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CARACTERIZAÇÃO DO CONTATO DE CRIANÇAS SEM DEFICIÊNCIA COM PESSOAS DEFICIENTES

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Academic year: 2021

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CARACTERIZAÇÃO DO CONTATO DE CRIANÇAS SEM DEFICIÊNCIA COM PESSOAS DEFICIENTES

Camila Mugnai Vieira1

Fátima Elisabeth Denari Programa de pós-graduação em Educação Especial Universidade Federal de São Carlos

RESUMO:A falta de interação entre pessoas com e sem deficiência e a desinformação da sociedade sobre as deficiências pode gerar atitudes preconceituosas. Para se efetivar a proposta de uma sociedade inclusiva, é preciso um trabalho com toda a comunidade, acerca das concepções, dos sentimentos e das atitudes sociais em relação aos deficientes. O presente trabalho é um recorte de uma dissertação de mestrado que analisou os efeitos de um programa educativo, que trata da temática da deficiência mental com estratégias voltadas ao público infantil, sobre as concepções e as atitudes de crianças não-deficientes. O recorte apresentado neste trabalho teve como objetivo a caracterização inicial das crianças participantes quanto ao seu contato prévio com pessoas deficientes, identificando se as crianças já tinham esse contato, qual o local onde este se dava, e se as crianças eram capazes de descrever as pessoas conhecidas. O estudo contou com a participação de 40 crianças, que estudavam em duas salas de primeira série de uma escola estadual de Marilia-SP. As crianças passaram por entrevistas semi-estruturadas e individuais. A maioria das crianças disse ter contato com pessoas com deficiência, o que confronta alguns dados da literatura, que indicam pouco contato. A escola é o local de maior contato, indicando que a presença de classes especiais, de salas de recursos e de alguns alunos com deficiência em salas comuns proporcionam uma oportunidade para essa interação mista. A maioria das crianças soube caracterizar a pessoa deficiente conhecida, tendo realizado suas descrições a partir do seu momento de desenvolvimento, de seu repertório e de suas vivências. Ainda assim, muitas crianças disseram nunca ter visto pessoas deficientes, apesar de estarem em uma escola com diversos alunos com deficiência, o que pode levar às hipóteses de que apesar de estarem no mesmo espaço, essas crianças não têm interagido, ou de que a falta de informações sobre o tema leva as crianças a não compreenderem a condição destes colegas, indicando a necessidade de intervenções para que a inclusão ocorra de fato.

1 E-mail: camilamugnai@gmail.com.br

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CARACTERIZAÇÃO DO CONTATO DE CRIANÇAS SEM DEFICIÊNCIA COM PESSOAS DEFICIENTES

A falta de contato entre pessoas com e sem deficiência é considerada um dos determinantes do preconceito. Pressupõe-se que o contato de pessoas deficientes com não-deficientes possa desmistificar algumas concepções por meio do conhecimento de sua realidade e de uma aproximação deles enquanto seres humanos, com sentimentos e idéias. A convivência ampla desde cedo com pessoas diferentes é a base da formação humana e social de um cidadão, segundo Werneck (1997).

De acordo com Crocker e Lutsky (1986), para se desconstruir estigmas é necessário intervir no processo de socialização das pessoas com e sem deficiência. Para os autores, a mudança nas interações sociais pode vir a mudar cognições e comportamentos. Para tanto, esse contato deve ocorrer em situações em que há igualdade de status entre as partes e nas quais a pessoa estigmatizada tenha oportunidade de mostrar características que comumente não são conhecidas pelos outros. Portanto, de acordo com Esposito e Peach (1983), deveriam ser ampliadas as oportunidades de interação desde cedo, para que todos pudessem ter uma percepção mais realista uns dos outros e atitudes mais adequadas.

O presente trabalho é um recorte de uma dissertação de mestrado, que teve como objetivos analisar concepções, sentimentos e atitudes de crianças não-deficientes sobre a deficiência mental e a inclusão e avaliar os efeitos de um programa informativo que trata da temática. Neste trabalho serão apresentados os resultados referentes à caracterização inicial das crianças participantes quanto ao seu contato prévio com pessoas deficientes, que teve como objetivo investigar se as crianças estabeleciam contatos com pessoas deficientes, qual

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o local deste contato, e qual a breve descrição da pessoa conhecida por parte das crianças. Os demais resultados da pesquisa serão apresentados em outros artigos.

