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ENTRE MORTOS E FERIDOS, SALVARAM-SE TODOS! O PROCESSO ELEITORAL DE 1958 NO PIAUÍ.

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ENTRE MORTOS E FERIDOS, SALVARAM-SE TODOS! O PROCESSO ELEITORAL DE 1958 NO PIAUÍ.

Marylu Alves de Oliveira1

Resumo: No ano de 1958, no Piauí, ocorreu um acidente automobilístico que tirou as vidas de dezenas de trabalhadores e dois políticos de grande expressão no Estado, Demerval Lobão e Marcos Parente. O fato se deu às vésperas das eleições e os dois eram candidatos da oposição respectivamente ao governo e senado. O acidente ganhou feições de uma tragédia, ficando conhecido como Desastre da Cruz do Cassaco. Com a proximidade do pleito, era necessário que os oposicionistas lançassem outros nomes e o candidato escolhido para o governo pela coligação PTB-UDN foi o jovem rico Francisco das Chagas Caldas Rodrigues e para o Senado o irmão do falecido candidato do Joaquim Parente, levando durante os 20 dias de campanha a bandeira do acidente como projeto político, conseguindo conquistar votos e corações.

Palavras-Chaves: Processos eleitorais; Piauí; Morte; década de 1950.

Abstract: In 1958, in Piauí, an automobile accident occurred that took the lives of dozens of workers and two politicians of great expression in the state, Demerval Lobão and Marcos Parente. The incident occurred on the eve of the elections and the two were opposition candidates for respectively the government and the senate. The accident gained features of a tragedy, becoming known as Desastre da Cruz do Cassaco. With the proximity of the election, it was necessary that the opposition cast into other names and the successful candidate for the government by the PTB-UDN coalition was the rich young Francisco das Chagas Caldas Rodrigues and the Senate the brother of the late candidate Joaquim Parente, taking during the 20 days of the campaign the banner of the accident as a political project, winning votes and hearts.

Keywords: Electoral processes; Piauí; Death; 1950s.

“Há na vida de quase todos nós o hábito de considerar bons, sem defeitos, inatacáveis, os que desapareceram da face da terra, ainda que portadores, em vida, de qualidades negativas capazes de enodoar a própria identidade. Morreu, exclamamos:

- Coitado. Tão bom que era! Foi direto para o céu.

Pura hipocrisia, a que poucos se furtam.” 2.

“Está morto: podemos elogiá-lo à vontade.”3

Recebido em 14/02/2019

Aprovado 05/04/2019 1

Professor da Universidade Federal do Piauí. Doutora em História Social pela Universidade Federal do Ceará. Líder do Diretório CNPq História Política, Teatro e música. Coordenadora do Grupo de Estudos Políticos da UFPI.

2Jornalista piauiense filiado ao PSD .SANTOS, José Lopes dos. Política e outros temas. Teresina: Gráfica Mendes, 1991). 3ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v. II.

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Neste artigo, busca-se investigar de forma intensa e minuciosa um episódio4 da história

política piauiense que vitimou dois candidatos da coligação PTB-UDN (Partido Trabalhista Brasileiro-União Democrática Nacional) às vésperas do pleito eleitoral: o acidente de 4 de setembro de 1958.

Explorar esse acontecimento ajudou a compreender o contexto cultural piauiense, no qual figurava determinada constituição da política partidária, com destaque para três siglas, UDN, PSD e PTB, sendo que duas delas, UDN e PSD, eram consideradas forças de maior representatividade até aquele momento, e a terceira agremiação, o PTB, ainda estava galgando crescimento na política local.

Rastreando-se outros processos sucessórios, observou-se que entre os anos de 1945 e 1958, as eleições no Piauí se tornavam momentos excepcionais, e talvez únicos, em que era promovida de fato uma aproximação entre os candidatos e o eleitorado, que logo após a eleição se transformava em distanciamento entre as duas esferas: política partidária e população. A morte de um dos candidatos naquele momento intensificou ainda mais essa aproximação durante o pleito de 1958, que acabou sendo envolvido pela exacerbação das sensibilidades e pela crença na existência de vida pós-morte, resultando, portanto, em forte adesão popular às novas candidaturas.

Os dois “mártires” do Piauí

Diante do quadro tétrico da morte, tôdas as censuras emudecem, ensarilham-se armas do combate, estabelece-se uma ligeira trégua na luta travada entre os homens de partido, quedam-se as acusações.

As refregas, os entreveros, os conflitos de idéias cessam, porque um sentimento mais alto se levanta, o de respeito à memória dos que se sacrificaram por um ideal sublime, por uma causa que julgaram nobre e gloriosa.

As paixões partidárias, as ambições de poder político não tem voz e nem éco, se detêm ante a grandeza do silêncio mais profundo que envolve o túmulo.

A saudade caleja os corações dominados pelo luto e pela dôr cruel, atingidos profundamente pelo golpe fatal da morte traiçoeira.

[...] A melancolia invadiu a alma da cidade consternada, dando-lhe um aspecto sombrio, refratando o sofrimento dos que choraram, num pranto

amargurado e triste, em hora dolorosa, a perda de vidas tão preciosas. 5

4 Por meio desse episódio, procura-se fazer uma leitura atenta dos elementos que compõem a cultura política piauiense, tomando-se como referência: DARNTON, Robert. Os trabalhadores se revoltam: o grande massacre de gatos na Rua Saint-Severin. In: DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos, e outros episódios da história cultural francesa. Tradução: Sonia Coutinho. Rio de Janeiro: Graal, 1986a. p. 103-140; GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2012a; FERREIRA, Jorge. O carnaval da tristeza: os motins urbanos do 24 de agosto. In: ______ (Org.). Imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular 1945-194. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005b. p. 163-210.

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A escrita enternecida nessa citação se refere à tragédia que se passa a contar. Era manhã do dia 4 de setembro de 1958, quando notícias vindas pelo rádio davam conta de um desastre. Nas proximidades do povoado Morrinhos, distante apenas 14 quilômetros de Teresina, capital do Estado, um acidente automobilístico acabara de tirar a vida de 11 pessoas, deixando ainda dez feridos em estado grave. Uma nuvem de poeira, produzida pela terra que se desprendia da estrada, impediu a visibilidade do motorista do caminhão Ford, que, em ultrapassagem arriscada, e dirigindo em alta velocidade para os padrões da época (estima-se que a 70 km/h), lançou-se frontalmente contra o automóvel Mercury de cor vermelha, modelo 1948, que levava cinco passageiros. Notícia trágica para aquela manhã quente de setembro, ganhando contornos mais ressonantes pelos nomes

ilustres que figuravam entre os mortos.6

No caminhão Ford encontravam-se alguns trabalhadores, operários da construção civil que recebiam a denominação de cassacos. Contratados pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER) seguiam para Teresina para receber o pagamento pelo trabalho executado na construção de estradas. Manoel Paulino de Aguiar, Valdemar da Silva, José Marques Cardoso, João Francisco da Silva, Francisco Fernandes da Silva e José Mendes da Silva perderam a vida no choque fatal. No Mercury, por sua vez, dirigindo-se para as cidades de Água Branca e São Pedro do Piauí com o intuito de fazer campanha política, estavam o jornalista e advogado Ribamar Pachêco, o motorista José Raimundo Martins Gomes, o médico carioca Rubens Perlingeiro, do Departamento Nacional da Criança, e, por fim, os candidatos ao governo do Estado pelo Partido Trabalhista Brasileiro, o

advogado Demerval Lobão7, e ao Senado Federal pela União Democrática Nacional, o engenheiro e

deputado federal Marcos Parente.8 O episódio ficou conhecido como o Desastre da Cruz do

Cassaco.9

Nos dias que se seguiram à tragédia, como não poderia deixar de ocorrer, os jornais da capital piauiense estampavam notícias sobre o acidente. O trecho fortemente consternado do início desta narrativa foi retirado do jornal O Dia, noticioso que em 1958 apoiava o candidato

6A TRÁGICA morte de Demerval Lobão, Marcos Parente e outras vítimas no desastre do dia 04. Jornal do Comércio, Teresina, p. 1, 7 set. 1958.

7Demerval Lobão Veras nasceu em Campo Maior, Piauí. Era advogado e presidiu a secção estadual da OAB (1940-1950). Ocupou diversas chefias de órgãos federais - inspetor do Ensino Secundário, delegado regional do Recenseamento de 1940, diretor do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPTEC). Foi juiz do Tribunal de Contas (1946), diretor da Fazenda no governo udenista de Rocha Furtado (1948-1950) e deputado federal pela UDN de 1950-1954. Em 1958 estava nas fileiras do PTB. Ver: MEDEIROS, Antônio José. Movimentos Sociais e participação política. Teresina (PI): Cepac, 1996. Sobre a trajetória de vida desse político, ver ainda as reportagens dos noticiosos Jornal do

Comércio e Folha da Manhã de setembro de 1958.

