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ADVOCACIA E

PLURALISMO

NO

PLANEJAMENTO

Paul Davidoff

1

Tradução do Prof. Arq. Frederico Flósculo Pinheiro Barreto

(Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília)

A

época em que vivemos pode ser tornar aquela em que os sonhos do passado por uma democracia intelectualizada, bem informada, e justa, torna-se finalmente realidade. A multidão de vozes que se ergueu, protestando contra a discriminação racial, criou uma mobilização de toda a

1

NOTA DO TRADUTOR: Publicado originalmente no Journal of American Institute of Planners, Vol 31., Nº 4, 1965. sob o título “Advocacy and Pluralism in Planning”. Tradução em Domínio Público.

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nação pela eliminação das injustiças com base no racismo e em outras arbitrariedades2. A adoção pelo Congresso dos E.U.A. de um conjunto de

medidas destinadas à previdência e à proteção das populações vulneráveis, visando o seu bem-estar, e a especificação que foi dada pela Suprema corte dos E.U.A., quanto ao significado da “proteção igualitária sob a Lei”, tanto revelam que há uma resposta ao clamor público quanto que está aberta a via que conduz às vastas mudanças que ainda se fazem necessárias.

A justa demanda por igualdade social e política por parte dos Afro-Americanos e dos muito pobres requer da república o estabelecimento de bases para uma sociedade que permita a todos os cidadãos oportunidades iguais. Torna-se manifesta a necessidade de um planejamento governamental inteligente, para que especifique os novos objetivos sociais a serem alcançados, os meios para esse alcance. A sociedade do futuro será urbana, e os planejadores de cidades devem ajudar para dar-lhes forma e conteúdo.

A expectativa que se pode ter acerca do planejamento, no futuro, é de uma prática que convoque abertamente os valores sociais e políticos em circulação, para serem examinados e debatidos. A aceitação dessa perspectiva significa a rejeição do modelo de planejamento em que o planejador agia só, como um técnico. Nesse sentido, tem-se afirmado que os estudos técnicos – que ampliariam o horizonte de informações disponíveis para os tomadores de decisões - devem ter prioridade sobre o estabelecimento de objetivos e de valores:

“Nós já sugerimos, pelo menos em parte, que o planejador de cidades

toma um melhor caminho se começar da pesquisa acerca dos aspectos

2

NOTA DO TRADUTOR: Na época da publicação desse artigo, havia enorme comoção nos E.U.A., devido ao problema racial.

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funcionais da cidade, do que de suas próprias especulações quanto aos valores que se vê tentado a maximizar. Essa sugestão se baseia numa convicção de que é exatamente por tomar esse atraente desvio que as implicações de muitas das decisões que são tomadas no planejamento acabam por ser mal compreendidas, pois não se tem meios certos, inequívocos, à prova de falha, pelos quais os valores pessoais possam ser medidos, graduados e traduzidos para que assumam as formas de um sistema metropolitano.”3

Essa afirmativa, ao mesmo tempo em que reconhece da necessidade de se ter prudência e humildade – e alguma receptividade para acatar sugestões alheias – na adoção de objetivos sociais, acaba por ameaçar gravemente (ou atenuar fortemente) aquilo que é a mais importante contribuição que o planejamento pode fazer: recomendar ações futuras apropriadas para melhorar a condição urbana.

Um outro argumento tem sido apresentado, também com esse sentido de reduzir a importância das atitudes e dos valores no planejamento e em outras práticas da ação pública, consiste em afirmar que as questões no âmbito das políticas públicas são, essencialmente, relacionadas escolhas entre métodos de solução de natureza técnica.

Dahl e Lindblom expõem essa posição logo no início de seu importante livro sobre “Política, Economia e Bem-Estar Social” [Politics, Economics, and

Welfare]4.

3

NOTA DO AUTOR: Britton Harris, “Plan or Projection”, Journal of the American Institute of Planners, XXVI (Novembro de 1960), pp. 265-272.

4

NOTA DO AUTOR: Robert Dahl e Charles Lindblom, Politics, Economics, and Welfare (Nova Iorque: Harper and Brothers, 1953), pg. 3.

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“Na organização e na reforma da economia, as ‘Grandes Questões’ já

não são mais grandes questões, se é que um dia foram, realmente. Tem-se tornado cada vez mais difícil para os estudiosos encontrar alternativas que façam algum sentido, colocadas pelas polarização criada entre o socialismo e o capitalismo, entre o planejamento e a livre regulação – ou auto-regulação – dos mercados, ou laissez-faire, pois essas escolhas nem são tão simples, nem são tão abrangentes quanto desejariam. Não são tão simples porque a organização econômica coloca problemas enredados de tal forma, que somente podem ser encarados se uma atenção tremenda for concentrada em detalhes técnicos – de que outra maneira, por exemplo, pode-se controlar a inflação? Nem são tão abrangentes porque, pelo menos no mundo ocidental, muitas pessoas nem podem sem desejam realizar experimentos com toda a estrutura sócio-econômica, para alcançar determinados objetivos, que seriam, de outro modo, mais facilmente alcançáveis. Se, por exemplo, um sistema de taxas servisse a esse propósito, por que apelaríamos para a alternativa de “abolir o sistema salarial vigente” tentando reduzir as desigualdades sócio-econômicas?”

Essas palavras foram escritas no início da década de 1950, e expressam muito mais o espírito daquela década do que o espírito dos anos 1960. Elas sugerem que as maiores batalhas já haviam sido travadas à época. Mas as “Grandes Questões” de ordem econômica, aquelas que revolviam em torno da questão central da justiça distributiva, ainda estão por ser atendidas. O mundo ainda está mergulhado na mais profunda perplexidade e confusão acerca do modo pelo qual os recursos das nações devem ser distribuídos. A justiça da alocação de recursos, de riquezas, de conhecimentos, de habilidades, e de outros bens sociais, encontra-se claramente em debate. Soluções para as questões sobre como partilhar a riqueza e outras vantagens e recursos sociais – que vão diferenciadamente

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para diferentes classes sociais – não podem ser elaboradas “tecnicamente”, mas devem surgir das atitudes sociais.

Uma ação de planejamento que seja realmente apropriada não pode ser prescrita desde uma posição de “neutralidade” quanto a valores e ganhos, pois a prescrições de planejamento são baseadas em objetivos desejados.

Uma conclusão que se pode derivar dessa afirmação é que “os valores

são elementos inescapáveis de qualquer processo de tomada de decisão”5, e

que os valores a que os planejadores aderem, os valores que seguem, devem ficar muito claros. As implicações dessa conclusão para o planejamento já foram discutidas em um outro trabalho, e não as consideraremos neste capítulo6. Aqui eu falarei que o planejador deve fazer mais do explicitar os

valores subjacentes às suas prescrições de cursos de ação; ele deve afirmá-los, defendê-los; ele deve ser um advogado daquilo que prega, do que diz ser apropriado.

Determinar o que afinal serve ao interesse público, numa sociedade que abranja uma grande diversidade de grupos de interesse, é algo sempre controverso, polêmico, litigioso. Ao desempenhar esse seu particular papel de determinar os cursos de ação que levarão às situações futuras desejadas, os profissionais do planejamento devem se envolver de forma completa e engajada nesse ambiente de tensões que circunstancia a tomada de decisões políticas. Mais ainda, os planejadores devem se envolver no próprio processo político, como advogados dos interesses de todos os envolvidos: advogados dos interesses do governo, mas também dos interesses de todos os outros grupos, organizações, ou mesmo dos interesses individuais que estão

5

NOTA DO AUTOR: Paul Davidoff e Thomas reiner, “A Choice Theory of Planning”, Journal of the American Institute of Planners, XXVIII (Maio de 1962), pp. 103-115.

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enredados com o processo político, com a formulação de política públicas que visam o desenvolvimento futuro da comunidade.

