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Governança nas Organizações do terceiro Setor Considerações Teóricas. Autoria: Luciana Rocha de Mendonça, Claudio Antonio Pinheiro Machado Filho

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Governança nas Organizações do terceiro Setor – Considerações Teóricas Autoria: Luciana Rocha de Mendonça, Claudio Antonio Pinheiro Machado Filho

Resumo

Este ensaio discorre sobre as questões de governança nas organizações do terceiro setor (OTS). Toma-se como base o aporte teórico da teoria da Agência, para discutir a relação entre os gestores das OTS (agentes) e os principais, caracterizados neste tipo de organização como os doadores de recursos e voluntários. Assim como nas empresas com fins lucrativos, nas OTS os mecanismos de incentivo e monitoramento são fundamentais para o alinhamento de interesses entre agente-principal. Entretanto, dada a natureza intrínseca de uma organização de terceiro setor, os desafios do alinhamento de interesses são mais complexos, pela dificuldade de implementação dos mecanismos externos e internos de governança. As OTS possuem características idiossincráticas, sendo difícil a parametrização de indicadores de eficiência, pelas especificidades próprias de cada organização.

1.Introdução

“Quais os parâmetros que os doadores podem utilizar para monitorar a eficácia dos projetos sociais implementados por uma organização de terceiro setor? Como estes parâmetros podem se desdobrar em indicadores de eficiência na alocação dos recursos doados? Qual o papel dos mecanismos de governança diante destas demandas?” Estes questionamentos são cada vez mais freqüentes nas organizações de terceiro setor (OTS).

O terceiro setor é constituído pelas organizações que não pertencem à esfera do Estado nem à esfera do mercado. São as organizações sem fins lucrativos e não-governamentais. Segundo relatório do BNDES (2000), este setor é definido como:

O conjunto das atividades privadas com fins públicos e sem fins lucrativos, composto por instituições civis de qualquer origem – religiosa, comunitária, de trabalhadores, institutos e fundações empresariais, organizações não governamentais e outras – diferenciando-se da lógica estrita de governo (público com fins públicos) e de mercado (privado com fins privados).

Assim como nas organizações com fins lucrativos, no terceiro setor a implementação de mecanismos de incentivo e monitoramento sobre a gestão são essenciais para o alcance de resultados efetivos da organização. Zylberstajn (2003) sustenta esta constatação, questionando a ainda incipiente discussão do tema da governança em organizações sem fins lucrativos:

“Cabe indagar até que ponto a discussão sobre Governança Corporativa vem sendo suficientemente abrangente e de interesse para o Brasil. Com respeito à sua abrangência torna-se muito importante compreender a dimensão da governança de organizações não governamentais, dado o seu crescimento e ampliação do enfoque sobre o capital social”.

De acordo com Zylbersztajn (2003), “Na sua forma mais básica o problema de governança corporativa surge quando um acionista deseja exercer controle tomando decisões que divergem dos diretores de uma organização. A propriedade dispersa das ações torna o problema mais sério, gerando conflitos de interesse entre os detentores de direitos de decisão dispersos. É um típico problema de ação coletiva entre investidores”.

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O conceito de Governança Corporativa baseia-se nos princípios de transparência, eqüidade, prestação de contas (accountability) e ética. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (2001) define da seguinte forma o conceito: “São as práticas e os relacionamentos entre os acionistas/cotistas, conselho de administração, diretoria, auditoria independente e conselho fiscal, com a finalidade de otimizar o desempenho da empresa e facilitar o acesso ao capital”.

Na essência das práticas de Governança está a necessidade da redução dos “Custos de

Agência”, de forma que se busque conciliar os interesses de longo prazo do

empreendimento. A partir do trabalho seminal de Spence e Zeckhauser (1971) e Ross (1974), os estudiosos da ciência das organizações passaram a dar atenção ao desenvolvimento da chamada “Teoria da Agência” desenvolvida posteriormente por Jensen e Meckling (1976), Fama e Jensen (1983). O problema de agência é um elemento essencial dentro da visão contratual da firma, trazida por Coase (1937). A relação agente-principal é sempre conflituosa quando um determinado indivíduo – agente – age em nome de outro, o chamado “principal”, e os objetivos de ambos não coincidem integralmente.