8Marcos Parente nasceu em Bom Jesus, Piauí. Era engenheiro, professor, deputado federal (1956-1957) pela UDN, proprietário do jornal Folha da Manhã e dono da construtora Jaraguá, localizada no Rio de Janeiro. Ver: MEDEIROS, op. cit. e jornal Folha da Manhã, de 5 de setembro de 1958.

9Ver: BRANDÃO, Wilson Nunes. Mitos e legendas da política piauiense. Teresina: Gráfica do Povo, 2006; TAVARES, Zózimo. 100 fatos do Piauí no século 20. Teresina: Halley, 2000. Ver também Jornais Folha da Manhã, Jornal do Piauí, Jornal do Comércio e O Dia, de setembro de 1958.

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situacionista ao governo, José Gayoso Freitas10, popularmente conhecido como Dedé Freitas, do

Partido Social Democrático, portanto opositor dos candidatos que morreram. Ainda assim, descreveu o acontecimento com uma comoção que recobria, ao mesmo tempo, o articulista da matéria e a população de Teresina. A reportagem de capa, de forma melancólica, centrava-se na figura do candidato ao governo pela coligação PTB-UDN, Demerval Lobão, vulto político notório no Estado, ex-deputado federal, que, em edições anteriores, havia sido alvo de constantes ataques daquele jornal. Mesmo apoiando o candidato pessedista, era dever do jornal, naquele momento e diante da morte, segundo os editores, prestar as devidas homenagens ao falecido, como sugere a continuação da matéria:

Demerval Lobão Veras morreu tragicamente no cumprimento de um dever cívico, na missão que lhe impôs um idealismo democrático.

Isto ninguém, nem mesmo os que foram os seus mais ferrenhos adversários políticos, poderiam negar.

Nós, dessa trincheira de liberdade e de lutas democráticas, tantas vezes o combatemos dentro do mais elevado senso de dignidade profissional, tecendo-lhe, com equilíbrio e altivez moral, críticas oportunas, sinceras, saneadoras, sensatas e construtivas, num clima criado pela democracia. [...] Combatíamos o político e não o homem.

Como líder de partido, que era, tinha o direito de pensar livremente, à liberdade de ação, de opinião e consciência política.

Ontem vivo e, agora, do outro lado da vida, arrancado abruptamente do convívio humano, golpeado duramente pela fatalidade, que lhe interrompeu a luta, detendo a marcha e o ritmo de suas atividades políticas, cortando, com um desfecho sinistro, o prosseguimento de sua peregrinação eleitoral, nunca cometemos a injustiça de negar-lhes as qualidades profissionais e

intelectuais de que era possuidor.11

Semanas antes do acontecimento fatal, uma representação menos serena frequentava as páginas daquele noticioso. As críticas à coligação Udeno-trabalhista, como era intitulada pelo O

Dia a aliança política entre PTB-UDN para o governo do Estado no ano de 1958 no Piauí, lançava

sobre a figura de Demerval Lobão terminologias e comparações pouco edificantes, como ocorreu no momento do anúncio do seu nome como candidato da oposição, em janeiro daquele ano. Comparando-o ao imperador romano Nero e ao cruel político Tigelo, o jornalista referia-se à Demerval Lobão como um homem desregrado política e moralmente, como sugere o trecho:

10José Gayoso Freitas, mais conhecido como Dedé Freitas, nasceu em 1919, e era formado em Administração de Empresas. Filho do Coronel Pedro Freitas, ex-governador do Estado pelo PSD no período de 1951 a 1955, foi jornalista, professor, deputado estadual, Secretário de Educação e Cultura. Ver: FREITAS, José Gayoso. O Piauí e seus caminhos. Teresina: [s.n.], 1999.

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“QUO VADIS” retrata, em suas páginas, a figura degenerada de Nero, alucinado, pervertido e inconsequente [...].

Demerval Lobão é o retrato fiel de um algoz de todo um povo, o Tigelino do gregorismo piauiense.

Aí estão as provas de seus desmandos e suas arbitrariedades na história

negra do gôverno medíocre e desastrado de Rocha Furtado12.

A sua passagem pela Secretaria de Finanças foi de conseqüências as mais desastrosas para a vida política e financeira do Estado.

Primou pela perseguição impiedosa e sistemática de funcionários e pelo abuso de poder. [...]

Demerval Lobão fez da Secretária, que lhe foi entregue em má hora, num dia aziago, o artifício psicológico da coação moral, o instrumento da odiosidade doentia, voltada contra os que não rezavam na sua cartilha,

contra os que corajosa e heroicamente enfrentavam a sua fúria leonina.13

As duas reportagens retiradas do jornal O Dia parecem tratar de pessoas distintas, pela forma como o periódico mudou seu discurso de um momento para outro. Contudo, um fato importante marcou a mudança no tom das matérias: a morte de Demerval Lobão. É possível observar alguns aspectos relevantes nas matérias mencionadas. Primeiro: é registrado na reportagem intitulada “Quatro de setembro” um “consenso” em pausar o debate entre “os homens de partido”, em razão da morte dos candidatos, pois aos mortos devia-se respeito. Contudo, o articulista também compreendeu a importância da emoção que o desaparecimento imediato dos políticos havia provocado na “alma da cidade”, elemento que deveria ser poupado pelas “paixões partidárias” e “ambições políticas”. Essa preocupação já era um prenúncio do que ocorreria nos dias seguintes ao acidente, a utilização da morte dos candidatos pela coligação PTB-UDN como estratégia política.

Segundo: é perceptível naquela mesma reportagem que houve uma valorização das

qualidades do indivíduo que perdera a vida, elemento discursivo muito distinto do que foi apresentado em publicações anteriores, como no caso da reportagem “Claudius. Eis o homem!”. Isso demonstra a transformação positiva que a morte produz naqueles que a contemplaram, não cabendo mais aos que seguem o curso da vida apontar as características negativas daqueles que se foram.

Terceiro: a argumentação de que antes da morte as posições do jornal não eram contra o

“homem”, mas contra o “político”, leva a crer na necessidade do jornal de balizar suas posições frente a um novo acontecimento producente de comoção social. Percebe-se que a coerência nas homenagens prestadas pelos editores a Demerval Lobão após sua morte exigiu do articulista que

12 Governador do Piauí, pela UDN (1947-1951). Demerval Lobão foi diretor da Fazenda durante esse governo, no período de 1948 a 1950. 13 CLAUDIUS. Eis o homem! O Dia, Teresina, p. 1, 26 jan. 1958.

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enfatizasse que as referências ao candidato udeno-trabalhista nos escritos anteriores foram produzidas para ressaltar o que denominou de “político”. Na reportagem que antecede o acidente, Demerval Lobão (Figura 1) foi caracterizado como perseguidor, autoritário e indivíduo de conduta moral questionável. Nove meses antes de sua morte, o jornal não diferenciou se aquelas características depreciativas que lançava a Lobão eram relativas ao “homem”, ou fariam parte unicamente do que o jornalista intitulou “político”.

Figura 1 – Demerval Lobão: o grande líder

Fonte: Demerval..., 1958, p. 114

Ante os elementos apresentados, percebe-se que se materializou uma nítida mudança na

representação15 do candidato, por parte daqueles que o atacavam constantemente, em decorrência de

sua morte. A escrita desses jornalistas piauienses não deve ser entendida como ação isolada, mas pode ser analisada como indicativa da percepção, naquele contexto cultural, sobre a “morte” e seus desdobramentos simbólicos. Portanto, o objetivo deste artigo é observar a importância da morte dos candidatos para o quadro político local na eleição para o governo do Estado em 1958, e, a partir dessa reflexão, compreender de que forma esse acontecimento contribuiu para a emergência de um governo trabalhista no Piauí.

14 DEMERVAL Lobão: o grande líder. Jornal do Comércio, Teresina, p. 1, 7 set. 1958.

15 A noção de representação será usada em vários momentos de acordo com o que propõe Chartier, como uma forma de dar a ver o mun do. Cada grupo ou segmento social tem uma forma de representar um objeto ou um sujeito. Partindo-se dessa concepção, observa-se que logo após o anúncio da candidatura de Demerval Lobão para o governo no pleito de 1958 ficam patentes as disputas de representação sobre aquele sujeito. Os jornais oposicionistas à sua candidatura o apresentavam recoberto de aspectos negativos e seus apoiadores apontavam todas as qualidades positivas para que exercesse o cargo de governador, delineando-se dessa forma as disputas de representação (CHARTIER, Roger. História Cultural: entre práticas e representações. Tradução: Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difel; São Paulo: Bertrand Brasil, 1990, p. 17).