Essa proposta de que os planejadores urbanos representem e defendam os interesses de diferentes partidos é fundamentada na necessidade de se criar uma democracia urbana que seja efetiva, uma democracia urbana na qual os cidadãos devem ser capazes de desempenhar um papel ativo no processo de formulação das políticas públicas. O que seja “adequado” em uma política pública deve ser determinado através de um processo de debate político. O curso de ação mais “correto” é sempre uma questão de escolha, nunca uma questão de fato. Numa era de burocracias, há que se tomar muito cuidado para que as escolhas fiquem na área do debate público, da atenção pública, da participação pública.

A política urbana, numa era de atividade governamental crescente nas áreas do planejamento e do bem-estar social7, deve equilibrar o

“cabo-de-guerra” das demandas do controle central da burocracia (sempre crescente e insistente), contra as demandas descentralizadas, dos interesses locais, especializados. O bem-estar de todos e o bem-estar de minorias são, ambas, merecedoras de apoio: o planejamento deve ser estruturado e praticado de tal forma a permitir uma continuada transparência na “prestação de contas” quanto ao modo como gerencia essa inevitável bifurcação ou polarização nos interesses públicos.

O processo político idealizado para uma democracia pode também ser comparado ao que acontece no processo judiciário, quando se busca a verdade num litígio entre duas ou mais partes. No processo judiciário, as partes devem ser ouvidas; deve-se entender o que estão questionando e desejando, o que denunciam, o que querem; deve-se reunir informações

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sobre outros aspectos envolvidos – por exemplo, de que forma os interesses públicos e de pessoas não relacionadas inicialmente foram afetados; as pessoas devem ser ouvidas, provas do que elas dizem, provas acerca de circunstâncias essenciais à qualificação de cada aspecto do caso, devem ser reunidas: exames comparativos, e contra-exames, contra-argüições, comprovações, verificações, perícias e exames devem ser realizados, se necessários; o caso deve ser coligido de forma lógica, e a argumentação que conduz a cada etapa de sua qualificação deve ser explícita, consistente e coerentemente construída. Esses são, grosso modo, os meios que o processo judiciário emprega para chegar à verdade relativa a muitos casos de litígios: seu desfecho será uma decisão justa.

Tanto o processo judiciário quanto as disputas entre posições políticas antagônicas dependem fortemente da advocacia feita por profissionais das políticas públicas. Esses advogados representam, por vezes, os interesses de uma pessoa, de um grupo, de uma organização. Eles afirmam suas posições em uma linguagem clara, tanto para seus próprios clientes quanto para os tomadores de decisão que ele tenta convencer.

Se o processo de planejamento tem como um de seus objetivos – e é de sua natureza – encorajar um governo urbano que seja democrático – então esse processo deve operar de modo a incluir, e não de modo a excluir, os cidadãos de participarem do processo. “Inclusão” não significa apenas que os cidadãos devam ser ouvidos. “Inclusão” significa que se deve buscar informar o cidadão acerca das razões que são subjacentes às propostas de planejamento, e de forma a permitir que compreenda e se expresse na linguagem técnica dos profissionais do planejamento.

Uma prática que tem desencorajado a plena participação dos cidadãos no processo de planejamento é, por exemplo, a do “Plano Unitário” (Unitary

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Plan). Baseia-se na idéia de que apenas uma instância, em meio a toda uma

comunidade de instâncias, deveria preparar um plano compreensivo; essa instância é o departamento ou sua comissão de planejamento urbano.

Por que nenhuma outra organização dentro das alternativas que as cidades (sobretudo as grandes cidades) pode elaborar seus planos de desenvolvimento urbano? Por que apenas uma instância seria responsável pelo estabelecimento de objetivos gerais e específicos para o desenvolvimento da comunidade, e com a proposição das estratégias e dos custos demandados, para que os objetivos sejam alcançados? Por que não há uma pluralidade de instâncias elaboradoras de planos – e, assim, “planos plurais”?

Se as ramificações sociais, econômicas e políticas de um plano são politicamente controversas, então por que aqueles que se opõem ao planejamento oficial não preparam um plano seu, que atenda a seus objetivos? É interessante observar que as teorias “racionais” do planejamento estimulam as instâncias oficiais de planejamento urbano a elaborarem planos de ação alternativos. Como um corolário da racionalidade no planejamento, tem-se dito que “todos os caminhos alternativos que funcionem como meios efetivos para os mesmos fins devem ser examinados”8.

Aqueles – e me incluo nesse grupo – que recomendaram à instância oficial de planejamento urbano a consideração de alternativas, realmente colocaram sobre os ombros do planejador a tarefa de inventar algumas

8

NOTA DO AUTOR: Ver, por exemplo, o livro Politics, Planning and the Public Interest, de Martin Meyerson e Edward Banfield (Glencoe: The Free Press, 1955), página 314 e seguintes. Esses autores declaram: “por uma decisão racional, nós significamos aquela tomada da seguinte maneira: 1) o

tomador de decisões considera todas as alternativas (os cursos de ação abertos para ele); ... 2) ele identifica e avalia todas as conseqüências que se seguiriam da adoção de cada uma das alternativas; ... 3) ele seleciona aquela alternativa cujas prováveis conseqüências seriam as preferidas, considerando-se os seus objetivos mais importantes”.

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“alternativas representativas”9. Ou seja: deu-se ao planejador “oficial” o

papel de construtor de um modelo do espectro político, com todas as posições políticas que deveriam ser consideradas e, ainda mais, torna-se encarregado de escolher em meio a esse espectro, aquelas que ele considerou serem alternativas importantes. Trata-se de uma tarefa enormemente subestimada, de enorme importância, algo tão desproporcional que sistematicamente leva a que esse Super-Tomador de decisões conseguisse formular e incluir as alternativas de muitos grupos de interesse não-representados ou sub-não-representados, e que seriam afetados direta ou indiretamente pelos planos, a partir do momento em que assumissem sua forma final, executiva.

Enquanto que em nossa prática política tanto no nível nacional quanto no nível local, majoritariamente se vê a dissensão, a pugna aberta dos interesses e posições, a caracterização partidária, como algo saudável, desejável, essencial para a democracia, já na área do planejamento urbano – onde a quase totalidade dos profissionais envolvidos é formada por funcionários públicos, o criticismo combativo dos que discordam e defendem uma diversidade de interesses nem sempre é visto como algo legítimo, desejável.

Além disso, naqueles casos em que somente o governo elabora planos, e não há o menor traço de planos “de minorias”, que esposem pontos de vista diferentes, todo o esforço é investido, por todos os profissionais envolvidos, na direção dos objetivos traçados pela instância oficial de planejamento. Por exemplo, no ano passado [1964] um graduado funcionário federal lamentou, durante uma conferência de professores de planejamento, que os pesquisadores e acadêmicos da área de planejamento não apoiavam bastante os programas e políticas públicas federais.

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Ele tinha como correto que cada pesquisador e planejador acadêmico deveria necessariamente estar do lado do governo, e apoiar as políticas federais. Evidentemente, os administradores governamentais sempre buscarão ganhar o apoio o apoio de profissionais e formadores de opinião situados fora da máquina governamental – mas tal apoio de forma alguma pode ser esperado como uma questão de lealdade. Num sistema democrático, a oposição a uma instância pública deve ser entendida como algo tão normal e apropriado como seria o apoio a essa mesma instância.

Não se pode ter a menor dúvida de que, apesar de toda a sua dedicação, experiência e responsabilidade quanto ao trabalho com o planejamento urbano, a repartição incumbida pode estar a servir objetivos criticáveis, indesejáveis por mais de um ponto de vista.

Ao fazer um apelo em defesa do planejamento pluralista, de forma alguma eu pretendo minimizar o papel desempenhado – e importância das obrigações – das instâncias oficiais, públicas, de planejamento. Acima de tudo: essas instâncias são obrigadas, ex officio, a deliberar sobre futuros cursos de ação para a comunidade. Mas, isolando-se no papel de exclusiva elaboradora de planos em toda a comunidade urbana, as instâncias públicas – e, por conseqüência, o próprio público – sofrem as conseqüências das análises incompletas e superficiais acerca das direções potenciais que se poderia tomar. A ativa disputa política, auxiliada por planos plurais pode contribuir para melhorar o nível de racionalidade no processo de preparação das políticas e dos planos de interesse público.

