Economia e Poder em África
O Estado Pós-Colonial em África: O Fracasso da Democratização
e o Estabelecimento de Regimes Autoritários
Rufino Carlos Gujamo ISCTE, 9 de Novembro de 2016
Estrutura da Apresentação
1. Noção Contemporânea de Democracia;
2. O Fracasso da Democratização na África Pós-colonial e o
Estabelecimento de Regimes Autoritários: Principais Fatores
Explicativos;
Noção Contemporânea de Democracia (i)
Em meados do século XX três abordagens gerais surgiram nos debates sobre o conceito de democracia, nomeadamente:
(i) Fonte de autoridade do governo; (ii) Propósito servido pelo governo e;
Noção Contemporânea de Democracia (ii)
• A democracia é um método político, isto é, um certo tipo de arranjo
institucional para chegar a uma decisão política (Schumpeter,
1961: 291).
• A democracia não pode ser entendida como o governo do povo. A
democracia
deve,
sim,
ser
entendida
na
perspetiva
de
procedimento, como sendo o governo aprovado pelo povo através
da competição eleitoral (Schumpeter,1961:296).
Noção Contemporânea de Democracia (iii)
Esta formulação de Schumpeter sobre a democracia tem sido adotada por vários autores, entre os quais:
• Dahl (1998);
• Huntington (1993)
Entretanto, estes autores sublinham a importância dos seguintes elementos: (i) A Competição; (ii) A participação; (iii) O Estado de direito e; A Sociedade Civil.
Noção Contemporânea de Democracia (iv)
Diamond (1996) distingue a democracia eleitoral da democracia liberal:
• A Democracia liberal incorpora as liberdades individuais, as restrições do poder executivo, a existência do poder judicial independente e o Estado de direito, a liberdade de expressão e de associação, a participação política bem como a competição eleitoral.
• Na democracia eleitoral os governos resultam de eleições relativamente livres e justas mas os direitos e as liberdades fundamentais são pouco protegidos.
Esta formulação de Diamond suscitou o questionamento sobre a importância e valor das eleições na democracia.
Noção Contemporânea de Democracia (v)
A democracia é um sistema político no qual os governos são aprovados pelos cidadãos através da votação em processos eleitorais que envolvem a competição entre diferentes grupos ou atores políticos dentro de um Estado caraterizado pelas liberdades de expressão e de imprensa, liberdade de associação, Estado de direito, separação entre os poderes judicial, executivo e legislativo, garantias contra possíveis arbitrariedades dos governos contra os cidadãos.
O Fracasso da Democratização na África Pós-colonial e o
Estabelecimento de Regimes Autoritários: Principais
O Legado Histórico Colonial (I)
COLLIER, Ruth Berins. Regimes in Tropical Africa: Changing Forms of Supremacy, 1945-1975. Los Angeles: University of California Press, 1982.
• O tipo de governação colonial e a experiência das novas elites africanas com as instituições democráticas durante o período de descolonização.
• Dos vinte e seis países analisados apenas a Gâmbia manteve o regime democrático e os restantes países que alcançaram a independência no período acima referido transformaram-se em regimes de partido único e autoritários.
• Os regimes de competição política multipartidária tinham sido introduzidos em algumas sociedades africanas no período da descolonização. Contudo, quando o poder foi transferido do colonizador para as elites africanas, os regimes democráticos mostraram-se inapropriados para a consolidação do poder político destas elites nos novos estados.
O Legado Histórico Colonial (ii)
• Assim, a independência representou uma crise de gestão para os novos líderes políticos que foram confrontados com a necessidade de consolidação das suas posições através da busca de coesão entre as diferentes fações de elites em disputas e a necessidade de busca de apoio popular. Neste contexto os regimes multipartidários foram substituídos pelos regimes de partido único ou militares que permitiam a melhor satisfação dos interesses das novas elites dirigentes africanas. • O tipo de regimes de partido único criados nos estados africanos dependia do nível de dominação do partido no período pré-independência, sendo que, os partidos mais dominantes, neste período, tinham maior tendência de criar regimes de partidos únicos mais fortes.
O Legado Histórico Colonial (iii)
FATTON, Jr. Robert, Liberal democracy in Africa, Journal Political Science Quarterly, Vol.
105, No. 3, 1990, pp. 455-473
• As questões culturais e a história, a luta pela riqueza e prestígio e as vicissitudes relacionadas com a pobreza e escassez de recursos contribuíram para a constituição de formas autoritárias de governação em África.
• Devido ao fraco desenvolvimento do capitalismo nos novos estados africanos independentes não era possível o desenvolvimento da burguesia e do proletariado fortes, duas classes cuja confrontação joga um papel crítico no processo de estabelecimento da democracia liberal.
• A ausência do conflito de classes inviabilizou o crescimento do liberalismo com a sua respetiva dimensão ideológica e a enfase sobre os direitos individuais, liberdades civis e liberdade de associação, elementos importantes no contexto democrático.
