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A relação com o saber: os estudantes de engenharia e a primeira disciplina de cálculo

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Academic year: 2021

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Juliana Pires da Silva

A RELAÇÃO COM O SABER:

OS ESTUDANTES DE ENGENHARIA E A PRIMEIRA DISCIPLINA DE CÁLCULO

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em Educação Científica e Tecnológica.

Orientador: Prof. Dr. Méricles Thadeu Moretti.

Florianópolis 2015

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor por meio do Programa de Geração Automática da Biblioteca

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A você Fabricio com todo o meu amor.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus pela força concebida nesta trajetória de estudos e muitos aprendizados.

Ao meu esposo Fabrício Schardosim Reos pela compreensão e apoio nesse período estendendo seu ombro amigo e me escutando nas horas mais difíceis sempre renovando em mim o sonho de tornar-me Mestre.

Aos meus pais, Eladio Ferraz da Silva e Maria Terezinha Pires da Silva por seus ensinamentos que me guiaram sempre no caminho do bem e da retidão.

Aos meus irmãos Silvana Pires da Silva e Bruno Pires da Silva pela parceria, amizade e apoio neste período.

Aos meus sogros, cunhado(a)s e familiares pela compreensão durante minha ausência neste período.

Ao meu orientador professor Dr. Méricles Thadeu Moretti pela paciência, pela confiança depositada em mim, pelas trocas de conhecimentos e orientações que me ajudaram a realizar este trabalho.

Ao professor Bernard Charlot pela gentileza de esclarecer algumas dúvidas por email que foram fundamentais para a concretização deste trabalho.

Aos professores Dr. Rogério de Aguiar e Dra. Veleida Anahí da Silva pelas observações e contribuições na qualificação deste trabalho.

Aos professores da Banca Examinadora Dr. Rogério de Aguiar, Dra. Veleida Anahí da Silva, Dra. Lisani Geni Wachholz Coan e Dra. Cíntia da Rosa da Silva por aceitarem meu convite para a defesa e pelas valiosas contribuições a esta pesquisa.

A Daiana Zanelato dos Anjos pela amizade construída nestes dois anos e pela parceria e aprendizado durante o Mestrado.

Aos professores José Pinho de Alves Filho, José Francisco Custódio Filho, Frederico Firmo de Souza Cruz, Tatiana da Silva pelos conhecimentos adquiridos e pelas calorosas discussões nas disciplinas cursadas que enriqueceram minha formação acadêmica e pessoal.

Aos colegas de Mestrado da turma de 2013, em especial, a turma azul, pela convivência diária nas disciplinas e intervalos sempre renovando nosso espírito científico e contribuindo para o aprimoramento dos projetos de pesquisa.

Aos estudantes de engenharia das turmas de Cálculo I do primeiro semestre 2014 pela disponibilidade e aceitação em participar desta pesquisa.

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comigo.

Ao Campus Araranguá/UFSC pelo afastamento parcial concedido na pessoa da Samira Belettini Borges possibilitando concretizar esta pesquisa e as colegas de trabalho da secretaria acadêmica que supriram minha ausência nesse período.

À Cibele Borba Machado pelas palavras de apoio e leitura das versões escritas para a dissertação.

Enfim, a todos que me ajudaram diretamente e indiretamente para a realização desta pesquisa.

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Aprendi também, como pesquisador, que muitas vezes é partindo das pequenas coisas do cotidiano que se avança sobre as questões fundamentais.

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RESUMO

Nesta pesquisa investigamos a relação dos estudantes de engenharia com a primeira disciplina de Cálculo na Universidade Federal de Santa Catarina - Campus Araranguá. Uma de nossas hipóteses é que os problemas no ensino do Cálculo não são apenas relacionados aos conteúdos ou a metodologia do professor, mas também a postura que os estudantes estão assumindo diante do Cálculo. Para responder ao problema proposto, temos como objetivo identificar, analisar e compreender as relações estabelecidas pelos estudantes de engenharia com o processo de ensino e de aprendizagem da primeira disciplina de Cálculo na Universidade Federal de Santa Catarina no Campus Araranguá. Como ações para alcançar este objetivo, consideramos a questão do sentido e da mobilização, a relação com o aprender Cálculo, com os colegas, com os professores, com eles mesmos, com o curso e a universidade nesse processo educativo. Para captar estas relações, desenvolvemos um questionário com vinte e duas questões abertas aplicados com três turmas de Cálculo no primeiro semestre de 2014 no Campus Araranguá. As respostas foram categorizadas a partir da leitura e releitura dos questionários, onde procuramos agrupar e reagrupar respostas, comparando-as, interpretando-as, tendo como horizonte as relações emanadas no processo de aprendizagem do Cálculo dos estudantes. Para analisar as respostas, temos como aporte teórico os estudos da Relação com o Saber de Bernard Charlot (1996, 2000, 2001, 2005, 2009a, 2013) e Silva (2009). As análises efetuadas permitiram chegar a alguns resultados. De modo geral, três tipos de relações possíveis foram evidenciados: a minoria dos estudantes tem uma relação significativa com a disciplina; outra parte tem uma relação procedimental e a parte mais ampla tem uma relação meramente institucional, em que a disciplina não passa de uma obrigação nos cursos de engenharia. O estudo desenvolvido indica a necessidade de uma mudança de postura tanto dos estudantes quanto do professor no processo de ensino e aprendizagem do Cálculo.

Palavras-chave: Cálculo Diferencial e Integral. Relação com o Saber. Processo de ensino e de aprendizagem.

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ABSTRACT

In this study we investigated the relation of Engineering students to the first discipline of Calculus at the Federal University of Santa Catarina - Araranguá campus. One of our hypotheses addresses the problems in teaching Calculus, which are not only related to the content or the teacher's methodology, but also to the attitude that students take regarding Calculus. To answer the proposed problem, we aim to identify, analyze and understand the relations established by Engineering students to the teaching and learning process of the first discipline of Calculus in Araranguá campus of the Federal University of Santa Catarina. As for the actions taken to accomplish this objective, we considered the problem of sense and mobilization, the relation to knowledge of Calculus, to colleagues, to teachers, to themselves, to the course and university during this educational process. To capture these relations, we developed a questionnaire with twenty-two open-ended questions, which was applied with three groups of students of Calculus in the first semester of 2014 in Araranguá campus. After reading and rereading the questionnaire answers, we tried to group and regroup the answers into categories by comparing and interpreting them having in mind the relations, which emerge during students‟ learning process Calculus, as a target. To analyze the answers, we have studies about the relation to knowledge by Bernard Charlot (1996, 2000, 2001, 2005, 2009a, 2013) and Silva (2009) as theoretical contributions. Thus, the carried out analyses made it possible to come to some results. In general, three types of possible relations were found: the minority has a significant relation with the discipline; other part of group has a procedimental relation and the majority has a purely institutional relation where the discipline is just a mere obligation of the Engineering courses. This study demonstrates the need for an attitude change in both students and the teacher for the teaching and learning process of Calculus.