A questão da separação da propriedade e controle nas organizações modernas foi trazida para discussão por Berle e Means (1933), e hoje ocupa posição central no desenvolvimento da teoria das organizações, conforme ressalta Demsetz e Lehn (1985). Assim, numa relação empregador/empregado, acionistas/executivos ou instituidores/executivos, o “principal” busca implementar uma estrutura de incentivos e monitoramento visando a alinhar os interesses do agente aos seus interesses. Para que o desempenho de uma organização atenda às expectativas do principal, são implementados mecanismos de incentivo e monitoramento, de forma a alinhar os interesses dos gestores ao interesse corporativo.

O maior alinhamento nas relações de agência se dá quando algumas premissas estão presentes:

• A) Agentes não possuem informações ocultas (ausência de assimetria informacional). O principal sabe o que constitui uma ação eficiente e qual o produto esperado.

• B) O principal tem completa informação sobre as ações e resultados.

• C) Os agentes atuam sob baixo risco (são conscientes do que receberão com a conduta alinhada ao interesse do principal).

Com base neste referencial teórico, o presente ensaio discorrerá sobre as características das OTS e os mecanismos de governança passíveis de implementação para alcançarem um desempenho social eficiente. Especialmente as premissas citadas nos itens A e B apresentam desdobramentos importantes para o estudo da relação agente-principal nas OTS. A separação entre propriedade e controle ocorre igualmente neste tipo de organização, pois, apesar delas não distribuírem seus resultados financeiros há relação de agência entre os gestores da organização (agentes) e seus doadores e voluntários (principais), especialmente em OTS voltadas para empreendimentos sociais.

A estrutura deste ensaio esta dividida da seguinte forma: O presente tópico (introdução) posiciona o leitor acerca do tema em questão. O tópico 2 discorre sobre as evolução e características intrínsecas das OTS e os problemas de governança decorrentes. O tópico 3 discute os principais mecanismos clássicos de governança, fazendo-se um paralelo entre as empresas com fins lucrativos e as OTS. Finalmente, no tópico 4 sugere-se uma agenda de investigação sobre o tema.

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2. Os Problemas de Governança nas Organizações do Terceiro Setor (OTS) 2.1 - Características básicas das OTS

Segundo Cardoso (2000), foi o americano John D. Rockefeller quem cunhou a expressão Terceiro Setor, publicando em 1975 o primeiro estudo detalhado sobre a importância das iniciativas empresariais com sentido público na sociedade americana (1). Nos anos 80, o termo se popularizou também na Europa. No Brasil, isso ocorreu na década de 90, a partir de pesquisadores como Landim e Fernandes (Coelho, 2000).

No Brasil, evidencia-se uma forte relação entre a atuação das organizações da sociedade civil e a atuação do Estado. Landim apud Mendes (1999) aponta o papel da Igreja Católica na configuração da sociedade brasileira e na legitimação do Estado colonizador: “Onde havia, nos primeiros séculos da colonização, organizações encarregadas da assistência social, do ensino, da saúde, vamos encontrar, juntos, a Igreja — com o mandato do Estado — na sua promoção”.

