para além das consequências comunicativas; do texto base (TB) e texto meta (TM).

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Sobre a teoria enfocada, Reiss e Vermeer (1996), dois dos maiores teóricos e divulgadores da Tradução Funcionalista – postularam os seguintes conceitos basilares desta vertente:a translação encontra-se sob função de seu Skopos (objetivo, finalidade), a translação é determinada mostra informativa em uma cultura final, e em sua língua, acerca de certa oferta informativa, proveniente de uma cultura de origem, e de sua língua. A oferta informativa de uma translação se ampara qual transferência que refaz a oferta informativa de partida10. A reprodução não é reversível de maneira unívoca. "Tais conceitos, segundo os

autores, estão ordenados hierarquicamente, isto significa que, nessa perspectiva de tradução, o objetivo ou finalidade da translação determinará todo o processo translativo" (PONTES E PEREIRA, 2016, p. 347). Assim, nota-seque, nessa concepção, procura-se a translação do texto em seu contexto comunicativo. Devido a tanto, é feita e posta por planos culturais e contextuais de sua produção e consequente recepção – e, ainda, é compreendida como uma possibilitação de conhecimento concernente a culturas.

Contudo, embora Reiss e Vermeer (1996) tenham tido fundamental importância para a elaboração da teoria funcional da tradução, para eles, segundo Zipser e Polchlopek (2011), o texto base (TB) e o texto meta (TM)continuavam a ser vistos em polos opostos, uma vez que Reiss (1971, 1977) priorizava o TB frente ao TM, ao elaborar um modelo de translação com base na “tipologia textual” (relações funcionais e comunicativas), no qual, a identificação da função predominante no TB é o fator principal para julgar o TM, embora reconheça que a função comunicativa do TM e os seus receptores possam diferir do TB. Por outro lado, Vermeer (1978), com sua teoria do Skopos, enfoca o TM, ao propor que o propósito da translação na cultura metaé que determinará todo o processo translativo, afim de que se alcance um texto funcionalmente adequado, sem se descaracterizar o TB (PONTES E PEREIRA, 2016, p. 348).

Tendo em tela esses dois enfoques, Christiane Nord (1991) almeja certa proporção entre o TB e TM, em que a translação abarque o entendimento de ambos os textos, absorvendo, em visada, as suas características intra e extratextuais, as suas funções quanto à situação-em-cultura. Existecerto emissor advindo de uma cultura X, “que possui um propósito comunicativo expresso por meio de um texto (escrito, oral, visual) numa situação comunicativa X e há um receptor Y que pertence a uma entidade cultural Y em uma situação comunicativa Y" (PONTES E PEREIRA, 2016, p. 348). Aparece, portanto, o imperativo da

10 Em psicanálise, o conceito de transferência, Übertragung, que remete também à tradução, diz respeito ao inconsciente a se refazer, por exemplo, na relação paciente-analista. A percepção sobre o Funcionalismo pode nos remeter, então, a algo do âmbito freudiano, podendo fazer pensar sobre intercâmbios entre a proposta funcionalista mesma e a perspectiva psicanalítica do discurso, na qual, em transferência ou contratransferência, algo sempre se reproduz, trazendo alguma oferta informativa sobre o inconsciente.

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mediação de alguém ambientado simultaneamente às culturas e idiomas, tratando-se então do tradutor/intérprete. "Além disso, a autora destaca que a intervenção do tradutor é solicitada pelo emissor X, receptor Y ou por um cliente/iniciador que pode ter um propósito comunicativo pessoal" (PONTES E PEREIRA, 2016, p. 348), ou o mesmo escopo que o emissor X ou receptor Y. Desse modo, a tradução pode apresentar um objetivo comunicativo específico que talvez coincida com o dos outros participantes.