Keywords: Differential and Integral Calculus. Relation to knowledge. Teaching and learning process.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Tetraedro Didático ... 30 Figura 2 - Triângulo Característico ... 40 Figura 3 - Bloco de questões sobre as dimensões da Relação com o Saber dos estudantes... 74

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Índices de reprovação na disciplina MTM5161- Cálculo A no período de 2003/1 a 2013/1 na Universidade Federal de Santa

Catarina. ... 66

Gráfico 2 - Percentual de Reprovação por FS na disciplina de Cálculo I no Campus Araranguá no período de 2010/1 a 2014/1 ... 69

Gráfico 3 - Percentual de Reprovação na disciplina de Cálculo I no Campus Araranguá no período de 2010/1 a 2014/1. ... 70

Gráfico 4 - Resultados de Q6 ... 91

Gráfico 5 - Resultados de Q15 ... 107

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Estudantes de Engenharia de Energia matriculados na disciplina ARA7101 no semestre 2014/1 na UFSC Campus Araranguá

participantes da pesquisa ... 72

Tabela 2 - Estudantes da Engenharia de Computação matriculados na disciplina ARA7101 no semestre 2014/1 na UFSC Campus Araranguá participantes da pesquisa. ... 73

Tabela 3 - Códigos de identificação dos estudantes ... 78

Tabela 4 - Resultados de Q1.1 ... 82 Tabela 5 - Resultados de Q 1.2 ... 84 Tabela 6 - Resultados de Q2. ... 87 Tabela 7 - Resultados de Q5 ... 89 Tabela 8 - Resultados de Q8 ... 93 Tabela 9 - Resultados de Q9 ... 94 Tabela 10 - Resultados de Q7 ... 96 Tabela 11 - Resultados de Q10 ... 97 Tabela 12 - Resultados de Q14 ... 99 Tabela 13 - Resultados de Q11 ... 102 Tabela 14 - Resultados de Q16 ... 105 Tabela 15 - Resultados de Q3 ... 109 Tabela 16 - Resultados de Q4 ... 111 Tabela 17 - Resultados de Q12 ... 113 Tabela 18 - Resultados de Q13 ... 115 Tabela 19 - Resultados de Q22 ... 118 Tabela 20 - Resultados de Q20 ... 120 Tabela 21 - Resultados de Q21 ... 123 Tabela 22 - Resultados de Q18 ... 125 Tabela 23 - Resultados de Q17 ... 127

Tabela 24 - Índices de reprovação na disciplina MTM5161- Cálculo A no período de 2003/1 a 2013/1 na Universidade Federal de Santa Catarina nos cursos de graduação em Ciência da Computação, Engenharia Civil, Engenharia de Alimentos, Engenharia Mecânica, Engenharia Química, Engenharia Sanitária e Ambiental. ... 145

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS USP – Universidade de São Paulo

UFF – Universidade Federal Fluminense UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

ICMI – International Commission on Mathematical Instruction EDUCON – Educação e Contemporaneidade

ENEM – Encontro Nacional de Educação Matemática

PPGECT – Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica

ESCOL – Educação, Socialização e Coletividades Locais REUNI – Reestruturação e Expansão das Universidades Federais PUB – Escola pública

PAR – Escola particular

ENE – Curso de Engenharia de Energia ENC – Curso de Engenharia de Computação PAA – Programa de Ações Afirmativas PPC – Projeto Pedagógico de Curso FS – Frequência Suficiente

FI – Frequência Insuficiente CG – Classificação Geral

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 25 1.1 APRESENTANDO O CENÁRIO DE INVESTIGAÇÃO ... 27 1.1.1 O problema de pesquisa entra em cena ... 31 1.2 A ESTRUTURA DA PESQUISA ... 35 2 O PROCESSO DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM DO

CÁLCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL: ALGUMAS

CONSIDERAÇÕES ... 37 2.1 BREVE PANORAMA HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO DO CÁLCULO E ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS PARA O SEU ENSINO ... 38 2.1.1 Os reflexos do rigor no processo de ensino e de aprendizagem do Cálculo: alguns apontamentos ... 42 2.2 O ENSINO E APRENDIZAGEM DE CÁLCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL: ALGUMAS PREOCUPAÇÕES ATUAIS ... 44 3 A TEORIA DA RELAÇÃO COM O SABER DE BERNARD CHARLOT: FUNDAMENTOS E DIMENSÕES ... 49 3.1 A QUESTÃO DA RELAÇÃO COM O SABER ... 49 3.2 DA QUESTÃO DO SER INACABADO: A NECESSIDADE DE APRENDER ... 50 3.2.1 O Aprender e o Saber ... 52 3.3 A RELAÇÃO COM O SABER: DIMENSÃO EPISTÊMICA, IDENTITÁRIA E SOCIAL. ... 53 3.3.1 A relação epistêmica com o saber ... 54 3.3.2 A relação identitária com o saber ... 57 3.3.3 A relação social com o saber ... 58 4 CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ... 61 4.1 CONTEXTO DA PESQUISA: A UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – CAMPUS ARARANGUÁ ... 63 4.1.1 A disciplina ARA7101 – Cálculo I na UFSC Campus Araranguá ... 67 4.1.2 Os estudantes de engenharia ... 71 4.2 PROCEDIMENTOS PARA COMPOSIÇÃO E ANÁLISE DO QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ESTUDANTES ... 74 4.2.1 Construção das questões para obtenção das relações epistêmicas, identitárias e sociais dos estudantes de Cálculo ... 74 4.2.2 Composição e aplicação do questionário ... 75

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5 AS RELAÇÕES DOS ESTUDANTES COM O PROCESSO DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM DA PRIMEIRA DISCIPLINA DE CÁLCULO ... 81 5.1 EU E MINHAS RELAÇÕES COM O APRENDER CÁLCULO .. 81 5.1.1 Os estudantes de engenharia: suas expectativas antes e depois de ingressarem na disciplina de Cálculo ... 82 5.1.2 O Cálculo e o que dizem os estudantes quando se fala dele ... 86 5.1.3 A natureza do que é aprender Cálculo para os estudantes .... 89 5.1.4 O significado da nota em uma prova de Cálculo ... 92 5.1.5 O que os estudantes fazem quando não entendem o conteúdo96 5.1.6 O que esperam os estudantes ao concluir a disciplina de Cálculo ... 97 5.1.7 As aprendizagens evocadas pelos estudantes ... 99 5.1.8 A relação com a Matemática do Ensino Médio ...102 5.2 EU E MINHAS RELAÇÕES COM OS OUTROS E COMIGO MESMO ...104 5.2.1 O bom aluno de Cálculo para os estudantes e o que eles precisam para serem bem sucedidos na disciplina ...105 5.2.2 Do que os estudantes mais gostam ou menos gostam nas aulas de Cálculo. ...108 5.2.3 A relação com os colegas e com a turma ...113 5.2.4 A relação com o professor de Cálculo ...116 5.3 EU E MINHAS RELAÇÕES COM A UNIVERSIDADE E COM O CURSO ...124 5.3.1 A universidade para os estudantes de engenharia ...125 5.3.2 O curso de engenharia para os estudantes ...127 6 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS ...131 REFERÊNCIAS ...139 APÊNDICE A – Índices de reprovação da disciplina MTM5161 ..145 APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ....147 APÊNDICE C – Questionário aplicado com os estudantes ...149 APÊNDICE D – Questionário aplicado ao professor participante da criação dos cursos de engenharia no Campus UFSC Araranguá ..153 ANEXO A – Planos de ensino da ARA7101 e da MTM5161 ...155

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1 INTRODUÇÃO

O Cálculo Diferencial e Integral tem lugar privilegiado no ensino superior, sendo indispensável para a formação do pensamento avançado em Matemática. Além disso, é ferramenta extremamente útil para lidar com problemas aplicados, já que trabalha com variação de grandezas e aproximações locais (IGLIORI, 2009; BARUFI, 1999). Logo, integra a grade curricular da maioria dos cursos de graduação das áreas de ciências exatas, naturais e engenharias.

Basicamente, no primeiro curso de Cálculo, o estudante é levado a compreender o que seja uma função de uma variável real e as operações de derivação e integração destas funções. Qualquer aluno que queira seguir uma carreira nestas áreas, já ouviu falar da “tão temida” disciplina de Cálculo. Isso se deve ao fato de ser ela, a disciplina com maiores índices de não aprovação entre os estudantes (BARUFI, 1999; FARIAS, 2007; LIMA, 2012; REIS, 2001; REZENDE, 2003; SCUCUGLIA, 2006; SOUZA JR, 2000).

Barufi (1999, p. 03) ao examinar os resultados obtidos por alunos nos cursos de Cálculo da Universidade de São Paulo (USP), se depara com médias baixas e altos índices de não aprovação entre os anos de 1990 e 1995. A autora diz que esta situação no mínimo “[...] pode ser considerada problemática”.

Para exemplificar, a autora apresenta dados dos alunos do Instituto de Matemática e Estatística da USP no ano de 1995, em que a taxa de reprovação em Cálculo Diferencial e Integral foi de 43,8% e na Escola Politécnica da USP no primeiro semestre de 1994 foi de 46,9%. Já Rezende (2003) nos revela dados da Universidade Federal Fluminense (UFF), no período de 1996 a 2000, onde os índices de não aprovação variavam aproximadamente de 45% a 95%.

Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no período de 2003 a 2013, o percentual de não aprovados nos cursos de graduação em Engenharia Química, Mecânica, Civil, Alimentos, Sanitária e Ambiental variou em torno de 30% a 60%. Já no Campus da UFSC em Araranguá, local onde trabalho, no período de 2010 a 2014, os índices estão na faixa de 43% a 82% de reprovação nos cursos de graduação em Engenharia de Energia e Engenharia de Computação.

Esta situação sobre os elevados índices de reprovação não é apenas local ou nacional. Em países desenvolvidos, o problema com as dificuldades de aprendizagem do Cálculo também existem. Robert e Speer (2001, p. 283, tradução nossa) mencionam no estudo realizado sobre as Pesquisas sobre o ensino e a aprendizagem do cálculo/análise

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elementar1, que “a aprendizagem do Cálculo [...] é difícil para os alunos, não importa o país em que vivem” e mostram um panorama dos estudos realizados para enfrentar esta problemática visando identificar tendências e tradições nessa área.

David Tall2, por exemplo, é um dos principais pesquisadores da linha Pensamento Avançado em Matemática e tem se debruçado em pesquisas sobre as dificuldades de aprendizagem dos conceitos do Cálculo, tendo como base a Psicologia Cognitiva para as suas análises.

Outro exemplo internacional foi à deflagração de uma reforma no ensino de Cálculo, a partir dos anos 80, a qual, segundo Tall (1993), surgiu da insatisfação geral ao redor do mundo, em países como França, Reino Unido e Estados Unidos, advinda das dificuldades de compreensão dos alunos e das taxas de retenção.

Nos Estados Unidos, esse movimento, conhecido como Calculus Reform, trouxe propostas de renovação ao ensino com o uso de software computacional, calculadoras gráficas e o ensino via Regra dos Três: tratamento numérico, geométrico e analítico dos problemas matemáticos; além da pretensão em mostrar a aplicabilidade do cálculo nos problemas estudados. Tais propostas influenciaram as pesquisas sobre o ensino de Cálculo e podem ser evidenciadas nos encontros e congressos da área de Educação Matemática (TALL, 1993).

Deste modo, vemos que esta situação da disciplina de Cálculo não é recente e tem sido objeto de estudo de diversos pesquisadores ao redor do mundo. Muitas são as perguntas suscitadas nesse cenário: o que leva tantos estudantes a fracassarem na disciplina de Cálculo? Seria o próprio saber Cálculo constituinte de dificuldades? Ou o problema estaria na “falta de base” dos alunos? Ou ainda na metodologia do professor universitário? O que os professores têm a dizer a respeito? E os alunos? Contudo, algumas respostas têm sido apresentadas e novas perguntas elaboradas.

Ao longo das próximas linhas, delinearemos um cenário, onde alguns apontamentos para estas causas já foram apresentados na literatura, a fim de colocar o nosso problema de pesquisa.

1

Este trabalho integra o livro The Teaching and Learning of Mathematics at University Level: An ICMI Study de 2001, um estudo da International Commission on Mathematical Instruction (ICMI) sobre o ensino e a aprendizagem de Matemática no nível universitário.

2

Professor Emérito do Pensamento Matemático da Universidade de Warwick. http://homepages.warwick.ac.uk/staff/David.Tall/downloads.html

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1.1 APRESENTANDO O CENÁRIO DE INVESTIGAÇÃO

Uma das causas apontadas para as dificuldades dos alunos na aprendizagem do Cálculo refere-se à existência de obstáculos de origem epistemológica3. Para os pesquisadores que seguem esta teoria, a hipótese é que algumas dificuldades de aprendizagem, muitas vezes as mais resistentes, resultam de formas de conhecimento que são coerentes e têm sido por um tempo eficaz na vida social e / ou contextos educativos. Eles também acreditam que estes obstáculos têm algum tipo de universalidade e, portanto, podem ser rastreados no desenvolvimento histórico dos conceitos correspondentes.

Deste modo, alguns estudos históricos e experimentais evidenciam a existência de obstáculos epistemológicos, por exemplo, no conceito de Limite. Os resultados mostram que o sentido comum da palavra “limite” induz a concepções resistentes do conceito de limite como uma barreira ou como o último termo de um processo para os estudantes; ainda a generalização das propriedades dos processos finitos para processos infinitos gera muitas dificuldades de aceitação a eles (ARTIGUE, 2001).

Outro ponto é a característica globalizadora da disciplina de Cálculo, em que é necessário o aluno mobilizar diversos conceitos aprendidos isoladamente no ensino básico. Estas dificuldades dos alunos remetem a um estudo de matemática, baseados na repetição de procedimentos algorítmicos e memorização de fórmulas, ensinados sem nenhuma articulação entre si. Desta maneira, ao se depararem com questões globais envolvendo conteúdos anteriores, acrescido a um vocabulário diferente com símbolos e notações estranhas, muitos estudantes têm frustradas suas expectativas iniciais (BON, 2004).

Farias (2007, p. 22) coloca que “[...] os estudantes ao ingressarem na Universidade esperam integrar a Matemática que estudaram, em nível médio, com o que estão vendo na universidade.” No entanto, de acordo com a autora isso não acontece. Para os alunos, parece não haver ligação nenhuma com os conteúdos de Cálculo. Logo, na maioria das vezes, não se entende porque determinados conteúdos devem ser aprendidos. Para

3 A teoria dos obstáculos epistemológicos é atribuída a Bachelard sendo depois

importada para a Didática da Matemática por Brousseau (1983). Para Brousseau (1983, p. 165, tradução nossa) um obstáculo é constituído de “[...] um conhecimento anterior, que tinha o seu interesse, o seu sucesso, mas que agora se apresenta falso ou simplesmente inadaptado”.

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Charlot (2009b, p. 09) “quem não entende de que se trata não faz esforço algum para pensar e aprender.” Segundo ele, o aluno nestas condições abandona a tentativa de compreender e no máximo tentará memorizar o assunto para decorá-lo para a prova.

Ainda apontado como uma das principais causas sobre o insucesso dos alunos está a “falta” de conhecimentos ou a compreensão equivocada de conteúdos do ensino básico como empecilho para o entendimento da disciplina de Cálculo (CURY, 2009; REZENDE, 2003). Contudo, a falta de “base” também é apontada por outras disciplinas e mesmo assim não apresentam resultados “tão preocupantes” como os do Cálculo.

De posse destas dificuldades relatadas anteriormente, os alunos encontram nos colegas, nos monitores, na internet e nos livros didáticos a esperança de serem bem sucedidos.

Do outro lado, o professor de Cálculo, geralmente vinculado a um Departamento de Matemática, tem expectativas que os estudantes estão preparados para fazer a disciplina e se alguma dificuldade aparecer é porque o “aluno é fraco” ou está “desmotivado”. Parece existir entre os matemáticos o sentimento que a Educação Matemática tem pouco a contribuir com o ensino superior (SILVA, 2011). De acordo com Palis (2009) há uma distância entre matemáticos e educadores matemáticos e não está sendo fácil aproximá-los.

Na passagem a seguir, Chervel (1990, p. 188) retrata como os professores universitários conduzem o ensino:

O mestre ignora aqui a necessidade de adaptar a seu público os conteúdos de acesso difícil, e de modificar esses conteúdos em função das variações de seu público: nessa relação pedagógica, o conteúdo é uma invariante. Todos os seus problemas de ensino se remetem aos problemas da comunicação: eles são, quando muito, de ordem retórica. E tudo que se solicita ao aluno é “estudar" esta matéria para dominá-la e assimilá-la: é um "estudante". Alcançada a idade adulta, ele [estudante] não reivindica didática particular à sua idade.

Parece que não há uma preocupação do professor universitário quanto à metodologia utilizada com os estudantes. Podemos supor do trecho acima, que segundo Chervel (1990), o ensino superior pode ser caracterizado por uma prática de ensino centrada no professor, cujas

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dificuldades de aprendizagem são remetidas aos estudantes já que para eles fica a tarefa de estudar.