A relação com o Estado também fica clara no surgimento dos sindicatos e das organizações não-governamentais brasileiras. Herbert de Souza apud Santana (1992) aponta o período entre os anos 1960 e 80 como o marco do surgimento das ONGs, nascidas em função da luta política da sociedade civil contra o regime autoritário. Neste contexto, atuavam muito próximas da clandestinidade, ligadas a movimentos sociais de base, Igreja — que assume uma posição de crítica e oposição ao Estado ditatorial, atuando pela ação pastoral —, movimentos sindicais e populares. No processo de surgimento das organizações não governamentais, também teve papel fundamental a influência de organismos internacionais (Medina, 1997). É preciso lembrar que terceiro setor engloba todo tipo de organização sem fins lucrativos e que, portanto, não é uma esfera homogênea. Fernandes (1994) comenta:

“Pensar terceiro setor significa reunir sob uma mesma classe conceitual atividades tão distintas que, no passado, costumavam ser vistas como contraditórias ou mesmo antagônicas. Perceber a relevância desta possibilidade de agrupamento ideal implica dar um passo para torná-lo eficaz.”

Fischer e Falconer (1998) argumentam que “parte desta dificuldade repousa na indefinição do que é este terceiro setor, de como são as organizações que podem ser consideradas como componentes dele”.

Tendo em vista a necessidade de realizar comparações internacionais entre organizações desta natureza, Salamon e Anheier (1992) propuseram uma definição estrutural-operacional que caracterizou as OTS de forma ampla. Assim, as OTS devem ser: formais; privadas; não-distributivas de lucros; autônomas; voluntárias. Para ser considerada parte do terceiro setor, uma organização tem que perpassar por todos estes cinco critérios e deve ter seus próprios procedimentos de governança. Esta definição não caracteriza as instituições quanto a sua função, abrindo um espaço para que uma ampla gama de organizações sejam enquadradas na esfera do terceiro setor. Apesar do uso cada vez mais comum da expressão terceiro setor, pouco se conhece sobre as organizações que o compõem.

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A tendência de separação entre principal e agente nas organizações sem fins lucrativos, ocorre, principalmente, em função de dois aspectos: o primeiro, de caráter interno, se refere aos fundadores e idealizadores das organizações, que vêm deixando a função de gestores para atenderem à necessidade de profissionalização do setor; a segunda, de caráter externo, se relaciona ao aumento da rigidez na prestação de contas aos principais, especialmente os parceiros e doadores. Porém, na ausência de dividendos, qual o

incentivo que os principais têm em exercer o controle dos agentes?

O’Neill apud Falconer (1999) cita algumas especificidades relativas às OTS. Diferentemente das empresas com fins lucrativos, os principais (instituidores) não têm direitos residuais com base no percentual de participação das ações ou cotas que possuem. A própria caracterização dos principais é mais fluida e composta por indivíduos com menores incentivos ao monitoramento e controle. Seus doadores e voluntários tentam proteger, em vez de dividendos, as externalidades positivas criadas pelas atividades da organização (Herrero, Cruz e Merino, 2001).

Glaeser (2001) defende que, como em qualquer setor da economia, a maximização dos objetivos dos doadores e da sociedade não é inerente à atividade administrativa. Mesmo quando o gestor é um voluntário, o problema de agência se mantém, na medida em que o altruísmo – a preocupação com o bem-estar dos outros – não faz do indivíduo um agente perfeito – que age em prol do principal (Misorelli, 2003). Isso significa que o problema de agência não pode ser resolvido somente pelo incentivo ao aumento do altruísmo nas pessoas (Jensen e Meckling 1994, Jensen 1994).

Ricketts (1994 apud Misorelli, 2003) afirma que os principais de uma organização sem fins lucrativos têm pouco incentivo para monitorar a eficiência do gestor, que possui um considerável poder discricionário, já que pode realocar os recursos com maior liberdade, inclusive visando ao seu próprio benefício.

Herrero, Cruz e Merino (2001) questionam o interesse dos doadores em monitorar, uma vez que, normalmente, após a doação, as preocupações com os resultados gerados, são pequenas e há poucos mecanismos de controle do processo. Para analisar esta situação, é necessário considerar dois aspectos relacionados aos doadores e aos beneficiários:

• Como Fama e Jensen (1983b) reconhecem, a inexistência de dividendos não significa que não existem riscos de perdas tanto pelo público beneficiário, quanto pelos doadores. E, como o público beneficiário, muitas vezes, não tem condições de monitorar os serviços, os doadores acabam por assumir o risco da alocação de recursos feita pela organização.

