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Papo de mulher, mesa de bar, cerveja na mão e briefing no guardanapo: a importância do olhar feminino no processo criativo do mercado cervejeiro

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Academic year: 2021

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ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

PAPO DE MULHER, MESA DE BAR, CERVEJA NA MÃO E BRIEFING NO GUARDANAPO:

A IMPORTÂNCIA DO OLHAR FEMININO NO PROCESSO CRIATIVO DO MERCADO CERVEJEIRO

Bruna Ferreira Esteves

Rio de Janeiro - RJ 2019

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PAPO DE MULHER, MESA DE BAR, CERVEJA NA MÃO E BRIEFING NO GUARDANAPO:

A IMPORTÂNCIA DO OLHAR E FEMININO NO PROCESSO CRIATIVO DO MERCADO CERVEJEIRO

Monografia de graduação apresentada à Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda.

Orientadora: Prof. Dr.ª Chalini Torquato Gonçalves de Barros

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Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos pelo(a) autor(a), sob a responsabilidade de Miguel Romeu Amorim Neto - CRB-7/6283.

E79p Papo de mulher, mesa de bar, cerveja na mão e briefing no guardanapo: A importância do olhar feminino no processo criativo do mercado cervejeiro / Bruna Ferreira Esteves. -- Rio de Janeiro, 2019. 83f f.

Orientadora: Chalini Torquato Gonçalves de Barros. Trabalho de conclusão de curso (graduação) -Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola da Comunicação, Bacharel em Comunicação Social: Publicidade e Propaganda, 2019.

1. Publicidade. 2. Marcas de Cerveja. 3. Feminismo. 4. Processo Criativo. 5. Universidade Federal do Rio de Janeiro. I. Barros, Chalini Torquato Gonçalves de, orient. II. Título.

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AGRADECIMENTOS

Não poderia começar esses agradecimentos sem direcioná-los às grandes mulheres que cruzam ou já cruzaram meu caminho e me ajudaram a construir cada pedaço do meu eu. Deixo aqui minha atenção e gratidão especial a algumas delas: À minha mãe, que me ensinou mais do que eu conseguiria descrever, me arrancou da bolha e me jogou no meio do mar na certeza de que eu saberia mergulhar até nas maiores das ondas. À Bianca, mãe de coração, que foi meu apoio e trampolim durante tantos anos. À Karina e Layna, amigas-irmãs, que me conhecem com a palma da mão e me fazem ser cada vez melhor só de olhá-las sendo. À Vanessa e Clarisse, que são meus apoios diários nos momentos de turbulência e calmaria, grandes inspirações tanto profissionais, quanto pessoais e, ainda, me emprestam um olhar mais bonito e generoso sobre o mundo.

Às minhas fiéis escudeiras ecoínas, Eduarda, Malu, Iohanna, Scarlett e Thayná, que são boa parte do motivo dessa enfim finalização e por terem feito dos últimos anos de praia vermelha tão suportáveis e, por vezes, até saborosos. À minha tia, minha madrinha e minhas avós por serem grandes referências. Às professoras que fizeram da passagem pela ECO um grande aprendizado, especialmente à Leila e à Maria Alice. À minha orientadora, Chalini, por toda paciência e troca. À ECO por ter me apresentado um pouco mais de perto o feminismo e seus encontros, que me libertaram de algumas prisões e amarras. E a tantas outras. Fica aqui o meu singelo agradecimento por cada abraço, colo e risada, daqueles que, ao longo dos anos, mais me pareceram aconchego de lar.

Ao meu pai pelo apoio que foi fundamental para a educação de qualidade que facilitou bastante meu percurso e me trouxe até o lugar em que me encontro hoje. À toda a minha família por toda torcida e admiração. Aos demais ecoínos componentes de uma panela que, para o meu paladar, faz a comida mais gostosa do mundo. Especialmente ao Maurício, ao Douglas e ao Felipe. À minha família cabritícia, Flávia e Pedro, que são os motivos da minha risada e leveza diária. Ao Pedro, por além disso, ser um grande parceiro de trabalho com quem aprendo e me desenvolvo como profissional todos os dias.

Aos meus guias espirituais por manterem o meu caminho sempre recheado de portas abertas. À minha mãe Yemanjá, por cuidar da minha cabeça e me manter calma mesmo nos momentos em que a energia parece mais ser tsunami. Ao meu pai Oxalá.

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(Graduação em Publicidade e Propaganda) – Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro. 83 f

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo discutir se e como o olhar feminino de dentro do processo criativo do mercado cervejeiro pode trazer uma evolução para o cenário das propagandas veiculadas por esse mercado. Por muitos anos, o mercado publicitário, principalmente o de produção dessa bebida de tradição milenar, representou as mulheres de forma estereotipada e sexualizada em seus conteúdos, mas essa é uma realidade que vem mudando cada vez mais, tendo em vista uma postura mais crítica dos consumidores e o crescimento das discussões sobre feminismo em diversas esferas da sociedade. O objetivo aqui é enxergar como essa transformação pode vir de dentro para fora das corporações, olhando não só para o discurso criado em suas propagandas, mas por quem e como esse discurso é construído. Trata-se de um mergulho por dentro das equipes, dos projetos internos que visam diversidade nos corredores da companhia e, ainda, pelo processo criativo que é responsável por construir o conteúdo publicitário. Para isso, serão analisados três objetos: a Skol, a Cerveja Feminista e a Confraria Ghoose Island Sisterhood, a partir de seis critérios estabelecidos pela metodologia: presença de mulheres na equipe, presença de mulheres em cargos de liderança, figuras femininas no processo de criação, práticas internas relacionadas às mulheres, representação da imagem das mulheres no conteúdo publicitário e discurso das campanhas publicitárias que retratam as mulheres. Além disso, a pesquisa procura relacionar os resultados da análise com dois termos utilizados durante o trabalho, o “lugar de fala” e a “autoridade da experiência” e como eles se relacionam com a importância do olhar e protagonismo feminino de dentro do processo criativo do mercado cervejeiro.

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the beer market can bring an evolution to the scenario of advertisements created by this market. For many years, the advertising market, especially the one that produces this tradicional drink, has represented women in a stereotypical and sexualized way in its contents, but this is a reality that has been changing, due to a more critical posture of women. consumers and the growth of discussions about feminism in various spheres of society. The goal here is to see how this transformation can come from within corporations, looking not only at the discourse created in their advertisements, but by whom and how that discourse is constructed. It involves diving into teams, internal projects that aim for diversity in the company's corridors, as well as the creative process that is responsible for building advertising content. For this goal, three objects will be analyzed: Skol, Cerveja Feminista and Confraria Ghoose Island Sisterhood, based on six criteria established by the methodology: presence of women in the team, presence of women in leadership positions, female figures in the process of creation , internal practices related to women, representation of women's image in advertising content and speech of advertising campaigns that portray women. In addition, the research seeks to relate the results of the analysis to two terms used during the work, the "place of speech" and the "authority of experience" and how they relate to the importance of the look and female protagonism within the creative process from the beer market.