A advocacia de planos alternativos por grupos de interesse situados externamente à máquina governamental estimularia o planejamento urbano de várias maneiras. Em primeiro lugar, serviria como um meio de melhor

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informar ao público acerca das escolhas alternativas que estão em aberto, disponíveis, alternativas essas fortemente apoiadas por seus proponentes. Na prática, aqueles poucos exemplos de órgãos públicos “centrais” de planejamento urbano que ofereceram alternativas aos seus próprios planos, não demonstraram o mesmo entusiasmo por todas elas10 (há preferências, e

algumas alternativas podem ser propostas pro forma). Uma reação comum a essa prescrição racionalista, de que cursos de ação alternativos devem ser considerados é:

“Isso não pode dar certo; como você pode esperar que os planejadores consigam oferecer alternativas que eles próprios não aprovam?”

A resposta mais apropriada a essa questão tem sido que os planejadores, assim como os advogados, podem ter a obrigação de defender posições às quais, na verdade, se opõem. No entanto, em um sistema de planejamento plural, a instância pública seria aliviada de uma parte de seu encargo de apresentar alternativas. No planejamento plural as alternativas seriam apresentadas por diferentes grupos de interesse, diferentes do que propõe a instância oficial de planejamento. Tais alternativas representariam as convicções autênticas de seus proponentes – e não os exercícios mentais a que se submetem os planejadores isolados, em sua peculiar racionalidade, tentando retratar o que lhes afigura ser o gradiente de alternativas relevantes.

Uma segunda maneira pela qual a “Advocacia e o Planejamento Plural” poderiam aperfeiçoar a prática de planejamento seria ao forçar a instância oficial, pública, de planejamento a competir com outras instâncias “não-oficiais”, particularistas, pelo apoio político da comunidade de

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NOTA DO AUTOR: National Capital Planning Commission. The Nation’s Capital: Policies Plan for

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envolvidos e interessados. Na ausência de qualquer oposição explícita, ou de planos alternativos oferecidos por grupos de interesse, as instâncias públicas teriam um interesse muito reduzido para que realmente melhorassem a qualidade de seu trabalho, ou o volume e velocidade de sua produção de planos. Ao consumidor de planos, o político tomador de decisões, somente resta uma escolha do tipo “sim ou não” dentro dessa ordem de planos compreensivos “oficiais”, únicos: ou se adotava o plano proposto pela agência pública, ou nenhum plano haveria a adotar.

Uma terceira melhoria na prática do planejamento que ocorreria com o planejamento plural seria forçar àqueles que criticam o “sistema”, o governo e o poder econômico e político, a produzir planos de boa qualidade, ou de qualidade realmente superior – em vez de apenas criticar e criticar os planos compreensivos, oficiais e únicos, que denunciam como impróprios (apesar de essas denúncias sempre representarem uma obrigação essencial e intransferível, da cidadania).

O PLANEJADOR COMO UM ADVOGADO

Onde o planejamento plural for praticado, o procedimento de “advocacia” torna-se o meio de conduta profissional para veicular demandas que competem entre si sobre o tema de “como a comunidade deve desenvolver-se”. O pluralismo, no contexto da disputa política que naturalmente ocorre na formulação de políticas, é um conceito que se aplica ao processo [de formulação de políticas públicas]; a advocacia descreve o papel que o profissional de planejamento desempenha no processo.

Onde quer que o planejamento “unitário” prevaleça, a advocacia não é de grande importância, pois haverá, então, pouca ou nenhuma competição em torno de alternativas aos planos, preparadas pela instância pública de

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planejamento. O conceito de “advocacia”, que é tomado da prática legal nos tribunais, implica na oposição consistente entre pelo menos 2 pontos de vista, que competem entre si por um resultado favorável aos seus propósitos, que são adversários com motivações concorrentes.

O advogado, nos tribunais, emprega o apelo por seu próprio senso de justiça e decência, que estende ao seu cliente, tentando elevá-lo, isentá-lo; o planejador como um advogado pode defender a sua própria visão acerca do que seria “a boa cidade” ou a “comunidade que queremos”. O planejador-advogado pode ser tornar em mais que um gerador de novas informações, ou um analista de tendências em voga, ou uma mente que simula as condições e mudanças futuras, um elaborador de meios para que objetivos futuros sejam alcançados. Isso tudo se aplica, e em adição a essas valorizadas habilidades – na prática do planejamento da atualidade – ele deve ser, sobretudo um proponente de soluções substantivas específicas.

O planejador-advogado seria responsável perante seu cliente, e tentaria expressar o ponto de vista de seu cliente. Isso não significa que o planejador não tentaria persuadir seu cliente. Em algumas situações, o emprego de persuasão pode não ser necessário, pois o planejador poderia ter entrado em acordo com um empregador que partilha pontos de vista consigo – por exemplo, acerca de condições sociais desejadas e dos meios que devem ser empregados para alcançá-los. De fato, um dos benefícios acarretados pelo planejamento-com-advocacia é a possibilidade que se cria para os profissionais planejadores encontrarem emprego em instâncias públicas ou privadas que abraçam valores assemelhados aos seus. Hoje o planejador pode ficar bastante preocupado com as posições que a sua agência de planejamento apóia – mas, não adianta, pois não há um empregador alternativo.

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O planejador-advogado seria, acima de tudo, um planejador, que reponde a seu cliente pela preparação de planos e por todos os demais elementos que compreendam o processo de planejamento. Seja como um empregado numa agência pública, seja numa organização privada, o planejador-advogado deveria preparar planos que levem em consideração as posições mantidas por outros planos. Assim, o “plano do advogado” deve mesmo ter as características de uma súmula legal. Seria um documento que apresentaria os fatos e os arrazoados que dão suporte a um dado conjunto de propostas, além de fatos e razões que, por outro lado, indicaria a inferioridade, a incerteza, o equívoco contido nas propostas concorrentes – ou contrárias. A natureza “combativa” do planejamento pluralista teria, assim, o efeito benéfico de abalar profundamente a tradição da elaboração de planos em que sua terminologia carrega enorme autoridade e contundência, é irretorquível e se apresenta como auto-evidente.

Uma questão realmente complicada ocorre quando temos de escolher uma técnica que nos auxilie na avaliação de planos alternativos. Técnicas tais como a análise de custo-benefício, por si mesmas, são de pouca valia sem que sejam usados concomitantemente outros meios para examinar os valores que subjazem os planos alternativos. O planejamento que se orienta pela advocacia, ao tornar mais aparentes os valores que subjazem aos planos, bem como ao tornar mais explícitas as definições de custos sociais e de benefícios, cria excelentes condições para o processo de avaliação dos planos alternativos. Além disso, torna-se claro – de um modo que não é, em absoluto, claro, na atualidade – que não há “campos neutros” no processo de avaliação de planos; há tantos sistemas de avaliação como há sistemas de valores.

A natureza “combativa” do planejamento pluralista também teria um bom efeito nos usos da informação e de pesquisas no planejamento. Uma das

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tarefas do planejador-advogado ao discutir seus planos – preparados “em oposição” aos demais planos – seria apontar os vieses que subjazem as informações, os pressupostos, os argumentos tal como apresentados em outros planos. Desse modo, como um crítico de planos que apresentam uma diversidade de orientações e propostas, o planejador estaria desempenhando um papel similar ao que ocorre nos contra-interrogatórios da promotoria e da defesa, nos procedimentos legais. Embora ser contra-interrogado seja algo repulsivo, excruciante mesmo, para o planejador tradicional, que seus vieses sejam publicamente expostos (e não existe o caso de um planejador isento de um viés em sua abordagem de planejamento), o efeito final da confrontação entre os “advogados” de planos distintos, alternativos, seria uma pesquisa mais cuidadosa e precisa.

Nem todo o trabalho do planejador-advogado seria de uma tal natureza “combativa”. Muito do seu trabalho seria essencialmente educacional. O advogado teria essa tarefa de informar aos demais, aos outros grupos envolvidos nas matérias do planejamento, especialmente as agências governamentais, das condições, dos problemas, dos valores, dos pontos de vista do grupo de interesses que ele ou ela representaria. Outro importante trabalho educacional seria o de informar seus clientes acerca de seus direitos dentro do quadro de leis e normas de planejamento, de renovação e revitalização urbana, sobre as atividades e capacidades operadas pelo governo da cidade, sobretudo dos programas de ação pública que mais provavelmente os afetariam.

