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A trajetória de vida de Maria de Lurdes Pretto

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Academic year: 2021

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UNIJUI- Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande

do Sul

DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

CURSO DE HISTÓRIA

ROZECLÉR BARROS ORTIGARA

A TRAJETÓRIA

DE VIDA DE MARIA DE LURDES PRETTO

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ROZECLÉR BARROS ORTIGARA

A TRAJETÓRIA

DE VIDA DE MARIA DE LURDES PRETTO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de História, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, como requisito parcial à obtenção do título de Licenciatura em História.

Orientador: Drª. Sandra Maria do Amaral

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTO...04

INTRODUÇÃO...05

CAPÍTULO I ...10

1.1 Contexto Histórico do Povoamento da Região que é hoje o Estado do RGS...10

1.2 Município de Braga...13

CAPÍTULO II – PARALISIA CEREBRAL...16

CAPÍTULO III – A TRAJETÓRIA DE VIDA DE MARIA DE LURDES PRETTO...23

3.1 Os pais, os irmãos e a infância...23

3.2 Namoro, noivado e casamento...30

3.3 Os filhos...35

3.4 Os cuidados com o filho especial...53

CONSIDERAÇÕES FINAIS...59

REFERÊNCIAS...61

ANEXOS...62

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AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente a Deus por ter me iluminado e inspirado nesse período de estudos e pesquisas. Á minha família abençoada agradeço de coração pelo imenso incentivo e apoio que me dispensaram desde o momento em que decidi retomar meus estudos e também a compreensão pelas tantas vezes que fiquei com as luzes ligadas até tarde; pelas refeições que muitas vezes não deu tempo de preparar, enfim agradeço por todo o apoio família. Amo muito vocês!

Agradeço a todos os professores e a cada um da UNIJUI que de uma maneira ou de outra me auxiliaram. Em especial agradeço a minha professora doutora e orientadora Sandra Maria do Amaral e a professora avaliadora do meu Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, professora Vera Trennepohl, saibam que tenho um carinho muito especial por vocês. Também agradeço as pessoas que me incentivaram e acreditaram que eu conseguiria concluir o curso, da mesma forma agradeço aqueles que demonstraram não acreditar muito, pois, isso também me incentivou a seguir em frente e demonstrar que, quando queremos verdadeiramente alguma coisa, lutamos e conseguimos.

Dona Lurdes querida muito obrigada por ter partilhado comigo a sua linda história de vida e, assim tornando possível o meu TCC que é a sua biografia.

Da mesma forma agradeço a direção da Escola Estadual de Ensino Médio São Francisco de Sales que de maneira carinhosa me recebeu no período dos estágios. Aos professores titulares do meu estágio, Nereu A. Dorneles e Hélio N. Katzer, meu carinho e agradecimento pelo incentivo e orientação.

Hoje com muita alegria e gratidão a Deus posso dizer com muito orgulho que sou professora de História. Espero muito em breve ter a oportunidade de estar em sala de aula exercendo a profissão que em minha opinião é uma das mais belas.

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INTRODUÇÃO

Através deste trabalho narro a história de vida de Maria de Lurdes Pretto. Escolhi esse tema por considerar que sua trajetória de vida é muito especial em função dos tantos acontecimentos vivenciados pela biografada e especialmente pela sua maneira de encarar isso tudo, com muita fé, alegria e disposição. Conheci dona Lurdes em 2003 e tive o privilégio de me tornar sua amiga e conviver com ela e sua família, a partir dai sempre a admirei muito e por isso meu Trabalho de Conclusão de Curso - TCC é a biografia de sua trajetória de vida. Algo bem gratificante foi o fato de que posteriormente à decisão de escrever sua biografia ela me falou que tinha o sonho de que alguém escrevesse sua história e, que inclusive já tinha iniciado alguns rabiscos nesse sentido, mas, desistiu. Dentre as tantas adversidades que dona Lurdes enfrentou em sua vida, destaco a de que faltou oxigênio no cérebro de seu segundo filho pela demora ao nascer e em função disso ele permaneceu em estado vegetativo até os 44 anos, sob os cuidados da mãe.

Todo pai e toda a mãe espera um filho perfeito, que atenda as suas expectativas e fantasias (Brazelton e Cramer, 1992). O nascimento de um bebe é considerado um momento de transição no desenvolvimento da família, pois altera a forma que os membros familiares se relacionam e levam os pais a terem que se adaptar a um novo papel (Silva & Dessen, 2004). É na família que o recém-nascido estabelece suas primeiras relações interpessoais. A família se desenvolve por um processo vivencial dinâmico, se estrutura a partir de influências externas como status social, condição econômica e crises financeiras, e também por condições internas como o nascimento de um filho (Silva & Dessen, 2001). Quando nasce uma criança com deficiência, o momento é de grande impacto para o casal, causando uma desestruturação e interrupção na estabilidade familiar (Silva & Dessen, 2001), pois cria uma situação nova, nunca enfrentada anteriormente (Amiralian, 1986).

Se na atualidade o nascimento de um filho com deficiência é perturbador imagine esse fato ocorrendo em 1971, quando as pessoas possuíam pouca ou nenhuma informação sobre as deficiências. É nesse contexto de poucas informações que a biografada recebe a notícia de que seu filho iria permanecer o resto de sua vida em cima de uma cama, sem ao menos conseguir sentar-se.

A forma como é transmitida a notícia da deficiência de um filho pode ter influência decisiva nas reações vivenciadas pelos pais (Lemes & Barbosa, 2007). Uma vez que o

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diagnostico de deficiência parece gerar uma situação crítica de impacto, caracterizada por sentimentos de desconforto, como angustia, medo, culpa e vergonha. É imprescindível que se proporcione a família um diagnóstico médico compreensível; conforto no que se refere a sentimento de culpa, medo e incerteza; alguma ideia de futuro para os pais e filhos; e muita esperança e encorajamento.

Quando o médico informou para Dona Lurdes da deficiência do filho, apenas, disse com todas as letras que não teria nada que pudesse ser feito para contornar aquela situação, que a falta de oxigênio no cérebro do mesmo teria causado as deficiências e que as sequelas eram irreversíveis. No entanto, antes desse dia a mãe e o pai tinham percorrido todos os locais possíveis e informados por terceiros onde poderiam encontrar a cura para o filho, como benzedeiras, curandeiros, Igrejas de todas as denominações.

A psicanálise há muito tempo aponta que toda a mulher sonha com um bebê perfeito, que possa ser melhor do que ela é. No entanto, a gestação é um momento muito complexo, em que ocorrem várias mudanças na vida da mulher (Borsa, 2007). Trata-se neste sentido, de uma experiência repleta de sentimentos intensos, variados e ambivalentes, que, neste momento são características marcantes.

No caso da biografada durante a gravidez a mesma sofre um acidente em que o telhado da estrebaria onde estava desaba sobre ela de maneira tão grave que lhe causa um desmaio imediato. Como esse incidente não lhe causou dores na barriga, ela não foi ao médico, mas, sempre tinha em sua mente a preocupação em relação ao filho, no sentido de saber se o incidente teria afetado seu bebê ou não. Na realidade de acordo com os médicos o acidente em nada afetou o bebê.

Esses sentimentos após o parto assumem nova forma. A realidade do bebê imaginário, na barriga da mãe não é a mesma realidade do bebê recém-nascido. Muitas mães tendem a negar a realidade do seu bebê nas primeiras semanas de vida, sentindo-se assustadas e confusas diante dos primeiros cuidados. No momento em que a criança adquire vida própria, diferente da vida intrauterina, ela incorpora-se como um novo integrante na família, o que transforma o equilíbrio familiar, que já havia passado por algumas transformações durante a gravidez. A autora ainda refere que nesta fase as mães vivem momentos de ansiedade e desamparo e que o parto e os primeiros momentos com o bebê encerram esse período que é repleto de expectativas e fantasias.

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Dentre as principais mudanças ocorridas em sua vida Dona Lurdes destaca que se dedicou exclusivamente a cuidar do filho, no sentido de não trabalhar fora, vida social, etc. No entanto, continuou fazendo todos os seus afazeres domésticos, mesmo tendo os movimentos da mão esquerda totalmente paralisados em função de outro acidente que a mesma sofreu.