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2 MULHER, A HISTÓRIA DA CERVEJA E O MERCADO PUBLICITÁRIO ... 10

2.1 Um Breve Relato Sobre o Feminismo ... 10

2.2 Lugar de Fala e Representação: Um Ponto de Vista Feminista ... 14

2.3 A Mulher e o Mercado Cervejeiro ... 17

2.4 A Mulher no Mercado Publicitário ... 22

3 O PROCESSO CRIATIVO, O CONTEÚDO PUBLICITÁRIO E O PROTAGONISMO FEMININO: UMA LUTA A FAVOR DA DIVERSIDADE E REPRESENTATIVIDADE DE DENTRO PARA FORA ... 26

3.1 Um Mergulho no Processo Criativo Publicitário ... 26

3.2 A Representação da Mulher no Conteúdo Publicitário: Um Olhar Sobre Cultura, Construção de Estereótipo e Objetificação ... 29

3.3 Mulheres Criando: A Desconstrução da Autoridade da Experiência ... 35

3.4 Marketing de Identidade eos Novos Discursos Dentro da Publicidade de Cerveja.... 37

4 AS MARCAS... 43

4.1 Metodologia de Pesquisa ... 43

4.2 Análise de Dados ... 46

4.3 Marca 1: SKOL ... 46

4.3.1 Resultado da Análise: Redondo É Sair do Seu Quadrado ... 59

4.4 Cerveja Feminista ... 62

4.4.1 Resultado da Análise: A Cerveja Que É um Puxador de Conversa... 65

4.5 Ghoose Island Brewhouse, de irmãs para irmãs de luta ... 66

4.5.1 Resultado da Análise: Quando a Mulher Volta Para o Universo de Produção de Cerveja ... 69

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 71

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1 INTRODUÇÃO

O cenário atual da nossa sociedade tem uma grande influência dos movimentos sociais - como o movimento feminista, o LGBT e o negro, por exemplo - que transformam cada dia mais o nosso entendimento enquanto indivíduos e a nossa relação com as demais pessoas que rodeiam nosso meio social. No entanto, ainda há muitas barreiras a serem vencidas nessa caminhada por uma sociedade mais justa e igualitária, na qual as opiniões de todos os indivíduos sejam respeitados de maneira não-hierárquica e as representações sociais sejam construídas a partir de um cenário real, independente do lugar social do representado. A partir do entendimento de que essas representações nem sempre são capazes de traduzir um retrato fiel da realidade e são responsáveis pela construção de diversos estereótipos, no presente trabalho vamos mergulhar em três diferentes universos - no mercado cervejeiro, no mercado publicitário e nas propagandas veiculadas pela união dos dois - com o intuito de compreender como e se o olhar feminino de dentro do processo criativo publicitário pode gerar profundas mudanças na construção do discurso das propagandas.

Poucos sabem, mas os amantes da cerveja devem agradecer a ninguém menos que as mulheres pela existência dessa bebida de tradição milenar que envolve grande parte das almas boêmias. Embora hoje seja um produto atrelado substancialmente ao público masculino e seu prazer, o mercado cervejeiro já foi, por algum tempo, uma atividade unicamente feminina. Com o passar dos anos, a cerveja passou, portanto, de um produto feito e comercializado por mulheres para um dos que mais desrespeitam a figura feminina em seu discurso de venda. Mulheres objetificadas, silenciadas e submissas aos homens são cenários comumente encontrados nas imagens e retóricas das propagandas, ainda mais quando consideramos as veiculadas por esse mercado.

A realidade apontada não é exclusividade das cervejarias e tem uma relação direta com outro mercado que ajuda a construir esses estereótipos: o mercado publicitário. De dentro do processo criativo publicitário é que são construídos todos os cenários da propaganda que vai ser produzida e é nele que podemos observar uma das causas para a questão da representação da mulher em um processo de dentro para fora das corporações aqui trabalhado. Apesar dos debates acerca do feminismo e de uma evolução da situação da mulher dentro do mercado de trabalho nos dias de hoje, no ano de 2019, o portal Meio & Mensagem fez uma reportagem na qual evidencia que as mulheres ocupam apenas 26% dos cargos de criação nas maiores agências do Brasil (SACCHITIELLO; LEMOS, 2019), uma percentagem pouco representativa para as equipes que compõem as grandes agências de publicidade.

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Para seguir a lógica de mercado e ir de encontro aos potenciais nichos de consumidores, desviando das polêmicas que podem ser causadas por consumidores que, nos tempos atuais, tem uma voz e uma postura crítica muito potencializada pelas redes sociais, grandes marcas têm tentado aderir discursos que valorizem a diversidade e a inclusão de grupos sociais historicamente representados de forma estereotipada. No entanto, será que essa é uma realidade que podemos ver dentro das corporações? Se no mercado publicitário, mais especificamente na área de criação, a mulher enfrenta dificuldades para ocupar um espaço, será que os clientes das agências de publicidade, as grandes marcas, têm feito esforços para mudar essa realidade de dentro para fora? O objetivo deste trabalho é olhar para dentro das marcas, para as suas equipes, para suas práticas internas e, depois, olhar para o discurso e a imagem construídos a partir dessa realidade.

Com o objetivo de compreender essa possível importância do olhar e protagonismo feminino dentro do processo criativo do mercado de cervejas, para a construção de um conteúdo que valorize e respeite a figura da mulher, serão analisadas aqui três marcas de cerveja: a Skol, a Feminista e a GhooseIsland, mais especificamente focando no projeto

Goose Island Sisterhood. Os objetos de estudo escolhidos serão analisados, portanto, de

dentro para fora, com uma observação atenta a como foram construídas representações bem- sucedidas da figura feminina no discurso de venda e comunicação geral dos três.

Para fornecer embasamento teórico, o trabalho se divide em três capítulos que tecem uma trajetória completa para a compreensão do tema escolhido. O primeiro, “Mulher, a história da cerveja e o mercado publicitário”, conta com quatro subcapítulos. O primeiro subcapítulo foca na realização de "Um breve relato sobre o feminismo", olhando para a figura feminina, sua vivência enquanto indivíduo, sua relação enquanto grupo plural e diverso e sua luta histórica por igualdade com o movimento feminista. Para isso, o texto é construído a partir das ideias de autoras como Simone de Beauvoir, Chimamanda Adiche, bell hooks e do documentário "Feministas: O que elas estavam pensando?", 2018, produzido pela Netflix.

No segundo subcapítulo, entramos no "Lugar de fala e representação: um ponto de vista feminista". Nesse momento, com a base teórica dada pelos autores Michel Foucault, Djamila Ribeiro, Stuart Hall, adentramos no mundo da construção do discurso, dando conta de compreender a importância de termos como o "lugar de fala" e a "representação" para a compreensão do presente trabalho. A "estereotipagem", inclusive, é um dos termos que nos acompanha durante toda construção do tema e que é destrinchado neste subcapítulo. Os dois últimos subcapítulos tratam de explicar como se deu a construção dentro do mercado de trabalho, tanto publicitário, quanto cervejeiro, para as mulheres, fazendo uma reflexão

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histórica que nos dá uma linha do tempo até a realidade que enfrentamos hoje nesses dois universos. Autores como Alan Eames, Ian Hornsey, Ronaldo Morado, Mauricio Beltramell e Jenny Jochenssão citados para abordar o universo cervejeiro e autores como Gilles Lipovetsky e Paula Viegas para falar sobre o universo publicitário.

Adentramos mais ainda no universo da publicidade e da representação feminina no segundo capítulo "O processo criativo, o conteúdo publicitário e o protagonismo feminino: uma luta a favor da diversidade e representatividade de dentro para fora", composto também por quatro subtítulos. No primeiro subcapítulo, "Um mergulho no processo criativo publicitário", no qual são utilizadas as ideias dos autores Everardo Rocha, Ángeles e Roberto Barreto, procura-se entender os conceitos de criatividade e como se constrói o processo criativo, mais especificamente dentro da publicidade. O segundo subcapítulo "A representação da mulher no conteúdo publicitário: um olhar sobre cultura, construção de estereótipo e objetificação" faz uma análise da representação da mulher na publicidade historicamente, levando em consideração a sua relação com o machismo e sexismo na sociedade e termina mostrando como essa representação era construída pelas marcas de cerveja, tema do atual trabalho e mercado conhecido por conteúdos publicitários que tratam a mulher como um objeto, submisso ao prazer masculino. Para embasamento, os autores usados são Stuart Hall, Clifford Geertz, Laura Wottrich, Maria Cassol, Joan Scott, Laura Correa, André Mendes e Jean Baudrillard.

O terceiro subcapítulo tem como finalidade focar nas mulheres, utilizando termos como "autoridade da experiência" e a volta do "lugar de fala". Em "Mulheres criando: a desconstrução da autoridade da experiência", nome deste subcapítulo, são utilizadas as ideias dos autores bell hooks, Everardo Rocha e Djamila Ribeiro. O objetivo é compreender, substancialmente, a ideia de que uma figura de autoridade não pode ser capaz de traduzir a vivência de todo um grupo social composto por indivíduos plurais e que, por isso, uma construção discursiva baseada na diversidade pode ser um grande diferencial para o objeto final. Para finalizar o segundo capítulo, o quarto subcapítulo "Marketing de identidade e os novos discursos dentro da publicidade de cerveja" é elaborado como uma forma de compreender essa nova onda da publicidade, o "marketing de identidade" de colocar no discurso publicitário, pautado por cada vez mais presença de grupos sociais diversos e de movimentos sociais. No quadro teórico, esse último subcapítulo é embasado nas ideias da autora Naomi Klein.

