SEQUÊNCIAS E SÉRIES DE FUNÇÕES
FRANCISCO CARLOS CARAMELLO JUNIOR
Sumário
1. Introdução 1
2. Convergência Pontual e Uniforme 1
3. Séries de funções e o teste M de Weierstrass 3
4. Convergência e Integração 4
5. Convergência e Derivação 6
1. Introdução
O estudo da convergência de sequências e (consequentemente) séries de funções e seu comportamento com relação às diversas operações da Análise é um tema bastante amplo e de suma importância, sendo central na íntima interação entre esta área e a Topologia. Nestas notas abordaremos as noções mais básicas de convergência de sequências de funções e um pouco sobre sua relação com integração e diferenciação, buscando citar de passagem alguns tópicos mais avançados.
Vamos trabalhar primeiramente com funções entre espaços métricos, que possuem a estrutura necessária para a noção de convergência uniforme (que não é possível estabelecer para funções apenas entre espaços topológicos). Mais adiante nos res-tringiremos para funções com contradomínio R e C para tratarmos dos tópicos de Análise (usaremos preferencialmente R por simplicidade).
2. Convergência Pontual e Uniforme
Sejam (X, dX) e (Y, dy) espaços métricos. Para cada j ∈ N := {1, 2, . . . }, seja
fj : X → Y uma função. Dizemos que a sequência (fj) converge pontualmente a
uma função f : X → Y quando, para cada x ∈ X, vale lim
j→∞fj(x) = f (x).
Explicitamente, isso quer dizer que para qualquer ε > 0 existe J ∈ N tal que j > J implica dY(fj(x), f (x)) < ε.
Embora esta seja a noção mais natural de convergência de funções, ela é demasi-adamente fraca para a maioria das aplicações, posto que não preservar nem sequer a noção de continuidade, como mostra o exemplo a seguir.
Exemplo 2.1 (Convergência pontual não preserva continuidade). Considere fj :
[0, 1] → R dada por fj(x) = xj. Claramente cada fj é contínua, mas esta sequência
converge pontualmente para a função descontínua f : [0, 1] → R dada por f (x) =
(
0 se x 6= 1, 1 se x = 1,
como é imediato verificar.
Este fenômeno se dá essencialmente pois a convergência pontual não controla a “velocidade” de convergência de diferentes pontos. Mais precisamente, o mesmo ε gera J s muito distintos para pontos distintos (e possívelmente próximos), como se pode notar comparando x = 1 com y < 1 próximo de x, no Exemplo 2.1. Contor-namos este problema facilmente com a noção de convergência uniforme.
Convergência e Continuidade. Dizemos que fj : X → Y converge
uniforme-mente a uma função f : X → Y quando, dado ε > 0, existe J ∈ N tal que para todo j > J e todo x ∈ X, vale dY(fj(x), f (x)) < ε. É claro da definição que convergência
uniforme implica convergência pontual.
Proposição 2.2 (Convergência uniforme preserva continuidade). Suponha que fj :
X → Y converge uniformemente para f : X → Y . Se que cada fj é contínua em
x0 ∈ X, então f é contínua em x0.
Demonstração. Dado ε > 0, escolha j grande o suficiente para que dY(fj(x), f (x)) <
ε/3 para qualquer x ∈ X e, pela continuidade de fj, escolha δ > 0 tal que dX(x, x0) <
δ implica dY(fj(x), fj(x0)) < ε/3. Então a desigualdade triangular nos dá
dY(f (x), f (x0)) ≤ dY(f (x), fj(x)) + dY(fj(x), fj(x0)) + dY(fj(x0), f (x0)) ≤ ε
quando dX(x, x0) < δ.
É claro, segue da Proposição 2.2 que se uma sequência de funções contínuas con-verge uniformemente, o limite é também uma função contínua. Em outras palavras, se a convergência é uniforme então temos a comutatividade dos limites
lim j→∞x→xlim0 fj(x) = lim x→x0 lim j→∞fj(x).
Relembremos que uma função f : X → Y é limitada quando existe R > 0 e y ∈ Y tal que f (X) ⊂ BR(y). É também fácil mostrar o seguinte.
Proposição 2.3. O limite uniforme de uma sequência de funções limitadas é uma função limitada.