Para Milbrath et al (2008), a percepção da necessidade de cuidados especiais, acrescida da necessidade de criar estímulos adequados que potencializem ao máximo o desenvolvimento da criança, em alguns casos pode provocar a saída das mães do mercado de trabalho, levando-as a dedicação exclusiva a seu filho. Bem como afirmou a biografada. Dona Lurdes afirma que somente conseguiu superar todas as adversidades ocorridas em sua vida devido a sua fé, isso não quer dizer que em certos momentos se sentiu tão fragilizada que sentiu inclusive sua fé muito enfraquecida. Mas, com muita coragem e confiança em Deus e Nossa Senhora prosseguiu sua vida com muita alegria e disposição. Segundo Oliveira et al (2008), a forma de enfrentamento dessas mães cuidadoras não seria possível se não fosse a fé. Diante de experiências difíceis, principalmente no núcleo familiar, observa-se a procura de apoio espiritual. Só assim, com o auxilio divino, é possível suportar e enfrentar os desafios apresentados. A religiosidade ante a situação difícil parece consolo e resposta para tantas indagações. Mães de crianças com deficiência sentem-se escolhidas por Deus para cumprir a missão que lhes foi confiada, assim como capacitadas para cumprir a tarefa desafiadora.

Inclusive na ocasião do acidente em que perdeu os movimentos da mão esquerda, ela afirma que a única coisa em que pensava é que não poderia morrer, pois, tinha que cuidar seu filho e que esta era a sua missão aqui na terra. E como ela diz: graças a Deus eu não morri e também não perdi o braço e, isso permitiu que eu continuasse colocando meu filho no colo.

Mesmo com tantas adversidades como acidentes graves, um filho especial, a traição do marido, ela se considera uma heroína e vencedora, pois, nunca se deixou abater pelo desânimo, ao contrário sempre seguiu em frente com muita força e coragem e dedicando-se ao filho especial e ao restante da família. Afirma que perdoou o marido porque é perdoando

que se é perdoado, além disso, mesmo com tantas adversidades pode afirmar que apesar

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De acordo com Meihy (2002, p.37). “Algumas histórias pessoais ganham relevo na medida em que expressam situações comuns aos grupos ou sugerem aspectos importantes para o entendimento da sociedade mais ampla”.

Como meu Trabalho de Conclusão de Curso é uma Biografia ou mesmo uma história de vida, obrigatoriamente fiz uso do método de História Oral de entrevistas gravadas para posteriormente transcrevê-las.

Para a análise em relação ao método de História Oral fiz uso da obra de José Carlos Sebe Bom Meihy – Manual de História Oral.

Mas afinal o que é história oral?

É difícil definir história oral em poucas palavras, pois essa prática, além de nova, é bastante dinâmica criativa, o que torna provisória qualquer conceituação. Pode-se no nível material, considerar que história oral consiste em gravações de narrativas pessoais, feitas diretamente de pessoa a pessoa, em fitas ou vídeo. Tudo prescrito pela existência de um projeto.

História oral é um recurso moderno usado para elaboração de documentos, arquivamento e estudos referentes à experiência social das pessoas e de grupos. Ela é sempre uma história do tempo presente e também reconhecida como história viva. Segundo Meihy:

1º - História oral é uma prática de apreensão de narrativas feita por meio do uso de meios eletrônicos e destinada a recolher testemunhos, promover análises de processos sociais do presente e facilitar o conhecimento do meio imediato.

2º - A formulação de documentos mediante registros eletrônicos é um dos objetivos da história oral que, contudo, podem ser analisados a fim de favorecer estudos de identidade e memória cultural.

3º - História oral é um conjunto de procedimentos que se iniciam com a elaboração de um projeto e continuam com a definição de um grupo de pessoas (ou colônia) a serem entrevistadas. O projeto prevê: planejamento de condução das gravações; transcrição; conferência da fita com o texto; autorização para o uso; arquivamento e, sempre que possível publicação dos resultados, que devem, em primeiro lugar voltar ao grupo que gerou as entrevistas.

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4º - História oral é uma alternativa para estudar a sociedade por meio de uma documentação feita com o uso de depoimentos gravados em aparelhos eletrônicos e transformados em textos escritos. (Meihy, 2002, p.13-14).

Procedida com pessoas vivas, como expressão do tempo presente, a história oral deve responder a um sentido de utilidade prática, pública e imediata. Isso não quer dizer que ela se esgote no momento da apreensão e da eventual análise das entrevistas ou mesmo do estabelecimento de um texto.

Atualmente, a história oral já é parte integrante do debate sobre a função do conhecimento social e atua em uma linha que questiona a tradição historiográfica centrada em documentos oficiais; por isso, ela é hoje inerente aos debates sobre tendências da história contemporânea. Como pressuposto, a história oral implica uma percepção do passado como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado. É isso que a marca como história viva.

O presente trabalho está organizado em introdução; capítulo I; capítulo II; capítulo III; considerações finais; referências. Busco algumas explicações de especialistas para as reações da mãe e da família quando recebem a notícia do nascimento de um filho com deficiência, busco também algumas definições sobre Paralisia Cerebral e História oral. No primeiro capítulo busco resgatar um pouco do que era o contexto do povoamento da região que hoje é o nosso Estado e também descrevo partes da história que relata a formação do Município de Braga. No segundo capítulo busco um maior entendimento sobre a Paralisia Cerebral. No terceiro capítulo relato a trajetória de vida de Lurdes, sua infância, sua juventude, casamento, seus filhos, seus sofrimentos e decepções, suas alegrias e realizações, como conseguiu superar tudo e seguir em frente. E, por fim, concluo fazendo uma análise geral do trabalho realizado.

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CAPÍTULO I

1.1 - O CONTEXTO HISTÓRICO DO POVOAMENTO DA REGIÃO QUE HOJE É O

NOSSO ESTADO - RIO GRANDE DO SUL.

O território atual do Rio Grande do Sul somente um século depois da descoberta do Brasil começou a ser percorrido e a ser gradativamente ocupado pelos portugueses.

Os descobridores não desconheciam a existência daquelas terras. Entretanto diz um historiador que “os portugueses perderam várias oportunidade de se apossarem da margem esquerda do Rio da Prata. A primeira, quando da expedição de D. Nuno Manuel, em 1513, que descobriu e navegou pela primeira vez a baía do Prata. A segunda, quando em 1532, el-rei, em carta a Martim Afonso de Souza, revelou o plano de dividir em capitanias de 50 léguas de costa todo o território espraiado entre Pernambuco e Rio da Prata. Assim mais de um século se passou e, afora as manifestações dos bandeirantes, o Rio Grande permanecia entregue ao gentio e às reduções jesuíticas”. (Rodrigues 1954, apud Azevedo, 1982, p.41) Na verdade, a história do Rio Grande começa quando o soberano português, em 1674, concede a Salvador Correa de Sá e Benevides “trinta léguas de terra nas serras que estão sem donatário naquela costa até a boca do Rio da Prata para que as logre”. (Azevedo, 1982, p.41)

Segundo Azevedo “Em 1824 o governo imperial, cumprindo o plano de criar uma classe média rural, proprietária e adiantada, que se iniciaria em 1818 nas matas do Jequitinhonha na Bahia, e continuava, além do Rio Grande, em Nova Friburgo em Pernambuco e no Espírito Santo, toma a iniciativa de introduzir colonos alemães no Rio Grande, fundando o primeiro estabelecimento, a Colônia São Leopoldo, à margem do Rio dos Sinos em terras da malograda Real Feitoria do Linho Cânhamo” (Azevedo, 1982, p.44-45).

Para Azevedo “A colonização alemã, apesar de seus tropeços e interrupções, dera prova da eficácia desse método de povoamento e de desenvolvimento. O dinamismo do sistema já se revelava na combinação da agricultura com o artesanato e comércio, nas primeiras tentativas industriais na região e nas cidades maiores do resto da Província, nas migrações para Norte e Oeste em direção às Missões e na operosidade, nos valores e na capacidade organizativa dos colonos e seus descendentes. Prenuncia-se a extraordinária influência dos colonos na formação e no surto econômico do Rio Grande do Sul em vias de transformação numa sociedade nova e pujante”. (Azevedo, 1982, p.46)

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No Brasil, tanto o governo central como as províncias do sul estavam empenhadas em continuar recebendo imigrantes, pois os resultados até então obtidos eram mais do que satisfatórios e havia ainda imensas regiões de matas que só seriam ocupadas por imigrantes. (Não se reconheciam direitos aos caboclos que nelas viviam em nível de subsistência e extraindo erva mate).