Esses dois capítulos construídos com quadros teóricos que se somam e se misturam entre si são de suma importância para o capítulo 3, destinado às análises dos objetos

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escolhidos. É nesse momento que são feitas a observação, a análise e a interpretação dos dados, a partir de uma pesquisa qualitativa e exploratória, que vai olhar para as três marcas escolhidas de dentro para fora, observando tanto a historicidade da marca, a sua estrutura interna, as suas medidas de gente e gestão quanto, ainda, a forma como se projeta para o mundo. Dessa maneira, são apresentados na metodologia seis critérios que servem como guia da análise e são aplicados atenciosamente em cada uma das marcas de cerveja. Ao final de cada análise, é apresentado um resumo do que acabou de ser analisado e, ainda, caso tenha, a exposição da relação entre as três marcas.

Por fim, no capítulo de considerações finais é feita uma recapitulação dos pontos principais explorados neste trabalho e importantes para o resultado final, com o objetivo de finalizar tecendo uma relação entre a presença e protagonismo da figura feminina dentro do processo criativo das marcas com o discurso e a imagem construídos por ela em seus conteúdos publicitários.

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2 MULHER, A HISTÓRIA DA CERVEJA E O MERCADO PUBLICITÁRIO

2.1 Um Breve Relato Sobre o Feminismo

Mulher, acorda! A força da razão faz-se ouvir em todo o universo: reconhece teus direitos. O poderoso império da natureza já não está limitado por preconceitos, superstição e mentiras. A bandeira da verdade dissipou todas as nuvens da parvoíce e da usurpação. O homem escravo multiplicou suas forças, precisou recorrer às tuas (forças) para romper seus grilhões. Tornado livre, ele fez-se injusto em relação à sua companheira. Mulheres! Mulheres, quando deixareis de ser cegas? Quais são as vantagens que tivestes na Revolução? (GOUGES, 1791, p. 4)

Maria de Gouges, mais conhecida como Olympe de Gouges, criou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, em 1791, como manifestação de seu apoio à Revolução Francesa e indignação com a falta de direitos concedidos às mulheres, após sua participação ativa nas lutas que desencadearam grandes vitórias do movimento. Gouges é considerada uma das precursoras do que, um pouco mais a frente, chamaríamos de movimento feminista. Nessa declaração, dedicou a defesa dos lemas revolucionários franceses - igualdade, liberdade e fraternidade - também às mulheres. A dramaturga, ativista política e abolicionista francesa foi condenada à morte e guilhotinada no dia 3 de novembro de 1793. Após a sua morte, o discurso da imprensa defendia: "Parece que a lei puniu essa conspiradora por ter se esquecido das virtudes que pertencem a seu sexo" (ARRUDA, 2014). Como se, para lutar e ser protagonista da sua própria história, o sujeito precisasse, necessariamente, não ser uma mulher.

Vivemos em uma sociedade que nos ensina, todos os dias, que os homens são mais importantes do que as mulheres (ADICHIE, 2015) e não é de hoje que as mulheres ocidentais lutam para gerar mudanças nesse cenário. O movimento feminista, dividido por muitos autores em diferentes momentos, mais conhecidos como as três ondas feministas, teve sua primeira onda em meados do século XIX e defende os ideais que mulheres, como Olympe de Gouges e muitas outras, já propagavam antes mesmo de se existir um nome específico: a igualdade entre os gêneros, a libertação dos padrões patriarcais e o empoderamento feminino. A submissão está muito presente na construção do papel da mulher e as causas estão relacionadas a uma série de construções históricas, sociais e religiosas que são de suma importância para se entender os cenários e contextos que serão abordados a seguir e foram impostos no decorrer do tempo na nossa sociedade.

Ainda hoje conseguimos ver consequências da máxima social de que a mulher é um ser inferior ao homem. Simone de Beauvoir, em uma das suas obras mais conhecidas, “O Segundo Sexo”, 1970, demonstra que essa realidade foi causada por alguns motivos que

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passam por explicações desde históricas, até biológicas e psicológicas construídas e defendidas como normais e corretas para as mulheres durante muitas décadas. O homem, como aponta Beauvoir (1970), era considerado "positivo", "neutro" e o que era considerado normal dentro da sociedade, já a mulher era o "outro", o "negativo" e tudo que a diferenciava do gênero masculino seria uma forma de afastá-la dessa normalidade imposta. Não por acaso, usa-se até hoje a palavra "homem" para dar nome ao que entendemos como sociedade em geral: “Homem é a definição de ser humano e mulher é a definição de fêmea – quando ela se comporta como ser humano, ela diz que imita o homem” (BEAUVOIR, 1970, p. 71). O documentário "Feministas: O que elas estavam pensando", 2018, produzido pela Netflix1, dá

voz a diferentes mulheres retratadas pela fotógrafa Cynthia MacAdams e publicadas em seu livro “Emergence”, em 1979. Essas mulheres eram o retrato do movimento feminista nos anos 70 e contam suas experiências, nos dando uma deliciosa viagem no tempo, em vivências por vezes muito encontradas e outrora muito diferentes entre si. Uma das mulheres retratadas é Jane Fonda, atriz e ativista americana, que conta como sempre ouvia a frase "seja uma boa garota" e como a impressão que sentia era de que todas as garotas não eram naturalmente boas. Deveriam, portanto, se moldarem e se comportarem de uma maneira previamente determinada para serem consideradas "boas garotas" e dignas de respeito na sociedade.

Beauvoir (1970) faz, ainda, uma análise histórica da mulher dentro de um contexto social e religioso na qual era inferiorizada e tratada como fora da normalidade. O cristianismo e, mais especificamente, a religião católica são alguns dos grandes responsáveis por esse cenário, principalmente se analisarmos a história de um dos primeiros livros bíblicos: Gênesis. Na narrativa que mostra a visão da criação do mundo, Eva surge da costela de Adão, mais uma vez demonstrando uma perspectiva na qual a mulher nasce do homem e sua existência se dá única e somente graças à dele. A mulher, com a influência da cultura criada pela religiosidade, portanto, não é um ser que goza de autonomia diante da humanidade (BEAUVOIR, 1970), na medida em que depende de quem é mais forte no meio social, o homem.

O materialismo histórico marxista, assim como outros valores nos quais a estrutura econômica e social é indispensável para pensar a existência feminina, também é uma boa explicação para ajudar a embasar a questão da mulher na sociedade. Beauvoir (1970) se utiliza da teoria apresentada por Friedrich Angles, em “A Origem da Família”,1884, para 1 Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/80216844

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explicar como a ideia de propriedade privada também é um grande fator influenciador da supremacia e do protagonismo masculino. Essa perspectiva é uma forma de olhar o contexto tendo em mente que, no caso das mulheres, “a opressão social que sofre é a consequência de uma opressão econômica.” (BEAUVOIR, 1970, p. 74). Mas é importante ressaltar que o que é abordado pelos autores aqui citados, e também defendido por Simone de Beavoir, é que essas explicações não conseguem dar conta de explicar de maneira completa a opressão da mulher e da problemática de gênero na nossa sociedade. O que se pretende aqui é com contribuições sejam de perspectivas históricas, sociais, da psicanálise, do corpo, da sexualidade ou de quaisquer outras áreas de estudo, chegar mais perto de compreendê-la.

Homens e mulheres não são iguais em muitas perspectivas: quando falamos de aspectos físicos, de biologia, de corpo, de órgãos ou de hormônios, por exemplo. A autora e ativista africana, Chimamanda Adichie (2015), defende que fazia sentido que os homens fossem considerados superiores quando olhávamos para uma perspectiva na qual homens são, no geral, mais fortes fisicamente do que as mulheres, mas hoje essa visão já não faz mais sentido. Em um momento histórico no qual o homem era responsável pela caça e proteção da tribo, era importante ser o mais forte, tendo em vista que era essa força que ditava sua sobrevivência e o seu poder na sua tribo. No mundo de hoje, a pessoa que mais facilmente sobrevive não necessariamente é aquela que é mais forte e sim a mais criativa, mais inteligente, mais inovadora. E essas são características que não são influenciadas por gêneros ou hormônios (ADICHIE, 2015).