• É necessário que existam mecanismos internos de gestão que assegurem aos principais que os recursos não foram expropriados pelos agentes (Fama e Jensen, 1985).

Assim, o processo de seleção da organização que receberá recursos doados indica a preocupação do doador quanto a utilização desses recursos e a maximização dos resultados. Nesta situação, torna-se essencial para as organizações sem fins lucrativos desenvolver e mostrar quais e quão efetivos são seus mecanismos de controle para manter os gestores dentro de limites aceitáveis de discricionariedade.

Com base nas argumentações dos autores citados, o tópico a seguir discorrerá sobre os possíveis mecanismos internos e externos de governança, com o objetivo de minimizar os problemas de desalinhamento entre os gestores (agentes) e principais (instituidores).

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3– Os Mecanismos de Governança e as Organizações do Terceiro Setor (OTS)

Segundo Jensen (1993), para uma empresa, há quatro forças de controle que podem resolver problemas causados por divergências entre as decisões tomadas internamente e aquelas que seriam melhores do ponto de vista da sociedade. Estes mecanismos de controle podem ser classificados em externos – mercados de capitais e do produto; sistema político-legal e regulatório – ou internos – sistema de controle exercido pelo conselho. Embora imperfeitos, os mecanismos de monitoramento e incentivo nas empresas com fins lucrativos se destinam à redução do desalinhamento de interesses entre gestores e principais, tendo como base a diminuição da assimetria informacional. A partir desta tipologia, pode-se traçar alguns paralelos entre a aplicação dos mecanismos internos e externos de governança nas empresas de mercado e nas OTS.

3.1 - Mecanismos externos

3.1.1 - O sistema político-legal e regulatório

O sistema político-legal e regulatório, baseado em um marco legal genérico e com poucas ferramentas práticas, ainda está longe de criar um mecanismo efetivo para monitorar o comportamento gerencial dentro das organizações sem fins lucrativos. Da mesma forma, segundo Herrero, Cruz e Merino (2001), os mercados do produto e de trabalho, dada à sua fragilidade, não podem ser considerados aptos a controlar o serviço/produto fornecido pela organização sem fins lucrativos.

De acordo com Mendonça (2003), no Brasil em particular, o marco regulatório no qual se insere o terceiro setor passou por mudanças importantes no passado recente, com a promulgação da lei das OSCIPs – lei 9790/99- enquadrando as pessoas jurídicas dem fins lucrativos como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Esta lei apresenta importante avanço no marco regulatório, com avanços na melhoria da transparência a partir do papel do conselho fiscal, auditorias externas e adoção de práticas administrativas que visam coibir o conflito de interesses. Entretanto, destarte o avanço que a nova legislação propicia, a melhoria na conduta prática das OTS ainda não são claros.

3.1.2 - O Mercado de Capitais e o “Mercado de Doações”

Nas empresas privadas, os mecanismos institucionais reguladores e o próprio mercado, ainda que imperfeitos, têm um papel disciplinador, ou seja, a ineficiência da gestão pode se refletir nos preços das ações no mercado, e em função disto, os principais têm um forte incentivo para monitorar o destino de seus recursos.

O mercado de capitais nos mercados desenvolvidos atua como um mecanismo de governança para as empresas, pois reflete direta ou indiretamente a sua performance. Em caso de baixa performance percebida como ineficiência de gestão (valor potencial da empresa menor que o seu valor real), existiria em tese forte incentivo para investidores externos assumirem o controle da empresa (hostile takeovers). Neste sentido, a ameaça de mudança de controle agiria incentivando os gestores a manterem o valor elevado da empresa, alinhando desta forma seus interesses com o dos acionistas.