Participaram do estudo quarenta crianças não-deficientes de duas salas do primeiro ano do ciclo I do ensino fundamental (20 crianças de cada sala), de 1 escola estadual de Marília-SP. Todas as crianças passaram individualmente por entrevistas semi-estruturadas, que foram gravadas. A realização das entrevistas deu-se após uma contextualização da temática para as crianças, por meio de um vídeo que apresentava crianças com deficiência e após a solicitação para que cada criança realizasse um desenho dela própria e de uma criança deficiente mental (como ela conhece ou imagina que seja). Entre as perguntas feitas, questionou-se às crianças se elas conheciam ou já tinham visto pessoas com deficiência mental, qual havia sido o local deste contato, caso tivesse ocorrido, além de solicitar-se a caracterização da pessoa conhecida ou vista. As entrevistas com as crianças foram transcritas na íntegra, passaram por uma análise de conteúdo e os resultados foram organizados em categorias. A seguir, serão apresentados os principais resultados sobre o contato prévio das crianças com deficientes, com breves discussões dos mesmos.

Quanto ao contato anterior ou atual com pessoas com deficiência, 65% das crianças do Grupo Experimental (GE) e 85% das crianças do Grupo Controle (GC) responderam já ter visto ou conhecido alguém com deficiência mental. Os resultados indicam que a maioria das crianças já teve ou têm contato com pessoas com deficiência. Não é possível afirmar que esse contato seja com pessoas com deficiência mental, em função das diferentes concepções das crianças e de uma certa confusão com outras deficiências. Também foi considerado como contato a visualização de pessoas com deficiência por parte da criança, mesmo sem estabelecer uma interlocução direta com estas.

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De todo modo, o número de crianças que relatou já ter tido esse contato confronta-se com alguns dados da literatura, que indicam a falta de contato entre as crianças dessa idade com pessoas com deficiência (Ferreira 1998a; Magiati et al., 2002), assim como de todas pessoas sem deficiência, de diferentes idades, com as pessoas com deficiência em seu cotidiano (Werneck, 1997). Apesar disso, várias crianças relataram nunca ter visto pessoas com deficiência mental (35% do GE e 15% do GC), mesmo estando em uma escola onde há vários alunos com essa condição. Martins (1999) encontrou resultados semelhantes em escolas com classes especiais, onde crianças disseram não conhecer pessoas com deficiência ou apresentaram muita dificuldade em caracterizar as pessoas conhecidas. A autora levanta a hipótese — que também cabe no presente trabalho — de que talvez, embora estando na mesma escola, as crianças não estejam interagindo entre si ou de que, apesar de interagirem, não recebem orientações sobre o tema. Além disso, deve-se considerar a dificuldade de identificação de pessoas com deficiência mental, em função de, muitas vezes, não haver uma aparência física determinada ou um traço fisionômico característico.

Para as crianças que responderam já ter visto ou conhecido uma pessoa com deficiência mental, foi questionado qual era o local onde haviam tido esse contato. Os locais mais indicados pelas crianças como sendo de contato com pessoas com deficiência foram a própria escola, tendo sido apontada por 3 crianças do GE e por 7 do GC, e locais públicos, citados por 6 crianças do GE e 4 crianças do GC. Entre os locais públicos citados, tem-se a rua, a igreja, o shopping e supermercados. Outros lugares de contato apontados pelas crianças foram a vizinhança, indicada por duas crianças do GE. Algumas crianças citaram ainda um contato na pré-escola (duas crianças do GE e uma criança do GC). Apenas uma do GC citou membros da família.

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A escola ter sido apontada como um dos principais locais de contato com pessoas deficientes indica que esta vem funcionando como um local de contato entre as crianças sem deficiência e crianças com deficiência. A presença de classes especiais e salas de recursos na escola e o processo de inclusão, no qual alguns alunos com deficiência vêm freqüentando as salas comuns, parece ampliar as oportunidades de interação das crianças com a diversidade. Se tais interações estão de fato sendo benéficas às crianças envolvidas, não se pode afirmar no momento, contudo os dados apontam para um contato que é descrito na literatura, já há vários anos, como possivelmente benéfico tanto para os alunos com deficiência quanto para os demais, sendo importante para a desmisficação da deficiência e a construção de concepções mais adequadas e atitudes mais positivas acerca das pessoas deficientes (Gordon, Feldman & Chiriboga, 2005; Guralnick, Connor, Hammond, Gottman & Kinnish, 1995; Piercy, Wilton & Townsend, 2002; Tamm & Prellwitz, 2001; Werneck, 1997).