Em um meio social no qual ensinamos homens a fugir da vulnerabilidade, a provar masculinidade e criamos as meninas para cuidar dos egos sensíveis e machucados dos homens (ADICHIE, 2015), a realidade não poderia ser muito diferente da que vivemos hoje. As mudanças começaram a vir durante o tempo e, hoje, podemos dizer que as mulheres já percorreram uma grande estrada no caminho de uma sociedade mais igualitária e menos cruel com sua história e existência, mas ainda há um caminho longo a ser seguido.

Uma perspectiva apontada pela autora Simone de Beauvoir (1970) e constantemente colocada em foco dentro do movimento feminista é a falta de um senso de união e irmandade entre as mulheres do movimento. O que um tempo depois denominaríamos como sororidade - união e aliança entre mulheres, baseado na empatia e companheirismo – era, para Beauvoir (1970), fator determinante para o sucesso do movimento como um todo e para que pudesse ganhar a força necessária para conquistar muito mais do que apenas aquilo que os homens iriam ceder.

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[...] ação das mulheres nunca passou de uma agitação simbólica; só ganharam o que os homens concordaram em lhes conceder; elas nada tomaram; elas receberam. Isso porque não têm os meios concretos de se reunir em uma unidade que se afirmaria em se opondo. Não têm passado, não têm história, nem religião própria; não têm, como os proletários, uma solidariedade de trabalho e interesses; não há sequer entre elas essa promiscuidade espacial que faz dos negros dos E.U.A., dos judeus dos guetos, dos operários de Saint-Denis ou das fábricas Renault uma comunidade. Vivem dispersas entre os homens, ligadas pelo habitat, pelo trabalho, pelos interesses econômicos, pela condição social a certos homens — pai ou marido — mais estreitamente do que as outras mulheres. Burguesas, são solidárias dos burgueses e não das mulheres proletárias; brancas, dos homens brancos e não das mulheres pretas. (BEAUVOIR, 1970, p. 13)

Essa falta de união e companheirismo entre as mulheres, independente de sua raça, condição social ou qualquer outra variável, era muito importante nos olhos de Beauvoir (1970), embora seja facilmente explicada por todos os cenários relatados acima. A autora expôs em sua obra muito do que vivia dentro do seu meio de mulheres e do que podia observar sobre o movimento feminista em sua época. Há outros pontos de vista que, embora não discordem do que é defendido pela autora e dessa necessidade de se haver uma união, tratam de explicar que a situação não é tão simples quanto dar as mãos e se apoiar, na medida em que ser mulher é ser plural e nunca singular.

O fato é: mulheres são muitas e elas vêm de diferentes famílias, educações e lugares, tanto geográficos, como sociais. Voltando ao documentário "Feministas: O que elas estavam pensando?", é possível observar, nos depoimentos das mulheres que participam da obra, uma narrativa construída ao redor de recortes de raça e outras capilaridades do movimento e que nos mostram o que uma das frases mais emblemáticas dos depoimentos confirma: "Sim, nós éramos irmãs, mas essas irmãs vieram de famílias muito diferentes" (FEMINISTAS:, 2018).

Uma das ativistas que aparecem no documentário, Margaret Prescod, dá sua perspectiva de como se ligou ao movimento feminista sem se distanciar da sua luta antirracista. Ela conta que, no momento em que se conectou com o centro feminino de uma faculdade que dava aula nos Estados Unidos, foi acusada por alguns homens de que estava se distanciando da comunidade negra (FEMINISTAS, 2018). O que ela e outras mulheres de diferentes causas, que não apenas a feminista, nos ajudam a compreender é que há muitas diferenças entre o que significa ser mulher para quem vive diferentes contextos e estão inseridas em diferentes lugares sociais. Existe, portanto, uma necessidade de se deixar claro essa questão dentro do movimento e, para isso, é fundamental estar mais perto umas das outras, com o ouvido aguçado.

Na sua história oficial, o movimento feminista teve seu início no ocidente, sendo composto por mulheres em sua maioria branca e de classe média. A visão eurocêntrica e

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muito privilegiada dessas protagonistas é um grande influenciador como causa de um distanciamento daquelas cuja realidade não se relacionava com o retratado. Para BellHooks(2013), autora e ativista do feminismo negro, há uma relação assimétrica e hierárquica entre mulheres brancas e mulheres negras, muito influenciadas historicamente por resquícios da escravidão.

O mal entendido dessas pessoas; sobre a política feminista reflete a realidade que a maioria das pessoas conhece sobre o feminismo por meios de comunicação patriarcais. O Feminismo que eles escutam mais sobre é apresentado por mulheres que são a priori comprometidas com a igualdade de gêneros — pagamento igual por trabalho igual[1], e às vezes mulheres e homens compartilhando tarefas domésticas e parentes. Eles veem que essas mulheres são geralmente brancas e materialmente privilegiadas. (HOOKS, 2013, p. 1)

bell hooks é uma das mulheres que afirmam a importância de recortes datados por vivências e histórico de quem constrói o movimento. Os papéis de gênero, assim como demais categorias de raça, classe e sexualidade, importam na medida em que conseguem definir como vamos experimentar o mundo (ADICHIE, 2015). Mas, assim como a nossa cultura, essa maneira de ser diante do mundo e de viver suas dinâmicas não é permanente. O nosso papel é garantir esse movimento, essa evolução e proporcionar cada vez mais voz para quem foi, por muitos anos, silenciado.

2.2 Lugarde Fala e Representação: Um Ponto de Vista Feminista

Antes de entrarmos na importância do lugar de fala e da representação dentro do movimento feminista, é preciso esclarecer o que é entendido como discurso e como é construído nesse cenário. Na Ordem do discurso, aula inaugural apresentada por Foucault (1970), a construção do discurso não é compreendida apenas como um conjunto de significantes unidos em uma frase aleatoriamente para gerar um sentido, como algo transparente ou neutro. É preciso compreendê-lo em sua totalidade, como uma rede que faz os objetos significarem na medida em que se conectam com outros conjuntos de discursos, estabelecendo os valores e poderes dentro de uma sociedade e estruturando o imaginário social. A construção de discurso a ser abordada no presente trabalho não é só aquela capaz de traduzir a história, mas também a que exerce grande influência nos mecanismos de poder e privilégios que a compõe. "Ou seja, de não pensar no discurso como amontoado de palavras ou concatenação de frases que pretendem um significado em si, mas como um sistema que estrutura determinado imaginário social, pois estaremos falando de poder e controle" (RIBEIRO, 2017, p. 31).

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É a partir da ideia foucaultiana do discurso como um mecanismo de poder que Ribeiro (2017) aborda um tema muito presente nos discursos defendidos pelos movimentos sociais na contemporaneidade: o lugar de fala. Segundo a autora e militante do feminismo negro, trata-se de um termo que compreende o lugar social de cada indivíduo dentro de uma estrutura com localizações de poderes hierárquicos e como ele influencia na sua forma de vivenciar o mundo. Não se trata de compreender a significação a partir de uma vivência individual apenas, mas como o grupo social do qual o indivíduo é pertencente os faz pensar no outro e a si mesmo de uma determinada maneira. Questionar ainda como uma matriz privilegiada que dita o meio social pode fazer com que grupos, que pertencem a alguns lugares sociais, como as mulheres, sejam desumanizados e silenciados.