O planejador-advogado devotaria muito de sua atenção ao esclarecimento das idéias e atitudes de sua organização-cliente, ao auxílio de sua elucidação, e a dar expressão a elas. Para que torne seus clientes ainda mais influentes em termos políticos, o planejador-advogado poderia também se envolver com a expansão da organização de seu cliente, em termos da

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abrangência de suas relações e do seu tamanho. Mas a função de maior importância seria a de conduzir o processo de planejamento dessa organização-cliente, e a defesa persuasiva das propostas de planejamento de seu interesse.

A advocacia no planejamento é algo que já existe na medida em que a ação governamental orientada pelo planejamento urbano, sobretudo nos trabalhos de revitalização e renovação de áreas urbanas deterioradas, afeta a vida de mais e mais pessoas. Os críticos da renovação urbana11 (urban

renewal) forçaram respostas por parte das agências públicas encarregadas

dos trabalhos de renovação urbana, e o debate que ocorreu a seguir12

estimulou uma muito-necessária auto-avaliação por parte dessas agências públicas, de suas políticas, pressupostos, modos de atuação. Muito trabalho tem sido feito, na direção do planejamento com advocacia, embora com pouca participação de planejadores profissionais. Mais freqüentemente, o trabalho de advocacia é feito por líderes comunitários treinados, por assistentes sociais ou profissionais apoiadores da comunidade (inclusive professores e estudantes universitários, extensionistas). Registre-se que, em pelo menos um caso conhecido na literatura13, um planejador profissional realmente

auxiliou o desenvolvimento de um plano alternativo de renovação urbana, em que os mesmos objetivos eram alcançados com a remoção de um número bem menos de famílias que o número inicialmente definido.

11

NOTA DO AUTOR: Os estudos críticos de maior importância são o de Jane Jacobs (TheLife and Death

of Great American Cities, de 1961, publicado pela Random House, de Nova Iorque); Martin Anderson

(The Federal Bulldozer, de 1964, publicado pelo M.I.T. Press, de Cambridge); Herbert J.Gans (The

Humans Implications of Current Redevelopment and Relocation Planning, artigo publicado pelo Journal of the American Institute of Planners, XXV, de fevereiro de 1959, pg. 77).

12

NOTA DO AUTOR: Um exemplo recente do debate pode ser visto no seguinte conjunto de artigos: Herbert J. Gans, “The Failure of Urban Renewal”, Commentary, 39 (abril de 1965, pg. 29); George Raymond, “Controversy”, Commentary, 40 (Julho de 1965, pg. 72); e Herbert J. Gans, “Controversy”,

Commentary, 40 (Julho de 1965, pg. 77).

13

NOTA DO AUTOR: Walter Thabit, An Alternate Plan for Cooper Square (Nova Iorque: Walter Thabit julho de 1961).

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Pluralismo e advocacia são meios para estimular a consideração das futuras condições que nos envolverão – e a todos os grupos de uma sociedade. Mas há um grupo social que no presente tem uma especial necessidade do trabalho dos planejadores. Esse grupo inclui organizações representando famílias de baixa renda. Em um momento em que a preocupação com os pobres é institucionalizada através de programas de ação comunitária, seria apropriado que os planejadores que se preocupam com tais grupos que encontrem meios para planejar para elas. Os planos preparados para esses grupos tentariam combater a pobreza, e proporiam programas que abririam novas e melhores oportunidades para a atuação dos membros da organização-cliente, e para as famílias que compartilhem essa mesma situação de pobreza14.

A dificuldade que certamente haverá quanto à provisão de assessoria / aconselhamento / orientação às organizações que representam grupos ou famílias de baixa renda, ou mesmo pessoas marginalizadas, pode ser superada com a alocação de fundos para pagar os profissionais; esses fundos podem ser gerenciados por conselhos comunitários voltados para a luta contra a pobreza ou conselhos governamentais que lutem contra a pobreza com a participação de representantes da comunidade. Mas conselhos assim não são os únicos representantes das famílias pobres; outras organizações existem, e tentam obter ajuda, tentam atrair recursos e pessoas que possam ajudar. Como esse tipo de assistência às famílias pobres podem ser financiadas?

14

NOTA DO AUTOR: O primeiro esforço consciente no sentido do emprego do método da advocacia no planejamento foi levado a efeito por um estudante de pós-graduação em planejamento urbano, que o desenvolveu como um projeto de pesquisa independente. O autor atuou como participante e também como observador de uma organização voltada para a provisão local de habitação. Ver Linda Davidoff, “The Bluffs: Advocate Planning”, Comment. Dapartment of City Planning, Univerdade da Pennsilvânia (primaverade 1965), pg. 59.

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Essa questão será examinada a seguir, quando a nossa atenção estiver dirigida para a discussão dos meios de institucionalizar o planejamento pluralista.

A ESTRUTURA DO PLANEJAMENTO

O PLANEJAMENTO ORIENTADO POR GRUPOS DE INTERESSES ESPECIAIS

O processo de planejamento local envolve, em geral, uma ou mais organizações não-governamentais que representam interesses dos cidadãos, preocupadas com a natureza do planejamento na comunidade. O “Programa Trabalhável” (Workable Program)15, do setor da habitação dos E.U.A., faz

referência a atributos da “participação do cidadão” que reforçam essa tradição, e que a levam para as comunidades de maior tamanho do que aquelas em que a participação é mais viva. A dificuldade existente nos programas de participação comunitária da atualidade é que os cidadãos estão mais freqüentemente reagindo aos programas e projetos das agências governamentais do que propondo algo, suas concepções de objetivos mais apropriados, e de formas de ação futura.

O fato de que as organizações de cidadãos não têm assumido um papel positivo na formulação de planos resulta, em certa extensão, tanto do amplo papel que os burocratas do governo têm ocupado na sociedade, quanto da histórica debilidade dos partidos e organizações políticas no nível das municipalidades. Há ainda uma sensação de vergonha em nossa sociedade, quando consideramos ser necessário estimular e exigir a participação dos cidadãos, até o ponto de se prever sua ocorrência por norma formal ou lei.

15

NOTA DO AUTOR: Ver a Seção 101(c) da lei norte-americana relativa à habitação (United States

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Acreditamos que tal participação é absolutamente esperada em uma democracia esclarecida, sólida. A formalização da participação dos cidadãos, como uma prática exigida no nível local parece ser algo assemelhado às tristes exibições de lealdade nos regimes totalitários, em suas paradas cívicas.

Seria apropriado que um grupo privado e com interesse no desenvolvimento de uma dada comunidade (seja por representá-la, seja por explorar serviços e bens em seu domínio) pesquise essa comunidade, analise suas demandas e necessidades? A resposta dependeria da qualidade do trabalho preparado pela agência governamental de planejamento urbano – de um trabalho que deveria ser de acesso público. Em diversas situações, essas agências públicas podem não ter pesquisado ou analisado aspectos que um importante grupo de interesses considera essencial; ou pode ocorrer de a agência governamental de planejamento pode demonstrar ter fortes preconceitos, inaceitáveis para um dado grupo de interesses. Em qualquer dos casos, a produção de uma proposta que seja útil e meritória deve demandar um significativo volume de informações relativas às condições presentes e futuras na comunidade. Haverá custos associados à reunião dessas informações, mesmo que ocorram às custas dos cofres públicos, das agências governamentais. O maior custo associado à preparação de um plano por uma agência privada será o emprego de um ou mais planejadores profissionais.

Que tipos de organizações se engajariam num processo de planejamento pluralista? O primeiro tipo que vem à mente são os partidos políticos – mas esse é um pensamento esperançoso, uma aspiração. Há pouca evidência de que as organizações partidárias no nível local (das vizinhanças, bairros e cidades) tenham os necessários interesse, habilidade, ou mesmo compromisso para que estabeleçam programas bem desenvolvidos

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para as suas comunidades. Nem toda a culpa deve ser atribuída aos políticos profissionais, pois os membros formais, registrados, dos próprios partidos políticos não exercem uma grande pressão – se é que exercem alguma pressão – para que sejam agentes em programas locais.