Em particular, nas aulas de Cálculo, Rezende (2003, p.13) diz que a normalidade deste ensino é que o professor demostre os conceitos e os alunos resolvam listas. “Ao aluno, cabe a exaustiva tarefa de fazer exercícios. Para isso, existem as intermináveis e concorridas listas de exercícios de Cálculo”, as quais servem de treino para se preparar para a prova. Quando “algo não vai bem,” foi porque os alunos romperam com a parte que lhes cabe do contrato. Será esta a lógica predominante entre estudantes e professor no ensino de Cálculo?

Outro ponto a se considerar é compreender que a transição do Ensino Médio para o Ensino Superior envolve expectativas e desafios para os alunos diante de um mundo novo: o ambiente universitário. Por mais que não seja uma dificuldade específica da disciplina do Cálculo, esta questão também afeta a relação dos alunos com a disciplina (COULON, 2008).

Coulon (2008, p. 11) explica que “[...] o estudante universitário tem que aprender o „oficio de estudante‟.” Ingressar na universidade é entrar em relação com um mundo novo que o estudante deverá aprender para se tornar parte dele, para então conseguir permanecer nele. Mais precisamente, o estudante irá se deparar com professores novos, organização de horários diferentes, possivelmente com colegas novos em um curso de graduação específico e deverá entrar nas lógicas desse novo ambiente para integrar-se a ele.

Portanto, neste cenário das dificuldades do ensino e da aprendizagem do Cálculo, em que professor universitário, alunos e saber se inter-relacionam, verifica-se que cada qual têm singularidades e que a relação com o saber não é a mesma para alunos e professores, pois cada ser humano é um sujeito singular e social que ao aprender estabelece relações com os outros e com o mundo, ao mesmo tempo, que constrói a si próprio (CHARLOT, 2000).

Um modelo muito usado na Didática da Matemática para exemplificar estas relações é o triângulo didático que permite visualizar com mais clareza a indissociabilidade da tríade aluno-professor-saber em qualquer estudo que se pretenda realizar. Para os didatas, não há como estudar o polo do professor sem levar em consideração os alunos e a mediação do saber, assim como não se pode isolar o aluno sem levar em consideração os outros polos, uma vez que é com o objetivo de aquisição de um saber que aluno e professor se relacionam (CHEVALLARD, 1991). Desta forma, é com este entendimento que

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estudaremos as relações estabelecidas pelos estudantes considerando os outros polos que interagem no decorrer da aprendizagem.

Ainda, Moretti (2013) acrescenta a este modelo mais uma componente: o entorno social que merece ser considerado, uma vez que, representa o conjunto das relações estabelecidas com as instituições de ensino, a família, entre outras instâncias. Dessa forma, ao invés de triângulo, temos o tetraedro, conforme figura 1:

Figura 1 - Tetraedro Didático4

Fonte: Extraído de (MORETTI, 2013).

Cada vértice da face triangular representa uma componente da relação didática, em que professor e aluno se relacionam com os outros, com eles mesmos e com o saber. Dito de outro modo, cada vértice desse tetraedro simboliza uma família de variáveis: as relações estabelecidas pelo professor, às relações de cada um dos alunos em particular e também pelo coletivo da classe, aquelas ainda estabelecidas pelo saber e pela sua transposição didática (JONNAERT, 1996).

Desta forma, transpondo para o sistema didático das aulas de Cálculo, temos os estudantes, o professor universitário, a disciplina de Cálculo e as relações estabelecidas por eles no processo de ensino e de

4

Extraído de notas de aula da disciplina ECT410019 - Registros semióticos e aprendizagem matemática no semestre 2013/2 do PPGECT/UFSC.

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aprendizagem. O que permite que estas relações se mantenham equilibradas é a existência do Contrato Didático5. Uma das regras do contrato diz que cabe ao professor ensinar o saber e ao aluno aprendê-lo (BROUSSEAU, 1996).

Logo, o professor deverá investir o aluno na situação de aprendizagem, mas não poderá fazer por ele. De acordo com Charlot (2005, p. 76), “o professor não produz o saber no aluno, ele realiza alguma coisa (uma aula, a aplicação de um dispositivo de aprendizagem, etc.) para que o próprio aluno faça o essencial, o trabalho intelectual.” Para que o professor tenha êxito, o aluno deve aceitar investir na situação de aprendizagem.

No entanto, nem sempre os alunos estão dispostos a aprender. O que fazer neste caso? Dizer-lhes que são “preguiçosos” ou que não estão motivados, resolve o problema? Charlot (2013, p. 162) diz que “há sempre alunos que não estão interessados em ingressar em uma atividade intelectual”. Assim, para ele a questão central “é [...] compreender como se opera a conexão entre um sujeito e um saber ou, mais genericamente, como se desencadeia um processo de aprendizagem, uma entrada no aprender” (CHARLOT, 2001, p. 19).

Logo, isso significa entender por que o aluno se mobiliza, o sentido que atribui ao saber e como isso se constrói pelo aluno na busca pelo aprender permitindo entender a lógica de sua aprendizagem. Portanto, por meio das relações que o estudante estabelece é possível compreender esta mobilização, ou seja, a questão da relação com o saber é central.

Este entendimento da teoria da Relação com o Saber de Bernard Charlot nos possibilitou olhar de outra maneira a situação da disciplina de Cálculo e a propor o nosso problema de pesquisa.

1.1.1 O problema de pesquisa entra em cena

Diante do cenário apresentado e considerando que os estudantes quando ingressam em uma aula de Cálculo entram em certo tipo de

5 [...] uma relação que determina, explicitamente por uma pequena parte, mas

sobretudo implicitamente, a cada parceiro, professor e aluno, a responsabilidade de gerir aquilo que, de uma maneira ou de outra, ele terá de prestar contas perante o outro. Esse sistema de obrigações recíprocas assemelha-se a um contrato. Aquilo que nos interessa é o contrato didático, ou assemelha-seja, a parte deste contrato que é específica do conteúdo: o conhecimento matemático visado (BROUSSEAU, 1996, p. 51).

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relação com o saber, ao mesmo tempo em que mantém relações com os outros, com o mundo e consigo mesmos, formulamos o seguinte problema de pesquisa: Qual é a relação com o saber de estudantes de engenharia com a primeira disciplina de Cálculo na Universidade Federal de Santa Catarina - Campus Araranguá?

Deste modo, investigar a relação do estudante com o saber é entender as relações epistêmicas, identitárias e sociais de um sujeito inscrito em um processo de aprendizagem, em que estas dimensões são indissociáveis e coexistem (CHARLOT, 2000). Assim, para responder o nosso problema, temos o seguinte objetivo geral: identificar, analisar e compreender as relações estabelecidas pelos estudantes de engenharia com o processo de ensino e de aprendizagem da primeira disciplina de Cálculo6 na UFSC Campus Araranguá.

Desta maneira, para alcançarmos este objetivo, mais especificamente formulamos as seguintes ações:

• Investigar o que mobiliza esses estudantes para aprender Cálculo buscando o sentido atribuído para isso e qual a lógica dessa aprendizagem;

• Investigar as relações com os colegas, com os professores nas aulas de Cálculo, com o curso e com a universidade; • Investigar como os estudantes se percebem na relação com

o Cálculo;

• Compreender a relação com o saber desses estudantes a fim de contribuir com a melhoria do ensino de Cálculo. Nossa hipótese é que os problemas no ensino do Cálculo não são apenas relacionados aos conteúdos ou a metodologia do professor, mas também a postura que os estudantes estão assumindo diante do Cálculo. Entender a relação com o saber dos estudantes possibilitará compreender a lógica de mobilização utilizada e o sentido que eles atribuem ao Cálculo na formação deles, uma vez que o estudante somente aprende quando aceita entrar em uma atividade intelectual e ele somente faz isso quando há sentido (CHARLOT, 2001).