De acordo com Lazzarotto “*...+ Diversas foram às causas que moveram milhões de italianos a emigrarem especialmente para os Estados Unidos e o Brasil. As guerras de unificação da Itália trouxeram a ocupação sucessiva, por diversos exércitos, do norte da Itália, com danos à propriedade, desrespeito a dignidade das famílias, impedindo ou devastando plantações, aumentando a miséria por toda a parte. A unificação da Itália trouxe, ainda, a perda de um mercado mais poderoso que era o da Áustria, quer para a colocação de produtos, quer da mão de obra disponível, complicando ainda mais a situação do norte itálico, donde saiu a maior parte dos imigrantes. Havia ainda o horror da guerra e do serviço militar, imposto aos jovens italianos por três anos”. (Lazzarotto, 2001, p.96). Muitos italianos vieram com o propósito de fazer fortunas e logo voltar para seu país de origem, o que não se concretizou na prática, não conseguiram fazer fortunas nem tão pouco voltar. Dadas as reais circunstâncias que os imigrantes encontravam por aqui é possível compreender porque esse objetivo não era de fácil concretização. Palenda (1956 apud Lazzarotto, 2001, p.98) observa que “Chegados ao destino ali os aguardava o mais completo desabrigo, atirados que foram ao mato e a intempérie”.

Propaganda intensa era feita pelas nações americanas interessadas, especialmente os Estados Unidos, a Argentina e o Brasil. A América era apresentada como Terra de Promissão, de facilidades e enriquecimentos rápidos (Gardelin, 1968 apud Lazzarotto, 2001, p.97). Na verdade essa propaganda toda não expressava a realidade, pois, no caso do Brasil sabe-se que os imigrantes ao chegar por essas terras encontravam muitas dificuldades, precisavam começar praticamente do nada. A começar pelos barracões onde ficavam instalados até serem encaminhados para as localidades onde iriam fixar suas residências, muitos já começavam com dificuldades lá na Itália ainda, por serem explorados nos locais onde ficavam até o dia do embarque e ao chegar aqui às coisas não eram muito diferentes, sempre tem alguém se aproveitando de situações como estas. Ao chegar aos locais aonde iriam se estabelecer se deparavam com uma realidade bem diversa do que imaginavam

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antes de vir, tinham que começar por construir suas residências com certas dificuldades em função da falta de ferramentas, abrir estradas e enfim desbravar as matas que ocupavam a maior parte do território. Em função disso tudo que se fala que os imigrantes eram muito trabalhadores e também dispunham de certas técnicas que por aqui eram desconhecidas. Ainda de acordo com Lazzarotto. “A industrialização, as fábricas, importando matérias primas, como lã da Austrália, e vendendo produtos melhores e mais baratos, acabaram com o pequeno excedente que o agricultor conseguia com seu artesanato, realizado durante os longos invernos do norte da Itália” (Lazzarotto, 2001, p.97).

Por fim a alta taxa de natalidade então existente na Itália que, dadas as circunstâncias apontadas acima, não podia abrigar e sustentar toda a população (Costa, 1996 apud Lazzarotto, 2001, p.97) incentivou a imigração.

Com a devolução ao Governo Imperial dos núcleos de colonização Conde d’Eu (já iniciado) e Dona Isabel (com os lotes já medidos), procurou-se enviar para o Rio grande do Sul imigrantes italianos. Os primeiros chegaram a Nova Milano, município de Farroupilha, onde se radicaram a 20 de maio de 1875. A 27 de agosto, junto com imigrantes franceses, se estabeleceram os primeiros italianos em Conde d’Eu hoje Garibaldi. Dessa localidade partiram 48 pessoas destinadas a Dona Isabel, hoje Bento Gonçalves, dando ali inicio ao povoamento. Nasciam, assim, os três primeiros núcleos de colonos italianos no Rio Grande do Sul. A distribuição dos lotes obedecia à lei de 1854: o colono não recebia mais nada gratuitamente, mas tudo devia ser reembolsado a partir da primeira colheita num prazo de cinco anos.

Nesse contexto de imigração vieram para o Brasil os avós paternos da biografada, ou seja, da Itália, no entanto, a mesma diz não se lembrar das histórias que os avós contavam sobre a viagem, apenas tem certeza que os mesmos vieram da Itália. Não sabe dizer em qual localidade do nosso Estado eles se estabeleceram. O avô materno veio da Alemanha e casou-se com uma brasileira.

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1.2

MUNICIPIO DE BRAGA

Os pais da biografada vieram de Ibirubá para a localidade que hoje é o município de Braga nos anos 1940, quando da chegada encontraram uma paisagem ainda praticamente intacta e começaram a desmatar e se estabelecer, de início construíram uma casinha de pau a pique como disse dona Lurdes nas entrevistas, mas, posteriormente com muito trabalho de toda a família a situação financeira foi melhorando.

A colonização de Braga teve inicio no século XIX, mais precisamente entre os anos 1904 e 1905, com a chegada das primeiras famílias de desbravadores. Pelo ano de 1916 residiu numa choupana o “Negro Velho” que tinha o nome de Manoel Braga, a margem direita do Lajeado Cachoeira, como era conhecido. Desta época em diante passou a chamar-se Lajeado Braga e daí que surgiu o nome da Vila que se formou ao seu redor (Braga-RS, Deomira C. Andolhe et al, 1993, p.11). Maria de Lurdes conta que várias vezes foi a cavalo até a referida Vila para vender ovos e comprar alguns itens que não produziam na propriedade de seus pais.

Conforme entrevistas feitas a antigos moradores, Manoel Braga era um senhor muito hospitaleiro e conhecido na região.

Os primeiros moradores de Braga que se tem conhecimento foram: Delfino Tavares Freire, Manoel Braga, Joaquim Brizola, Sebastião Tomé, Fernando de Moraes Vieira, Ramão Luciano de Sousa, Alberto Abrão Levi, Carlos Skittenberg e Torquato Verissimo. Alguns desses senhores se estabeleceram inicialmente no Braguinha a três quilômetros da atual sede do município. Mais tarde atraídos pela cachoeira, mudaram-se formando a Vila Braga. A cachoeira era muito útil na época, pois suas forças serviam para tocar os motores das serrarias e moinhos (Braga-RS, Deomira C. Andolhe et al, 1993, p.11).

A principal atividade econômica na época era o extrativismo vegetal com a exploração da madeira dos pinheiros, muito abundante na região e da erva mate.

A partir dai iniciaram as atividades de comércio e indústria. É dessa época também a criação da primeira escola na Vila.

Em 15 de julho de 1950 por Decreto da Cúria Diocesana de Santa Maria, foi criada a Paróquia Santa Catarina (Braga-RS, Deomira C. Andolhe et al, 1993, p.11). Era nessa Igreja que Lurdes e sua família participavam das missas aos domingos, inclusive, sua Primeira

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Eucaristia e seu casamento religioso foi celebrado nessa igreja, descendente de italianos seu pai era muito religioso.

Também no ano de 1953, Braga foi elevado a subdistrito da Redenção, atual Redentora, sendo seu primeiro subprefeito o Senhor Armelindo Boldrini, em 1954, o Senhor Vergílio de Oliveira Flores, de 1955 a 1959 os Senhores Plácido Raul Crescente Paulo Moacir Acioly e Carlos Gonzatto Sobrinho. De 1959 a 1964 o Senhor Augusto Radaeli (pai da biografada). De 1964 a 1965 o Senhor Plácido Raul Crescente (Braga-RS, Deomira C. Andolhe et al, 1993, p.12). Podemos considerar que o subprefeito da época tinha as mesmas funções dos prefeitos da atualidade, no entanto, como Braga era subdistrito não tinha como eleger um prefeito.