Apesar do irrealismo de tal desejo, é extremamente desejável que haja uma participação ativa por parte dos partidos políticos no processo de planejamento. Em uma situação ideal, os partidos políticos poderiam estabelecer plataformas políticas que conteriam as diretrizes gerais, ou planos diretores, para o crescimento comunitário; tanto os partidos majoritários quanto os partidos minoritários que compõem o Poder Legislativo usariam esses planos como referência para a elaboração de suas próprias iniciativas legislativas. Além disso – até onde vai a obviedade – a administração local usaria sua repartição de planejamento urbano para desenvolver e implementar os planos que propôs ao eleitorado, e que lhe valeram a eleição. Um sonho assim não se tornou realidade, e já há um bom tempo de espera. Nesse ínterim, o que acontece é a vinda de - ou a demanda por - outros grupos de interesse, que preenchem (tanto quanto lhes é proveitoso) as lacunas deixadas pela inabilidade e pela inação das organizações políticas formais.

O segundo conjunto de organizações que pode estar interessado na preparação de planos para o desenvolvimento comunitário é formado por aquelas que representam grupos especiais, que possuem posições bem estabelecidas quanto às políticas públicas mais adequadas. Organizações tais como as associações comerciais, as câmaras de comércio, as organizações profissionais, as organizações sindicais, os grupos de defesa de (ou apoiadores de restrições a) os direitos civis, as organizações filantrópicas, por exemplo, nos vêm à mente. Grupos dessa natureza freqüentemente participam do desenvolvimento de planos para a

(21)

comunidade, mas, apenas em ocorrências muito raras, eles têm proposto planos de sua própria lavra.

Deve-se reconhecer que há uma forte razão para que essas organizações não se comprometam com a elaboração de planos. Na verdade, trata-se da mesma razão que, em parte, limita tanto os interesses dos políticos quanto o próprio potencial que o planejamento, como atividade governamental, teria para as nossas sociedades contemporâneas. Comprometer-se – ou apenas expressar compromisso para – com um determinado plano pode tornar muito difícil para uma diversidade de grupos acomodar seus diversos interesses. Em outros termos, pode ser mais simples para os profissionais do planejamento, para os políticos, ou para os lobbyistas fazer seus acordos, transacionar interesses e ganhos, fazer suas apostas e criar condições para negociar em vantagem, caso eles não ponham nunca as suas cartas na mesa (ou todas elas).

Há ainda um terceiro grupo de organizações que pode ser visto como capaz de propor planos, e para as quais os comentários que acabamos de fazer não se aplicam. São as especialíssimas “organizações de protesto”, que se formam de modo mais ou menos espontâneo, em oposição a uma determinada política pública, repudiada. Um exemplo de tal grupo é a associação de bairro formada para combater um dado projeto de revitalização ou renovação urbana, uma mudança no uso do solo, a decisão por permitir a implantação de um edifício de utilização inconveniente para os moradores da localidade. Tais organizações podem buscar alternativas, desenvolvendo seus próprios planos e propostas, contrapondo-se aos planos oficiais – planos que, certamente, servirão muito melhor a seus interesses.

Do ponto de vista do planejamento racional, que se pretende mais efetivo, pode ser desejável que o planejamento pluralista seja iniciado no

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nível de organizações que atuam na escala de toda a cidade, mas uma visão mais realista é de que o planejamento pluralista deve ser iniciado no nível das vizinhanças urbanas. Algumas vantagens dessa abordagem devem ser comentadas. Anteriormente fizemos menção à tensão que existe no interior dos governos entre as forças de centralização e de descentralização. A tensão que nasce do conflito entre a agência governamental, central, de planejamento e as organizações de vizinhança pode ser notavelmente saudáveis, pode levar ao esclarecimento das políticas públicas, que realmente se significa por “qualidade de vida” e por “bem-estar” das pessoas, e sua relação com os direitos dos indivíduos ou com os grupos minoritários e mais vulneráveis.

Quem pagaria por um planejamento pluralista? Algumas organizações têm recursos para patrocinar o desenvolvimento de um plano. Muitos grupos de interesse não têm meios para isso. Os embaraços, as dificuldades e barreiras enfrentadas por uma entidade carente de recursos ao tentar produzir ou obter um plano urbano alternativo que atenda às suas necessidades são análogos aos que enfrenta uma pessoa indigente em busca de assistência legal. Se a idéia de planejamento pluralista faz algum sentido, então deve haver formas de apoiar o desenvolvimento de alternativas: meios que se encontram em entidades prestadoras de serviço público, em fundações, ou do próprio governo. Há sentido em pensar que as fundações que atuam em nome de causas públicas sejam as maiores promotoras desse tipo de desenvolvimento, pois iria ao encontro dos objetivos da maioria delas esse “experimento”: fazer do planejamento pluralista um modo de tornar o planejamento urbano mais efetivo e mais democrático. O governo federal, em especial, pode se beneficiar enormemente por práticas de planejamento pluralista, sobretudo se for assumido por conselhos locais, com papel e capacidade executiva no âmbito

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das políticas públicas. Isso seria uma forma eficaz de gerar interesse e comprometimento local quanto aos assuntos comunitários, locais.

O patrocínio pelo governo federal do planejamento pluralista pode ser visto como uma forma mais efetiva para estimular o envolvimento dos cidadãos no futuro de suas comunidades do que os programas que existem na atualidade, que envolvem formalmente a participação dos cidadãos. O suporte do governo federal pode ser aguardado somente se o planejamento pluralista não for visto de um modo marcadamente negativo (como um modo de combater os planos governamentais de renovação urbana, por exemplo), mas se for visto de um modo positivo, como um incentivo para que as agências de renovação urbana local elaborem planos de melhor qualidade.

A AGÊNCIA PÚBLICA DE PLANEJAMENTO

Um importante obstáculo para que se tenha uma prática de planejamento urbano efetivamente democrática é a persistente continuidade de uma instituição vestigial e arredia a responsabilidades, a Comissão-de-Planejamento. Se concordarmos que o estabelecimento tanto de políticas mais gerais, quanto de políticas mais específicas de implementação, são questões que afetam o interesse público – e as questões de interesse público devem ser decididas de acordo com práticas democráticas bem estabelecidas, referentes à tomada de decisão, o que torna muito difícil encontrar razões realmente convincentes para que se permita e reforce a continuidade dessas comissões independentes, que tomam decisões cruciais no processo de planejamento. Em um estágio passado, ao longo da evolução dos debates públicos sobre o papel do planejamento urbano, assistimos aos fortes e convincentes argumentos levantados por John T. Howard (e outros), em

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defesa das Comissões de Planejamento16. Mas isso foi há mais de uma

década atrás, e à época Howard movia um claro ataque à posição defendida por Robert Walker, que defendia uma instância de planejamento urbano sob o direto controle do prefeito, como uma função burocrática. Ao examinarmos o impacto que as Comissões de Planejamento tiveram, nesse período, sobre a qualidade de vida urbana e sobre a vida dos cidadãos, vemos o quanto a posição de Walker tinha de estável, previsível, racional – assumindo uma grande urgência na atualidade17.

Além das importantes questões relativas à permissão de que pessoas sem representatividade – ou de representatividade questionável, não demonstrada -, distantes de qualquer forma de controle público, de responsabilidade explicitada diante da população, venham determinar as políticas públicas, temos ainda o fracasso das tentativas de colocar os

16

NOTA DO AUTOR: John T.Howard, “In Defense of Planning Commissions”, Journal of the American Institute of Planners, XVII (primavera de 1951).