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A grande maioria das obras que tratam sobre o PTB16, entre 1945-1964, apontam o seu

crescimento nacional, contudo, para se compreender o aumento do número de deputados estaduais, federais e governadores no seio daquela sigla partidária se faz necessário, a partir de pesquisas pontuais, considerar alguns aspectos particulares que envolveram esse processo de crescimento. No caso do Piauí, percebeu-se que antes de ser uma questão superficial, ou um elemento a ser tratado de forma tangencial, a morte dos candidatos teria sido um dos fatores determinantes para a vitória da coligação PTB-UDN, que possibilitou, a partir de 1958, a emergência de um trabalhista ao

governo.

Nas manchetes dos jornais

Os jornais locais nas vésperas das eleições, mas não somente nesse momento, tornavam-se palanques de propaganda partidária. Os editoriais políticos eram, de forma geral, capa dos jornais, deixando evidente a posição daquele noticioso diante dos acontecimentos políticos na esfera nacional e local. Apesar de muitos desses periódicos se qualificarem como “independentes” e “fiéis aos fatos”, apresentavam nitidamente as vozes dos seus candidatos e até mesmo faziam sua campanha, como se pode perceber na Figura 2, publicada no jornal Folha da Manhã, de propriedade do deputado federal udenista Marcos Parente, candidato ao Senado Federal no ano de 1958. Nesse sentido, havia uma função muito bem definida para a produção dos jornais na prática política partidária piauiense, a de fazer propaganda.

Figura 2 – Campanha de Marcos Parente

Fonte: Campanha..., 1958, p. 317

Essa utilização dos jornais não era estratégia política apenas no Piauí18, o que reforça a

importância dos noticiosos como registro significativo das ideias de grupos políticos em várias

16 Algumas obras são fundantes para o estudo do Partido Trabalhista Brasileiro. Em ordem alfabética, ver: ARAÚJO, Maria Celina Soares d'. Sindicatos, carisma e poder: o PTB de 65. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996; BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O PTB e o Trabalhismo: p artido e sindicato em São Paulo: 1945-1964. São Paulo: Brasiliense, 1989; BODEA, Miguel. Trabalhismo e populismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 1992; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. PTB: do Getulismo ao Reformismo (1945-1964). 2. ed. São Paulo: LTr, 2011; FERREIRA, Jorge. Imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular 1945-194. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005a; GOMES, Angela de Castro; D’ARAÚJO, Maria Celina. Getulismo e trabalhismo. São Paulo: Ática, 1989.

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partes do Brasil.19 Como a Tragédia da Cruz do Cassaco envolveu figuras que estavam

concorrendo ao pleito que se aproximava, as reportagens sobre o acidente tornaram-se, antes das eleições, o foco central da atenção daqueles noticiosos. Contudo, antes de discorrer sobre as narrativas do acidente nos jornais, é preciso apresentar brevemente o quadro político piauiense.

Unidos para o pleito de 1958, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e a União Democrática Nacional (UDN) denominaram-se de Oposições Coligadas, e se contrapunham ao candidato governista do Partido Social Democrático, José Gayoso Freitas, também chamado de

Dedé Freitas20, o terceiro da mesma família a se candidatar ao governo do Estado. O primeiro

membro do grupo político-familiar que exerceu a administração estatal, no período de 1951 a 1954,

foi o pai de Dedé Freitas, o Coronel21 Pedro Freitas22. O segundo foi seu tio, Gayoso e Almendra23,

governador do Estado naquele momento (1955-1959). O partido governista estava coligado ao Partido Social Progressista (PSP), Partido Republicano (PR), Partido Libertador (PL) e ao Partido da Representação Popular (PRP), e se intitularam Coligação Democrática Piauiense.

Era de praxe cada partido político, especialmente os maiores, PSD, UDN e PTB, ter seus jornais ou ser publicamente apoiado por alguns deles. Cada noticioso estava recheado de acusações aos adversários, bem como de eventos políticos e de discursos dos candidatos protegidos, contudo, naquele ano, o processo sucessório que se efetivava mediante a ótica dos jornais ficou um pouco diferente, pois o falecimento de Demerval Lobão e Marcos Parente apontou um novo tema 18 A utilização dos jornais como palco das discussões, querelas e apoios políticos não é novidade no Piauí e nem era uma ação executada apenas durante a segunda metade do século XX. Reginaldo Araújo e Ana Amélia de Melo já observavam tais práticas nos jornais cearenses do século XIX. Ver: ARAÚJO, Reginaldo Alves de; MELO, Ana Amélia M. C. de. Uma ilustração à moda sertaneja: imprensa e linguagem política no sertão do Ceará (1824-1856). In: MELO, Ana Amélia M. C. de; OLIVEIRA, Irenísia Torres de (Org.).

Aproximações cultura e política. Fortaleza: Expressão Gráfica e editora, 2013. p. 203-226. Alguns artigos e livros apontam a relação entre imprensa e partidos, ou figuras políticas,

ver: FERREIRA, Jorge. Carlos Lacerda governador da Guanabara: a crítica das esquerdas (1963-1964). In: ______ (Org.). O Rio de Janeiro nos jornais: ideologias, culturas políticas e conflitos sociais (1946-1964). Rio de Janeiro: 7Letras, 2011. p. 154-173; MENDONÇA, Marina Gusmão. Imprensa e política no Brasil: Carlos Lacerda e a tentativa de destruição da Última hora. Revista Histórica, n. 31, 2008.

19 Tal compreensão pode ser percebida também na literatura. Na obra São Bernardo, de Graciliano Ramos, no contexto da primeira República, a passagem para a política partidária do personagem Paulo Honório possibilita observar a sua relação com a imprensa, mas também a percepção do personagem-narrador sobre os jornais. No livro de Graciliano Ramos, o noticioso A Gazeta tem suas posições políticas alteradas em decorrência de benefícios políticos que lhe são concedidos. Tal percepção é observad a por Paulo Honório da seguinte maneira: “A Gazeta, que sempre louvara furiosamente o governo, fugira para a oposição, por causa de um emprego de deputado estadual, e achava a administração pública desorganizada, entregue a homens incompetentes.” (RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 95. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003, p.70).

20 Esboço biográfico na página 4 (FREITAS, José Gayoso. O Piauí e seus caminhos. Teresina: [s.n.], 1999).

21 Pedro Freitas recebera popularmente esse título, assim como seu pai, também chamado de Coronel. Sobre a circulação social do termo no Piauí à época, Manuel Domingos Neto diz: “o termo coronel foi amplamente usado, no campo e na cidade, como forma de tratamento e prestígio. O homem importante que não tivesse mandato, não fosse militar, padre ou doutor e nem fosse chamado de desembargador ou comendador, era respeitosamente tratado de coronel” (DOMINGOS NETO, Manuel. O que os netos dos vaqueiros me

contaram: o domínio oligárquico no vale do Parnaíba. São Paulo: Annablume, 2010, p. 35). Enquanto categoria analítica a noção teve gran de ressonância nos meios acadêmicos

após a obra de Victor Nunes Leal, na qual o coronelismo é percebido como “[...] um compromisso, uma troca de proveitos entre o Poder Público , progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras [...]” (LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil. 7. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 44). Há uma discussão muito intensa no âmbito da Ciência Política nacional sobre o conceito de Coronelismo e a sua utilização para o entendimento geral do sistema político no Brasil. Ver: CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma discussão conceitual. Dados, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid= S0011-52581997000200003&script=sci_arttext>. Acesso em: 25 ago. 2014. 22 Pedro Freitas nasceu em Livramento, atual município de José de Freitas, Piauí. Rico comerciante, não possuía formação acadêmica, mas tinha habilidade para os negócios. Foi

governador do Estado pelo PSD aos 61 anos de idade, no período de 1951-1954. Ver: DOMINGOS NETO, op. cit.

23 O general Jacob Manoel Gayoso e Almendra foi governador do Piauí no período de 1955 a 1959 pelo PSD. Era cunhado do seu antecessor no Executivo estadual, Pedro Freitas (1951-1954). Também foi deputado estadual, deputado federal, chefe de polícia e comandante da Polícia Militar no Piauí. Ver: FREITA S, José Gayoso. O Piauí e seus caminhos. Teresina: [s.n.], 1999.