O Legado Histórico Colonial (iv)
COOPER, Frederick, Africa Since 1940: The Past of the Present. Cambridge,
University Press, 2002.
• A transformação de grande parte dos novos estados africanos independentes em regimes autoritários resultava do facto de a sua construção ter sido feita sob uma arquitetura institucional colonial, o que contribuiu para a transformação dos novos estados independentes em gatekeeper states a semelhança do Estado colonial;
• As novas elites africanas perceberam que os seus interesses seriam melhor protegidos através da manutenção da estratégia de gatekeeper state. Assim, o conflito pelo controlo do gate conduziu as elites africanas às práticas de patrocínio e clientelismo, coerção, perseguição e eliminação dos oponentes, visando reforçar a sua posição de controlo do gate.
O Legado Histórico Colonial (v)
M’BOKOLO, Elikia. África Negra: História e Civilizações do Século XIX aos Nossos Dias. Lisboa: Edições Colibri, 2007.
• Os equilíbrios institucionais e políticos concebidos no momento das independências não resistiram à pressão das forças contraditórias que agitavam as sociedades africanas e, muito rapidamente, a África encontrou-se sujeita aos regimes políticos despóticos.
• No período imediatamente a seguir à independência, os novos estados inseriram-se numa linha de continuidade do Estado colonial, enquanto entidade com um profundo carácter repressivo e autoritário.
A Fragilidade das Instituições Políticas, Fraca Legitimidade dos Governos e Ausência do Estado de Direito (i)
DIAMOND, Larry, “Introduction: Roots of failure, seeds of hope”, in DIAMOND, Larry; LINZ, Juan; LIPSET,
Seymour Martin, ed., Democracy in developing countries: Africa; Vol. II, London, Adamantine Press, 1988, pp. 1-32. • Os novos regimes sentiram-se politicamente inseguros;
• Os novos regimes enfrentavam uma fraqueza de autoridade do Estado, agravada por um outro conjunto de obstáculos históricos e estruturais, entre os quais se destacam as divisões étnicas, o fraco sentido de pertença à nação, a fragilidade das instituições políticas estabelecidas com pouca experiência, a ausência da capacidade técnica e de gestão ao nível indígena, a dependência económica extrema e as expectativas populares revolucionárias geradas pelas lutas pelas independências.
• Assim, as estruturas dos novos estados, em geral, enfrentavam um défice em termos de poder, recursos, legitimidade e suporte social para fazer face aos desafios. Esta fragilidade impeliu os novos estados independentes a uma direção antidemocrática.
A Fragilidade das Instituições Políticas, Fraca Legitimidade dos Governos e Ausência do Estado de Direito (ii)
CHABAL, Patrick e Jean-Pascal Daloz. Africa works: Disorder as political instrument,
London, The International African Institute, 1999.
• A instrumentalização política da desordem como um processo através do qual os atores políticos em África procuram maximizar os seus retornos numa situação de Estado da confusão, incertezas e por vezes o caos que carateriza muitos estados africanos pós-independência.
• Neste contexto estavam criadas as condições desfavoráveis à democratização e favoráveis, sim, ao surgimento de regimes autoritários nos estados africanos pós-independência.
A Fragilidade das Instituições Políticas, Fraca Legitimidade dos Governos e Ausência do Estado de Direito (iii)
VAN de WALLE, Nicolas. African Economies and the Politics of Permanent Crisis, 1979-1999.
Cambridge: Cambridge University Press, 2001.
• Os regimes que surgiram em África, no período posterior ao colonialismo, tinham um défice em termos de legitimidade popular e baseavam-se muito pouco numa tradição constitucional e ainda menos na interação positiva com a sociedade civil.
• No período posterior à independência, o nacionalismo que tinha sido a base de apoio aos movimentos independentistas deixa de constituir a base de apoio aos novos governos uma vez que estes se mostravam incapazes de materializar o desenvolvimento almejado pelo povo.
• No sentido de estabelecer a ordem política e sustentar o controlo do poder os novos governantes africanos usaram todos os recursos e instrumentos à sua disposição como o exército, a polícia, os recursos financeiros e materiais do Estado. Foi neste contexto que surgiu um estilo de governação que combinava o legado autoritário da administração colonial e a tradição comunitária e rural de patrimonialismo, nascendo assim, em África o Estado autoritário neopatrimonialista.
A Fragilidade das Instituições Políticas, Fraca Legitimidade dos Governos e Ausência do Estado de Direito (iv)
• A ausência de um sector privado indígena forte em África no período posterior à independência que poderia gerar as pressões pela defesa dos direitos de propriedade e uma maior separação entre o poder político e a acumulação privada contribuiu para o atraso do florescimento democrático, pois sem uma sociedade civil forte e sem uma cultura constitucional e de Estado não se pode esperar o estabelecimento e consolidação da democracia.