A origem do termo "lugar de fala" é imprecisa e não há nenhum registro que nos dê exatamente o momento e nas palavras de quem o conceito surgiu, mas Ribeiro(2017) defende que surge a partir da discussão sobre o feminist stand ponint que, em uma tradução livre, seria o ponto de vista feminista e que muito dialoga com o que pretendemos abordar nesta reflexão. Segundo Ribeiro(2017), o termo é abordado pela estadunidense Patrícia Collins e é o ponto de partida que nos permite marcar o lugar de fala de diferentes indivíduos, sendo um debate muito moldado por diferentes movimentos sociais:

Como explica Collins, a experiência de fulana importa, sem dúvida, mas o foco é justamente tentar entender as condições sociais que constituem o grupo do qual fulana faz parte e quais são as experiências que essa pessoa compartilha ainda como grupo. Reduzir a teoria do ponto de vista feminista e lugar de fala somente às vivências seria um grande erro, pois aqui existe um estudo sobre como as opressões estruturais impedem que indivíduos de certos grupos tenham direito à fala, à humanidade. O fato de uma pessoa ser negra não significa que ela saberá refletir crítica e filosoficamente sobre as consequências do racismo. Inclusive, ela até poderá dizer que nunca sentiu racismo, que sua vivência não comporta ou que ela nunca passou por isso. E, sabemos o quanto alguns grupos adoram fazer uso dessas pessoas. Mas o fato dessa pessoa dizer que não sentiu racismo, não faz com que, por conta de sua localização social, ela não tenha tido menos oportunidades e direitos. A discussão é sobretudo estrutural e não “pós-moderna” como os acusadores dessa teoria gostam de afirmar. (RIBEIRO, 2017, p. 34)

Dessa forma, a ideia de lugar de fala é bastante criticada por aqueles que não entendem o seu real significado e defendem que é uma forma de dar voz apenas àqueles que fazem parte de determinado grupo social. Mas isso não é verdade, como aponta Ribeiro(2017), o lugar de fala é para todos a partir do momento que estamos no meio social, o que vai diferenciar o discurso é o lugar social que quem emite o discurso pertence. É refletir e pensar criticamente a vivência do outro sem esquecer da sua própria, reconhecer os privilégios da sua existência e passar a enxergar o outro sem os olhos comumente cegos.

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Portanto, trata-se também de uma forma de instigar os indivíduos que se encontram no

locus social que exerce o poder a pensarem seus privilégios e suas atitudes diante da

sociedade. Ribeiro (2017) defende que o lugar de fala procura compreender como, enquanto ser um homem cis, branco, hétero em uma sociedade que te coloca no topo da cadeia, sua existência exerce influência na construção de um discurso que silencia, ignora e representa de maneira tão equivocada aqueles que se encontram nem que seja um degrau abaixo do topo.

Agora que o conceito de lugar de fala está claro, vamos falar um pouco sobre o conceito de representação. De acordo com Stuart Hall, em “Cultura e Representação” 2016, a forma como entendemos o mundo e encontramos sentido para os objetos e significados é usando a tipificação. A produção de códigos, influenciados por convenções culturais, sociais e linguísticas, é responsável por construir o olhar que temos sobre o mundo e, como vamos falar

aqui, sobre as pessoas dentro da sociedade. Assim, representamos "o particular em termos do

seu tipo" (HALL, 2016) e a nossa imagem do outro é construída e associada a partir do que ele "é" ou a que grupo pertence, considerando sua classe, raça, gênero, idade, nacionalidade ou orientação sexual. Essa representação é necessária e normal na medida em que é uma "prática significante" da nossa visão do mundo e da sociedade. A problemática abordada aqui é quando a representação deixa de ser uma tipificação e se torna um estereótipo.

O estereótipo, como defende Hall (2016), se apossa dessas características simples e que nos ajudam a dar sentido para o mundo - já exploradas acima como tipificação - e simplifica, limita e reduz a um processo de representação limitado, que foca apenas no exagero das diferenças do outro e no reducionismo de suas qualidades. Nas palavras de Hall (2016, p. 192), "A estereotipagem facilita a "vinculação", os laços, de todos nós que somos "normais" em uma "comunidade imaginária"; e envia para o exílio simbólico todos Eles, "os Outros", que são de alguma forma diferentes, "que estão fora dos limites"".

Portanto, compreender o outro em uma visão estereotipada implica na exclusão do mesmo e sua manutenção tende a ser relacionada com grandes desigualdades de poder. O autor defende que é por meio da estereotipagem que impomos uma cultura sobre a outra e tudo o que é considerado diferente é o "outro", o anormal e, por isso, não deve ser considerado como importante ou pode ser ridicularizado e reduzido (HALL, 2016). O termo que Hall (2016) define para apontar como eram percebidos aqueles que eram diferentes de uma normalidade compulsória dialoga muito com o que foi abordado acima com Simone de Beauvoir (1970), quando aponta a mulher como o "outro" e o homem como o "neutro", como se houvesse uma espécie de anormalidade no ser mulher.

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Em uma sociedade na qual não são respeitadas as diferenças e há uma hierarquia notável de estruturas de poder entre indivíduos, a consequência é a inserção de estruturas rígidas, limitantes e excludentes tais quais a construção de estereótipos e o silenciamento da

voz de grupos que não pertencem a hegemonia. De acordo com Ribeiro (2017), o fato de

grupos concentrados no poder entenderem sua existência como universal dentro da sociedade, ajuda a perpetuar a ideia de que o "outro" é o errado e essas construções já estão arraigadas na sociedade e são inseridas no nosso contexto diário como um fenômeno natural, seja nas representações culturais, no conteúdo publicitário, no mercado de trabalho ou no mercado cervejeiro, como veremos mais à frente.

2.3 A Mulher e o Mercado Cervejeiro

O último imperador alemão e rei da Prússia, Kaiser Wilhelm, já dizia: "Dê-me uma mulher que goste de cerveja e eu conquistarei o mundo". A cerveja é uma das bebidas mais antigas do mundo, seu desenvolvimento acompanha o das civilizações de diversas sociedades e sua existência tem muito a agradecer ao papel das mulheres na sua história. Os três objetos a serem tratados no presente trabalho tem uma ligação direta com a história dessa bebida de tradição milenar e com o papel exercido pela mulher nesse cenário no decorrer do tempo. Embora hoje o produto seja considerado majoritariamente masculino em todas as etapas, o que se pretende abordar é que a produção de cerveja e seu consumo foi, por muitos anos, também uma atividade de muita força feminina. Por isso, no decorrer deste tópico, será feito um breve relato sobre a história da cerveja no mundo, como ela permeia a história da humanidade, levando em consideração seu papel fundamental na construção das sociedades contemporâneas (EAMES; BROWMAN, 1991).

A origem, local e época de criação da cerveja não conseguem ser afirmados de forma exata pela história, mas acredita-se que sua receita foi descoberta por acaso em meio à produção de pão, por se tratarem dos mesmos ingredientes e ambas serem produzidas em um processo de fermentação (HORNSEY, 2003). Supõe-se que a fermentação que gerou a primeira cerveja do mundo teria ocorrido há cerca de 10 mil anos atrás, em um contexto no qual não havia sequer registros escritos para dar conta de provar a sua existência. No entanto, registros anteriores, como pinturas rupestres e símbolos primitivos produzidos naquela época, são capazes de nos remeter à produção e imagem dessa bebida tão popular.

Para Morado (2009), essa descoberta ao acaso aconteceu provavelmente no Oriente Médio ou no Egito, tendo em vista que a região da Mesopotâmia, nas civilizações da Suméria e Babilônia, trata de abrigar os registros mais antigos do mundo sobre o surgimento da

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cerveja. Em seu livro, “Larousse da Cerveja”, o autor ressalta que uma das fontes foi encontrada em 1913, por Bedrich Hrozny, arqueólogo tcheco, responsável por decifrar antigas tábuas que apontam para a existência de uma bebida a base de cereais e que era consumida pelos povos entre as regiões de Tigres e Eufrates. Eram produzidos, nessa época, mais de vinte tipos da bebida que pode ser considerada uma "ancestral da cerveja" e cada um deles tinha o seu significado social. Em geral, a cerveja era utilizada para três propósitos principais: remédio, salário e oferenda aos deuses (MORADO, 2009).

Da mesma maneira que sumérios e babilônios têm uma história vasta com a presença da cerveja, os egípcios também produziam a bebida desde a ancestralidade. De acordo com Beltramelli (2014), a bebida chamada de "pão líquido", por possuir os mesmos ingredientes e ser considerada nutritiva pela sua composição de vitaminas e minerais, fazia parte da alimentação diária tanto de nobres, quanto de camponeses dessa sociedade. Com uma presença marcante nessas sociedades, a produção de cerveja passou a ser aprendida por outros povos que também passaram a consumi-la. Morado (2009) defende que os romanos e os gregos foram os primeiros a aprender com a tradição dos egípcios a produção cervejeira e foi com o Império Romano que a bebida foi levada para toda a Europa. Nesse momento, surgiram as primeiras cervejarias e o mercado cervejeiro ganhou grande força.