O número de crianças de ambos os grupos que indicou lugares públicos onde tiveram contato com pessoas com deficiência aponta para um possível aumento da visibilidade da deficiência em alguns contextos de trabalho e lazer. A concepção de deficiência vigente ainda hoje e o papel social das pessoas com deficiência costumam restringir a participação dessas pessoas ao ambiente familiar e às instituições. Talvez o movimento da inclusão, assim como iniciativas da mídia ou de inserção de deficientes no mercado de trabalho, estejam iniciando um caminho de inclusão social, que apesar de ainda estar distante do ideal, já pode ser percebido pelo olhar curioso e atento de algumas crianças. Ampliar a visibilidade da deficiência e a participação social dos deficientes em diferentes contextos sociais é fundamental para a construção de uma sociedade inclusiva (Hargreaves, 2004; Werneck, 1997).

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O que alguns relatos indicam, porém, é que apesar de várias crianças já terem visto pessoas com deficiência em locais públicos, algumas situações vivenciadas só ressaltam as diferenças e as incapacidades, confirmam a exclusão do deficiente em nossa sociedade, não revelam participação ativa destes, não ressaltam suas habilidades e, assim, provavelmente não minimizam preconceitos. Para que os encontros entre pessoas com e sem deficiências sejam efetivos no sentido de diminuir estigmas, devem ocorrer em situações que coloquem ambos em igualdade de status, e não de modo a confirmar a inferioridade do deficiente ou incentivar a caridade por parte da sociedade em geral.

Para as crianças que responderam já terem visto ou conhecido uma pessoa com deficiência mental, foi pedido que caracterizassem a pessoa conhecida. Entre as respostas, têm-se características relacionadas à deficiência física e sensorial, que apontam para aspectos orgânicos, anatômicos observáveis e respostas que remetem à aparência das pessoas com deficiência e a comportamentos observáveis, relatados pelas crianças como “jeito diferente” ou pela descrição de fenótipos da Síndrome de Down, por exemplo.

A maioria das crianças soube caracterizar a pessoa deficiente conhecida, tendo realizado suas descrições a partir do seu momento de desenvolvimento, de seu repertório, de suas vivências. Isso não significa que a caracterização feita seja adequada, uma vez que foram notados desencontros e apresentadas confusões nas tentativas de exemplificar e/ou definir deficiências em outros momentos do estudo, além das descrições baseadas apenas em aspectos mais visíveis da aparência ou comportamento. É importante ressaltar também que a definição da deficiência mental é algo de extrema dificuldade, ainda, para especialistas da área, especialmente quando se tem em mente a rica diversidade humana.

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Referências Bibliográficas

Crocker, J. & Lutsky, N. (1986). Stigma and the dynamics of social cognition. In S. C Ainlay, G. Becker, & L. M. Coleman (Eds.), The Dilemma of difference: a

multidisciplinary view of stigma (pp. 95-121). New York: Plenumm Press.

Esposito, B. G., & Peach, W. J. (1983). Changing attitudes of preschool children toward handicapped persons. Exceptional Children, 49 (4), 361-363.

Ferreira, S. L. (1998). Aprendendo sobre a deficiência mental: um programa para

crianças. São Paulo: Memnon.

Gordon, P. A., Feldman, D., & Chiriboga, J. (2005). Helping children with disabilities develop and mantain friendships. Teacher Education and Special Education, 28 (1), 1-9. Guralnick, M. J., Connor, R. J., Hammond, M., Gottman, J. M., & Kinnish, K. (1995). Immediate effects of mainstreamed settings on the social interactions and social integration of preeschool children. American Journal of Mental Retardation, 100 (4), 359-377

Hargreaves, A. (2004). The challenge for the comprehensive school. Londres: Routledge. Magiati, I., Dockrell, J. E., & Logotheti, A. E. (2002). Young children’s understanding of disabilities: the influence of development, context and cognition. Applied developmental

psychology, 23, 409-430.

Martins, G. A H. (1999). A integração do deficiente na classe comum: o ponto de vista de alunos do ciclo I do ensino fundamental. Dissertação de Mestrado. Programa de pós-graduação em Educação. Faculdade de Filosofia e Ciências. Universidade Estadual Paulista. Marília.

Piercy, M., Wilton, K., & Townsend, M. (2002). Promoting the social acceoptance of young children with moderate-severe intellectual disabilities using cooperative-learning techniques. American Journal of mental deficiency, 107 (5), 352-360.

Tamm, M., & Prellwitz, M. (2001). If I had a friend in a wheelchair: children’s thougths on disabilities. Child: care, heath and development. v. 27 (3), 223-240.

Werneck, C. (1997). Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva. Rio de Janeiro: WVA.

Referências

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