O pai de Lurdes sempre gostou muito de política e, podemos ver seu nome como subprefeito e posteriormente como vereador, ela afirma que ele morreu sendo muito brizolista e participando ativamente da vida política local e nacional.

Atualmente a mata está quase toda destruída pelo homem que transforma todo o espaço disponível em lavouras. Ainda podemos encontrar algumas espécies importantes como: pinheiro (araucária), cedro, guajuvira, cabriúva, angico, canela e louro que são consideradas madeira de lei.

Realmente os primeiros imigrantes que por aqui chegaram encontraram uma natureza totalmente diferente, sabe-se que as matas eram muito extensas e densas, mas com o intuito de conseguir produzir e sustentar suas famílias essas pessoas foram desbravando e colaborando para o desenvolvimento de nosso Estado.

Outra característica da vegetação do município encontrada em pequena quantidade é o campo, formado por plantas rasteiras e gramíneas. Nos campos podemos encontrar árvores isoladas ou pequenas matas chamadas capões. Hoje, os campos são aproveitados para a criação de gado ou para formação de lavouras para o plantio de soja, trigo e milho (Braga-RS, Deomira C. Andolhe et al , 1993, p.15).

Como consequência do desmatamento descontrolado surgiu, por um lado, o aumento da produtividade agrícola, e por outro, ocorreram fatos negativos como: desaparecimento de essências nativas, destruição do habitat natural dos animais, rompimento do equilíbrio ecológico, desgaste do solo, provocando erosão e exigindo recuperação, alterações no clima e assoreamento dos rios.

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O que de início era uma necessidade no sentido de dar sequência ao desenvolvimento dessas localidades, posteriormente acabou que ultrapassando os limites do aceitável e ocasionou a devastação da natureza e estamos sofrendo as consequências negativas do desmatamento sem medidas.

Portanto, devemos conscientizar a população para preservar o que ainda resta da vegetação, com projetos que visem conservar as áreas verdes e recuperar as áreas desmatadas.

ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL

O segundo prefeito eleito foi o Senhor Mário Danilo Machado Gonçalves e seu vice Lindolfo Kmiecik. Seu mandato foi de 31 de janeiro de 1973 até 31 de janeiro de 1977.

Vereadores: Antônio Leo de Sousa, Domingos Vigne, Dilceu dos Santos Langner, Valdemar Arbo de Freitas, Ademar Andolhe, Augusto Radaeli (pai da biografada) e Norberto Dalla Libera (Braga-RS, Deomira C. Andolhe et al, 1993, p.18).

Como mencionado anteriormente podemos aqui constatar o nome do pai da biografada constando na lista de vereadores do segundo mandato do município.

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CAPÍTULO II

Para os conceitos e definições a seguir busquei apoio no que estabelece a ABPC – Associação Brasileira de Paralisia Cerebral.

PARALISIA CEREBRAL

Paralisia Cerebral é um termo geral que engloba manifestações clínicas muito variadas, que têm em comum a dificuldade motora em consequência a uma lesão cerebral.

Para que uma criança com dificuldade motora tenha o diagnóstico de Paralisia Cerebral, é necessário:

Que a lesão neurológica tenha acontecido durante a fase de desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC) (fase que vai desde o momento da concepção até os dois anos de idade).

Que a lesão neurológica não seja uma lesão progressiva. A criança vai apresentar mudanças decorrentes de seu crescimento e amadurecimento, mas a lesão em si é estacionária, ou seja, não vai piorar e também não vai desaparecer.

Interessante saber que a lesão diagnosticada na Paralisia Cerebral é estática e que não piora mesmo com o passar do tempo, além disso, não desaparece, o que é possível ser feito é o acompanhamento com vários profissionais que possam auxiliar para que a criança com Paralisia Cerebral tenha uma vida “normal”.

No caso do filho de dona Lurdes, que nasceu em casa, no dia 14 de fevereiro de 1971 ficam muitas dúvidas no sentido de como teria sido se a mãe e a criança tivessem tido acompanhamento médico, ao invés do auxilio de uma parteira. Dúvidas no sentido de que se no hospital teriam feito um parto cesariano ao invés de parto normal.

O que causa a Paralisia Cerebral.

Qualquer agressão ao cérebro em desenvolvimento pode causar Paralisia Cerebral. Para facilitar a melhor determinação das causas, costuma-se dividi-las em três tipos:

Pré-natais: são as lesões que ocorrem antes do nascimento. Algumas doenças da gestante

podem comprometer a formação das estruturas neurológicas do feto dentro do útero, como a diabete, a pressão alta e infecções virais como a rubéola e a toxoplasmose, além do uso de certas substâncias pela futura mãe (Ex: álcool, drogas e tabaco).

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Perinatais: são as lesões neurológicas que acontecem no período que vai do começo do

trabalho de parto até 6 horas após o nascimento. É um período curto em que o bebê passa por grandes transformações a que tem que se adaptar rapidamente. A prematuridade, o baixo peso, o trabalho de parto muito demorado, entre outras situações, predispõem o sistema nervoso imaturo a não efetuar essa adaptação com a rapidez suficiente, ocorrendo então a lesão.

Pós-natais: durante a infância, infecções como a meningite, traumas cranianos e tumores

podem comprometer o sistema nervoso que ainda está se desenvolvendo. Quando esses problemas agudos são resolvidos, muitas vezes deixam “cicatrizes” que podem comprometer o desenvolvimento normal, levando às alterações clínicas típicas da Paralisia Cerebral. Após os dois anos de idade, o SNC encontra-se completamente desenvolvido, portanto, o mesmo tipo de agressão ao sistema nervoso após essa idade vai causar sintomas diferentes, não mais definidos como Paralisia Cerebral.

Dentre as três causas de Paralisia Cerebral existentes podemos afirmar pelos relatos de dona Lurdes que no caso de seu filho, este se enquadraria na causa Perinatal, pois, a mesma relata na entrevista que o parto foi mais demorado que o normal e que a criança nasceu totalmente roxa e que demorou bastante para que a parteira conseguisse fazer com que o mesmo chorasse. Em função da demora em nascer seu cérebro sofreu uma lesão.

Se na atualidade temos destacada a importância dos cuidados médico hospitalares à gestante e ao bebe na hora do parto, no sentido de que estes são extremamente importantes para se evitar eventos que causem danos aos bebes no momento de seu nascimento, entende-se que a ausência desses cuidados podem ser a causa do filho da biografada ter ficado com graves sequelas em função da falta de oxigênio no cérebro ao nascer, pois, o parto ocorreu em casa com o auxilio apenas de uma parteira.

As manifestações clínicas da Paralisia Cerebral são muito variáveis de criança para criança, pois dependem da gravidade e extensão da lesão e da área neurológica comprometida. O denominador comum entre elas é o distúrbio motor.

Além dele, outros sintomas neurológicos podem ou não estar presentes, entre eles: crises convulsivas, dificuldades visuais, dificuldades de fala, problemas para alimentação e função respiratória, deficiência auditiva, deficiência mental, entre outros. A presença desses

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outros sintomas é muito variável entre os pacientes e pode interferir no desenvolvimento global de cada um.

Muitos desses sinais motores e comportamentais foram constatados por dona Lurdes em seu filho, mas, ela em sua ignorância e esperança de vê-lo bem não pensava que se tratasse de algo tão grave, além disso, a princípio o médico também não percebeu ou não queria falar literalmente para a mãe a verdade sobre a gravidade da lesão que a criança tinha sofrido ao nascer. Apenas quando a criança tinha sete anos que outro médico lhe disse que na realidade seu filho ficaria em estado vegetativo por toda a vida. Sendo assim pode-se considerar que a lesão que a criança sofreu foi grave, pois comprometeu toda a sua coordenação e sentidos.

Distúrbio Motor.

O Sistema Nervoso Central engloba os órgãos que comandam nossa função motora, ou seja, nossa capacidade para movimentar nossos braços e pernas, para andar, nos equilibrar, mastigar, engolir, tossir, etc. Quando alguma de suas áreas está comprometida, o movimento não vai acontecer de forma normal: essa alteração é conhecida como distúrbio motor.

As alterações motoras estão sempre presentes na pessoa com paralisia cerebral, variando muito em sua distribuição, tipo e gravidade.

Tipos de distúrbio motor que se encontram na Paralisia Cerebral.