Outra hipótese que assumimos com base na teoria de Charlot (2000), é que nem sempre aprender tem o mesmo sentido para alunos e professor. Um exemplo disso está na passagem a seguir:

6 Utilizamos a expressão “a primeira disciplina de Cálculo” para diferenciar dos

demais cálculos e para padronizar, já que dependendo da instituição adota-se Cálculo I, Cálculo A, Cálculo Diferencial e Integral I. Para não tornar cansativo ao leitor a repetição da expressão “a primeira disciplina de Cálculo” utilizaremos daqui em diante somente a disciplina de Cálculo.

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[...] ao interrogar uma criança de sete anos de idade, que repetia a segunda série, e lhe perguntar que fazia, quando não conseguia ler uma palavra, recebeu esta resposta: “se eu não sei ler uma palavra, eu leio outra”. A lógica desse aluno que, como muitos outros, mantém uma relação binária com o saber: só se pode aprender o que se sabe; quando não se sabe, não se pode aprender (CHARLOT, 2000, p. 66).

Deste modo, existe um sentido para o aluno e uma lógica encontrada para resolver a situação. Entretanto, nem sempre é a esperada pelo professor. Para o aluno, ele estava correto em seu raciocínio, mas não era a lógica para ter sucesso na escola. Deste modo, o aluno sempre estabelece uma relação com o saber, no entanto pode ser que esta não seja a privilegiada pela instituição.

Portanto, a teoria da Relação com o Saber nos possibilita compreender a relação dos estudantes com a disciplina de Cálculo a partir do que para eles é importante; têm sentido; vale a pena estudar; permite que adentremos na subjetividade deles quando investigamos estas relações implícitas, pois cada um é um ser humano singular que constrói a própria história, enquanto partilha com outros desse mundo socialmente construído em um período da história humana.

Logo, como podemos captar essas relações? Inspirados nos balanços de saber7 de Charlot (2009a) e nas pesquisas do grupo EDUCON, coordenado pela professora Veleida Anahí da Silva, desenvolvemos um questionário com vinte e duas questões abertas aplicados com três turmas de Cálculo das engenharias da Universidade Federal de Santa Catarina no Campus Araranguá no primeiro semestre de 2014.

Para fundamentar nossas análises referentes à Relação com o Saber nos apoiamos nos estudos de Charlot (1996, 2000, 2001, 2005, 2009a, 2013) e Silva (2009) procurando manter uma leitura positiva dos

7 O balanço de saber é um tipo de inventário que o aluno faz da sua

aprendizagem ao longo da vida. Os alunos escrevem um texto a partir da premissa seguinte: “Desde que nasci aprendi muitas coisas, em minha casa, no bairro, na escola e noutros sítios... O quê? Com quem? Em tudo isto, o que é que é mais importante para mim?” (CHARLOT, 2009a, p. 18). Para Charlot (2009a) o balanço não indica necessariamente o que o aluno aprendeu, mas mostra o que para o aluno realmente importa para que mencione em seu relato.

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relatos dos alunos no mesmo movimento, onde procuramos agrupar e reagrupar respostas, comparando-as, interpretando-as, tendo como horizonte as dimensões epistêmicas, sociais e identitárias emanadas no processo de aprendizagem do Cálculo dos estudantes que nos permitem conjecturar a relação deles com o saber.

Após estas considerações, é importante destacar a seguir a justificativa para tal estudo:

A escolha por esta temática tem origem desde os tempos de minha graduação em matemática: Sempre possui uma relação positiva com a disciplina de Cálculo e com os demais conteúdos, pois o gosto pelo aprender sempre me impulsionou a dedicar-me em meus estudos. No entanto, não era assim com alguns colegas, que apesar de escolherem serem professores de matemática “não se saiam bem” na matéria. A grande maioria reprovava na disciplina. Escutávamos pelos corredores que era “normal” esta situação já que se tratava da disciplina de Cálculo. Com o tempo, fui percebendo que não era uma situação específica do meu curso.

Com a oportunidade de estar trabalhando na Universidade Federal de Santa Catarina, no cargo de técnica em assuntos educacionais, pude ter contato com a disciplina de Cálculo nos cursos de engenharias do Campus Araranguá. Neste ambiente, constatei que novamente a história se repetia: a disciplina ARA7101 - Cálculo I, ministrada nos cursos de Engenharia de Energia e de Computação, possui(a) índices preocupantes de reprovação de 43% a 82% de acordo com levantamentos de dados apresentados na subseção 4.1.1 sobre a disciplina.

Inconformada com o discurso de normalidade sobre as reprovações em Cálculo, mobilizei-me a buscar leituras sobre as dificuldades de ensino e de aprendizagem do Calculo Diferencial e Integral e a propor um projeto de pesquisa ao Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica. Com o ingresso e novas releituras e aprendizados vividos nas disciplinas, cheguei, juntamente com as orientações recebidas, a esta proposição apresentada anteriormente em termos da Relação com o Saber.

Esperamos que a pesquisa possa fornecer subsídios para que se vislumbrem novos caminhos para se pensar os programas de apoio oferecidos pelas universidades, como também oferecer reflexões aos professores que ministram a primeira disciplina de Cálculo contribuindo, além disso, para a diminuição da evasão e da repetência.

Segundo Igliori (2009, p. 12) “a pesquisa tem papel fundamental no levantamento de causas e na indicação de caminhos a serem trilhados

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na busca de melhorias.” Deste modo, os resultados encontrados poderão acrescentar elementos que, porventura, ainda não foram discutidos na área de Educação Matemática no Ensino Superior, especialmente, quando se leva em consideração as relações que os alunos estabelecem com o saber Cálculo, tendo em vista que as pesquisas em torno da relação com os saberes ainda são muito recentes no Brasil, como afirma Silva (2009), e no âmbito do ensino e da aprendizagem do Cálculo podemos dizer que ainda são incipientes8.

Deste modo, ao utilizar esta teoria tomamos o cuidado de destacar que ela não trata de aspectos cognitivos, dos quais estamos acostumados a trabalhar no ensino de matemática. Ela traz novas reflexões ao ensino quando possibilita investigarmos, a partir da lógica dos alunos, a natureza do que é aprender Cálculo para eles e o sentido dessa aprendizagem. Ela permite que pesquisemos, utilizando os estudos de Charlot (2000), o conjunto de relações estabelecidas pelo estudante com o processo educativo, com os outros e consigo mesmo enquanto aprende.

1.2 A ESTRUTURA DA PESQUISA

O trabalho está estruturado da seguinte maneira: na introdução apresentamos um breve cenário da problemática situação do ensino e da aprendizagem do Cálculo para, então, situar o problema de pesquisa e colocar os objetivos geral e específico, como também a justificativa e a mobilização para este estudo.

No segundo capítulo intitulado O processo de ensino e de aprendizagem do cálculo diferencial e integral: algumas considerações

8 Em levantamento efetuado no banco de teses da Capes; no portal Capes; na

Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, envolvendo as expressões “cálculo diferencial e integral” e “relação com o saber” não foi encontrado nenhum trabalho correspondente. Nos mapeamentos realizados acerca da produção de pesquisa sobre o Cálculo Diferencial e Integral de Wrobel, Zeferino e Carneiro (2013) nas duas últimas edições do Encontro Nacional de Educação Matemática, também não encontramos trabalhos acerca da relação com o saber e Cálculo Diferencial e Integral. O levantamento efetuado pelos autores foi feito a partir da análise de títulos e resumos, usando como metodologia a análise de conteúdo e a análise bibliométrica, com uso do software Alceste, os artigos foram classificados em quatro classes: Questão da Reprovação; Licenciatura em Matemática; Natureza Epistemológica da Aprendizagem e Recursos Didáticos (análise de livros didáticos usando a Teoria dos Registros de Representação Semiótica de Raymond Duval).

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realizamos um breve panorama histórico da criação do Cálculo, com intuito de evidenciar suas especificidades e natureza epistemológica, assim como as influências do rigor matemático no ensino da disciplina. Além disso, discutimos algumas preocupações atuais sobre o ensino e aprendizagem do Cálculo.