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para a campanha na imprensa local, a morte, transformando, por seu turno, os constantes ataques de ambos os lados em um momento singular para a história política local. Em razão do repentino desaparecimento dos candidatos da coligação oposicionista, tanto os jornais que apoiavam os políticos udeno-trabalhistas, como é o caso do Jornal do Comércio e do Folha da Manhã - este último de propriedade de uma das vítimas do acidente, como já apontado anteriormente, o deputado federal udenista Marcos Parente – assim como os noticiosos apoiadores dos pessedistas, como foi o caso do Jornal do Piauí e do O Dia, empenharam-se em apresentar a tragédia, narrando minuciosamente o acidente, o enterro e os ritos fúnebres, assim como teceram considerações relativas à situação política que se aproximava: as eleições do dia 3 de outubro de 1958.

A superexposição dos acontecimentos no espaço jornalístico pode ser compreendida como um indicativo do que estavam no cerne das conversas populares, portanto, pode-se, dessa forma, compreender que o acidente foi, ou pode ter sido, um dos assuntos mais pertinentes durante aqueles dias. Outra possibilidade de compreensão da intensa exposição do acidente nos periódicos é a de que esses, em especial os jornais udeno-trabalhistas, tentavam reforçar nos eleitores as representações desejadas dos candidatos vitimados na tragédia. Isso contribuiu de forma significativa para que seus nomes fossem lançados na campanha com forte apelo emocional, no intuito de conquistar - ou mesmo de garantir - o voto do eleitor. Não se está afirmando que essa estratégia, levada a cabo de forma sistemática pela coligação PTB-UDN, tenha sido o único fator responsável pela adesão de vários populares à campanha oposicionista nas vésperas finais do pleito, contudo, é sintomático observar a forma como foi utilizado o acidente, em especial a morte dos candidatos, pelos políticos udeno-trabalhistas, no sentido de capturar o sentimento de comoção

popular gerado após a Tragédia da Cruz do Cassaco.24 Segundo o cientista político Luís Felipe

24 O trabalho mais recente, e praticamente o único de cunho histórico, que aborda diretamente a questão do processo sucessório de 1958 e o governo de Chagas Rodrigues, é a dissertação de Flávia de Sousa Lima, Imprensa e discurso político: as disputas pelo poder no Governo de Chagas Rodrigues (1959 -1962). Ao apontar a emergência dos nomes postos para os cargos eletivos em 1958 e a vitória no processo sucessório pela coligação udeno-trabalhista, a autora apresenta sutilmente três elementos para a conquista do pleito: o poder econômico da família de Chagas Rodrigues, aspecto que teria sido determinante para a escolha do nome daquele político como candidato ao governo; a manipu lação promovida pelos jornais logo após o acidente, o que teria afetado diretamente a escolha dos eleitores; e o caráter populista dos jovens políticos petebistas (Chagas Rodrigues e Demerval Lobão) associado a um discurso “teatralizado”. Este estudo se distancia da perspectiva da autora em todos os elementos apresentados, como será apresentado no decorrer deste capítulo. Sobre os momentos finais do processo eleitoral e o impacto das mortes na campanha, a autora argumenta a existência de uma manipulação do eleitorado feita por meio dos jornais da época, imputando dessa forma aos noticiosos o peso de “manipulação do imaginário”. Utilizando as noções de Maria Helena Rolim Capelato sobre a relação entre imprensa e manipulação, diz: “Segundo Maria Helena Capelato (1998), ‘os jornais passaram a dispor de aparatos técnicos que permitem a fabricação e a manipulação dos imaginários coletivos que constituem uma peça importante no exercício do poder’.”. Não se concorda com essa concepção de “manipulação do imaginário”, considerando-se que parece, pelo menos da forma como foi exposta no texto de Flávia Lima, uma questão bastante unilateral e homogênea. Essa proposta de observação do pleito de 1958, articulada pela autora em sua dissertação, acaba por vitimizar os eleitores, não os responsabilizando pelos resultados dos processos eleitorais, prevalecendo a ideia de manipulação sobre qualquer forma de adesão ou negociação. O processo de “manipulação” conduzido pelos jornais é um termo utilizado por Lima que se rejeita, pois se prefere entender que a utilização dos jornais foi uma estratégia política dos partidos que perderam os candidatos, fato que certamente ocorreu, como já apontado, quando se reportou à utilização da morte com fins eleitoreiros. Entretanto, e isso a autora não leva em consideração, o fato de os jornais articularem um discurso sob re o acidente como parte da propaganda política não significa necessariamente uma aceitação, de forma homogênea ou integral, por parte do público ao qual o jornal se destinava. Con duzir um processo político, ainda mais quando associado às sensibilidades, não significa ter acesso aos seus resultados. Deve-se levar em conta que existem sentimentos que são compartilhados, não sentidos da mesma forma por todos os eleitores piauienses, mas que são parte da cultura e são reconhecidos enquanto tal. Naquele momento, as sensibilidades políticas se voltaram para a morte com toda a sua potencialidade, que tinha e tem as suas significações sociais compartilhadas e que merecem ser compreendidas no rol daquela eleição. Ver: LIMA, Flávia de Sousa. Imprensa e

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Miguel, “[...] mesmo que a imprensa não diga como nós devemos pensar, ela nos diz sobre o que

nós devemos pensar”25

. Nesse sentido, percorreram-se as narrativas jornalísticas com o intuito de

capturar os elementos que caracterizaram os dias após o acidente de 4 de setembro de 1958, observando-se a relação entre o chamamento político e a comoção popular.

Logo nos primeiros dias após o acidente, observa-se nos jornais as manifestações e

atitudes diante da “morte”26, e a primeira delas foi uma espécie de “consenso” entre os grupos

partidários arrefecendo o tom do discurso político, como uma forma de respeito aos sofrimentos causados pela tragédia. Isso pode ser percebido de forma mais efetiva até os dias que antecederam a escolha e divulgação dos nomes dos novos candidatos. Depois da publicação dos novos pretendentes aos cargos públicos, feita pela coligação oposicionista, a campanha retomou seu curso, mas não da mesma forma de antes.

Os jornais que apoiavam a candidatura udeno-trabalhista esforçavam-se para apresentar um clima de consternação intenso, a começar pelos títulos das suas reportagens, a exemplo de Os

dois mártires do Piauí. Nessa matéria, o jornalista dava como certa a vitória dos candidatos, caso o

acidente não tivesse modificado esse percurso, como segue no trecho:

Na manhã do dia 04 de setembro o destino implacável tragou essas duas vidas preciosas que simbolizavam, no presente, a bandeira de redenção do Piauí. Demerval, vitorioso candidato ao Governo do Estado e Marcos, já consagrado Senador da República, imolados em pleno ardor da luta para reconduzir o nosso Estado às condições essenciais de honradez e dignidade, ficarão perpetuados no civismo dos nossos corações agradecidos. Paz às

suas almas bem-aventuradas!27

A morte trágica fez com que detalhes minuciosos sobre o acidente fossem levados ao público, como os dos corpos destroçados e mutilados, o que revelava, por seu turno, a agonia daqueles que enfrentaram de forma densa a sua extinção. Essa contingência fez com os políticos falecidos passassem a ser representados como verdadeiros mártires. Na matéria cujo título é Os dois

Mártires do Piauí28, pode-se destacar duas conotações imbricadas, uma religiosa e outra política. No seu caráter religioso, o mártir é uma pessoa que morre por sua fé, por sua crença, que se sacrifica por aquilo que acredita. A política, nesse sentido, tomando por empréstimo a concepção

discurso político: as disputas pelo poder no Governo de Chagas Rodrigues (Piauí, 1959-1962). 2011. 160 f. Dissertação (Mestrado em História do Norte e do Nordeste do Brasil) -

Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Pernambuco, Recife, PE, 2011, p. 50.

25 MIGUEL, Luís Felipe. Mídia e comunicação política. In: AVELAR, Lúcia; CINTRA, Octávio (Org.). Sistema político brasileiro: uma introdução. 3. ed. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer Stiffung; São Paulo: Editora Unesp, 2015. p. 359-372, p. 364.

26 Uma importante obra nacional que reflete sobre as atitudes diante da morte na Bahia do século XIX é: REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

27 OS DOIS Mártires do Piauí. Folha da Manhã, Teresina, p. 1, 10 set. 1958. 28 Ibid.

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religiosa, seria a grande crença dos candidatos, que ensejavam promover “a redenção do Piauí”, no processo eleitoral. Portanto, os candidatos morreram cumprindo seu papel místico-religioso de

cidadãos; morreram cumprindo seu dever moral e cívico29, pois estavam travando a batalha

política30; morreram por aquilo que acreditavam; eram dois salvacionistas, “dois mártires”. Veja-se

na Figura 3, que segue, como os jornais representavam os “mártires” no pós-acidente:

Figura 3 – Os dois mártires do Piauí

Fonte: Os dois..., 1958, p. 131

Como se pode observar, apenas os dois candidatos são colocados no patamar de mártires piauienses. Segundo o jornal Folha da Manhã, os políticos haviam morrido no ardor da batalha, hasteando a bandeira da “redenção do Piauí”. Eram cavaleiros da salvação do Estado, tombados no combate da campanha eleitoral, merecedores, segundo os jornais udeno-petebistas, de uma posição destacada no panteão da política. No desfecho do texto, o jornalista ainda roga, com elementos que remetem a trechos bíblicos, por “paz às suas almas bem-aventuradas!”