17

NOTA DO AUTOR: Robert Walker, The Planning Function in Urban Government; Segunda Edição (Chicago: University of Chicago Press,1950). Walker tirou as seguintes conclusões de seu exame acerca das Comissões de Planejamento e do próprio processo de planejamento que encetavam:

“Uma outra conclusão a ser tirada das atuais composições dos grupos de trabalho das nossas prefeituras

é que elas não são representativas da população como um todo” (pg. 153);

“Em suma, este autor é de opinião de que o argumento que apresenta as Comissões de Planejamento

como sendo mais objetivas que as comissões de deputados / comissários eleitos para dirigir os trabalhos de planejamento urbano deve ser rejeitado” (pg. 155);

“É elementar e direta a observação – e eu tenho as registrado para o presente estudo – de que raramente

a maioria dessas Comissões de Planejamento tem uma compreensão realmente satisfatória dos propósitos e objetivos do próprio processo de planejamento, e de suas conseqüências” (pg. 157);

“Em suma, o que foi constatado é que a maior parte dos membros dessas Comissões de Planejamento

simplesmente não compreende o processo de planejamento, nem se interessa pelos mais elementares aspectos do planejamento físico mais corriqueiro” (pg. 158);

“Ao examinarmos as Comissões de Planejamento da atualidade, no entanto, somos forçados a concluir

que, apesar de alguns exemplos de operações bem-sucedidas, mesmo que voluntárias e esforçadas por cumprir adequadamente a sua missão, não têm-se provado satisfatórias como agências de planejamento”

(pg. 165);

“Acredita-se que a mais frutífera linha de mudanças no processo de planejamento tal como praticado na

atualidade será a substituição dessas Comissões de Planejamento por departamentos ou assessorias de planejamento diretamente ligadas ao gabinete do prefeito ou do administrador da cidade; esse departamento pode ser encabeçado por um colegiado técnico ou por um diretor, mas seus membros seriam oficiais de carreira, providos da mesma forma que os demais departamentos de governo” (pg.

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poderes decisórios do processo de planejamento nas mãos de oficiais eleitos18

enfraqueceu enormemente a própria habilidade dos profissionais do planejamento que atuam como técnicos do governo, para conseguirem implementar as suas propostas. No caso das Comissões de Planejamento, a separação das atividades de planejamento urbano das atividades políticas locais dificultou o ganho de influência política efetiva, ou de suporte político efetivo, dos líderes comunitários. As Comissões de planejamento não são diretamente responsáveis perante o eleitorado urbano, e esse eleitorado é, na melhor das situações, indiferente aos trabalhos dessas Comissões de Planejamento.

Ao longo de toda a década passada [os anos 1950], em muitas cidades norte-americanas o poder para alterar o desenvolvimento dessas cidades fugiu das mãos das Comissões de Planejamento – se assumirmos que elas realmente dominaram o período anterior –, que foi transferido para “coordenadores de desenvolvimento urbano”. Isso também enfraqueceu o profissional do planejamento urbano. Talvez os próprios planejadores, inadvertidamente, contribuíram para esse estado de coisas, ao se recusarem a assumir uma ação coordenada, que se opusesse claramente à perpetuação das Comissões de Planejamento.

As Comissões de Planejamento são produto da reforma conservadora que teve lugar na primeira metade do século atual [o autor refere-se ao Século 20]. Esse movimento era essencialmente anti-populista e pró-aristocrático. A política era vista como um “negócio sujo’. As Comissões de

18

NOTA DO TRADUTOR: Nas cidades norte-americanas há uma diversidade de práticas eleitorais que poderíamos denominar “secundárias” (sendo as primárias assemelhadas às nossas, de eleição de pessoas para os cargos majoritários do Poder Executivo nos níveis Federal, Estaduais e Municipais, além dos representantes do Legislativo – Câmara e Senado Federais), que implicam na eleição pela comunidade (em alguns casos, de moradores de um só bairro, ou de todos os moradores da cidade) de oficiais que desempenharão cargos que unem características técnicas e de representatividade política, que, variando bastante entre as cidades, vão da sua Defesa Civil, ao planejamento urbano, ao controle do trânsito, ao controle das atividades urbanas, ou de comissões especiais de execução de políticas de governo.

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Planejamento eram vistas como relíquias de um passado não-tão-distante, quando se acreditava que, se homens de boa vontade discutissem com a devida seriedade, competência, honestidade, atenção, etc., um dado assunto, era certo esperar que chegariam à solução correta. Sabemos hoje – como sempre soubemos, é verdade – que não existem soluções “corretas” no planejamento de cidades. As políticas urbanas mais apropriadas são aquelas que a instância tomadora de decisões declara serem apropriadas.

As Comissões de Planejamento não são responsáveis perante nenhuma instância de representação política, perante o eleitorado, perante um fórum de debate público. Os seus membros, com a provável exceção de seu presidente ou coordenador, raramente são pessoas conhecidas do público. Em geral, os membros dessas Comissões evitam expor-se, expor suas posições pessoais, e preferem imergir nas decisões “do grupo”, em “construir consensos”. Se esses membros manifestam opiniões discordantes, dissensões, alternativas, então haveria aí a oportunidade de estímulo à reflexão crítica, ponderada, sobre os assuntos de planejamento, sobre sua substância mais que sobre sua forma. É difícil compreender porque essa forma de tomar decisões, tão aristocrática e anti-democrática que é, deveria ter continuidade. A função pública de planejamento deveria ser conduzida no âmbito do poder legislativo ou do poder executivo – talvez em ambos. Há questionamento acerca de qual dessas esferas de poder seria a melhor “sede” para essa função pública, mas há muitas razões para que tanto o legislativo quanto o executivo devem deter mais informações, ter mais interesse, serem menos ingênuos quanto às questões colocadas ao planejamento governamental, com repartições especializadas que os informem fidedignamente. Para que essa “inteligência” avance ainda mais, é ainda recomendável o estabelecimento de um “gabinete de maioria” e um “gabinete de minoria” na esfera legislativa, com relação às questões de planejamento governamental.

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Na fundamentação desta última sugestão, está a crença de que há ou deveria haver uma maneira “Republicana” [politicamente conservadora] e uma maneira “Democrática” [politicamente liberal] de enxergar o desenvolvimento das cidades; deveria haver um fluxo de planejamento conservador e liberal, com planos que tivessem como objetivo dar apoio, defender a liberdade dos mercados econômicos, e com planos que fortalecessem um maior controle governamental. Há muitos caminhos possíveis abertos para o desenvolvimento das comunidades, e esses planos diferenciados deveriam expô-los. Não se pode duvidar de que são esperadas explicações e justificativas de cada uma das alternativas abertas, para cada alternativa para o futuro, que devem ser dadas pelos autores e apoiadores de cada uma delas. Tal como indicamos anteriormente, não há apresentações assim, feitas ao público em geral, no tempo presente. As poucas publicações e divulgações que efetivamente incluem alternativas derivadas de algum planejamento, não falam em termos dos interesses do cidadão comum. Elas são escritas no mais estrito jargão do planejamento profissional e expõem alternativas falaciosas, enganadoras, que “não contam toda a estória”. Esses planos têm expressado alternativas técnicas – sobretudo, engenhosamente, para o uso do solo – e sistematicamente não expõem alternativas de ação social ao alcance dos cidadãos, cotidianas e factíveis. O mesmo pode ser dito dos aspectos econômicos e políticos imediatamente associados. Tanto os tradicionais planos “integrados”, mesmo em sua geração mais recente, apresentaram alternativas que limitaram gravemente sua explicação e justificativa, sua exposição pública dos estados futuros pretendidos, para a comunidade envolvida. Em vez de levantar um saudável debate político – como um verdadeiro “plano compreensivo” busca fazer, são planos apresentados para afugentar o interesse público.

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A independente Comissão de Planejamento e a prática do plano unitário certamente não devem co-existir, pois seria uma combinação muito ruim. Separadamente, elas corroem as possibilidades de um debate político esclarecedor, elevado; combinadamente, como ocorrem, elas têm tornado esse debate ainda mais difícil. Mas quando um outro agrisalhado conceito do planejamento urbano é adicionado a esses fatores, o debate político se torna praticamente impossível. Esse terceiro elemento de uma trindade de noções desgastadas é a de que o planejamento urbano deve se focar exclusivamente nos aspectos físicos do desenvolvimento da cidade.