No terceiro capítulo encontramos a fundamentação teórica da pesquisa. Discutimos a questão da Relação com o Saber de Bernard Charlot focalizando a concepção de sujeito e as relações de ordem epistêmica, identitária e social e as interlocuções com o nosso estudo destacando a questão do sentido e a da mobilização.

Já no quarto capítulo apresentamos os Caminhos Metodológicos da Pesquisa, em que tratamos de apresentar algumas considerações norteadoras para a construção dos instrumentos e análise dos dados. Nesta parte, foram contextualizados o campo, os participantes e a disciplina de Cálculo. Ainda, apresentamos os instrumentos de coleta de dados, mais especificamente, a construção, composição e aplicação do questionário aplicado com os estudantes. Além disso, mostramos como foi construída a grade de categorização e como foi pensada a análise dos dados.

No quinto capítulo As relações dos estudantes com o processo de ensino e de aprendizagem da primeira disciplina de Cálculo são apresentadas as análises e discussões dos dados organizados em três seções: Eu e minhas relações com o aprender Cálculo; Eu e minhas relações com os outros e comigo mesmo; Eu e minhas relações com o curso e a universidade de acordo com os objetivos propostos.

Finalizando o estudo, temos as conclusões e considerações finais que respondem a questão da pesquisa, em relação aos objetivos e hipóteses assim como algumas perspectivas futuras de pesquisas.

(37)

2 O PROCESSO DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM DO

CÁLCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL: ALGUMAS

CONSIDERAÇÕES

Ao falarmos de processo de ensino e de aprendizagem, se faz necessário sublinhar o que entendemos por ensinar e aprender. Fundamentados em Brousseau (1996) e Chevallard (1991), entendemos que em todo processo de ensino e de aprendizagem existe uma relação didática estabelecida entre professor-alunos-saber. Esta relação acontece toda vez que professor e aluno se encontram no espaço escolar com o objetivo de aquisição de um saber.

Deste modo, compartilhamos as ideias de Brousseau (1996) quando explica que o ensino é a devolução do professor ao aluno de uma situação de aprendizagem. Esta devolução deve provocar no aluno o aceite do problema a ser resolvido. O aluno deverá adaptar-se a esta situação, assimilando e acomodando novas resoluções e estratégias. Cabe ao professor, escolher problemas que permitem ao aluno construir por si próprio o conhecimento, mas não poderá interferir na situação dada, ou seja, o ensinar é criar condições para que os alunos construam o seu próprio conhecimento. De acordo com Charlot (2005, p. 76) “o professor não produz o saber no aluno, ele realiza alguma coisa (uma aula, a aplicação de um dispositivo de aprendizagem, etc.) para que o próprio aluno faça o essencial, o trabalho intelectual”.

Logo, aprender um conteúdo matemático é envolver-se em uma atividade intelectual, cujo resultado seja a apropriação de um saber. Essa é uma dentre as muitas figuras do aprender que veremos no próximo capítulo. Por ora, é importante sinalizar o que Douady (1994, p. 94) coloca abaixo:

Para que haja ensino e aprendizagem, é preciso, portanto, que o conhecimento seja um objeto importante, e mesmo essencial, de troca entre o professor e seus alunos, que o saber seja uma finalidade importante da escola.

Assim, é imprescindível para o ensino e aprendizagem do Cálculo, investigar a relação dos alunos com o saber, a fim de verificar qual o sentido dessa aprendizagem na formação deles.

Após estas considerações, expomos, então, de que forma este capítulo foi pensado e estruturado. Primeiramente, realizamos um breve panorama histórico da criação do Cálculo, com intuito de evidenciar

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suas especificidades e natureza epistemológica, tendo em vista o que Charlot (2005) e Silva (2009) sinalizam: um estudo que queira compreender as relações com os saberes deve levar em consideração as normas que cada saber supõe, ou seja, cada saber tem uma normatividade que é requerida para ingressar nas lógicas desta atividade intelectual.

A história do Cálculo também possibilita compreender porque hoje ensinamos na sequência limite-derivadas-integrais e porque há toda uma cobrança pelo rigor no tratamento dos conceitos, fundamentados na noção de limites e número real, influenciando a forma como a disciplina é ensinada e encarada pelos alunos.

No segundo momento, apresentamos algumas preocupações atuais no processo de ensino e de aprendizagem do Cálculo.

2.1 BREVE PANORAMA HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO DO CÁLCULO E ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS PARA O SEU ENSINO

O Cálculo é considerado um dos maiores instrumentos construídos pelo homem. Segundo Maor (2006, p. 109) “a invenção do Cálculo foi o evento singular mais importante da Matemática desde que Euclides reunira a estrutura da geometria clássica em seus Elementos, dois mil anos antes”. Com essa realização “[...] a matemática criativa passou a um plano superior e a história da matemática elementar essencialmente terminou” (EVES, 2004, p. 417). Este feito é atribuído a Leibniz e Newton que independentemente um do outro “[...] criaram um cálculo manipulável e proveitoso [...]” no fim do século XVII (EVES, 2004, p. 435).

Embora o Cálculo tenha se constituído nesta época, devemos creditar aos matemáticos da Grécia Antiga as primeiras ideias elementares que contribuíram nesse sentido: o filosófo Zenão de Eléia (aproximadamente 450 a.C.) e seus paradoxos contribuíram com as questões envolvendo os infinitésimos e o infinito; Eudoxo de Cnido (~370 a.C.) com o método da exaustão e o notável Arquimedes de Siracusa (~287 a.C.), com uma versão modificada do Método da Exaustão que possibilitou calcular diversas áreas (EVES, 2004).

Deste período até o final do século XVII muitos avanços ocorreram: o Teorema Fundamental do Cálculo já havia sido reconhecido e algumas regras analíticas já eram utilizadas. Contudo, faltava ainda “[...] a criação de um simbolismo geral com um conjunto sistemático de regras analíticas formais e também um

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redesenvolvimento consistente e rigoroso, dos fundamentos da matéria” (EVES, 2004, p. 435).

A primeira parte, coube a Isaac Newton, e em seguida, independentemente a Gottfried Wilhelm von Leibniz, cujas contribuições culminaram com a atribuição a eles da criação do Cálculo Diferencial e Integral. Quanto à revisão dos conceitos do Cálculo em bases rigorosas, isso somente viria a acontecer no século XIX quando do estabelecimento da teoria de Limites.

Assim, no final do século XVII, mais precisamente entre os anos de 1665 e 1666, o matemático e físico inglês Isaac Newton desenvolveu o Método das Fluxões, que apesar das criticas recebidas pela imprecisão, foi aplicado a diversas curvas encontrando inclinações, pontos de máximos e mínimos, curvaturas de curvas, tangentes a curvas, pontos de inflexão, quadraturas e retificações de curvas. Além de conceber a existência de uma ligação entre o problema da tangente e o da área, ou seja, entre a diferenciação e a integração, formulando o Teorema Fundamental do Cálculo, já percebido anteriormente por seus predecessores. Com essa constatação, ele fundiu os dois ramos em um único campo unificado, o Cálculo Diferencial e Integral (BOYER, 1996; EVES, 2004).

Outro grande matemático que divide com Newton os méritos pela construção do Cálculo, é o alemão Gottfried Wilhelm von Leibniz, o qual entre os anos de 1672 a 1676 desenvolveu o seguinte método: tomando como base o triângulo característico PRT (conforme Erro! onte de referência não encontrada.), os lados do triângulo são os aumentos das coordenadas x e y quando se desloca de P para T. Esses aumentos receberam o nome de dx e dy. Leibniz considerou que se dx e dy fossem consideravelmente pequenos poderia conceber que o segmento PT iria coincidir com o segmento curvo PQ.

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Figura 2 - Triângulo Característico

Fonte: Adaptado de Maor (2006).

Para encontrar a inclinação da linha tangente em P, bastaria descobrir a razão altura-largura do triângulo. Essa razão corresponde à taxa

, que igualmente corresponde, tomando dx e dy infinitamente

pequenos, a inclinação do gráfico em P(x, y). No entanto, há uma ressalva, a reta tangente apesar de ser quase igual à curva, não coincide com ela. Essa dificuldade só pode ser contornada com o estabelecimento posterior do conceito de Limite (MAOR, 2006).