Contudo, esse discurso consternado de exaltação não diferia muito do que fora publicado pelo jornal apoiador do PSD, O Dia, exceto que a oposição impunha a incerteza da definição política para o pleito de 1958.

Morreu antes do julgamento severo das urnas. Desceu à solidão da lousa fria, onde se erguerá uma cruz, com um marco de saudade, emoldurada de flores, onde o sibilar do vento parece sussurrar uma prece à sombra do

cipreste que povoam a lúgubre necrópole de São José.32,33

É interessante notar que mesmo não aceitando a vitória do candidato falecido Demerval Lobão, o jornal governista chegava a se pronunciar de forma tão comovida como a do noticioso

29 Como o acidente foi próximo ao dia 7 de setembro, a data serviu como motivo para a ampliação do termo “lutadores” para “heróis” . Ver: 7 DE SETEMBRO. Folha da Manhã, Teresina, p. 1, 7 set. 1958.

30 Ver: TOMBARAM dois líderes. Folha da Manhã, Teresina, p. 3, 5 set. 1958; HOMENAGEM da Assembléia Legislativa. Folha da Manhã, Teresina, p. 4-3, 5 set. 1958. 31 OS DOIS Mártires do Piauí. Folha da Manhã, Teresina, p. 1, 10 set. 1958.

32 São José é um dos cemitérios mais antigos de Teresina, localizado na zona norte, próximo ao centro da cidade. 33 QUATRO de setembro. O Dia, Teresina, p. 1, 7 set. 1958.

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oposicionista. Fartamente encontram-se trechos emocionados tanto no jornal O Dia quanto no jornal da bancada pessedista, Jornal do Piauí, como o do fragmento que segue:

Os sinos das torres pleagem [sic] solenemente e andorinhas pousadas nas cruzes dos campanários, apavoradas, fogem....

As badaladas são lágrimas de sons a caírem sôbre o cadáver torturado de Demerval Lobão Veras, - o batalhador intemerato -, que desaparece de maneira tão trágica, deixando, de luto, a alma piauiense e a bandeira das Oposições Coligadas, envôlta em crepe.

[...] Na qualidade de adversário político, esperava vê-lo vencido nas urnas, nunca, porém, pela inclemência do destino.

[...] A luta deve prosseguir.

Pelo simples fato de se partirem peças da engrenagem política não é que vá deixar de continuar virando a máquina do progresso.

Permaneço firme nas trincheiras, entretanto, curvo-me reverente ante a campa do inditoso extinto, e sôbre ela derramo, em copioso pranto, a

expressão mais sincera do meu profundo pesar.34

Mediante a proposta de uma escrita enternecida eram dados aos leitores os mais profundos detalhes sobre o episódio do acidente, como o fato de os corpos de Demerval Lobão e

Marcos Parente terem ficado tão mutilados que estavam irreconhecíveis35 e de que o médico

Rubens Perlingeiro só teria sido identificado pelo relógio que portava no pulso.36 A cena do

acidente foi minuciosamente descrita, segundo o Jornal do Comércio, pelos que chegaram poucos minutos depois ao local da tragédia. Nesse sentido, os relatos publicados naquele noticioso, segundo a indicação dos impressos jornalísticos, foram reproduzidos supostamente por fontes “fiéis” ao acontecimento. Entre os personagens-narradores estava o irmão do motorista José Raimundo, o também motorista do DER Júlio, que coincidentemente acompanhava o caminhão que se chocara contra o carro que seu irmão dirigia. Trata-se de mais um elemento para ser acrescentado ao quadro trágico:

O motorista Júlio do caminhão do DER, como os que tripulavam o seu veículo, foram os primeiros a chegar no local, atraídos pelo ensurdecedor barulho promovido pelo choque dos carros. [...] Ali estavam prostrados, inteiramente mutilados, todos os desventurados passageiros do carro Mercury, e muitos trabalhadores que viajavam no caminhão. O quadro era de horror. Uns já perecidos. Outros expiravam. Outros gemiam, em contorsões [sic] de dor, pelos ferimentos recebidos.

[...] No interior do automóvel morreram, instantaneamente, Marcos Parente, Rubens Perlingeiro, e José Raimundo Gomes, sinistramente faleceu nos

34 BARROMELI, Carlos. Um e quatro. Jornal do Piauí, Teresina, p. 3, 11 set. 1958. 35 A HORRÍVEL catástrofe da Cruz do Cassaco. O Dia, Teresina, p. 6, 7 set. 1958. 36 Ibid.

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braços do seu irmão. [...] Demerval Lobão Veras ainda viveu por 15 minutos.

Por lembrança de uma senhora, ali presente, foi obtida uma vela. Ao expirar, Demerval ainda teve a dita de ter entre as mãos a luz, símbolo de fé. 37

Da mesma forma minuciosa e descritiva como apresentaram o acidente, os jornais passariam a multiplicar reportagens que expunham o passo a passo da trajetória que seguiram os corpos, dos rituais de sepultamento, e o retorno ao processo eleitoral. Interessante perceber que durante a narração do pós-acidente, alguns ritos se evidenciam nos noticiosos, como a colocação da vela nas mãos do candidato que estava morrendo, segundo José de Sousa Martins, uma das práticas funerárias mais comuns no Brasil: “A luz é instrumento importante na cultura funerária, porque ajuda o tenebroso transe, como diziam os antigos. Essa passagem pelo corredor escuro da morte até

o destino dos mortos, é a escuridão que aprisiona os mortos”38

, por isso a crença na força da luz para guiar o espírito do moribundo em sua trajetória final. Mesmo que o episódio da vela na mão do candidato não tenha ocorrido de fato, é necessário ressaltar a força da cultura religiosa e de suas práticas surgindo no interior das narrativas jornalísticas.

Logo após o acidente, os corpos foram encaminhados a Teresina para a realização dos exames necrológicos, sendo recebidos, segundo os jornais, por uma multidão que aguardava, em

prantos, na frente do Hospital Getúlio Vargas39. A reação popular na porta do Hospital também foi

descrita no livro de memórias do líder estudantil da época e futuro vereador pelo PTB na eleição de

1962, Jesualdo Cavalcanti Barros40, segundo o qual “A cidade foi tomada pela perplexidade,

comoção e tristeza. Uma multidão em lágrimas, eu no meio, formou-se na frente do Hospital

Getúlio Vargas.”41

.

Os trabalhadores mortos tiveram os velórios amparados por suas famílias, em ambiente privado, e os políticos foram levados para um ritual de exposição pública. Os corpos de Demerval Lobão e Marcos Parente chegaram às 17 horas, do mesmo dia do acidente, à Assembleia Legislativa do Estado, onde foram conduzidos ao plenário, no qual se realizou uma sessão extraordinária em

homenagem aos dois políticos.42 Discursaram, como forma de tributo aos que morreram, os

37 A TRÁGICA morte de Demerval Lobão, Marcos Parente e outras vítimas no desastre do dia 04. Jornal do Comércio, Teresina, p. 1, 7 set. 1958.

38 MARTINS, José de Souza. Anotações do meu caderno de campo sobre a cultura funerária no Brasil. In.: OLIVEIRA, Marcos Fleury; CALLIA, Marcos H. P. (Org.). Reflexões

sobre a morte no Brasil. São Paulo: Paulus, 2005. p. 73-92, p. 86.

39 A TRÁGICA..., op. cit.

40 Jesualdo Cavalcanti Barros nasceu em Corrente, município no extremo sul do estado do Piauí, no dia 18 de fevereiro de 1940. Militou no movimento estudantil entre os anos de 1958 e 1962, ingressando no PTB e sendo eleito vereador no ano de 1962, com 22 anos. Foi preso em 1964. Ver: BARROS, Jesualdo Cavalcanti. Tempo de contar: o que vi e sofri nos idos de 1964. Teresina: Gráfica do Povo, 2006.