Nesse contexto, o que poucas pessoas sabem hoje é que as mulheres tiveram papel de protagonistas no começo da história da produção da cerveja. O primeiro momento que as mulheres aparecem relacionadas à história dessa bebida é na lenda mesopotâmica de que o seu surgimento teria acontecido quando uma mulher, mãe de família e dona de casa, teria esquecido um recipiente com os grãos do lado de fora da casa, o que teria ocasionado um processo de fermentação causado pela chuva (BELTRAMELLI, 2014). E, ainda, por ser uma bebida considerada tão importante para a alimentação diária da família, então nada mais compreensível do que atrelar essa atividade para quem já tinha, de forma imposta, esse papel de ser responsável pela casa e do cuidado com o lar (BEAUVOIR, 1970). Dessa maneira, todo esse cenário social e histórico tornou as mulheres responsáveis pela fabricação de cerveja.

Documentos e textos sumérios mostram que, além de protagonizar o processo caseiro e de usufruto de toda a família, as mulheres também eram responsáveis por gerir tabernas que, apesar de serem destinadas ao público masculino, estavam sob o seu comando (MORADO, 2009). Além disso, a figura da "esposa cervejeira" (em inglês: ale-wives) também era bem conhecida e surgiu por volta do século 5 D.C. (ISEMAN, 2018). Elas eram mulheres que produziam cerveja para suas famílias e o que sobrava da produção,

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comercializavam na porta de suas casas. Para ilustrar esse cenário, na foto abaixo (Figura 1), podemos ver uma "esposa cervejeira" oferecendo uma caneca de cerveja para um homem na rua, mostrando que o comércio de cervejas partindo de uma figura feminina.

Figura 1- Esposa Cervejeira

Fonte:ISEMAN, C.Segundo a história, podemos agradecer às mulheres pela cerveja. Huffpost, 21 set. 2018.

A primeira receita de cerveja sobre a qual já se tem registros escritos é o Hino a Ninkasi (ISEMAN, 2018), de cerca de 1800 A.C.. O nome dado é a demonstração de que o povo sumério adorava deusas da cerveja e tinham o costume de relacionar a bebida com as mulheres, como uma forma de homenageá-las. Ninkasi foi uma deusa suméria da cerveja e assim como Kubaba, que era cervejeira e, por isso, chegou a ser a única mulher rainha suméria, mostram que a mulher tinha certo protagonismo quando se tratava da bebida na sociedade.

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Figura 2 - Sabtiem(mulheres cervejeiras)Produzindo a Cerveja

Fonte: ISEMAN, C. Segundo a história, podemos agradecer às mulheres pela cerveja.

Huffpost, 21 set. 2018.

Figura 3 - Sabtiem (mulheres cervejeiras) Servindo a Cerveja

Fonte: ISEMAN, C. Segundo a história, podemos agradecer às mulheres pela cerveja.

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Podemos ver, nas figuras apresentadas acima, dois momentos nos quais as mulheres eram muito importantes para o universo cervejeiro. Na Figura 2 e 3, pode-se ilustrar um pouco do que foi abordado até aqui, tendo em vista que mostram bem um contexto no qual as mulheres produziam as cervejas e as serviam, seja para suas famílias no ambiente doméstico, seja para o divertimento masculino, em suas tabernas. As Sabtiem's, como eram conhecidas as mulheres cervejeiras na Suméria, eram consideradas seres com poderes divinos por transformar a receita que envolvia grãos e água na bebida (ZURWELLEN, 2015).

Essa mesma realidade e foco de atenção nas mulheres também é vista em outras sociedades quando adentramos a história da cerveja. Nas sociedades Vikings, por exemplo, a produção da bebida também era tarefa feminina e produções audiovisuais como a série "Vikings", inspirada nas histórias dos povos nórdicos da Escandinávia medieval, demonstram com cenas como o papel feminino era o de servir o homem para seu desfrute e diversão, sempre regado a muitas canecas. É importante ressaltar que beber cerveja não era um ato legalmente proibido para as mulheres e elas também costumavam tomar a bebida com frequência em alguns eventos, como nascimentos, casamentos e, principalmente, em celebrações religiosas. No entanto, o contexto mitológico não narra a figura feminina na posição de "bêbada" ou desfrutando a bebida de maneira solitária, como muito ocorria com a figura masculina (JOCHENS, 1998, p.105).

As mulheres deixaram de ser protagonistas na produção de cerveja quando esta se tornou uma atividade de grande escala e grandes proporções comerciais para a economia (ISEMAN, 2018). O fato da mulher não gozar de autonomia na sociedade e comumente depender dos homens, como defendia Beauvoir (1970), também era uma realidade presente na história atrelada a cerveja. No século XVIII, quando a figura feminina começou a conquistar uma independência financeira com a produção da bebida, foi retirada da produção que, nesse momento, já conquistava técnicas mais aprofundadas de fabricação e um processo que já não era caseiro. Todo esse cenário fez com que o jogo virasse e a quantidade de mulheres sendo protagonista em cargos de importância na produção de cerveja fosse, ano após ano, sendo reduzido. Um estudo realizado pelos pesquisadores da Universidade de Stanford, em 2014, indica que naquele ano apenas 20% das cervejarias tinham uma mulher entre seus fundadores e se olhassem para uma gestão unicamente feminina, esse número reduz para apenas 2% dos casos (ISEMAN, 2018).

Como se pode observar no que foi abordado neste último tópico, apesar de existir um protagonismo da mulher em relação à história da produção de cerveja, esse lugar social no qual ela é inserida ainda continua bem semelhante com o que foi abordado no relato sobre o

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feminismo: uma figura submissa e que não tinha muita liberdade em relação à figura do homem. Além disso, essa posição de destaque foi perdida ao longo dos anos e até pouco tempo, a mulher era raramente encontrada no mercado cervejeiro como um todo, como vimos na pesquisa da Universidade de Stanford. Até hoje, não só quando observamos os bastidores deste mercado, mas quando analisamos as mesas dos bares, a cerveja ainda é considerada uma bebida majoritariamente focada ao público masculino e ao seu prazer. A comunicação, a linguagem e a publicidade dessas marcas, como veremos mais à frente, nos mostram essa realidade ainda desigual, mas que tem passado por profundos movimentos nos últimos anos. 2.4 A Mulher no Mercado Publicitário

Depois de fazer uma viagem no tempo pela história da cerveja e o papel das mulheres, pretendemos aqui analisar como se deu o lugar da mulher no mercado de trabalho como um todo e, principalmente, no mercado publicitário. O caminho a ser percorrido pelo presente trabalho procura dar um panorama de como chegamos à realidade do discurso estereotipado e de objetificação da mulher, apresentado pelos conteúdos publicitários e como o processo criativo possui influência nisso. Dessa maneira, será possível compreender como chegamos ao cenário que será apresentado pelos objetos de marcas de cerveja escolhidos para serem analisados.

Nos últimos tempos, aumentaram o número de pesquisas sobre a presença da mulher no mercado de trabalho, tendo em vista seu aumento expressivo. Sua participação em postos formais de trabalho passou de 40,8%, em 2007, para 44%, em 2016, de acordo com o Ministério do Trabalho no Brasil. A sociedade passa a aceitar a presença da mulher em ambientes corporativos, mas, para isso, ela precisa assumir duas jornadas: a de dona de casa e, ainda, mãe e a de profissional.

É verdade que a distância entre as posições sociais dos dois gêneros se encurtou; a atividade profissional feminina é, hoje em dia, socialmente reconhecida e faz parte da identidade feminina. No entanto, o trabalho feminino não é, ainda hoje, considerado em pé de igualdade com o dos homens (LIPOVETSKY, 1997, p. 238).