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Do lado dos gestores, a ameaça de mudança no controle (takeover hostil) é um mecanismo de incentivo aos gestores para a preservação /aumento do valor da empresa, reduzindo o prêmio que pudesse atrair investidores interessados no controle decorrente de oportunidade de melhoria na gestão. (Denis MacConnell apud Okimura, 2003). Já no terceiro setor esta possibilidade é inexistente.

O “mercado de capitais” das organizações sem fins lucrativos é representado pelo “mercado de doações”, que se baseia na liberdade dos doadores para direcionar seus recursos à organização que escolherem. Entretanto, esta escolha não é baseada em uma relação transparente, já que existe uma forte assimetria informacional entre o gestor da organização e a informação que é amplamente divulgada e que influencia a escolha feita pelos doadores (Akerlof, 1970).

O ambiente institucional em que se insere a transação pode atuar no sentido de inibir atitudes oportunísticas, sob pena de perda de reputação. O “mercado de doações” pode regular desta forma o comportamento dos agentes na captação de recursos para o financiamento dos projetos sociais. Quanto mais recursiva e quanto mais restrito o mercado de doações tanto maior a preocupação dos agentes com a manutenção do capital reputaçional da organização.

3.2 - Mecanismos internos 3.2.1 - O papel do conselho

Numa OTS, o conselho ganha importância devido à fragilidade das formas externas de monitoramento das atividades da organização. No entanto, a participação do conselho como ferramenta de controle em tese é menos efetivo do que em organizações com fins lucrativos. Como já exposto, tende a ser menor a motivação de seus membros para monitorar os resultados da organização, uma vez que sua composição dificilmente leva em conta a capacitação técnica e a representação dos stakeholders (Herrero, Cruz e Merino, 2001). Adicionalmente, problemas de controle interno se refletem no conselho, já que poucos deles são atuantes fora de momentos de crise. De acordo com Jensen (1993), algumas das causas da falta de comprometimento dos conselhos tem recaído sobre seu tamanho, composição e independência.

Nas OTS, o conselho tende a ser menos eficiente em relação às organizações privadas em função da dificuldade do estabelecimento de indicadores de performance para as organizações do terceiro setor. Mesmo em uma organização que atua de forma transparente, a alocação eficiente dos recursos não é facilmente passível de monitoramento pelos doadores. O problema de agência, neste caso, vincula-se à dificuldade do principal em certificar-se de que os recursos doados – financeiros e não-financeiros – não foram expropriados ou utilizados em projetos pouco efetivos (Shleifer e Vishny, 1997).

Cada principal precisa desenvolver formas diferentes de controle e monitoramento dos recursos a fim de evitar sua expropriação pelo agente (Becht, Bolton e Röell, 2002). No entanto, permanece a dificuldade em avaliar a eficiência do gestor, principalmente pela falta de informações claras e de conhecimento específico, já que a avaliação dos resultados é em grande parte intangível e são raros os indicadores que possibilitam a comparação com outras organizações. As organizações de terceiro setor possuem

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características idiossincráticas, sendo difícil a parametrização de indicadores de eficiência, pelas especificidades próprias de cada organização.

Alguns autores consideram que a eficiência de uma organização sem fins lucrativos deve ser mensurada por indicadores relacionados ao bem-estar social, à melhoria na saúde e não aos custos em si. Estas medidas precisariam, combinar esforço gerencial e reputação filantrópica. Contudo, Frumkin e Keating (2001) argumentam que esta mensuração é difícil de obter devido à complexidade e aos benefícios sociais de longo prazo associados aos resultados. Além disso, é difícil estabelecer uma causalidade entre os programas sem fins lucrativos e os efeitos aos beneficiários.