O símbolo de integral parecendo um S alongado, derivado da palavra summa apareceu pela primeira vez em um manuscrito de 1675 de Leibniz, da mesma forma que para a diferenciação, ele utilizou a letra “d” de diferença. As notações de Leibniz revelam a grande sensibilidade na escolha de um simbolismo engenhoso, como salienta Eves (2004, p. 443) “[...] sua notação para o cálculo mostrou-se muito feliz e, inquestionavelmente, é mais conveniente e flexível do que a de Newton”. Prova disso é a utilização até os tempos de hoje dos símbolos propostos por ele.

Com a construção do cálculo, uma ampla variedade de problemas que, em séculos anteriores pareciam insolúveis, foram resolvidos. Esse poder de aplicabilidade atraiu uma diversidade de matemáticos da época que livremente publicaram vários artigos sem a devida fundamentação rigorosa necessária na matemática (EVES, 2004).

Ocorreram também críticas a Newton e Leibniz, que apesar de trazerem avanços para o desenvolvimento da matemática, utilizavam nas operações “as quantidades infinitamente pequenas” de maneira intuitiva

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e sem rigor. Ainda não havia, como mencionado anteriormente, uma teoria de Limites que pudessem embasar os seus trabalhos.

Todavia, no fim do século XVIII, com o crescente número de absurdos e contradições incutidos no âmbito matemático, começou uma busca por fundamentar noções que vinham sendo consideradas apenas pela intuição. Assim, Eves (2004, p. 462), no trecho abaixo revela o que foi feito na época:

[...] era essencial examinar as bases da análise para dar-lhes uma fundamentação lógica rigorosa. O cuidadoso esforço que se seguiu, visando a essa fundamentação, foi uma reação ao emprego descontrolado da intuição e do formalismo no século anterior.

Deste modo, isso levou os matemáticos a refinarem conceitos que estavam ligados ao Cálculo, como a ideia de função; o conceito de limite, continuidade, convergência, diferenciabilidade e integrabilidade. Consequentemente, isso levou a uma revisão dos fundamentos de outros ramos da matemática que, por sua vez, sofreram grandes generalizações e se tornaram muito abstratos.

O movimento ficou conhecido como Aritmetização da Análise, iniciado em 1700, ou seja, um movimento dos matemáticos para fundamentar analiticamente as noções do Cálculo, já que os fundamentos geométricos estavam apresentando falhas. Sua finalização ocorreu somente no fim do século XIX com contribuições de Dedekind, Peano e Cantor. Estes trabalhos libertaram o Cálculo e suas extensões de toda dependência sobre noções geométricas, movimento e entendimentos intuitivos (EVES, 2004).

Como não temos pretensão de nos aprofundarmos historicamente, pontuamos que o grande marco foi o ano de 1821 quando Augustin Louis Cauchy (1789-1857) propôs uma “[...] nova e ampla disciplina ordenada rigorosamente, desenvolvida através de um conjunto consistente de definições e teoremas apresentados formal e logicamente, [...]” no seu Cours d'analyse (REIS, 2001, p. 59).

A Análise de Cauchy tinha como base o conceito de limite muito semelhante com o existente nos livros de Cálculo atuais.

[...] quando os valores sucessivos atribuídos a uma variável aproximam-se indefinidamente de um valor fixo, chegando a diferir dele tão pouco quanto se deseje, este último é chamado de limite de todos os outros (BOYER, 1992, p. 26).

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E assim o fez para fundamentar continuidade, diferenciação e integral definida em termos de limite inspirando outros matemáticos a expulsar “[...] da análise a manipulação formal cega e as demonstrações intuitivas” (EVES, 2004, p. 532).

A busca por um entendimento mais profundo dos fundamentos da análise se concretizou com os trabalhos de Karl Weierstrass (1815-1897) e seus seguidores. A análise deixada por Cauchy trouxe enormes avanços, mas tinha ainda uma questão em aberto. A base dela ainda estava assentada na noção intuitiva do sistema de números reais. Assim, Weierstrass defendeu um programa que tratasse esses números de forma rigorosa “[...] independente da intuição geométrica e de qualquer idéia [sic] de movimento” (REZENDE, 2003, p. 65).

Com Weierstrass, a precisão da definição de limite foi introduzida em uma linguagem puramente numérica: Diz-se que L é um limite da função f(x) quando x se aproxima a um valor fixo x=a se, dado qualquer número positivo , existe um número positivo tal que | ( ) | para qualquer x que verifique | | . Essa apresentação com a inserção dos épsilons-deltas é a existente nos livros de cálculos atuais. O rigor weierstraissiano ficou conhecido entre os matemáticos como sinônimo de “raciocínio extremamente cuidadoso” (EVES, 2004, p. 63).

No fim do século XIX, temos um refinamento da análise com Richard Dedekind (1831-1916), Georg Cantor (1845-1919) e Giuseppe Peano (1858-1932). Cantor, no início do século XX, definiu o sistema de números naturais por meio de uma linguagem rigorosa da Teoria dos Conjuntos influenciando a matemática dali em diante (EVES, 2004). 2.1.1 Os reflexos do rigor no processo de ensino e de aprendizagem do Cálculo: alguns apontamentos

Na seção anterior, mostramos as transformações ocorridas com o Cálculo desde seu estabelecimento até a sua consolidação no século XIX. Mas, no âmbito do ensino, o que aconteceu com o Cálculo durante e após essas transformações?

Para delinearmos algumas respostas, faremos alguns apontamentos baseados em Reis (2001) e Lima (2012).

De acordo com Reis (2001, p. 62), “[...] as „tradições‟ do ensino através de limites e de infinitésimos dominaram o cenário pedagógico do Cálculo ao final do século XVIII, [...]”, ou seja, o Cálculo era ensinado ou por meio das noções de infinitésimos com o método de

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Leibniz ou pela noção intuitiva de Limite com o método das fluxões de Newton.

Estas duas abordagens diferentes para o ensino, dividiram os matemáticos da época. Na École Polytecnique de Paris, o professor Laplace (1749-1827), optou pelo ensino via noção intuitiva de Limites. Já Ampére (1775-1836) pelo ensino dos infinitésimos. Assim como, Laicroix (1765 – 1843), e Carnot (1753 – 1823 ), que defendiam tanto os limites como os infinitésimos.

Lacroix, principal autor de livro-texto da época, redigiu duas obras de repercussão mundial: Traité du Calcul Différentiel et du Calcul Intégral e o Traité Élémentaire de Calcul Différentiel et du Calcul Intégral, sendo esse último uma versão simplificada da primeira.

Conforme Lima (2012), os livros de Lacroix não tinham nenhuma pretensão didática. O objetivo dele era apresentar uma compilação completa reunindo todos os resultados do Cálculo Diferencial e Integral do século XVIII. Suas obras foram reeditadas para vários países na época, inclusive para o Brasil.

Essas diferentes abordagens herdadas das diferentes tradições perduraram até o final do século XIX quando “[...] ocorreu um período de „primazia dos limites‟ por influência de Cauchy” (REIS, 2001, p. 62). Com base nos excertos acima, podemos presumir que o período de consolidação do rigor do Cálculo influenciou profundamente a maneira como a disciplina era ministrada, pois passamos de um ensino com ideias mais intuitivas no século XVIII para um ensino rigoroso no estilo weierstrassiano no século XIX.

Podemos supor ainda, que a teoria de Limites de Cauchy fora adotada amplamente nos cursos de Cálculo da época, já que os matemáticos questionavam fortemente os métodos existentes até então: tanto o Fluxional de Newton como os infinitésimos de Leibniz, careciam de um tratamento formal e rigoroso para com noções intuitivas que envolvessem o infinito. Assim, a precisão dos conceitos do Cálculo proporcionada pela teoria de Limites nos faz conjecturar que esse modo foi o mais difundido e utilizado no ensino de Cálculo influenciando a forma como os conceitos elementares seriam trabalhados. Começaria dessa forma, a tradição do uso de Limites no ensino de Cálculo.