As alterações motoras são típicas da área do Sistema Nervoso Central que foi lesada. Classifica-se clinicamente a Paralisia Cerebral de acordo com o tipo de dificuldade motora:

Espástica: é o tipo mais comum, e ocorre por lesão do córtex motor do cérebro, região que

comanda primariamente os movimentos. Nesse tipo, os músculos têm, ao mesmo tempo, a força diminuída e o tônus aumentado, o que se chama espasticidade. Os pacientes apresentam os músculos enrijecidos, sendo difícil fazer o movimento tanto pelo próprio paciente como por outra pessoa. Os músculos mais tensos crescem menos, e por isso, a criança, com o tempo, pode desenvolver encurtamentos musculares, conhecidos como contraturas. O crescimento dos ossos, influenciado pela tensão dos músculos, também pode ser alterado, evoluindo para as deformidades. Além disso, o desenvolvimento motor, a

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aquisição das atividades motoras como sentar, engatinhar e andar, é atrasado de forma leve, moderada ou grave.

Extrapiramidal: acontece por lesão de áreas mais profundas do cérebro conhecidas como

núcleos da base ou sistema extrapiramidal responsável pela modulação do movimento, ou seja, pela inibição de movimentos indesejados, Nesse tipo de lesão, o movimento acontece, mas de forma exagerada, sem modulação, gerando o que se define como movimentação involuntária. A criança apresenta movimentos que lembram os de uma marionete, podendo ser muito amplos, ou coreicos, ou mais rápidos e distais, os atetóides; quando esses movimentos mantêm a criança em posturas muito diferentes, assimétricas e fixas, recebe o nome de distonia. Neste tipo clínico, o atraso do desenvolvimento motor também vai acontecer, mas as deformidades ortopédicas e o comprometimento mental são menos comuns.

Atáxico: esse tipo clínico de Paralisia Cerebral é o mais raro. Acontece por lesão do cerebelo,

área do SNC responsável pelo equilíbrio e coordenação. As crianças com esse tipo de lesão geralmente apresentam tremores, incoordenação tanto das mãos, como dos membros inferiores e do tronco e, quando andam, não conseguem fazê-lo em linha reta. Nestes pacientes também é raro ocorrerem deformidades, mas as alterações de fala e o comprometimento mental são comuns.

Após a leitura desses três tipos de dificuldade motora concluo que o filho de Dona Lurdes foi acometido por uma Paralisia Cerebral que comprometeu totalmente a sua coordenação motora, além de apresentar praticamente todos os demais sintomas, como já dito anteriormente ele ficou em estado vegetativo a vida toda.

Como se distribui no corpo o distúrbio motor.

Dependendo da distribuição do comprometimento motor, classifica-se a paralisia cerebral em três tipos:

Tetraparesia: é o comprometimento global, em que tanto os membros superiores como

inferiores estão alterados com a mesma gravidade. Geralmente aqui existe um atraso do desenvolvimento motor importante, e, de forma geral, o potencial de independência, nestas crianças, é bastante limitado.

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Diparesia: o comprometimento é mais acentuado nos membros inferiores que nos

superiores, ou seja, a função das mãos é mais preservada. Neste caso, a possibilidade de adquirir mais independência é maior.

Hemiparesia: é o comprometimento de um lado do corpo, direito ou esquerdo, dependendo

do lado (hemisfério) do cérebro que foi lesado. A grande maioria das crianças hemiparéticas vai ter um bom desenvolvimento global, porém, muitas vezes, a principal dificuldade decorre de problemas de comportamento ou de compreensão.

No caso do filho de dona Lurdes o cérebro foi totalmente lesado, não restando nenhum movimento ou ação coordenada.

Como diagnosticar a Paralisia Cerebral.

O diagnóstico da Paralisia Cerebral é clínico, o que quer dizer que o médico chega à conclusão que a criança tem Paralisia Cerebral através das informações recebidas da família (história) e da avaliação do paciente (exame físico).

Não existe nenhum exame complementar que faça o diagnóstico de Paralisia Cerebral. Como o próprio nome diz, os exames de laboratório ou de imagem são complementares, e são pedidos pelo médico para ajudar a compreender melhor o quadro clínico de cada criança.

No entanto como descrito por dona Lurdes o médico em que ela costumava levar o filho em função do mesmo chorar muito e posteriormente não firmar a cabeça e as perninhas, não concluiu como diagnóstico a Paralisia Cerebral e sim afirmava que deveria ser em função de alguma dor que este chorava muito. Mesmo quando foi realizado em Santa Maria um determinado exame o médico apenas disse para a mãe que em função da falta de oxigênio no cérebro que a criança estava assim, mas, não falou nada no sentido da gravidade da lesão.

O tratamento da Paralisia Cerebral.

A Paralisia Cerebral não tem cura, pois é consequência de uma lesão irreversível no Sistema Nervoso Central.

Todo tratamento tem por objetivo permitir que cada criança desenvolva seu maior potencial em todos os aspectos de sua vida, assim como evitar complicações.

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Para se atingir esse objetivo, dois aspectos muito importantes devem ser sempre levados em consideração:

Prognóstico: esse é o termo médico usado para definir o potencial de cada paciente. O

prognóstico é muito variável de indivíduo para indivíduo e depende de inúmeros fatores como o grau de comprometimento motor; a presença de alterações associadas; o aparecimento de complicações e também da colaboração da família e do próprio paciente. Pode-se determinar o prognóstico ou potencial específico em cada área. Por exemplo, o prognóstico de marcha, a possibilidade de a criança conseguir andar, depende da gravidade motora, do grau de atraso do desenvolvimento, da presença de outras deficiências associadas (visual, mental) etc. O prognóstico escolar, ou seja, o quanto se espera que a criança aprenda, depende principalmente de sua capacidade mental, mas também do quanto consegue usar as mãos, da sua capacidade visual e auditiva etc.

Equipe multidisciplinar: diante de um diagnóstico que pode ter manifestações clínicas tão

variadas, que atingem funções tão diferentes quanto à capacidade motora; a linguagem; a compreensão, etc., é impossível que um único profissional da área de saúde consiga tratar o paciente de forma adequada e abrangente. Daí a necessidade de vários profissionais, treinados para compreender áreas específicas do desenvolvimento global da criança. O médico neurologista vai conhecer melhor a causa do problema, diagnosticar e tratar as crises convulsivas e as alterações de comportamento; o médico fisiatra é formado para conhecer as funções do paciente, determinar o quanto cada uma está alterada e traçar o prognóstico global de reabilitação; o médico ortopedista atua quando existem deformidades que precisam ser corrigidas; o oftalmologista, o gastroenterologista e o pneumologista vão participar quando alterações de suas áreas de especialização necessitar de atenção. Da mesma forma, a equipe também é composta pelo fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo, pedagogo, assistente social, musico terapeuta, arte-reabilitador, educador físico, enfermeiro, técnico em órteses, e outros profissionais; somente a soma do conhecimento de cada um destes especialistas e da atuação criteriosa de cada um deles, poderá trazer a cada paciente com Paralisia Cerebral o tratamento mais adequado, cujo sucesso será tanto maior quanto melhor for a integração da equipe, dos familiares e cuidadores e do próprio paciente.

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Na atualidade possuímos os mais variados profissionais a nossa disposição, quando não se tem as condições financeiras, através do SUS – Sistema Único de Saúde é possível se ter acesso a tais profissionais. Mas, na época em que o filho de dona Lurdes nasceu a realidade era bem outra, o Estado não estava presente como na atualidade cuidando dos direitos dos cidadãos de maneira mais ampla e irrestrita. Apenas as pessoas mais ricas é que tinham acesso á um atendimento mais especializado. Seu filho nasceu em casa apenas com o auxilio de uma parteira o que era comum naquele período, mesmo se tendo acesso aos hospitais. Na realidade de dona Lurdes pode-se dizer que era impossível algo como descrito acima em relação aos tantos profissionais que seriam necessários para a criança com Paralisia Cerebral ter o tratamento mais adequado. Quanta angustia deve ter passado essa mãe ao ver seu filho naquela situação e não ter um esclarecimento que pudesse tirar todas as suas dúvidas, estamos falando da década de 1970 e ainda de um munícipio muito pequeno do interior de nosso Estado. Na atualidade além dos profissionais de saúde ainda possuímos a internet que pode nos dar as mais variadas informações sobre tudo.