No Brasil, apesar dos esforços para aprimorar a avaliação de resultados em organizações sem fins lucrativos (Chianca, 2001; Cohen, 1994; Roche, 2000) a cultura da avaliação ainda é pouco desenvolvida. A dificuldade em criar indicadores de desempenho e de impacto social dá margem ao risco moral (moral hazard) ou seja, o principal torna-se dependente da informação proporcionada pelo próprio agente., O risco moral ocorre quando uma ou mais partes de um relacionamento têm comportamento oportunista pós-contratual (ex-post) devido à assimetria na informação entre as partes (Akerlof, 1970). A minimização deste risco implica um aumento do custo de informação, que por sua vez, aumenta o custo de transação.

3.2.2 - Políticas de remuneração dos gestores das OTS

Na lógica das organizações com fins lucrativos, os gestores atuariam tanto mais no sentido da maximização da riqueza dos acionistas quanto mais proporcionalmente fossem recompensados. Neste sentido, políticas de participação nos resultados da organização, ganhos de ações ou stock options entre outras são formas, embora imperfeitas, podem propiciar um maior alinhamento de interesses entre gestores e acionistas.

Nas organizações de terceiro setor, pela própria essência do produto gerado, o alinhamento via benefícios pecuniários é inexistente. Decorre o fato de que o comportamento dos gestores de organização de terceiro setor, comparativamente aos gestores de organizações com fins lucrativos estariam teoricamente enquadrados nas seguintes situações:

a) Os gestores de organizações de terceiro setor possuem características de truísmo que em condições similares de oportunidades e qualificações tenderiam a aceitar valores pecuniários mais reduzidos, derivando utilidade de outros fatores, como a própria natureza do seu trabalho.

b) Os gestores de organização de terceiro setor tenderiam a ser menos qualificados em relação aos seus similares nas organizações com fins lucrativos.

Não há a expectativa de retorno pecuniário, mas de ganhos sociais ou para uma causa específica. Assim, os mecanismos de alinhamento via incentivos pecuniários aos gestores são quase inexistentes neste tipo de organização.

3.2.3 – Estrutura de Propriedade

Existe um paralelo entre a estrutura de propriedade de uma organização com fins lucrativos e uma OTS, que necessita de maior aprofundamento conceitual e estudos empíricos.

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Existe uma ampla debate na literatura de Governança, comparando a estrutura de propriedade das empresas com fins lucrativos e a possibilidade de melhor monitoramento e alinhamento entre gestores e principais. (Becht et.al., 2002). Dois modelos de estrutura de propriedade podem ser referenciados: O modelo Anglo-Saxão, no qual a estrutura de propriedade das empresas é dispersa, e os acionistas individualmente possuem menor poder de controle e o modelo Nipo-Germânico, caracterizado por estruturas de propriedade com capital concentrado.

No primeiro caso, o conflito de interesses se dá entre os investidores externos (acionistas dispersos) e os gestores. Conforme Zylberstzajn(2003) resume: “A propriedade dispersa das ações torna o problema mais sério, gerando conflitos de interesse entre os detentores de direitos de decisão dispersos. É um típico problema de ação coletiva entre investidores”.

No caso da estrutura de propriedade concentrada, o conflito ocorre entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários. Neste caso, os detentores do controle (blockholders), se por um lado possuem maior incentivo para monitorar os gestores, (ao contrário dos pequenos investidores dispersos), por outro lado podem gerar conflitos com o conjunto dos minoritários. No Brasil, tipicamente a estrutura de propriedade concentrada predomina, com o controle das empresas em poder de grupos familiares. Nas organizações sem fins lucrativos, segundo Herrero, Cruz e Merino (2001), não há estudos que comprovem que a existência de um grande doador implica em um melhor monitoramento. Entretanto, pode-se levantar a hipótese que nas OTS com grandes instituidores, o risco de não alinhamento seria menor, pois o instituidor estaria com maiores incentivos para monitorar o gestor. No caso de uma organização com doadores dispersos, o incentivo de cada doador individualmente para monitorar a utilização dos recursos seria comparativamente menor. Em uma organização de terceiro setor que sobrevive com recursos de doadores dispersos, o investimento é feito sob a hipótese de que os gestores irão alocar os recursos nos projetos sociais da forma mais eficiente possível, mas o monitoramento por parte dos principais é reduzido, quando não inexistente. Neste caso, mecanismos de governança para reduzir o conflito de interesses entre doadores e gestores pode ser caracterizado como um típico problema de ação coletiva dos doadores.