Como apontado por Lipovetsky (1997), apesar do número crescente de mulheres ocupando diferentes cargos, é também nessas pesquisas que conseguimos ver que a dinâmica entre homens e mulheres no ambiente corporativo ainda é muito desigual. E essa desigualdade pode ser vista em uma série de variáveis: quantidade de mulheres em cargos executivos, médias salariais de homens e mulheres ocupando o mesmo cargo, atividades mais ocupadas pelas mulheres e que refletem os estereótipos de gênero já apontados neste trabalho, entre outros.

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De acordo com o IBGE, embora já tenhamos caminhado um bom percurso em direção à inserção mais igualitária da mulher no ambiente de trabalho, ainda é preciso um esforço muito grande para chegar a acabar com a persistência da desigualdade de gênero nesse contexto. E, ao finalizar o estudo de "Estatísticas de Gênero: Indicadores sociais das mulheres no Brasil', de 2018, o IBGE reforça aquilo que já abordamos por aqui: as mulheres são muitas e cada uma delas, dependendo da sua raça, sexualidade, ou outras variáveis, vivencia essa desigualdade de maneiras diferentes e pode sofrer ainda mais as consequências:

O caminho a ser percorrido em direção à igualdade de gênero, ou seja, em um cenário onde homens e mulheres gozem dos mesmos direitos e oportunidades em todas as dimensões aqui analisadas, ainda é longo para as mulheres e ainda mais tortuoso se esta for preta ou parda e residir fora dos centros urbanos das Regiões Sul e Sudeste. (IBGE, 2018)

Adichie (2015) resume bem quando diz que cerca de 52% da população mundial é feminina, mas quando vamos olhar para as posições de poder, o que observamos é o que declara Laureate Wangari, que ganhou o prêmio Nobel da Paz, "Quanto mais alto você vai, menos mulheres vai encontrar" (WANGARI apud ADICHIE, 2015, p. 19). E é claro que no mercado publicitário, o retrato não é diferente, principalmente quando abordamos a área de criação dentro das agências. Em 2016, as mulheres eram apenas 20% dessas áreas, sendo apenas 6% delas em posição de liderança, de acordo com uma pesquisa realizada pelo portal Meio & Mensagem, que estudou as 30 maiores agências do país. O cenário, neste ano, é ainda desfavorável para as mulheres, mas elas já ocupam 26% dos cargos na área de criação, de acordo com a pesquisa do Meio & Mensagem, em 2019.

A reportagem de 2016 do portal Meio & Mensagem ouviu 30 das maiores agências de publicidade do Brasil e o seu resultado foi muito importante para compreender o cenário da área de criação nos últimos anos. Dentre as empresas, apenas uma delas tem uma equipe de criação comandada por uma mulher: Joana Monteiro, CCO da FCB, premiada e considerada a mulher mais criativa do mundo pela Business Insider. Maíra Linguori e Nana Lima, sócias de Think Eva, consultoria que procura ensinar empresas a fazer uma publicidade mais inclusiva e respeitosa para as mulheres, defendem que, ainda que a mulher consiga chegar na área, há muito preconceito por parte do time. “Trabalhei em agência e existe muito preconceito, muita opressão. A grande quantidade de homens que reproduzem comportamento machista acaba afastando as mulheres”, comenta Lima (2016 apud SACCHITIELLO; LEMOS, 2016). Maíra ainda complementa apontando a dificuldade de conciliar todos os papéis que muitas mulheres tem que exercer em sua vida: "Nas agências, existe a cultura de que quanto mais horas a pessoa trabalha, mais valorizada ela é. Para a mulher, que geralmente tem de conciliar a

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carreira com a rotina de casa e com a maternidade, aquilo se torna inviável”(LINGUORI, 2016 apud SACCHITIELLO; LEMOS, 2016).

No ano de 2019, após fazer uma repescagem com 31 das maiores agência do país, três anos depois da reportagem apontada anteriormente, notou-se algo que permanece igual: a única mulher que comanda a área da criação continua sendo a CCO da FCB. Outras mulheres criativas subiram um degrau e conseguiram cargos de diretoras ou gerentes, mas o poder central dessas áreas ainda permanece nas mãos da figura masculina. Para Shophie Schonburg, diretora de criação da agência África, já conseguimos percorrer um longo caminho, mas ainda nos faltam alguma curvas acentuadas.

Cada vez mais recebo pedidos de ajuda de diretores de criação querendo indicações de redatoras para contratar. O importante disso é ver que as agências estão se mexendo para aumentar o quadro de mulheres na criação, independente de qual razão elas tenham. O ponto que ainda temos que dar muita atenção é que essa lista de nomes de mulheres ainda é pequena. Caminhamos a passos curtos, mas caminhamos. O esforço tem que vir de todos os lados. Das lideranças, dos RHs, dos grupos de mulheres que ajudam a promover o talento uma da outra, de todos nós profissionais(SCHONBURG apud LEMOS; LESSA, 2019)

Essa realidade machista e sexista dentro das agências fica ainda mais exposta quando olhamos para os cargos sendo ocupados majoritariamente por mulheres, como o atendimento publicitário, por exemplo. Isso acontece por ser a área que trata de ter o relacionamento direto com o cliente e seria o papel das mulheres ter mais facilidade para usar sua beleza para persuadi-los e, de alguma forma facilitar a aprovação do trabalho (VIEGAS, 2017). Quando olhamos por essa perspectiva, facilmente nos transportamos de volta para o que o conteúdo publicitário apenas se glorifica em retratar.

Com o cenário em constante mudança, pode-se encontrar alguns projetos interessantes que não só tratam de denunciar essa realidade, como de buscar mudanças no campo da prática. Um desses projetos é o "Too manyguys, one girl", um Tumblr que nos chama a atenção e funciona como uma espécie de denúncia da realidade de desigualdade de gênero dentro das agências publicitárias. O gigante abismo da quantidade de homens e mulheres nessas agências é mostrado em diferentes registros nos quais se pode ver a presença de muitos homens e apenas uma mulher compondo o cenário. O criador do Tumblr, que prefere permanecer no anonimato, quando perguntado sobre o que pretende, diz: "Eu espero que as agências e as pessoas nessas fotos comecem a sentir um pouco de vergonha por serem parte dessa horrível desigualdade que a indústria de publicidade promove nos departamentos criativos." (SCOTT, 2016, tradução nossa).

Outro projeto também muito importante para esse movimento é o More Girls, que foi fundado por Camila Moletta e Laura Florence, em 2018. A página foi criada para juntar os

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talentos femininos na área da criação e facilitar o encontro delas com o mercado de trabalho. No site do projeto, há a seguinte descrição:

A indústria da comunicação sempre contribuiu para a cultura machista. Criou estereótipos como os da “família margarina” e da “gostosa da cerveja”. Não à toa, a maioria das mulheres não se sente representada na propaganda, apesar de formar 85% do poder de compra. Irônico, mas tem explicação: existem menos de 20% de mulheres na criação das agências. O MORE GRLS pretende se tornar o maior mapa de talentos femininos nas áreas de publicidade, design e conteúdo para que todos possam conhecer e valorizar as criativas que, apesar de tudo, estão no mercado hoje. Porque precisamos de mais mulheres com voz na criação para criar as reais garotas propaganda. (MORE GRLS, 2019)2

Como visto, o fato das pessoas que ocupam os lugares de destaque dentro das agências e quem constrói o processo criativo serem parte, praticamente, do mesmo locus social, ajuda na construção desses estereótipos das mulheres no conteúdo. Como Ribeiro (2017) aborda em sua obra, é preciso que essas pessoas reconheçam seu lugar de privilégios e hegemonia para que possam olhar para a sociedade como um todo de forma mais diversa e dispostas a ouvir o outro lado da moeda. E, ainda, o que torna a criação mais diversa e respeitosa é quando ela parte de um processo criativo diverso, com pessoas que fazem parte de diferentes contextos sociais e reconhecem diferentes vivências. A diversidade é capaz de gerar diversidade, de dentro para fora. E o que será defendido aqui é como é importante trazer mudanças não somente na forma de produzir o conteúdo publicitário, mas na forma de ser publicidade.