Nesse sentido podemos afirmar que as coisas evoluíram muito, a medicina está cada vez mais avançada e os profissionais cada vez mais interessados em se especializar e as pessoas também estão bem mais instruídas.

Como descrito acima esse tipo de lesão é irreversível, mas, se a mãe estivesse em um hospital com acompanhamento médico tudo poderia ter sido bem diferente.

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CAPÍTULO III

A FAMILIA DE MARIA DE LURDES PRETTO

3.1 Os pais, os irmãos e a infância.

Foto 01: Luiza e Augusto, pais de Maria de Lurdes. Fonte: Acervo pessoal da biografada.

Maria de Lurdes Pretto nasceu no Braga, época que o mesmo ainda era distrito no dia 05 de janeiro de 1946. Filha de Augusto Radaeli (descendente direto de italianos) e Maria Luiza Radaeli (descendente de alemão e brasileiro, seu pai veio da Alemanha e sua mãe era brasileira). Seus pais vieram de Ibirubá por volta de 1942 para o Braga, onde se estabeleceram e constituíram sua família. Quando chegaram ali para se estabelecer era tudo mata, seu pai começou construindo uma casinha bem simples distante três quilômetros do vilarejo. Na realidade Ibirubá nesse período ainda não era município e não tinha essa denominação, de acordo com a história do município até ser denominada Ibirubá a sede da colônia teve mais de uma denominação.

“No início do povoamento, a sede da colônia foi denominada Barão de São Jacob, e pouco tempo depois o nome de General Osório. Para evitar confusões com o município de Osório, em 1938 mudou-se o nome para General Câmara. Esse nome foi novamente motivo de confusões com outro município. Na visita de um membro do IBGE ao município, foi sugerido o nome de Ibirubá, que em Tupi-Guarani significa Pitangueira do mato, pois esta é uma árvore persistente que está sempre

em crescimento, tal qual o município”.

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A vinda dos pais de dona Lurdes para o Braga coincide com um grande fluxo de colonos se transferido para a região.

“Entre 1932 e 1945 houve um grande fluxo de colonos para a região. As famílias de imigrantes chegavam em vários grupos provenientes de diferentes lugares, principalmente de Santa Rosa, Três de Maio e Ibirubá. Os novos moradores contribuíram muito para o desenvolvimento da região, introduzindo novos costumes de vida e novos métodos de trabalho, novas indústrias se instalaram e a modernização do comércio com o oferecimento de mais produtos vindos de fora, de outros municípios, pois o que era produzido e industrializado aqui era para o consumo próprio dos moradores, sendo que apenas o excedente era comercializado”. (http://www.braga.rs.gov.br/)

Depoimento oral em relação aos pais logo que chegaram ao Braga.

Eles construíram uma casinha de pau a pique, casinha de chão, a gente morou muitos anos nessa casinha de chão, com fogo de chão, onde se cozinhava a comida usando panelas de ferro e uma trempe. A casa possuía os quartos e a cozinha. (ENTREVISTA dado a autora, 10/10/2016)

Seus pais tiveram seis filhos, José Pantaleão e Luiz Adelino mais velhos que Lurdes e Antoninho Sadi, Inês e Gení de Fátima. A vida era difícil a e situação de sua família era de muita pobreza.

As brincadeiras naquela época eram muito diferentes eles brincavam pela natureza, quando chovia corriam para coletar os cocos que caíam e, isso era uma diversão enorme. Brincavam na água das sangas e comiam os mais variados frutos que encontravam na mata, seus irmãos caçavam passarinhos com as fundas e ela que fazia o serviço de limpar os mesmos para após cozinhar ou assar em um fogo fora de casa mesmo. Também lembra que nas terras de sue pai havia uma cachoeira onde ela e os irmãos iam brincar e nadar. Destaca que não sabe explicar porque, mas, nunca gostou de brincar com bonecas, brincava de roda, de pular corda, de pular sapata, esconde-esconde e jogar caçador com as irmãs, primas e também com as amigas de infância. Algo que gostava muito era andar a cavalo.

As lembranças de infância são muitas, mas, dona Lurdes destaca oralmente algumas, como quando seu pai estourava pipocas para ela e seus irmãos.

Quando a gente era pequeno na infância, quando chovia meu pai pegava uma panela de ferro bem grande e nós debulhava as espiguinhas de pipoca e ele

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colocava a panela na trempe e estourava as pipocas e ele tirava a tampa as pipocas iam estourando e caiam na cinza e nós cada um mais louco pra pegar as pipoquinhas da cinza e comer sem lavar e nada fazia mal e era assim a vida da gente muito divertida com meus irmãos. (ENTREVISTA dado a autora, 10/10/2016).

E também quando estava faltando chuva e ela e seus irmãos com muita fé faziam uma procissão com as imagens e crucifixos da mãe, inclusive, ela comenta que até pode ser que o tempo já estivesse para chuva, mas a fé deles ajudava.

Quando eu era menina e meus três irmãos mais novos que na época faltava chuva nós pegava as imagens dos santos e crucifixos que a mãe tinha em casa e fazia procissãozinha até a fonte que nós pegávamos água e dava banho nas imagens para chover. E a gente tinha tanta fé que no outro dia amanhecia chovendo e era verdade, de certo já estava meio nublado e ai acontecia né e a fé. (ENTREVISTA dado a autora, 10/10/2016).

Além disso, recorda com carinho quando ela e os irmãos diziam para a irmã mais nova que ela não era filha de seus pais e sim adotada pelos mesmos.

A minha mana Gení é bem moreninha ela puxou nossa mãe e quando ela era pequena eu e os outros irmãos dizia que ela não era nossa irmã e que nossos pais tinham pegado ela para criar e então a pobrezinha chorava-chorava, mas era só brincadeira de criança safada. Dai ela corria para o meu colo e eu fazia carinho até ela dormir. Cinco contra um fazendo judiaria né! Risos. (ENTREVISTA dado a autora, 10/10/2016).

Na época em que já era mais grandinha, cuidava da irmãzinha mais nova, e esta dormia com ela, e de madrugada costumava dizer que estava com fome e queria uma mamadeira de leite, e chorava que estava com fome.

E no inverno eu tinha que esquentar o leite num fogareirinho que a gente tinha que esquentar com álcool, era um fogareirinho pequenininho, mas era muito engraçadinho. Esquentava o leite e colocava na mamadeira. Mas eu como era um pouco preguiçosa e um pouco de frio no inverno, tinha existia na época um cachorro do mato que vinha em roda da casa querer pegar as galinhas e dai a gente chamava o cachorro de mão pelada. Dai eu dizia Gení! Dorme Gení vamos dormir se não o mão pelada vem pegar nós. E dai ela a coitadinha chorava de fome e eu não ia esquentar o mama pra ela, gargalhadas. (ENTREISTA dado a autora, 10/10/2016).

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Quando já moravam na “casa grande” com porão nos dias de chuva ela e os irmãos iam para lá brincar enquanto os pais iam deitar para descansar, relato oral em relação ao irmão que era muito arteiro e sapeca.

Um dia eu estava deitada em uma tuia onde se costumava guardar os mais variados alimentos como arroz, feijão, milho, amendoim, etc., para posteriormente levar para o moinho. E ele derrubou uma massa de roda de carroça em cima da minha barriga que eu estava deitada de barriga para cima e abri o berreiro, dai o pai veio e passou a guaiaca em todo mundo que estava ali foi um esparramo, risos. (ENTREVISTA dado a autora, 10/10/2016)

O tempo foi passando e chegou a hora de ir para a escola que ficava na vila, as suas roupas e dos irmãos eram confeccionadas por sua mãe. Como uniforme para ir à escola tinha tipo um jaleco que chamavam de tapa pó, de cor branca. Para o desfile de sete de setembro era feito um uniforme especial: saia azul de preguinhas e blusinha branca.