UMA DEFINIÇÃO INCLUSIVA DO DOMÍNIO DO PLANEJAMENTO

A visão que iguala o planejamento físico ao planejamento urbano é míope. Ela pode ter mesmo certa justificativa histórica, mas está claramente fora de lugar quando há a necessidade de integrar conhecimentos e técnicas para lidar com a miríade de problemas que afetam as populações urbanas.

As preocupações dos profissionais do planejamento com o ambiente físico, ao longo da história de sua profissão, contorceram fortemente sua habilidade de enxergar as estruturas físicas, os espaços construídos, a ordem territorial, a organização urbana e regional como “a serviço”, servidoras daquelas que a usam19. Relações e condições físicas não têm nenhuma

19

NOTADO AUTOR: Um excelente e completo estudo do viés que resulta do “apego” ou da orientação predominante da abordagem pelo domínio dos elementos físicos ou dos critérios de uso do solo aparecem com clareza no trabalho de David Farbman, A Description Analysis and Critique of the Máster Plan, inédito, preparado para o Institute for Urban Studies da Universidade da Pennsylvania (1959-60). Depois de estudar mais de uma centena de planos diretores, Farbman conclui:

“Como resultado da abordagem predominantemente física adotada pelos planejadores profissionais, muitos deles têm sido vítimas desse vício que eu sugiro seja denominado “O Viés Físico”. Esse viés não é tanto a abordagens física adotada pelos planejadores, mas é seu resultado...

“O viés físico é uma atitude por parte do planejador que o leva a conceber os princípios e as técnicas de SUA PROFISSÃO como sendo os próprios fatores EXTERNOS que determinariam as recomendações específicas que devem ser adotadas em seus planos e propostas...

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qualidade ou significado separado do modo como servem às pessoas, seus usuários. Isso é esquecido a cada vez em que uma condição física, uma qualidade física, um significado físico, é julgado como “bom” ou “mau” sem que fique clara a sua relação com um determinado grupo de usuários. Coisas como “alta densidade”, “baixa densidade”, “cinturões verdes”, “usos mistos”, “desenvolvimento em bolsões”, “atividades centralizadas ou descentralizadas”, “centros” e “periferias” não são coisas boas ou ruins por si mesmas. Elas descrevem essencialmente a relações ou condições físicas, mas assumem valores que têm sentido para as pessoas são vistas em termos de seus efeitos sociais, econômicos, psicológicos, fisiológicos ou estéticos sobre diferentes usuários.

A experiência que os planejadores angariaram nos trabalhos de renovação e revitalização urbana na década passada [anos 1950] mostrou claramente os elevados custos acarretados pela abordagem condicionada pelas condições físicas, pelas transformações físicas. Descobriu-se que o investimento pesado para a eliminação dos sinais de decadência física das cidades e de suas partes não elimina, necessariamente, a própria condição física do ambiente urbano e a qualidade de vidas das comunidades urbanas – e ainda podem criar repercussões sociais tão desagradáveis, por seu eventual desequilíbrio e impropriedade, que levarão as instituições públicas e privadas envolvidas a uma situação de descrédito e prejuízo, além de tudo.

“O planejador que assume o viés físico faz planos e propostas com a convicção de que os problemas físicos de uma cidade podem ser resolvidos a partir de uma fundamentação de um ‘desiderato físico’ (physical desiderata): em outras palavras, assumem que os problemas físicos podem ser adequadamente formulados, resolvidos e remediados de acordo com critérios físicos e expertise de fisicalistas (NOTA DO TRADUTOR: poderíamos falar “morfologistas”). O viés físico produz tanto uma inabilidade quanto uma relutância por parte dos planejadores quanto a “ir fundo” nas suas próprias recomendações físicas, em examiná-las e discutí-las em face de critérios mais básicos...

“Há bastante espaço, portanto, no processo de planejamento, para os princípios físicos – isto é, para as teorias acerca das inter-relações estruturais da cidade física; mas isso é apenas uma parte da estória, pois os aspectos estruturais dos planos urbanos são apenas uma fração do impacto total [das ações de planejamento e de execução das políticas públicas]. Esse impacto total deve ser concebido como uma rede de causas e efeitos físicos, econômicos e sociais” (pp. 22-26).

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Outro exemplo das deficiências acarretadas pelo viés das abordagens físicas [ou as auto-proclamadas “morfológicas”] é a pressuposição assumida pelos planejadores urbanos de que eles podem lidar com os orçamentos destinados ao desenvolvimento urbano, como se os atributos físicos da cidade, suas construções e formas, materiais e geometrias, instalações e equipamentos pudessem ser compreendidos sem a menor relação com a filosofia e a prática das atividades e serviços desempenhados com o uso desses recursos físicos, dos espaços edificados. Como se essas atividades e serviços fossem um corpo “adicional” e facilmente destacável de informações, que pudesse ser omitido no momento de tomadas de decisões quanto à forma da cidade e de seus edifícios. Como se fossem um “aborrecimento” imposto aos planejadores, mas que ele poderia suprimir, ignorar, para considerar somente “na hora certa”. Esse pressuposto deve ser questionado.

O tamanho, a forma, a configuração, a localização de uma dada edificação relaciona-se diretamente com os propósitos das atividades que essa edificação abriga. Em toda a variedade de formas edificadas, as atividades previstas devem ser completamente apoiadas pelo espaço construído. Exemplos claros disso podem ser vistas nos sistemas de estabelecimentos de educação pública ou nas políticas de habitação de baixo custo. Se os planejadores de tais sistemas somente se prendem a variáveis “físicas”, como nos elaborados cálculos de localização física de escolas, no seu tamanho, ou nos custos de habitações fortemente padronizadas, e não atinam com as conseqüências sócio-econômicas de suas decisões, se não consideram os contextos culturais e a história das vizinhanças urbanas, se não consideram seus problemas e indicadores específicos, não trarão para o planejamento diagnósticos mais completos, mesmo que tenham consciência de que suas escolas e conjuntos habitacionais se vêem “cercados” de problemas. A separação desses “domínios” é tal que os planejadores ainda

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não têm – nem demandado – uma formação profissional que os leve a compreender problemas sócio-econômicos, as suas causas e soluções.

A limitada formação do planejador urbano acaba por enviesar fortemente sua visão de mundo e, com ela, muitas de suas recomendações, levando-os a se transformarem em defensores da perpetuação das práticas econômicas e sociais vigentes. Não que tais práticas devam ser combatidas, necessariamente, em toda a sua extensão, revolucionariamente: o que critico aqui é o modo como os planejadores chegam a se tornar defensores do status

quo, e modo como as práticas conservadoras dependem de uma atitude

conservadora de profissionais que têm dificuldades em diagnosticá-las. Essa relativa ignorância dos métodos de análise social e econômica tem levado os planejadores a propor soluções em meio a uma grave carência de conhecimentos acerca dos seus custos e dos benefícios para diferentes setores da população.

Grandes gastos têm sido feitos em estudos de planejamento de necessidades de transportes regionais, por exemplo, mas esses estudos têm sido conduzidos de tal maneira que parece não haver diferenças nas necessidades (e na capacidade de satisfazer a essas necessidades) entre as distintas classes sociais e econômicas da população. Por exemplo, nas políticas públicas de habitação, os planejadores nunca ousaram questionar as conseqüências tidas como “negativas” de localizar novas iniciativas habitacionais em áreas de favelas – tomam, simplesmente, tais localizações como proibitivas. Um outro exemplo é o do desenvolvimento industrial. Raramente os planejadores têm examinado os tipos de trabalho que a comunidade precisa e pode exercer: os planejadores simplesmente supõem que tanto faz um tipo de trabalho quanto outro. Vagas são vagas. Uma vaga de trabalho é tão boa e positiva quanto qualquer outra. Mas isso pode não

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ser o caso, em absoluto, quando um setor da população não consegue ascender às novas vagas abertas no mercado de trabalho.

“Quem consegue o quê, quando, onde, por que e como” são as questões políticas básicas que devem ser levantadas acerca de cada uma das ações de alocação de recursos públicos. As questões não podem ser respondidas corretamente se os critérios de uso do solo são os únicos utilizados, ou se transformam nos critérios-por-excelência, nos critérios-padrão de julgamento para essas questões.