Teorema de Dini. A seguir veremos condições suficientes para a convergência pontual implicar a convergência uniforme.
Teorema 2.4 (Dini). Seja (X, d) um espaço métrico compacto e seja fj : (X, d) →
R uma sequência monótona crescente (ou decrescente) de funções contínuas que converge pontualmente a uma função contínua f :→ R. Então (fj) converge a f
uniformemente.
Demonstração. Seja ε > 0 dado. Para cada j, defina a função não-negativa gj =
f − fj e considere Ej = gj−1((−∞, ε)). Como cada gj é contínua, cada Ej é aberto.
Além disso a sequência gj é monótona decrescente, portanto temos E1 ⊂ E2 ⊂ . . . .
Como fj converge pontualmente a f temos gj → 0 pontualmente, logo {Ej} é uma
cobertura de X. Como X é compacto, temos uma subcobertura finita. O último elemento desta subcobertura deve então ser todo o X. Isto é, existe J tal que EJ = X, ou seja, para qualquer x ∈ X, se j > J então g(x) = |f (x)−fj(x)| < ε.
A métrica da convergência uniforme. O conjunto das funções limitadas en-tre X e Y é denotado comumente por B(X, Y ). É possível expressar a noção de convergência uniforme para sequências em B(X, Y ) como a convergência usual de sequências, munindo B(X, Y ) de uma métrica apropriada. De fato, defina d∞ :
B(X, Y ) × B(X, Y ) → [0, ∞) por
d∞(f, g) := sup x∈X
dY(f (x), g(x)).
Esta métrica é chamada de métrica do sup ou métrica L∞.
Proposição 2.5. Sejam fj, f ∈ B(X, Y ). Então (fj) converge uniformemente para
f se, e somente se, (fj) converge para f como sequência em (B(X, Y ), d∞).
Demonstração. Dado ε > 0 temos d(fj(x), f (x)) < ε para todo x ∈ X se, e somente
se supx∈Xd(fj(x), f (x)) = d∞(fj, f ) ≤ ε.
Com relação à completude, temos ainda:
Proposição 2.6. Se (Y, dY) é completo, então (B(X, Y ), d∞) é completo.
Demonstração. Seja (fj) uma sequência de Cauchy em B(X, Y ). Então dado ε > 0
existe J ∈ N tal que i, j > J implica d∞(fi, fj) = supx∈XdY(fi(x), fj(x)) ≤ ε.
Portanto (fj(x)) é de Cauchy em Y , para cada x, logo converge para um ponto
y = f (x). Assim definimos f : X → Y , à qual (fj) converge pontualmente.
Note que temos dY(fi(x), fj(x)) < ε para todo x, desde que i, j > J , portanto
dY(f (x), fj(x)) = limi→∞dY(fi(x), fj(x)) ≤ ε, para qualquer x ∈ X, portanto a
convergência fj → f é uniforme. Ou seja, (fj) → f com respeito a d∞.
É relevante considerarmos o subespaço C(X, Y ) ⊂ B(X, Y ) que consiste das fun-ções contínuas. Segue da Proposição 2.2 e da caracterização da convergência em d∞ acima que C(X, Y ) é fechado em B(X, Y ). Logo, quando (Y, dY) é completo,
(C(X, Y ), d∞) é completo.
3. Séries de funções e o teste M de Weierstrass
Como citado na introdução, a partir de agora nos restringiremos a funções com contradomínio R ou C, posto que queremos considerar somas neste espaço. Seja (X, d) um espaço métrico e, para cada j ∈ N, seja fj : X → R uma função. Se
a sequência das somas parciais PJ
j=1fj converge pontualmente (resp.
uniforme-mente) para uma função f : X → R, então dizemos que a série P∞
j=1fj converge
pontualmente (resp. uniformemente), e escrevemos
∞
X
j=1
fj = f.
Com a estrutura adicional em R podemos definir uma norma em B(X, R) que induz d∞. De fato, esta é a norma do sup
kf k∞ := sup x∈X
|f (x)|.
Teorema 3.1 (Teste M de Weierstrass). Seja (fj) uma sequência em B(X, R). Se
a série P∞
j=1kfjk∞ converge, então a série
P∞
j=1fj converge uniformemente.