2 Disponível em:https://metro.co.uk/2016/01/26/this-tumblr-shows-the-reality-of-gender-imbalance-in-the-

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3 O PROCESSO CRIATIVO, O CONTEÚDO PUBLICITÁRIO E O PROTAGONISMO FEMININO: UMA LUTA A FAVOR DA DIVERSIDADE E REPRESENTATIVIDADE DE DENTRO PARA FORA

3.1 Um Mergulho no Processo Criativo Publicitário

A partir do momento em que é possível entender a mulher como indivíduo na sociedade, suas dores não só no mercado de trabalho, como também na indústria cervejeira e sua luta diária para ocasionar mudanças significativas nesse contexto, será possível mergulhar no mercado publicitário e desvendar qual é o espaço do processo criativo em todo esse cenário. Neste capítulo, o gatilho será apontado para a compreensão de como tudo que foi ilustrado no capítulo 1 se mostra na prática do conteúdo e dos bastidores da publicidade. Para isso, parte-se do princípio que ser e fazer publicidade é, portanto, o resultado de um processo criativo munido de uma série de influências do ambiente social, cultural e histórico no qual a sociedade se encontra em determinado momento (ROCHA, 2001)

Para começar uma discussão sobre o processo criativo, é interessante que se consiga definir o que é a criatividade para o mundo e dentro da ótica publicitária. Em uma visão mais geral, o conceito de criatividade tem sua origem na palavra creo que, em latim, significa fazer ou produzir algo a partir do nada (ÁNGELES, 1996). Ángeles (1996) defende que existem muitas definições do significado de criatividade para as mais diversas áreas e contextos sociais, mas todos possuem um ponto em comum: a criatividade está ligada ao ato de fazer algo que ainda não foi feito, produzir algo novo, embora apresente diferentes formas de se manifestar dependendo do ponto de vista sobre o qual se pretende analisar.

Em um contexto mais específico, dentro do meio publicitário, muitos autores consideram que a “criatividade em propaganda é o que persuade contingentes humanos – público, mercado – sobre os valores de um produto, um serviço, ou meramente um ponto de vista” (BARRETO, 1982, p. 148). No entanto, neste campo, também há uma divergência e uma falta de consenso entre a literatura que trata de definir o que é a criatividade publicitária e não há, portanto, uma definição geral e universalmente aplicável capaz de dar conta de explicar e especificar o termo por completo (AMÁBILE, 1994). Assim, embora não seja possível ter uma explicação universal, na publicidade, sabemos que a criatividade tem uma utilidade na medida em que dá solução eficaz para uma espécie de problema de venda. Em uma entrevista à revista “Press Advertising”, em 2006, o Clube dos Jovens Criativos afirmou:

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Toda propaganda deve ser de resultado, seja ela criativa ou não. O que me parece é que a criatividade é um recurso que temos justamente para aumentar a eficiência do que queremos comunicar, no momento em que a nossa mensagem consegue se destacar das outras. Criatividade pela criatividade não nos interessa. Nos interessa a criatividade aplicada a um objetivo, a um resultado concreto, seja vender mais, seja aumentar a presença de uma marca na cabeça das pessoas. A gente não faz arte. A gente faz arte aplicada (RIBEIRO; SCHUSTER, 2006, p.9).

Dessa forma, o que o Clube dos Jovens Criativos defende é que no universo publicitário a criatividade é utilizada sempre para solucionar um problema e quanto mais disruptiva e original, sem perder o diálogo com a dor do consumidor, mais eficaz ela se torna. Solucionar o problema seria, portanto, um equilíbrio entre se desvincular de uma abordagem óbvia e clichê sem se descolar do mundo real e dos problemas objetivos. E, para se chegar a uma solução que faça sentido, a ideia passa por aquilo que chamamos de processo criativo (LUBART, 2001) o percurso ocupado por pensamentos e ações pelo qual a mente criativa passa para concretizar a produção de uma ideia. No livro “Criatividade em Propaganda”, Barreto (1982, p. 72) concorda com a ideia de que "criatividade é sinônimo de solução de problema" e trata de descrever o processo criativo em quatro fases essenciais: preparação, incubação, iluminação e verificação.

A primeira fase, preparação, descreve o momento em que o indivíduo começa a absorver conteúdos que tenham vinculação com o problema a ser solucionado no processo. É nesse momento que o criativo terá que buscar uma grande quantidade de informações, organizá-las e preparar a mente para o desafio que será proposto mais a frente. Ainda sem nenhuma solução aparente, essa fase representa o momento em que o cérebro vai se concentrar, se preparar e quanto mais seu esforço for destinado para o lugar certo, mais sucesso terá nas fases a seguir. Em um segundo momento, entra-se na segunda fase: a incubação. Para Barreto (1982), é o momento de deixar o cérebro trabalhar por conta própria e o inconsciente tratar de fazer as conexões necessárias. A mente criativa, portanto, pode tirar um tempo para abstrair-se e deixar que o processo ocorra livremente.

Chegou a hora da terceira fase: a iluminação. Após um pequeno período de "férias" para a mente criativa, essa fase representa finalmente o encontro com a solução do problema. Wallas (1926) aponta que a iluminação não pode ser forçada e que deve ocorrer naturalmente e de forma subconsciente na mente criativa que fez um bom trabalho durante a preparação. Finalmente, o processo criativo finaliza com a última fase: a verificação. Após a solução do problema já ter sido encontrada, é hora de retornar ao consciente da mente criativa e testar se a ideia faz sentido e trata de solucionar o problema de forma eficaz e suficiente. Sendo

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importante lembrar que todas as fases são interdependentes e um bom resultado só pode ser conquistado após um bom processo (BARRETO, 1982).

Outros autores apontam diferentes divisões dentro do processo criativo, em fases ainda mais especificadas. No entanto, o que se pretende concluir sobre o caminho que a mente criativa percorre para produzir uma ideia é que ele parte de um problema, que necessariamente precisa de uma solução, e ele precisa dialogar bem com quem a propaganda procura comunicar a ideia. Assim, é importante compreender que as ideias partem de locais que já conhecemos e tem muita relação com quem somos, nosso locus social e o que temos de referência sobre o assunto. Para Barreto (1982, p. 157), "Ter ideias, notadamente em propaganda, é descobrir relações novas entre coisas conhecidas" e o fato delas serem parte de um conhecimento prévio exige da mente publicitária uma liberação de pré-conceitos e verdades absolutas, que tratam de reforçar estereótipos e pensamentos retrógrados. E, como veremos um pouco mais a seguir, nem sempre essa é a realidade que encontramos quando olhamos para o conteúdo publicitário e os bastidores das agências.

Pensar criativamente é, antes de tudo, pensar. Reagir à informação, sentir-se motivado pelas questões que surgem, sentir, naturalmente, uma necessidade íntima de achar uma solução. E essa é uma condição que alcançamos, antes de tudo, negando-nos a adotar uma postura passiva diante da vida. Trata-se de um inconformismo saudável e construtivo. Criar é parir. Portanto, produto de inseminação. Da inseminação da sensibilidade pela informação nova, relíquia mais cara da capacidade de admirar. Cabe a nós não nos deixar amortecer pela rotina, não nos deixar anestesiar pelo condicionamento, não deixar morrer em nós o ímpeto original da busca. Para frente, para cima, para sempre. (VIEIRA, 2004, p.115).

Se a produção da ideia parte de um processo que ocorre dentro da mente criativa, a falta de diversidade entre as pessoas ativas dentro do processo criativo significa um resultado que ocorre com variáveis pouco distintas e, dessa forma, sem contrapontos e com uma única visão de mundo. A partir do momento que compreendemos que criar é relacionar de maneira diferente aquilo que já conhecemos (BARRETO, 1982), quanto mais formas e variáveis de conhecimento dentro do processo criativo, mais robusto e incrementado ele se tornará. Em um artigo publicado no portal Meio & Mensagem, o publicitário Ronaldo Ferreira Junior (2018), defende que a diversidade é muito importante para o brainstorming e deve andar de mãos dadas com a criatividade, para a definição de um discurso de venda mais rico e que trate de abranger pontos de vistas diferentes entre si.

Quem já participou de um brainstorming sabe: somente a diversidade de opiniões permite desenvolver novas ideias e pode multiplicar as possibilidades de soluções para determinadas questões. Já o contrário também é válido: uma reunião de pessoas com as mesmas visões dificilmente te levará a algum lugar diferente (FERREIRA JUNIOR, 2018)

Referências

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