Mas, nesse momento dona Lurdes já trabalhava ajudando na roça e em casa, lembra que pegava sua enxadinha e seguia seu pai até a roça. Começou a trabalhar com oito anos de idade, seus irmãos também. Quando já era mocinha gostava muito de música sertaneja, seu irmão mais velho lhe dava pilhas de livros com as letras das músicas e ela decorava todas. Ia e voltava da roça cantarolando essas canções que adorava. E inclusive, gostaria de ter aprendido a tocar violão, mas, seus pais não deixaram. Ela bem que gostaria de ser uma cantora sertaneja, mas não foi possível concretizar mais esse sonho que tinha na infância. Lembra que seu pai costumava fazer puxirão na roça e era preciso encher as panelas de comida, mandioca, carne de porco, arroz, feijão.

Dai eu me lembro que no dia do puxirão iam todos os vizinhos lá, limpavam tudo aquela roça do meu pai e depois o puxirão ia na outra roça do outro vizinho e compadre, então, era assim que viviam. (ENTREVISTA dado a autora, 10/10/2016)

Inclusive tirava leite, fazia comida e pães, pois, sua mãe era muito doente. Fez questão de relatar que em certa feita com uns treze anos de idade esqueceu-se de colocar sal nos pães e tiveram que comer todos aqueles pães sem sal, pois, como a família era grande precisava fazer sete oito de cada vez, risos. Lembrou que somente no sábado era feito pão sovado de trigo, no decorrer da semana comia-se apenas pão de pura farinha de milho.

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Esses pães eram assados em um forno de barro construído perto da casa e aquecido com lenha. Estudou até o quarto ano e quando era para ir para o quinto reprovou e não quis mais ir, no entanto, sonha até hoje que está indo para a escola, pretendia ser uma professora e ao mesmo tempo enfermeira. Tinha três sonhos: ser professora, enfermeira ou freira [...]

“Naquela época para uma menina sair estudar fora como se fosse do Braga para aqui em Campo Novo, os pais não deixavam”,(Lurdes). Não teve a oportunidade de posteriormente voltar a estudar, pois após o casamento seguiu morando na roça e a situação financeira não permitia, além disso, vieram os filhos.

Seus pais eram muito católicos e dona Lurdes ia sempre à missa aos domingos, naquele tempo as pessoas não sentavam todas misturadas na Igreja como na atualidade, era homens para um lado e mulheres para outro. As missas eram rezadas em latim, e ela lembra que apenas entendiam algumas partes e se sabia rezar o Pai Nosso. Também após a Primeira Eucaristia quando tinha uns nove anos de idade, por volta do ano de 1955, precisou usar véu para ir à missa. Naquele tempo não tinham as tantas preocupações com a violência como na atualidade e ela muitas vezes se dirigia para a Igreja sozinha.

Solenes, formais e, para alguns, tomadas de um conservadorismo exagerado, as missas em latim dentro da Igreja Católica deixaram de ser celebradas há muitos anos. A mudança foi decretada por ocasião do Concílio Vaticano II, série de conferências realizadas entre 1962 e 1965 com o objetivo de modernizar a instituição e atrair os cristãos afastados da religião. Num primeiro momento, o papa João XXIII convidou bispos de todo o mundo para diversos encontros, debates e votações em Roma.

“Da pauta dessas discussões constavam temas como os rituais da missa, os deveres de cada padre, a liberdade religiosa, a relação da Igreja com os fiéis e os costumes da época. Depois de três anos, as autoridades católicas promulgaram 16 documentos como resultado do Concílio. Muitas novidades apareceram nas questões teológicas e na hierarquia do catolicismo. O papa, por exemplo, aceitou dividir parte de seu poder com outros cardeais. E as missas passaram a ser rezadas

na língua de cada país”.

(http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/533132/apesar-de-extintas-missas-em-latim-ainda-sao-celebradas).

Antigamente, antes do Concílio Vaticano II, era tradição da Igreja Católica Apostólica Romana o uso do Véu pelas mulheres durante a Santa Missa. Após o Concílio Vaticano II o

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Código de Direito Canônico, que ditava essa obrigatoriedade, foi alterado silenciando sobre o assunto.

Com o passar do tempo foram melhorando um pouco a condição financeira e foi possível comprar um cavalo, com isso dona Lurdes ia para o vilarejo vender leite e assim comprar o que não se produzia na propriedade, diga-se de passagem, era muito pouco o que precisava ser comprado. Seus pais construíram uma casa nova quando ela tinha quinze anos, chamavam de “casa grande”, no entanto, esta nunca foi pintada.

A biografada afirma inclusive que o início do namoro com seu futuro esposo se deu em uma carreira.

De acordo com Azevedo (1982, p.255) “[...] o uso do cavalo como montaria, que na Europa se limita às classes superiores, generalizam-se rapidamente entre os colonos; estes divertem-se em corridas de cavalos em cancha reta e recebem as novas autoridades, os bispos, os visitantes ilustres, como na Campanha e no resto do Rio Grande, com séquitos de numerosos cavaleiros vestidos á gaúcha, de bombacha, botas, lenço ao pescoço, ostentando as facas de carnear na cintura”.

Foto 02: A “casa grande”, as pessoas: a mãe e o pai de Maria de Lurdes e suas netas. Fonte: Acervo pessoal da biografada.

A casa possuía porão (característica de italianos) onde eram colocados os embutidos, pois nessa época possuíam muitos suínos, dona Lurdes sempre muito trabalhadeira aprendeu fazer salame, presunto, etc.

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Eu sabia matar porco, inclusive sozinha, meu pai criava aqueles bacorotinhos mais pequeninhos e eu me virava sozinha, esquentava a água para pelar o porco, carneava e fazia salame, meus irmãos iam trabalhar em uma roça que meu pai comprou um pouco mais longe de casa. Eu soube fazer de tudo que me ensinaram na vida e não me arrependo porque a gente saber das coisas não ocupa lugar.

(ENTREVISTA dado a autora, 10/10/2016).

Seu pai era muito racista e não admitia de modo algum que ela namorasse um rapaz moreno.

Eu não Deus o livre eu gostava muito de namorar um rapaz moreninho assim, mas meu pai me tirava me levava embora se tivesse num baile dançando com um moreno, ah ele me levava para casa e dizia vou te levar para casa porque eu não quero que você dance com esses rapaz moreno, você sabe que eu não gosto ele dizia para mim e eu obedecia porque era obedecer e pronto antigamente, não é como agora que vou bater o pé e vou casar, tanto é que apareceu um gringo e casamos e estamos por ai..(ENTEVISTA dado a autora, 10/10/2016)

Essa mentalidade foi mudando e alguns de seus irmãos se casaram com brasileiras. Afirma que por ser a mais velha das meninas fez tudo conforme o pai queria.

Na realidade dona Lurdes não falou sobre cada irmão em específico, mas o que aconteceu com seu irmão mais velho ela quis relatar com alguns detalhes.

Quando meu irmão namorava a moça que mais tarde seria sua esposa, o pai dela tinha um cachorro chamado sulito. Ela colocava um bilhete na coleira do cachorro e ele trazia para o meu irmão ir se encontrar na beira do rio para namorar escondido. Depois ela engravidou do meu irmão e o nosso pai fez eles casar, pois ela era de menor tinha só 15 anos e os pais dela eram compadres dos meus pais, mas infelizmente esse casamento nunca deu certo, os dois viviam só brigando, mas tiveram duas filhas lindas. Eles eram muito trabalhadores e estavam bem de vida financeiramente, mas com o passar dos anos meu irmão começou a beber e eles brigavam muito até separarem. Separavam e voltavam. A vida deles se transformou em amor e ódio, foram muitos anos assim, as filhas casaram, eles ficaram sós e a vida do casal não deu mais certo e certa noite ela ligou para mim e o Neri que ela ia matar o meu irmão que era o marido dela. E o Neri disse para ela comadre não faça isso, ele é o pai das tuas filhas e você vai se arrepender por isso. Dai passou mais um tempo e um dia ela ligou para nós que tinham matado meu irmão com 15 facadas, eles moravam em Mato Grosso do Sul, Campo Grande. Eu adorava meu irmão e não pude me despedir dele, fiquei muito triste, pois eu adorava ele. Os meus outros irmãos e o meu filho João viram o corpo dele na internet, foi um assassinato horrível. Eu não quis ver porque me representava ver meu irmão querido se defendendo das facas. Passaram três anos e seis meses e ela minha cunhada ficou muito doente e deu um infarto e morreu. Eles se amavam, mas a vida deles se transformou em amor e ódio, isso é muito triste para a família e netos deles. Esta tragédia vai ficar marcada para sempre para toda a família. (ENTREVISTA dado a autora, 10/10/2016).