Demonstração. Temos, para J < K, d∞ J X j=1 fj, K X j=1 fj ! = sup x∈X K X j=J +1 fj(x) ≤ K X j=J +1 sup x∈X |fj(x)| = K X j=J +1 kfjk∞ ≤ ∞ X j=J +1 kfjk∞ → 0, posto que P∞
j=1kfjk∞ converge absolutamente. Portanto a sequência das somas
parciais é de Cauchy em B(X, R). Como R é completo com respeito à distância usual (induzida por | |), o resultado segue da Proposição 2.6 (e da Proposição
2.5).
4. Convergência e Integração Considere as funções fj : [0, 1] → R dadas por
fj(x) =
(
j se x ∈ (0, 1/j) 0 caso contrário.
Para qualquer x ∈ [0, 1] temos fj(x) = 0 para todo j > 1/x, logo (fj) converge
pontualmente à função constante f ≡ 0. Por outro lado,R fj = 1 para todo j, logo
1 = lim j→∞ Z 1 0 fj 6= Z 1 0 f = 0.
Novamente, necessitamos da convergência uniforme para termos a desejada pro-priedade do limite comutar com a integral de Riemann.
Teorema 4.1. Para cada j, seja fj : [a, b] → R Riemann-integrável e suponha que
a sequência (fj) converge uniformemente para f : [a, b] → R. Então f é
Riemann-integrável e lim j→∞ Z b a fj = Z b a f.
Demonstração. Segue da Proposição 2.3 que f é limitada. Seja ε > 0 dado. Como (fj) converge uniformemente para f , existe J ∈ N tal que j > J implica
fj(x) − ε < f (x) < fj(x) + ε,
para todo x ∈ [a, b]. Passando às integrais inferiores e superiores vem Z b a (fj − ε) < Z b a f ≤ Z b a f < Z b a (fj + ε).
Como fj é integrável, temos então
(1) −(b − a)ε + Z b a fj < Z b a f ≤ Z b a f < (b − a)ε + Z b a fj, 4
donde 0 ≤ Z b a f − Z b a f < 2(b − a)ε, logo f é integrável.
Agora segue da equação (1) que, se j > J , então Z b a f − Z b a fj ≤ (b − a)ε, portanto Rabfj → Rb a f .
Do Teorema 4.1 segue diretamente um corolário análogo para integrais de séries. Corolário 4.2. Para cada j, seja fj : [a, b] → R Riemann-integrável e suponha que
P∞
j=1fj converge uniformemente em [a, b]. Então
P∞ j=1fj é Riemann-integrável e vale Z b a ∞ X j=1 fj = ∞ X j=1 Z b a fj.
Integrais de Lebesgue e convergência pontual. A integral de Lebesgue tem propriedades muito melhores com relação à convergência. Temos por exemplo o celebrado teorema abaixo.
Teorema 4.3 (Convergência Dominada). Se (S, Σ, µ) é um espaço de medida e fj : S → C é uma sequência de funções mensuráveis que converge pontualmente
q.t.p. para f e satisfaz |fj(x)| ≤ g(x) q.t.p. para todo j, para alguma função
Lebesgue-integrável g : S → C, então f é Lebesgue-integrável e vale lim
j→∞
Z
S
|fj − f | dµ = 0,
ou seja fj → f na norma L1. Em particular vale limj→∞
R
Sfj dµ =
R
Sf dµ.
Demonstração. Daremos o esboço da demonstração. Podemos supor f real conside-rando as partes real e imaginária separadamente. Como f é limite pontual de uma sequência de funções Lebesgue-integráveis e dominadas por g, então f é também Lebesgue-integrável e dominada por g. Além disso
lim sup
j→∞
|f − fj| = 0,
pela definição de f . Como |f − fj| ≤ |fj| + |f | ≤ 2g, pelo Lema de Fatou temos
lim sup j→∞ Z S |f − fj| dµ ≤ Z S lim sup j→∞ |f − fj| dµ = 0,
portanto o limite limj→∞
R
S|f − fj| dµ existe e é zero.
Analogamente ao caso da integral de Riemann, temos o corolário para séries: se (fj) é uma sequência de funções integráveis tais que
P∞
j=1
R
S|fj| dµ ≤ ∞. Então
P∞
j=1fj converge pontualmente q.t.p. a uma função integrável e vale
Z S ∞ X j=1 fj dµ = ∞ X j=1 Z S fj dµ. 5
5. Convergência e Derivação
Uma sequência de funções diferenciáveis pode convergir uniformemente a uma função não-diferenciável, como mostra o exemplo a seguir.