4 – Considerações Finais

É urgente a necessidade de aprofundamento do estudo das várias dimensões da governança corporativa nas organizações do terceiro setor. O presente ensaio procurou abordar as implicações da natureza intrínsecas das OTS e os problemas decorrentes de governança corporativa, partir de uma revisão dos conceitos da teoria da agência. O aprofundamento desta discussão é pertinente do ponto de vista da aplicação prática, e visa a oferecer subsídios para a melhoria de gestão das OTS. Uma agenda de investigação efetiva deveria desenvolver estudos empíricos para se avaliar os mecanismos externos e

internos de governança aplicados ao terceiro setor:

Mecanismos externos

É importante o acompanhamento do marco regulatório e a análise dos desdobramentos das propostas da legislação na melhoria da governança dos diferentes tipos de organizações de terceiro setor inseridas na tipologia de OSCIP’s (fundações empresariais, associações, etc.).

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Ainda entre os mecanismos externos, o papel do “mercado de doações” e a sinalização da reputação na busca de captação de recursos pelas OTS deverão ter um aprofundamento analítico.

Mecanismos internos

O papel, composição e modus operandi do conselho são temas extremamente relevantes para serem analisados. Para tanto, pode-se aprimorar bastante a melhoria da governança, a partir de uma interação entre grupos de pesquisadores que atuam no terceiro setor, instituidores de organizações do terceiro setor, o GIFE e o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Futuras pesquisas poderão investigar de forma mais aprofundada a questão dos indicadores de performance, pelo papel crucial que desempenha para a avaliação dos gestores das OTS, subsidiando as decisões estratégicas dos conselhos. Esta questão crescerá cada vez mais de importância na medida em que as OTS se profissionalizam e “concorrem” no mercado de doações.

O estudo dos sistemas de remuneração de profissionais atuantes no terceiro setor é outro tema extremamente importante de investigação. Dadas as características intrínsecas das OTS, podem ser desenvolvidas pesquisas empíricas para se entender melhor o perfil e motivações dos profissionais do terceiro setor, para a proposição de políticas adequadas de remuneração.

Uma outra linha de pesquisa a ser aprofundada é quanto à estrutura das OTS e os desdobramentos com relação à Governança. OTS com diversos “principais” dispersos são menos eficientes em relação à OTS com poucos instituidores?

A despeito das limitações, este ensaio teve como objetivo uma maior contextualização e aprofundamento analítico das questões centrais de Governança aplicadas ao terceiro setor, ampliando o campo de investigação empírica da Gestão das Organizações do Terceiro Setor.

Notas

1 O estudo intitulou-se “ The Third Sector X”, 1975, tendo sido o principal inspirador da Comission on Private Philanthropy and Public Needs, USA. Segundo Rockefeller apud

Cardoso (2000): “Refiro-me a um setor menos visível do que o normalmente dominante no mundo dos negócios e do governo. Enquanto estes dois reinos foram e continuam a ser microscopicamente examinados e analisados, e suas fronteiras em geral já foram identificadas por especialistas e leigos de plantão, o terceiro setor – constituído por organizações e associações não governamentais e sem fins lucrativos – continua a ser como uma terra incógnita, quase inexplorada no que diz respeito a sua dinâmica interna, suas motivações e suas relações sociais, econômicas e políticas com o resto do mundo. (...) Na verdade, é no seio desta esfera institucional que quase toda a contribuição filantrópica – doações e voluntariado – se transforma em ação de ajuda, ou seja, bens e serviços para os beneficiários finais”.

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Referências

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