O Processo de Construção da Nação e as Profundas
Divisões Étnicas (i)
M’BOKOLO, Elikia. África Negra: História e Civilizações do Século XIX aos Nossos Dias. Lisboa: Edições Colibri, 2007.
O surgimento de regimes não democráticos ou regimes de partido único e autoritários nos estados africanos pós-coloniais foi justificada pelas elites africanas através:
• Da ausência de classes sociais e do conflito de classes, facto que tornaria inútil a competição entre vários partidos;
• A necessidade de assegurar o mais rapidamente possível o desenvolvimento económico a respeito do qual todos os cidadãos estariam de acordo;
O Processo de Construção da Nação e as Profundas
Divisões Étnicas (ii)
• O imperativo absoluto de criar a nação sob a autoridade de um único chefe, considerado, precisamente como o pai da nação;
Foi dentro deste quadro argumentativo que os líderes africanos edificaram os partidos únicos, perseguiram os opositores políticos que representavam um atentado ao seu poder e interesses e usaram a repressão, políticas étnicas e regionalistas que fracionavam as sociedades e o Estado, criando, assim, um ambiente pouco favorável ao desenvolvimento da democracia.
O Processo de Construção da Nação e as Profundas
Divisões Étnicas (iii)
OKUKU, Juma. Ethnicity, State Power and the Democratization Process in Uganda.
Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, Discussion paper n° 17, 2002.
• Explorando as diferenças étnicas, os líderes políticos do Uganda defenderam a ideia segundo a qual, dada a existência de diferentes grupos étnicos no País, a competição política entre diferentes partidos ou a democratização deveria ser evitada de modo a prevenir divisões de base étnica que poderiam fomentar conflitos e comprometer a construção do Estado e da nação. Este argumento foi bastante usado não só pelos regimes autoritários do Uganda independente como também de outros estados africanos pós-coloniais.
A Ausência da Sociedade Civil e Sociedade Económica
HARBESON, John W. «Civil society and political renaissance in Africa». Em Civil Society and the State in Africa, ed. John W. HARBESON, Donald ROTHCHILD e
Noami Chazan, pp.1-32. Colorado: Lyanne Rienner Publishers, 1994.
• As crises políticas e os regimes autoritários que minaram os novos governos e estados no período imediatamente posterior às independências em África resultou em grande medida da ausência de uma sociedade civil forte;
• A sociedade civil é uma chave importante para as reformas políticas sustentáveis, legitimidade dos estados e governos, melhoria da governação, estabelecimento de sociedades/estado viáveis, construção de relações entre o Estado e a economia e para a prevenção de autoritarismos.
Em Resumo
O fracasso do processo de democratização dos estados africanos pós-coloniais resultou da conjugação entre os seguintes fatores:
(i) o legado histórico colonial;
(ii) a fragilidade das instituições políticas e ausência do Estado de direito, (iii) o processo de construção da nação e as profundas divisões étnicas e, (iv) a ausência de uma sociedade civil e económica forte e moderna.
A Democratização em África
Os anos 1990 foram caraterizados pelos processos de democratização
em África.
Fatores determinantes da democratização:
- Crises económicas;
- Crise de legitimidade dos governos africanos;
- O Condicionalismo da ajuda económica internacional;
- O fim da Guerra Fria
BIBLIOGRAFIA (i)
CHABAL, Patrick e Jean-Pascal Daloz. Africa Works: Disorder as Political Instrument.
London: The International African Institute, 1999.
COLLIER, Ruth Berins. Regimes in Tropical Africa: Changing Forms of Supremacy,
1945-1975. Los Angeles: University of California Press, 1982.
COOPER, Frederick. Africa Since 1940: The Past of the Present. Cambridge: University
Press, 2002.
DAHL, Robert A. On Democracy. USA: Yale University Press, 1998
DIAMOND, Larry. «Introduction: Roots of failure, seeds of hope». em Democracy in
Developing Countries: Africa. ed. Larry Diamond, Juan Linz e Seymour Martin Lipset, 1-32. London: Adamantine Press, 1988.
BIBLIOGRAFIA (ii)
FATTON, Jr. Robert. «Liberal democracy in Africa». Journal Political Science Quarterly, Vol. 105, No. 3, 1990, pp. 455-473
HARBESON, John W. «Civil society and political renaissance in Africa». Em Civil Society and the State in Africa, ed. John W. HARBESON, Donald ROTHCHILD e
Noami Chazan, 1-32. Colorado: Lyanne Rienner Publishers, 1994.
M’BOKOLO, Elikia. África Negra: História e Civilizações do Século XIX aos Nossos Dias. Lisboa: Edições Colibri, 2007.
OKUKU, Juma. Ethnicity, State Power and the Democratization Process in Uganda.
BIBLIOGRAFIA (iii)
SCHUMPETER, Joseph. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro:
Editora Fundo de Cultura, 1961.
VAN de WALLE, Nicolas. African Economies and the Politics of Permanent Crisis, 1979-1999. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.