Na concepção de Nord (2012: 16) um texto é uma interação comunicativa que se efetua através de uma combinação de elementos verbais e não verbais. Logo, todo texto se situa dentro de um sistema de determinados elementos interdependentes (fatores extratextuais) que configuram a função textual. Sobre esta questão, Nord (1994: 101) explica que um texto não possui uma função comunicativa inerente, mas lhe é atribuída a partir da sua recepção por alguém, em uma situação específica, ativando suas experiências receptivas e convenções de funcionamento de certos tipos de texto. Assim, para a autora, o significado de um texto é constituído pela interdependência entre forma e conteúdo dos elementos textuais e a sua função ou funções comunicativas. Tais funções possuem a seguinte classificação:

a) função fática: serve para estabelecer, manter ou terminar contato entre os participantes da comunicação;

b) função referencial, informativa ou descritiva: se refere à representação, descrição de objetos ou fenômenos do mundo;

c) função expressiva ou emotiva: trata-se da verbalização das emoções ou opiniões do emissor acerca de objetos ou fenômenos do mundo;

d) função apelativa: pensada para conseguir um determinado efeito extralinguístico nos seus interlocutores. (NORD 1994: 101, tradução nossa) Desse modo, traduzem-se funções comunicativas e não elementos estruturais isolados de um texto (PONTES E PEREIRA, 2016, p. 349).

As funções comunicativas apresentadas são transculturais, embora, a forma de manifestação textual dependa tanto do sistema linguístico, quanto das normas e convenções específicas de cada cultura. Para a autora, a translação é a produção de um TM funcional que mantenha uma interdependência com um TB, especificada conforme o seu propósito comunicativo. Para alcançar essa funcionalidade, é necessário analisar os aspectos intra e extratextuais do TB e do TM.

Deve-se então sempre ter em conta as características de intercâmbio cultural do processo tradutório, nunca se olvidando seu impacto funcional, em termos de texto meta, conforme essa função pode ser bem delimitada para a cultura na qual o texto é vertido e pensado.

De um ponto de vista de uma teoria da tradução que ampara nosso trabalho, cogitamos, pelas veredas conceituais apresentadas, que a mais apropriada é a Teoria

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Funcionalista, que ressalta, por exemplo, a importância do fundamento sociocultural dos idiomas e culturas enlaçados nos textos a serem traduzidos, observando-se que o ato tradutório não pode efetivar-se sem obter-se em conta o contexto comunicativo entre o texto base e o texto meta. A língua é parte inalienável da cultura, pensando-se inclusive na qualidade bicultural de um tradutor mais adequado. Ainda, na teorização funcionalista, são básicos o objetivo da tradução e sua função na cultura meta. A partir disso, nossa pesquisa procura mostrar a importância de entender a terminologia e a estilística freudiana em suas linhas semânticas e, daí, em como Freud, mediante suas anassemias, produziu conceitos com palavras correntes da língua alemã, e criou seus conceitos em especial devido a problemas funcionais, a partir de sua clínica, que caminhou dos estudos dos distúrbios funcionais da expressão linguística (afasias) para o desenvolvimento do que veio a chamar de psicanálise, certa forma de pesquisa sobre o inconsciente, que se inicia buscando dar conta de fenômenos clínicos estranhos ou colocados à parte pela discussão médica, e depois pôde ser estendida a discussões sobre a incidência das questões inconscientes na cultura em geral. Em todo caso, a discussão dessas temáticas culturais também é pautada em aportes clínicos, que fazem Freud estender sua escuta do consultório para a cultura, como nos pontos quanto à destrutividade (e ao trauma) que ele discorre sobre em Além do princípio de prazer, conforme à frente mais falaremos. Sendo assim, pelo seu aspecto clínico inescapável, aventamos que uma tradução de Freud sempre deve observar como seus pontos terminológicos e estilísticos podem atingir a formação e a decorrente prática clínica do analista que a consulta, configurando-se este seu principal escopo no texto meta. Pois suas consequências práticas, vendo-se como pode influenciar a escuta do psicanalista, por suas características que a aproximem (ou distanciem) da proposta funcional-conceitual freudiana, cairão neste ponto crucial: a visada clínica.

Referências

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