41 Ibid., p. 111.

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partidários de todas as grandes siglas no Estado: PSD, PTB e UDN. Os jornais também publicaram as mensagens que eram deixadas sobre os caixões dos mortos durante o evento, entre as quais

chamou atenção uma em especial: “Homenagens do Chagas, ao companheiro Demerval”43

. O jovem deputado federal pelo PTB, Francisco das Chagas Caldas Rodrigues, depositava seu tributo à figura de Demerval Lobão, que teve uma trajetória política muito próxima à sua. Além de fazerem

parte do chamado grupo Matiista44, os dois foram deputados federais no pleito de 1950-1954 pela

UDN, sigla que deixaram no ano de 1954 para se filiarem ao PTB, tendo Chagas Rodrigues sido reeleito à Câmara Federal pela nova legenda, enquanto Demerval Lobão não obteve o mesmo êxito. Mesmo saindo derrotado, Lobão assumiria uma posição importante como líder estadual do partido. Teria sido o próprio Chagas, segundo consta no jornal Folha da Manhã, o responsável pela

articulação partidária em torno do nome de Demerval Lobão ao governo do Estado naquele ano45.

Meses depois, Demerval Lobão seria uma figura essencial para a vitória de Chagas Rodrigues naquele mesmo pleito, como será visto mais adiante.

Segundo o noticioso Folha da Manhã, o corpo de Demerval Lobão saiu da Assembleia para o sepultamento às 18h30min, e a reação popular seria descrita da seguinte maneira: “Incalculável multidão acompanhou os restos mortais do ilustre homem público até a sua última

morada, conduzindo-o à urna funerária. Foi um espetáculo comovente e indescritível.”46 Nesse

trecho, mais uma vez, um elemento significativo surge no espaço jornalístico: a reação da população perante a morte de um dos candidatos. Pode-se ressaltar que a percepção desse articulista será constantemente reafirmada por outros no que tange ao pesar da população pelo falecimento das vítimas do Desastre da Cruz do Cassaco.

Contudo, não foi apenas a população que reagiu ao desaparecimento de Marcos Parente e Demerval Lobão. Próximo ao cemitério São José, onde seria enterrado apenas Lobão, o cortejo fez uma pausa para receber as homenagens oficiais, oferecidas pelo governador do Estado, o

pessedista Gayoso e Almendra. Foram dadas três salvas de tiros e a banda da Polícia Militar

executou o hino fúnebre oficial.47 O jornal governista, O Dia, fez questão de registrar a atenção do

governador, que havia mandado representantes para participarem do ato e decretou luto oficial no

Estado por três dias.48 Em um lugar onde as disputas políticas eram quase guerras entre famílias, a

atitude do governador é sintomática da trégua nos embates eleitorais.

43 TRIBUTO de saudade. Folha da Manhã, Teresina, p. 4, 5 set. 1958.

44 Grupo de políticos do PTB liderados pelo chefe político, o senador Mathias Olympio.. 45 SOBRE a candidatura de Demerval Lobão. Folha da Manhã, Teresina, p. 4, 23 jan. 1958. 46 O SEPULTAMENTO do dr. Demerval Lobão Veras. Folha da Manhã, Teresina, p. 4, 5 set. 1958. 47 Ibid.

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54

No momento do enterro, pronunciaram-se três políticos: Tibério Nunes49, candidato ao

vice governo e deputado estadual pela UDN, que segundo o jornal Folha da Manhã falou em nome

do “povo piauiense”; Severo Eulálio50

, candidato a deputado estadual pelo PTB, que teria discursado em nome do “eleitorado do interior do Estado”, uma vez que era do município de Picos, localizado a 300 km ao sul da capital Teresina; e, por fim, em nome da comissão interpartidária PTB-UDN, pronunciou-se o deputado federal Chagas Rodrigues, que finalizou seu discurso da seguinte maneira: “Adeus, companheiro querido! Não decepcionaremos a tua luta. Teu nome será

nossa bandeira.”51

Conforme afirmou, a partir daquele momento o nome de Demerval Lobão seria utilizado de forma intensa como estratégia política das Oposições Coligadas PTB-UDN para conquistar o pleito de outubro.

Marcos Parente também foi velado na Assembleia, contudo seus despojos seguiram

viagem para serem sepultados no Rio de Janeiro, onde morava com a família.52 Seu corpo foi

transportado pelo avião da Força Aérea Brasileira (FAB), assim como o do médico carioca Rubens

Perlingeiro, que o acompanhava na campanha no estado do Piauí como assessor.53 E como forma de

não perder o hábito de promover ataques aos oponentes, mesmo que de forma velada naquele momento, os jornais ligados ao PSD passaram a criticar a forma como os despojos de Marcos Parente foram abandonados pelos udeno-trabalhistas. Segundo a reportagem do jornal O Dia, o corpo teria sido acompanhado apenas por dois parentes da vítima, não se fazendo presente no avião

da FAB nenhum político das oposições.54

Depois dos enterros, os jornais passaram a relatar as homenagens prestadas aos políticos. Várias mensagens foram encaminhadas aos periódicos e publicadas em tributo aos

mortos, em especial aos políticos Marcos Parente e Demerval Lobão.55 Telegramas de líderes

políticos eram reproduzidos como forma de reforçar o prestígio das figuras que tinham morrido, a exemplo do enviado pelo vice-presidente da República, João Goulart, que se encontrava em Fortaleza e que, segundo consta na publicação do jornal, teria ido até o aeroporto com o intuito de

49 Tibério Barbosa Nunes foi médico e político. Nasceu na cidade de Oeiras em 1922 e faleceu em acidente automobilístico entre Teresina e Oeiras no ano de 1974. Foi prefeito da cidade de Floriano, deputado estadual, vice-governador, e, com a renúncia de Chagas Rodrigues à candidatura ao cargo de senador no ano de 1962, assumiu o governo do Esta do. Ver: PARENTE, Ana Maria de Carvalho Nunes; DANTAS, Deoclécio; NUNES, Teresina Cristina Moura A. (Org.). Tibério Nunes: Trajetória e depoimentos. Teresina: [s.n.], 2006; GONÇALVES, Wilson Carvalho. Grande dicionário histórico-biográfico piauiense 1549-1997. Teresina: [s.n.], 1997, p. 241.

50 Severo Maria Eulálio nasceu em Picos no ano 1930. Foi professor da Faculdade de Direito do Piauí, prefeito da cidade de Picos, deputado estadual em duas legislaturas e deputado federal. Morreu em 1979 em sua cidade natal. Ver: GONÇALVES, op. cit., p. 131.

51 O SEPULTAMENTO do dr. Demerval Lobão Veras. Folha da Manhã, Teresina, p. 4, 5 set. 1958.

52 A TRÁGICA morte de Demerval Lobão, Marcos Parente e outras vítimas no desastre do dia 04. Jornal do Comércio, Teresina, p. 1, 7 set. 1958. 53 SEPULTADOS anteontem no Rio Marcos Parente e Rubens Perlingeiro. Folha da Manhã, Teresina, p. 1, 7 set. 1958.

54 ABANDONADO pelos udeno-trabalhistas os despojos de Marcos Parente. O Dia, Teresina, p. 6, 14 set. 1958.

55 Uma pequena nota foi lançada no dia 7 de setembro, como forma de pesar, ao motorista do carro dos candidatos e, pela primeira vez, José Raimundo Martins Gomes tem seu nome completo publicado nos jornais. Essa nota foi lançada no jornal Folha da Manhã pelo sindicato dos Condutores de Veículos Rodoviários de Teresina (NOTA oficial. Folha da

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embarcar rumo a Teresina para pessoalmente prestar homenagens aos políticos mortos, missão

impossível de se concretizar devido à falta de “proteção do vôo noturno”.56

Os membros do Centro Artístico Operário, do Clube dos Advogados e do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito

lançaram notas públicas em homenagem aos políticos falecidos.57 Também foram reproduzidas

notícias veiculadas pelos jornais cariocas da homenagem que seria prestada pela Câmara Federal a

Marcos Parente e Demerval Lobão.58 Até mesmo o candidato ao governo pelo PSD enviou

mensagem ao jornal pessedista Jornal do Piauí, uma vez que se encontrava na cidade de Valença, localizada ao sul do Estado, fazendo campanha. Segue teor da mensagem:

Mensagem telegráfica aos presidentes da UDN e PTB

De Valença – Ausentes da capital nêste momento em que a fatalidade de um desastre rodoviário faz desaparecer tragicamente do cenário político do Estado as destacadas figuras do Dr. Demerval Lobão Veras, Deputado Marcos Parente e outros oito patrícios. Expressamos aos ilustres dirigentes das Oposições Coligadas e ao povo de nossa terra nosso mais profundo sentimento de pesar. Continuamos seguros de que por mais fortes que sejam os golpes que o destino nos reserve tôdas as correntes políticas saberão manter bem alta a bandeira da luta que estamos levando a efeito pelo bem do Piauí.