Exemplo 5.1. Para cada j ∈ N, considere a funão diferenciável fj : [−1, 1] → R
dada por fj(x) = px2+ 1/j. Temos
x2 ≤ x2+ 1 j ≤ x 2+ 1 j + 2|x| √ j = |x| +√1 j 2 , logo |x| ≤ r x2+1 j ≤ |x| + 1 √ j j→∞ −→ |x|,
portanto fj converge uniformemente para f (x) = |x|, que não é diferenciável em
x = 0.
Para garantir a diferenciabilidade do limite uniforme, assim como a comutativi-dade da derivada com o limite, é preciso que a sequência das derivadas fj0 convirja uniformemente.
Teorema 5.2. Suponha que (fj) : [a, b] → R é uma sequência de funções
diferen-ciáveis cujas derivadas fj0 são contínuas e convergem uniformemente a uma função g : [a, b] → ∞, e suponha que limj→∞fj(x0) existe para algum x0 ∈ [a, b]. Então (fj)
converge uniformemente a uma função diferenciável f : [a, b] → R e vale f0 = g. Demonstração. Pelo Teorema Fundamental do Cálculo, para x ∈ [a, b] temos
(2) fj(x) = fj(x0) +
Z x
x0
fj0.
Por hipótese L := limj→∞fj(x0) existe. Pela Proposição 2.2, g é contínua e portanto
integrável em [a, b], e pelo Teorema 4.1, limj→∞
Rx x0f 0 j existe e é igual a Rx x0g.
Por-tanto, da equação (2) concluímos que limj→∞fj(x) existe e vale L +
Rx
x0g. Definimos
assim a função f : [a, b] → R, isto é,
f (x) = L + Z x
x0
g.
Como g é contínua temos f diferenciável, pelo T.F.A., com f0 = g. Agora, dado ε > 0, escolha J ∈ N tal que j > J implica |fj(x0) − L| < ε/2 e |fj0(x) − g(x)| <
ε/[2(b − a)], para todo x ∈ [a, b]. Então |fj(x) − f (x)| = fj(x0) + Z x x0 fj0 − L − Z x x0 g ≤ |fj(x0) − L| + Z x x0 fj0 − Z x x0 g < ε 2+ Z x x0 |fj0 − g| ≤ ε 2+ Z b a |fj0− g| < ε 2+ (b − a) ε 2(b − a) = ε,
portanto a convergência (fj) → f é uniforme.
Combinando este resultado com o teste M de Weierstrass, temos um importante corolário sobre derivação de séries.
Corolário 5.3. Suponha que (fj) : [a, b] → R é uma sequência de funções
diferen-ciáveis cujas derivadas fj0 são contínuas e tais que P∞
j=1kf 0
jk∞ converge. Assuma
ainda que existe x0 ∈ [a, b] tal que
P∞
j=1fj(x0) converge. Então a série
P∞
j=1fj
converge uniformemente em [a, b] para uma função diferenciável satisfazendo d dx ∞ X j=1 fj = ∞ X j=1 d dxfj.
Limite uniforme de funções holomorfas. Quando passamos de R a C, temos uma maior rigidez das funções diferenciáveis (ou holomorfas, como são chamadas neste contexto), imposta pelas condições de Cauchy–Riemann. Isso se reflete em propriedades melhores da diferenciação com relação à limites. De fato, temos o seguinte.
Teorema 5.4. Suponha que fj : Ω → C, num domínio Ω ⊂ C, é uma sequência
de funções holomorfas que converge uniformemente para uma função f : Ω → C. Então f é holomorfa.
Demonstração. Pelo Teorema de Cauchy, R∂∆fj = 0, para qualquer triângulo ∆ ⊂
Ω. Como a convergência é uniforme, temos então Z ∂∆ f (z) dz = Z ∂∆ f (z) − fn(z) dz ≤ `(∂∆) sup z∈∂∆ |f (z) − fn(z)| −→ 0,
onde `(∂∆) denota o comprimento da fronteira de ∆. Portanto R∂∆f (z)dz = 0 e
segue que f é holomorfa pelo Teorema de Montel.