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3.2 Namoro, noivado e casamento

Fotos 02 e 03: Maria de Lurdes e Neri em um baile quando eram noivos e Maria de Lurdes mocinha. Fonte: Acervo pessoal do biografada.

Quando já era mocinha com quatorze anos começou ir a bailes e matinês, mas, nessa idade não podia dançar com rapazes apenas com as amigas, às vezes o pai levava outras a mãe ou mesmo uma prima bem mais velha. Mesmo que gostasse de algum guri não podia sequer falar com o mesmo, afinal, pegar na mão de um rapaz apenas depois de noivos, era muito diferente da atualidade. Antes de namorar o esposo já tinha namorado outros rapazes, inclusive um brasileirinho que ela gostava muito, mas, com aquela do pai não gostar de morenos não deu namoro.

Ela conheceu o esposo (Neri) em sua casa quando ele foi com a trilhadeira dos pais trilhar soja e feijão para o pai de Lurdes, ela até acredita que foi os pais deles que deram essa ajeitada para eles se conhecerem, já que os mesmos eram de origem italiana e muito amigos. Dona Lurdes lembra que estava nas latas ajudando e também retirando as palhas para longe da trilhadeira, e ele vinha perto para verificar se não estava saindo soja junto com as palhas no intuito de se aproximar.

E dai ele me dava umas piscadas sabe, risos, muitos risos (ENTREVISTA dado a

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Foto 05: Trilhadeira da família do Neri esposo de Lurdes. Fonte: Acervo pessoal da biografada.

Mas, aquilo ali passou, eles não conversaram nem nada e após terminar o serviço foram embora. Posteriormente ela foi com as amigas em uma carreira, mas sem pensar que ele poderia estar por lá. Tinha matiné nas carreiras e uma dança chamada marca das damas onde as meninas iam tirar os rapazes para dançar. E o Neri estava lá e começou a piscar novamente para ela, já tinham se conhecido aquele outro dia e Maria de Lurdes afirma.

Eu era uma loira que não era de se jogar fora, risos (ENTREVISTA dado a autora, 10/10/2016).

Dai pensou vou tirar esse gringo para dançar e ver no que vai dar, dançaram e ficaram na sala conversando. Ele a acompanhou até um pedaço do cominho para casa, mas nada de mãos dadas. Naquela época os pais não costumavam perguntar com quem ela teria dançado, nem muito menos se estava gostando de algum rapaz. Posteriormente na festa de São João na vila eles se encontraram novamente, mais umas “piscadas” e ficaram juntos, esse “juntos”, diga-se de passagem, muito diferente da atualidade, apenas, conversaram. Ele pagou quentão para eles, mas com as irmãs e as amigas dela junto.

Logo vieram para casa, não se ficava muito tempo era de tardinha. Depois disso eles se encontravam nas missas na vila, no entanto, os homens sentavam em um lado da Igreja e as mulheres no outro. Na volta para casa ele costumava acompanhar ela e as amigas até um pedaço do caminho. Após um tempo ele foi a casa dela para pedi-la em namoro, também pedir permissão para namorar em casa.

No decorrer do namoro ele ia a casa dela aos domingos à tarde, sentavam na sala ou embaixo de um pé de erva na sombra onde ela já estava fazendo crochê quando ele

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chegava. Durante o namoro não se davam as mãos e muito menos beijam na boca, apenas após o noivado.

Relato em relação ao primeiro beijo.

Dai eu sei que o primeiro beijo que o Neri me roubou, quer dizer beijo roubado mesmo, foi quando eu já era noiva. A gente estava lá fora em pé antes dele ir para casa, ah uma coisa que meu pai não deixava era os namorados ficar de noite. Ai a gente estava de pé nesse dia e ele me puxou e me deu um beijo no rosto, bem no lado esquerdo me lembro até hoje, ai eu fiquei tão sem jeito, dai eu passava a mão passava a mão e parece que estava vermelho e fui lá para a cozinha, ele foi pra casa né. E parece que a minha mãe estava vendo que meu rosto estava vermelho e eu passava a mão, não tinha nada claro era a minha cabeça, cabeça de adolescente boba e louca de medo também, mas não contei para ninguém.(ENTREVISTA dado a autora, 10/10/2106).

Outro dia eles estavam sentados namorando, já eram noivos, dai sua mãe chegou de

surpresa e viu que eles estavam se beijando na boca e disse: “ai parece que o Neri quer comer a Lurdes viva”. Mas, nunca passou do beijo, ela casou virgem, de branco com véu e grinalda. Seu pai sempre dizia se vocês me fizer passar vergonha eu mato vocês. Na realidade passar vergonha queria dizer perder a virgindade ou engravidar antes do casamento. Além disso, se casasse grávida não poderia usar branco e muito menos véu.

Dai a minha mãe e as minhas tias do lado do meu pai sempre conversavam com a gente que não podia... Que uma moça tinha que casar virgem se não Nossa Senhora não ia abençoar o casamento porque o casamento não vai dar certo, porque Deus ia castigar e a gente tinha medo, então tinha que casar virgem. (ENTREVISTA dado a autora, 10/10/2016).

Algo que provavelmente não acontece com frequência é o fato de que no dia de seu casamento a noiva chorou o dia todo.

Uma coisa que eu não posso explicar até hoje é que no dia do meu casamento quando amanheceu eu comecei a chorar e passei o dia todo chorando... Meu casamento foi só lágrima, não foi um dia feliz, de repente alguma coisa me tocou que eu não ia ser muito feliz na minha vida, que ia acontecer muita coisa, não sei explicar. Só sei que eu chorei o dia inteiro no meu casamento. (ENTREVISTA dado a autora, 10/10/2016).

Talvez o choro fosse por ela ter pena de deixar a mãe que era muito doente e que inclusive era ela que dormia com a mesma quando seu pai saia e precisava dormir fora de casa. A mãe sofria de ataque epilético, mas, eles não sabiam que era isso, apenas quando via

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ela estava agitada e correndo o risco de cair da cama enquanto alguém acendia uma vela. Na realidade não ia ao médico, apenas em curandores. Inclusive diziam que era um espirito mau que se encarnava nela por isso se agitava daquele jeito, então, eles acreditavam que era isso que acontecia. Quando isso acontecia alguém saia correndo a cavalo buscar uma tia que fazia benzimentos espírita, já que a mesma dizia entender do assunto, quando chegava consolava as crianças e fazia as suas orações e benzimentos na mãe de dona Lurdes. E assim iam tocando a vida.

O casamento foi no dia 16 de julho de 1966, choveu muito e a cerimonia foi de manhã e ao meio dia teve almoço para os familiares, afinal, não tinham condições financeiras para fazer uma festa maior. O vestido foi confeccionado por uma tia. O bolo e as cucas a noiva mesma que fez afinal sua mãe a tinha ensinado desde pequena a fazer pães, bolos e cucas. Seu pai cuidou do almoço, providenciou carne de boi, porco, ovelha e galinha ainda, comida à vontade.

E hoje com 70 anos ela afirma que faz o que gosta, faz pão de milho, pão sovado, bolachas e umas cucas maravilhosas e muito gotosas, uma delícia recheadas com quechimia, açúcar e canela que aprendeu com sua adorada mãezinha e conservando as tradições costuma assar no forno de barro que não esquece até hoje, desde a sua juventude.

Fotos 06 e 07: Casamento de Maria de Lurdes e Neri Pretto no dia 16 de julho de 1966, na Igreja Santa Catarina de Braga.

Fonte: Acervo pessoal da biografada.

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(Letra- Maria de Fátima de Oliveira / Música - Frei Beraldo J. Conversão esperança de vida, renovada na fé e no amor com os frutos colhidos da terra, colocamos no

Padre - Orai irmãos e irmãs para que levando ao altar as alegrias e fadigas de cada dia, nos disponhamos a oferecer um sacrifício aceito por Deus Pai todo