Saudações aa) José Gayoso Freitas José de Mendonça Clark59 Agenor

Barbosa Almeida60, 61

Mas não foram apenas os jornais locais que propagaram as suas demonstrações de sentimento e apreço aos mortos, em especial aos políticos. Os jornais cariocas, referências constantes dos noticiosos locais, lançaram mão das notícias da catástrofe, que foram reproduzidas

com afinco em âmbito local (Figura 4).62

Figura 4 – Desastre cobriu de luto o Piauí

56 MENSAGEM do vice-presidente João Goulart. Folha da Manhã, Teresina, p. 1, 5 set. 1958.

57 MENSAGEM de pesar do Centro Artístico Operário. Jornal do Comércio, Teresina, p. 1, 14/15 set. 1958; CLUBE dos Advogados. Jornal do Piauí, Teresina, p. 8, 7 set. 1958; DIRETORIO Acadêmico da Faculdade de Direito. Jornal do Comércio, Teresina, p. 1, 14/15 set. 1958.

58 A CÂMARA Federal homenageará amanhã a memória de Marcos Parente e Demerval Lobão. Folha da Manhã, Teresina, p. 1, 7 set. 1958.

59 José Mendonça Clark nasceu no Rio de Janeiro em 1916. Empresário e político, é radicado na cidade de Parnaíba. Foi presidente da Associação Comercial de Parnaíba e senador da República. Ver: GONÇALVES, Wilson Carvalho. Grande dicionário histórico-biográfico piauiense 1549-1997. Teresina: [s.n.], 1997, p. 104.

60 Prefeito de Teresina no período de 1955 a 1959 e candidato a vice-governador na chapa governista, intitulada Coligação Democrática Piauiense. 61 MENSAGEM telegráfica aos presidentes da UDN E PTB. Jornal do Piauí, Teresina, p. 8, 7 set. 1958.

62 A IMPRENSA carioca e a catástrofe do dia 04. Folha da Manhã, Teresina, p. 1, 7 set. 1958. Pesquisou-se em vários jornais cariocas, e realmente noticiaram com bastante ênfase a morte dos candidatos piauienses. Seguem algumas das reportagens pesquisadas: SESSÃO suspensa pela morte do deputado. Diário Carioca, Rio de Janeiro, p. 3, 5 set. 1958; CANDIDATO morre em desastre. Diário Carioca, Rio de Janeiro, p. 1-2, 5 set. 1958; ESTACA zero. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, p. 12, 5 set. 1958; MORREM em desastre no Piauí dois candidatos a governador e senador. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, p. 3, 5 set. 1958; DEPUTADO e candidato ao govêrno morrem num desastre de jipe no Piauí. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 4, 5 set. 1958; DESASTRE (10 mortos) no Piauí faleceram os dois candidatos da coligação PTB-UDN. Última Hora, Rio de Janeiro, p. 2, 5 set. 1958; SESSÃO suspensa morte do dep. Marcos Parente. Diário da Noite, Rio de Janeiro, p. 6, 5 set. 1958.

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Fonte: Desastre..., 1958, p. 1463

Foram registradas várias manifestações civis e religiosas em homenagem aos políticos falecidos. Entre os eventos religiosos, um dia após o acidente, monsenhor Joaquim Chaves, reverendo bastante conhecido e respeitado em Teresina, celebrou missa em homenagem aos mortos

no acidente.64 A Missa de sétimo dia, celebrada na matriz metropolitana, foi bastante concorrida.65

Com relação às homenagens civis, realizou-se sessão solene na loja maçônica Cruzeiro do Sul66, e

vários colégios cancelaram sua participação no desfile de 7 de setembro, em decorrência da

proximidade da data do evento com o dia do acidente.67 Os estudantes também manifestaram seu

tributo aos mortos políticos, mas de outra forma. No dia 6 de setembro, em sessão solene na

“Polícia Estudantil do Piauí”,68

os líderes estudantis fizeram pronunciamento afirmando que se associavam aos piauienses, que estavam “oficialmente de sentimento e de dor” em razão da perda de “três dos seus mais ilustres filhos: Demerval Lobão Veras, Marcos Parente e José Ribamar Pachêco”, prestando, portanto, solidariedade às famílias e ao povo piauiense. Um dos presentes, em seu discurso, ressaltou que os estudantes estavam decididos a levar em consideração na sua luta “o

sangue dos três mártires derramado em defesa do Piauí.”69

Ainda, foi decretado ponto facultativo

em algumas repartições públicas, como, por exemplo, no Tribunal de Justiça do Estado.70 Mas, no

plano civil, não ocorreram homenagens apenas em âmbito local. Também foram suspensas, no dia 8 de setembro, as atividades no Senado Federal, segundo o jornal Folha da Manhã, “depois de um

voto de pesar profundo”.71

63 DESASTRE cobriu de luto o Piauí. Diário da Noite, Rio de Janeiro, p. 14, 5 set. 1958. 64 HOJE missa pelas vítimas da catástrofe. Folha da Manhã, Teresina, p. 1, 5 set. 1958.

65 TODA Teresina, piedosa e respeitosamente, reverenciou a memória das vítimas do acidente. Jornal do Comércio, Teresina, p. 1, 11 set. 1958. 66 LOJA Maçônica Cruzeiro do Sul 5ª. Folha da Manhã, Teresina, p. 6, 13 set. 1958.

67 OS COLÉGIOS cancelam participação no desfile do 07 de setembro. Jornal do Comércio, Teresina, p. 1, 14-15 set. 1958. 68 Órgão estudantil secundarista piauiense.

69 A POLÍCIA estudantil presta homenagem aos mártires piauienses. Folha da Manhã, Teresina, p. 1, 9 set. 1958. 70 TRIBUNAL de Justiça do Estado. Folha da Manhã, Teresina, p. 6, 7 set. 1958.

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De forma significativa, o estado do Piauí, em especial a sua capital, Teresina, voltou-se para o acidente. Segundo os jornais, tanto oposicionistas como situacionistas, houve uma reação popular “compatível” com a cultura religiosa existente, pois “é desnecessário dizer que o piauiense soube prestar homenagens que se faziam necessárias, comparecendo em massa aos cortejos

fúnebres, em uma demonstração eloqüente de sua formação espiritual”72

. Diante de tamanha comoção e atenção ao acidente, a difícil tarefa da oposição era a de justamente continuar a sua campanha sem infringir qualquer “norma social” referente aos comportamentos culturais indicados como adequados perante a morte. Cada sociedade esteve/está associada a rituais e normas de comportamentos para os vivos que abrangem desde o limpar o corpo, o velar, o sepultar, até a

postura dos familiares e amigos no pós-morte e os ritos que devem ser dedicados ao morto.73 Ao

morto deve-se respeito,74 uma vez que sua missão findou, cumpriu-se seu percurso, e, além disso,

não está mais entre os vivos para defender sua honra em caso de ofensa pessoal. Nesse sentido, o tom do discurso político, em geral bastante agressivo no Piauí, teve de se tornar moderado logo após o acidente. Mas alguns governistas fugiram à regra. Segundo o Jornal do Comércio, o

candidato a vice-governador pela Coligação Democrática Piauiense, Agenor Almeida75, promoveu

um pequeno encontro político nas proximidades do cemitério São José intitulado de meeting, que

contou com a presença de artistas radiofônicos.76 No jornal da coligação UDN-PTB, Folha da

Manhã, a indignação penetrou o noticioso da seguinte forma:

Mas, infelizmente, temos hoje a registrar um fato que destoa de maneira violenta dêsse estado dalma de nossa gente e exige um enérgico protesto contra o gesto deshumano [sic] e revoltante do sr. Agenor Almeida, promovendo na noite de ontem, em frente ao cemitério São José, um “meeting” político, num flagrante de desrespeito à memória daqueles que o destino envolveu na brutalidade de uma tragédia que estarreceu o país inteiro.

Proferindo baldões contra os adversários, numa irreverência aos que ali perto tinham há poucos dias baixado ao seio da terra bêrço, ao senhor Agenor Almeida faltou a dignidade precisa não só para respeitar a memória daqueles que foram vítimas de um destino cruel, como igualmente para poupar de insulto o sentimento de dor e de tristeza que invade o coração do nosso povo.

72 RIBEIRO, Osmam. Comentando. Folha da Manhã, Teresina, p. 3, 7 set. 1958.

73 Na França do Antigo Regime houve intensa circulação de manuais que ensinavam aos vivos os procedimentos ideais para a passage m ao mundo dos mortos, assim como as condutas da arte de bem morrer. Ver: CHARTIER, Roger. Normas e condutas: as artes de morrer (1450-1600). In: ______ (Org.). Leituras e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: Unesp, 2004. p. 131-172. No Brasil, durante o período colonial e imperial, foram criadas estratégias para a relação com o corpo do morto. Nesse sentido ver: RODRIGUES, Cláudia; FRANCO, Conceição Vilela. O corpo morto e o corpo do morto entre a Colônia e o Império. In: PRIORE, Mary Del; AMANTINO, Márcia (Org.). História do Corpo no

Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2001. p. 157-184.