A sequência limite – derivada – integral seria tradicionalmente a tendência do ensino de Cálculo, inversamente, ao que aconteceu durante o desenvolvimento histórico visto no início do capítulo.

Este breve percurso histórico mostra que ainda hoje nas aulas de Cálculo a sequência de ensino da disciplina continua e tende a mostrar todo o seu rigor quanto à definição de teoremas e demonstrações. Isto

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leva os alunos “[...] a considerarem o assunto „impossível de ser entendido / aprendido‟, restando a tentativa de uma boa manipulação dos cálculos [...]” de limites, derivadas e integrais valorizando o aspecto procedimental sem um embasamento conceitual adequado (REIS, 2001, p. 104; BARUFI, 1999).

De outro modo, alguns professores passaram a valorizar as técnicas e os procedimentos algorítmicos com intuito de diminuir as dificuldades dos estudantes. A grande questão é que a “[...] primazia dos cálculos de limites, derivadas e integrais acaba também, na maioria das vezes, esvaziando completamente de sentido a disciplina”, pois os estudantes não são levados a refletirem sobre os significados dos conceitos (LIMA, 2013, p. 10).

Após estas considerações, discutiremos algumas preocupações atuais no processo de ensino e de aprendizagem do Cálculo Diferencial e Integral.

2.2 O ENSINO E APRENDIZAGEM DE CÁLCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL: ALGUMAS PREOCUPAÇÕES ATUAIS

Lima (2012), em sua tese de doutorado, investigou a implantação e o desenvolvimento da disciplina de Cálculo no curso de graduação em matemática na Universidade de São Paulo no período de 1934 a 1994. Segundo ele, o curso de Cálculo da USP foi por muito tempo referência sobre o ensino de matemática no país. Dentre as contribuições de sua pesquisa, discutiremos algumas preocupações atuais apontadas pelos professores entrevistados por ele.

Uma delas diz respeito às aplicações dos conteúdos estudados. Segundo Lima (2012) é essencial que o professor mostre aos estudantes as aplicações dos conceitos que estão sendo trabalhados nas aulas de Cálculo para que o aprendizado tenha sentido: “Não faz sentido um curso em que os alunos ficam apenas fazendo exercícios imediatos, de conta” (p. 395). Assim, o professor pode trabalhar com situações que não precisam ser, necessariamente, oriundas do cotidiano dos estudantes, como defende alguns, uma vez que podem gerar situações tão artificiais e desprovidas de significado quanto os exercícios de treinamento. Ele pode utilizar aplicações da própria matemática, onde as situações mostrem a importância daquele conceito para questões relevantes para essa ciência ou para outra área de atuação do indivíduo.

Outra preocupação apontada pelos professores de Cálculo refere-se às dificuldades dos estudantes com o algebrismo exagerado com que autores de livros didáticos e muitos professores colocam nos exercícios

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propostos. Tal fato acontece, pois na ausência de cobrança pela formalização, com alto nível de rigor daquilo que está sendo apresentado, alguns professores “acham que devem propor exercícios nos quais ao menos os cálculos algébricos sejam trabalhosos”(LIMA, 2012, p. 395). Desse modo, torna-se usual propor cálculos de derivadas, em que a regra da cadeia é usada sucessivas vezes ou a determinação de limites, nos quais a dificuldade não é o conceito, mas o trato com expressões mais elaboradas que exigem fatorações bastante trabalhosas.

Ainda, as preocupações com os conteúdos do ensino básico trazido pelos ingressantes vêm preocupando diversos professores há algum tempo. De acordo com a professora Bonomi entrevistada por Lima (2012), é importante que o professor de Cálculo retome, com outro enfoque, alguns conceitos do Ensino Básico que serão fundamentais para a compreensão daquilo que será estudado na disciplina. Ela menciona um exemplo do que faz em sala. Diz que retoma o conceito de função, porque no ensino médio é muito fragmentado. Os estudantes estudam os vários tipos de função separados e uma coisa parece não tem nada a ver com outra e, na universidade, é preciso dar unidade ao conceito de função.

Rezende (2003) também traz algumas considerações acerca das preocupações atuais. Discute o que chama de conflito pedagógico entre o que se faz e o que se pede. Segundo ele, alguns professores têm usualmente trabalhado nos primeiros cursos de cálculo, com um tratamento rigoroso e formal dos conteúdos, mas que, nas avaliações, defendem que esta abordagem não precisa ser cobrada. Nesta hora, devem prevalecer aqueles exercícios efetivamente de cálculo de limites, derivadas e integrais. Artigue9 (1995) citada por (LIMA, 2012) diz que este tipo de prática faz com que os estudantes valorizem os procedimentos algorítmicos, ao invés dos conceitos e significados. Já que para os estudantes o que aparece nas listas e nas avaliações é o que deve ser aprendido na disciplina.

Por fim, outra questão refere-se às preocupações sobre a docência no ensino superior que interferem no ensino e na aprendizagem do Cálculo. Por muito tempo, se pensou que o estudante ao ingressar na universidade, não necessitaria de didática por parte do professor, bastaria que o mesmo estudasse para que o aprendizado ocorresse.

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ARTIGUE, M. La enseñanza de los princípios del Cálculo: problemas epistemológicos, cognitivos y didácticos. In: ARTIGUE, M., DOUADY, R., MORENO, L. & GÓMEZ, P. (Eds.). Ingeniería didáctica em educación matemática, p. 97-140. México: Grupo Editorial Iberoamérica, 1995.

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Afinal, o estudante escolheria um curso de graduação com o qual teria mais habilidade, diferentemente do ensino médio, onde era “obrigado” a frequentar e cursar conteúdos diversos, no ensino superior estaria pronto para aprender aquilo que seria ensinado (LIMA, 2012).

A crença de que na universidade todos são adultos e já sabem o que querem e que basta o professor dominar o conteúdo e ter boa comunicação já vem sendo questionada e criticada nos dias atuais.

Quando alguém afirma que, para ser professor universitário basta dominar o conteúdo e saber transmiti-lo, está partindo de um pressuposto sobre “conhecimento” hoje inteiramente questionável, tendo em vista os resultados de investigações acerca de como se processa o ato de conhecer /aprender. Em outras palavras, mudou a concepção hegemônica que se tinha até recentemente sobre o que seja processo de conhecimento. Conhecimento não é acúmulo de informações, conhecimento não está concentrado somente num lugar (nos livros, relatórios de pesquisa ou na cabeça de alguns poucos iluminados), esperando “passar” para outro lugar, como, por exemplo, para a cabeça dos alunos (FISCHER, 2009, p. 312).

Logo, argumenta a autora, o que passou a ser aceito no decorrer dos anos, é uma concepção de conhecimento que leva em consideração, dentre outras coisas, a relação entre aluno e conteúdo em uma interação dinâmica e permanente que pode ser ainda mais enriquecida pela mediação do professor. Deste modo, a ideia tradicionalmente aceita de que o ensino é a transmissão de conhecimento ou que este último seja algo pronto a ser transmitido do professor para o aluno é algo duplamente questionável. O conhecimento não pode ser considerado como produto acabado e a transmissão dele também não garante aprendizagem efetiva, pois “[...] esta só se processa quando o sujeito toma parte ativa envolvendo-se inteiramente com o objeto de conhecimento” (FISCHER, 2009, p. 312). Como já destacado anteriormente, é preciso que o professor invista o aluno numa situação de aprendizagem que produza sentidos para o aluno, que o provoque a mobilizar-se intelectualmente.

As preocupações apontadas nas linhas anteriores são um recorte muito sucinto, de algumas discussões vivenciadas pelos professores. É

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de suma importância que elas sejam objeto de reflexão por todos aqueles que desejam um processo de ensino-aprendizagem mais significativo para os estudantes.

No próximo capítulo discutimos a teoria da Relação com o Saber desenvolvida por Bernard Charlot que ajudará a fundamentar nossas análises a fim de elucidar a relação dos estudantes de engenharia com a disciplina de Cálculo.

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