A necessidade de solucionar adequadamente, excelentemente, um aspecto como o uso do solo, numa perspectiva ampla, que atravesse todas as questões políticas, aplica-se igualmente a cada outro elemento da vida urbana, tal como a saúde das pessoas, seu bem-estar, seu lazer. Governar uma cidade exige um plano para seu futuro, um plano adequado. Tal plano perderá sua força de orientação, sua consistência e coerência, sua racionalidade, na medida em que for concebido com uns poucos elementos, com muito menos partes que o todo da cidade, o todo que interessa ao público, aos habitantes, aos usuários.

As implicações dos comentários que farei a seguir, sobre a prática do planejamento urbano, são as seguintes: em primeiro lugar, a legislação que fundamenta a prática do planejamento urbano deve ser examinada e aprimorada de forma a permitir que diferentes departamentos de planejamento estudem e preparem planos que cubram as áreas de interesse público. Em segundo lugar, a formação dos planejadores, a sua educação, deve ser redirecionada, de forma a permitir diferentes oportunidades de especialização, dirigida a diferentes temas do planejamento na esfera pública – e um núcleo comum, que enfatiza o próprio processo de planejamento. Em terceiro lugar, as associações de planejamento

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profissional devem ampliar seu campo de atuação, de forma a que não exclua os planejadores não-especializados no planejamento físico, no projeto físico da cidade.

Há um ano atrás [o autor se refere a 1964] a convenção do American Institute of Planners (AIP) sugeriu que o estatuto da entidade deveria ser reformado, de modo a permitir uma ampliação do escopo do planejamento urbano, atingindo todas as áreas de interesse público, toda a esfera pública20. Os Membros do Institute que efetivamente concordaram com essa

proposta deveriam apoiá-la tanto no nível local quanto no nível nacional. O estatuto atual afirma que a esfera de atividade do Institute “deve ser o desenvolvimento unificado das comunidades urbanas, de seu entorno, de suas regiões e do País, tal como é explicitado pela determinação do arranjo

compreensivo do uso do solo e de sua ocupação, e da regulamentação que incide sobre esse arranjo” 21 [itálicas do Autor].

Já é tempo de o Institute deletar as palavras que italicizei acima, de seu estatuto. O planejador que se limite a esses arranjos não é um planejador urbano, mas um planejador imobiliário ou um planejador de arranjos físicos. Uma cidade é sua população, suas práticas, suas instituições políticas, sociais, culturais e econômicas, assim como muitas outras coisas de seu cotidiano e de sua formação. O planejador urbano deve compreender e lidar com todos esses fatores.

Os novos planejadores urbanos devem se preocupar e se interessar com os planejamentos físico, econômico e social. Sua carga de trabalho não será, assim, maior do que aquilo que é ordinariamente demandada pelos

20

NOTA DO AUTOR: Ver Paul Davidoff, “The Role of the City Planner in social Planning”,

Proceedings of the 1964 Annual Conference, American Institute of Planners (Washington, D.C.: The

Institute, 1964) 125-131. 21

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gestores, ou mesmo aquela que é cumprida por um prefeito ou por um vereador. Não podemos atacar uma adequada ampliação que corrija a competência das funções de planejamento simplesmente porque pensamos, preocupados e desacostumados, que é muito difícil de lidar.

Os prefeitos precisam de assistência de um planejador treinado e capacitado a examinar as necessidades e demandas existentes em prazos curtos, médios, longos. Se relembrarmos o que aconteceu nos estágios iniciais dos Programas de Ação Comunitária, nos E.U.A., torna-se evidente o quanto as nossas cidades estão numa alarmante carência de planejadores, ou do tipo de assistência que os planejadores treinados podem oferecer. Nossas cidades requerem, para seus programas sociais e econômicos, o tipo de pensamento de longo alcance, e de informação, que estão ordinariamente presentes no domínio do planejamento físico. Precisam de sua assistência para o exame dos recursos potenciais e para o estabelecimento de prioridades.

O que eu estou a propor não implica num cerceamento – ou, pior, na eliminação – do planejamento físico das cidades. Mas implica numa visão de que o planejamento físico não passa de uma parte do aparato de planejamento urbano, dos recursos de planejamento que as cidades devem possuir e acionar. Com uma ampliação do escopo de seu trabalho, os planejadores urbanos se tornarão aptos a contribuir com sua capacidade técnica, com seu conhecimento, nas tarefas de coordenação dos planos e recursos de operação e investimento na cidade, e ainda ao trabalho de relacionar, otimizar, ordenar tanto quanto possível os efeitos de cada um dos programas urbanos sobre os demais, e sobre os recursos sociais, econômicos e políticos da comunidade.

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Um ampliado escopo de trabalho, que atinja todos os assuntos de interesse público, não apenas tornará a atividade de planejamento mais efetiva como instrumento administrativo dos governos locais, urbanos, como também trará a atividade de planejamento para mais perto dos assuntos que efetivamente interessam aos cidadãos. Um sistema de planejamento urbano pluralista provavelmente terá uma maior chance de sucesso operacional onde o foco das políticas públicas – e do interesse público – se concentrar em questões “vivas” de natureza social e econômica, em vez de questões (algo) esotéricas (freqüente e isoladamente) relacionadas às normas físicas, de uso do solo e de configuração urbana.

A EDUCAÇÃO DOS PLANEJADORES

Um movimento de ampliação do escopo do planejamento, de forma a atingir todas as áreas de interesses político, social e econômico, que devem estar na pauta de ação dos governos das cidades, parece sugerir que os planejadores urbanos devem deter um amplo e consistente conhecimento da estrutura de forças que afetam o desenvolvimento urbano. De um modo geral, é bom que isso seja verdadeiro. Mas, presentemente, muitos planejadores urbanos são especialistas em apenas uma ou de poucas outras das funções do governo das cidades. Se ampliarmos o escopo do trabalho dos planejadores, teremos mais planejadores deverão dominar mais das funções, dos serviços, das especializações que venham a ser abrangidas pelo novo foco do planejamento urbano pluralista.

Um dos objetivos básicos do planejamento urbano é a coordenação de muitas funções separadas. Essa coordenação demanda planejadores com um conhecimento geral dos muitos elementos que estão presentes, constituintes, da comunidade urbana. Educar um planejador para desempenhar o papel de coordenador é um trabalho difícil, um trabalho que não é satisfatoriamente

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cumprido pelos dois anos que são ordinariamente empregados nos cursos de especialização ou mesmo no conjunto das disciplinas dos cursos de graduação relacionados ao planejamento urbano. Educar planejadores urbanos para que dominem as habilidades que temos examinado neste artigo pode exigir um tempo de formação mais longo, além de mudanças nos currículos dos cursos de graduação relacionados à prática do planejamento urbano. Sobretudo nesse último aspecto, os novos currículos dos cursos de graduação devem permitir e estimular uma compreensão holística, abrangente, tanto das condições da vida urbana, quanto das técnicas necessárias para analisar e resolver os problemas urbanos.

A prática do planejamento pluralista requer que formemos planejadores que sejam capacitados a atuar como advogados profissionais no contencioso trabalho de formulação de políticas públicas. As pessoas aptas a esse trabalho estariam profundamente comprometidas tanto com a promoção do processo de planejamento em geral quanto com um conjunto de idéias substantivas, específica – definidas explicitadamente em sua advocacia. Pelo reconhecimento de que os compromissos ideológicos irão dividir os planejadores, há uma tremenda necessidade de treinar profissionais que sejam competentes para expressar seus objetivos sociais.

Os grandes avanços nas habilidades de análise – tal como podem ser constatas na edição de maio desta publicação22, que é dedicada às técnicas

de simulação dos processos de crescimento urbano – anunciam um tempo em que os planejadores e o público estarão em uma melhor posição para predizer quais serão as conseqüências dos intencionados cursos de ação. Mas esses avanços serão de pouca vantagem social, caso as propostas não tenham substância [sejam exercícios de conservadorismo].

22

Referências

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