74 CALLIA, Marcos H. P. Apresentando a morte. In: OLIVEIRA, Marcos Fleury; CALLIA, Marcos H. P. (Org.). Reflexões sobre a morte no Brasil. São Paulo: Paulus, 2005. p. 7-16. 75 Prefeito de Teresina no período de 1955 a 1959 e candidato a vice-governador na chapa governista, intitulada Coligação Democrática Piauiense.

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Insensível ao sofrimento alheio, indiferente ao luto da família piauiense, frio e impassível ante o infortúnio que desabou sôbre numerosos lares, o sr. Agenor Almeida deu, à noite de ontem, uma demonstração inequívoca e contundente de sua formação espiritual defeituosa e arredia dos sentimentos de piedade cristã, não aguardando sequer decorresse o sétimo dia para reencampar a campanha eleitoral. [...]

Aqui, pois, fica também o nosso veemente protesto, que traduz, sobretudo, - estamos certos - o sentir da alma e da consciência de toda uma coletividade. 77

Para os udeno-trabalhistas, o prefeito de Teresina e candidato a vice-governador pela

situação Agenor Almeida havia escolhido o local “errado” para realizar um comício78

, o espaço em frente ao cemitério onde algumas vítimas do acidente do dia 4 de setembro foram enterradas, mas sobretudo para a oposição, o prefeito também estaria quebrando as normas impressas pelos valores cristãos, não esperando o 7º dia da morte dos políticos para voltar aos compromissos de campanha.

A realização desse evento rendeu ao prefeito a alcunha de “profanador de túmulos

sagrados”79

, segundo o jornal Folha da Manhã, dando mostras de sua formação espiritual “defeituosa”. Muitas das reações contrárias ao comício se deram pelo fato de que os que sucumbiram não poderiam se defender das supostas acusações políticas, na visão de um cronista do

jornal Folha da Manhã, “uma atitude de desrespeito inenarrável”80. Para alguns articulistas, a

atitude do político situacionista poderia até ser perdoada pelos mortos, mas “terá inelutavelmente o

castigo dos vivos”81

.

Em nota no Jornal do Piauí, noticioso da bancada pessedista, os cronistas tentavam justificar que o candidato Agenor Almeida não havia desonrado os mortos e solicitavam aos

udeno-trabalhistas que parassem com “invencionices [...] em sua propaganda política”, de publicar

reportagens “condenáveis e inoportunas, não pode[ndo] produzir, na opinião pública, os efeitos

desejados”82

. Os autores dessa nota tinham plena convicção de que a propagação negativa daquele comício promovido por Agenor Almeida tinha uma clara função: fazer propaganda política para as

Oposições Coligadas.

Apesar das críticas dos jornais udeno-trabalhistas ao retorno dos governistas às atividades de campanha, ainda no dia 6 de setembro, apenas dois dias após o acidente, os petebistas já estavam se reunindo no Rio de Janeiro para repensar o quadro político. Mathias Olympio de

77 DESRESPEITO aos mortos e aos sentimentos do Povo. Folha da Manhã, Teresina, p. 6, 10 set. 1958. 78 AGENOR versus o povo. Folha da Manhã, Teresina, p. 1, 11 set. 1958.

79 CONSCIÊNCIA entorpecida. Folha da Manhã, Teresina, p. 4, 11 set. 1958. 80 Ibid.

81 A FALA de Agenor. Folha da Manhã, Teresina, p. 1, 13 set. 1958.

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Melo83, senador pelo PTB, junto com outros elementos da cúpula local do partido, tentava apontar o

novo nome que disputaria o governo do Estado para levá-lo ao deputado federal José Cândido

Ferraz84, líder da UDN, a quem coube também articular o novo nome do candidato ao Senado85. No

dia 8 de setembro, nova reunião foi realizada, com a presença de Chagas Rodrigues e Cândido Ferraz. Na ocasião, o jornal Folha da Manhã já apontava a possibilidade de o candidato ao governo ser Chagas Rodrigues, apesar de João Goulart ter supostamente indicado o nome do udenista

Cândido Ferraz, que declinou do convite.86 Na mesma reunião, também o irmão de Marcos Parente,

Joaquim Parente,87 já teria sido apontado como candidato viável ao Senado.88 Em carta aberta,

postada no Folha da Manhã, o ex-desembargador e presidente da Academia Piauiense de Letras

Simplício de Sousa Mendes89, elemento muito atuante nas fileiras conservadoras da UDN, afirmava

que recebera convite do partido para substituir o nome de Marcos Parente, assim respondendo: Indicado pela UDN para o lugar que pertencia ao MARCOS e para a conquista do qual êle tudo deu, inclusive a vida, por amor ao Piauí, venho dizer-lhe, com sinceridade, que este lugar, já vitorioso e conquistado, pode-se dizer não me cabe, mas sim a qualquer irmão do grande MARCOS (grifo nosso). 90

Fez-se questão de frisar a expressão qualquer irmão, pois foram cogitados alguns irmãos de Marcos Parente para assumir sua candidatura ao Senado. Ressalta-se que o mais singular nessa carta, o que se considera o ponto alto do documento, é a ideia de que a vaga deveria ser cedida a algum familiar do morto. Não interessava qual irmão, se possuía carreira ou pretensões políticas, o que prevalecia naquele escrito era a ideia de assegurar a vaga e destiná-la a alguém que tivesse ligação com o político que desaparecera.

83 Mathias Olympio de Melo, magistrado, jornalista, escritor e político, nascido em Barras de Marataoan, Piauí, e falecido em Teresina (1882-1967). Bacharel em Direito, foi secretário do Governo do Estado do Piauí em três administrações, governador do Estado no período de 01-07-1924 a 01-07-1928 e senador da República em duas legislaturas (1946-1963). Ver: LIMA, Flávia de Sousa. Imprensa e discurso político: as disputas pelo poder no Governo de Chagas Rodrigues (Piauí, 1959-1962). 2011. 160 f. Dissertação (Mestrado em História do Norte e do Nordeste do Brasil) - Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Pernambuco, Recife, PE, 2011.

84 José Cândido Ferraz foi médico e político, nascido em Teresina e falecido em Cleveland, Estados Unidos (1915- 1975). Foi deputado federal em quatro legislaturas (1946-1963) e senador da República (1963-1970). Ver: LIMA, Flávia de Sousa. Imprensa e discurso político: as disputas pelo poder no Governo de Chagas Rodrigues (Piauí, 1959-1962). 2011. 160 f. Dissertação (Mestrado em História do Norte e do Nordeste do Brasil) - Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Pernambuco, Recife, PE, 2011. 85 PIAUÍ: morte reabre problema sucessório. Folha da Manhã, Teresina, p. 1, 7 set. 1958.

86 UDN-PTB no Rio rearticularam a chapa para governo e senatoria no Piauí. Folha da Manhã, Teresina, p. 1, 9 set. 1958.

87 Joaquim dos Santos Parente foi político, comerciante e industrial, nascido em Bom Jesus do Gurguéia (PI) e falecido em Brasíl ia (1912-1974). Foi senador da República (1959-1963) e deputado federal (1967- 1971). Ver: LIMA, op. cit.

88 Segundo Antônio José Medeiros, “A solução do PTB baseou-se em critérios políticos bastante delineados na conjuntura: Chagas Rodrigues era um dos nomes da nova geração de petebistas de maior destaque; a alternativa a seu nome seria a volta do velho líder Matias Olímpio [sic]. A solução na UDN, provavelmente diante de impasses políticos internos, foi diversa. O ‘estranho’ Joaquim Parente – há muito residente no Rio de Janeiro aonde se dedicava a atividades comerciais – dificilmente seria candidato a cargo de importância de uma senatoria em outras circunstâncias.” Ver: MEDEIROS, Antônio José. Sindicalização rural e mobilização camponesa na crise do populismo (o caso do Piauí: 1958-1964). 1994. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica (PUC), São Paulo, 1994, p. 94. 89 Simplício de Sousa Mendes nasceu em União (PI), no ano de 1882. Foi bacharel pela Faculdade de Direito de Recife (1908) e juiz de Direito em Piracuruca e Miguel Alves (PI). Foi

um dos fundadores da Faculdade de Direito do Piauí e seu professor catedrático de Teoria Geral do Estado. Além disso, foi professor d e Direito Constitucional, membro do Tribunal Regional Eleitoral e presidente da Academia Piauiense de Letras. Era jornalista de grande atuação na imprensa piauiense.

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