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Simpósio Internacional de Estudos Inquisitoriais Salvador, agosto 2011

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INQUISIÇÃO PORTUGUESA NO SERTÃO BAIANO: AS PRÁTICAS

RELIGIOSAS DO ESCRAVO LUÍS PEREIRA DE ALMEIDA1

Lílian Oliveira dos Santos∗

Resumo: A presente pesquisa visa discutir as práticas religiosas presentes na Bahia

colonial no século XVIII, assim como, evidencia a atuação da Santa Inquisição Portuguesa no contexto do sertão baiano. Essas discussões serão geradas a partir da investigação dos autos de um processo, datado de 1750-1756, encontrado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). O processo fora aberto pela Inquisição contra o escravo crioulo Luis Pereira de Almeida. Ele foi acusado e preso por obter uma “bolsa de mandinga”, objeto mágico-religioso considerado um dos símbolos da influência cultural africana transplantada aqui nas Américas. Sendo assim, este documento traz a história desse individuo e também, abre várias possibilidades de entender o cotidiano da sociedade setecentista da região de Jacobina, através do reconhecimento da circulação cultural por meio de elementos da religiosidade africana e européia, como também, perceber o tratamento dado pela igreja a essas práticas.

Introdução

As vivências cotidianas e, particularmente, a religiosidade se mostram

importantes elementos para a construção acerca do contexto e personagens do período colonial da América Portuguesa2. É interessante ressaltar também, as influências sofridas no cenário desse Brasil, a partir da percepção de diversas práticas religiosas de africanos e seus descendentes. A vigilância da Igreja Católica em relação aos costumes

1 Este artigo foi construído a partir das produções do grupo de pesquisa: “A Inquisição portuguesa no

sertão da Bahia: o clero e os africanos – século XVIII” coordenado pela Profa. Dra. Vanicléia Silva

Santos, professora adjunta do departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.

Graduanda do curso de Licenciatura em História-Universidade do Estado da Bahia - UNEB – DEDC,

Campus XIII.

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VAINFAS, Ronaldo. A Heresia dos Índios. Catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.

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dos colonos, judaizantes, indígenas e negros foi uma, realidade vivida. Diante disso, os processos inquisitoriais são de suma importância para o entendimento de algumas das práticas religiosas desses indivíduos, em diferentes locais e épocas. Sendo assim, o processo que irei analisar revela muitas informações e possibilidades de conhecer um pouco, o contexto do sertão baiano do século XVIII.

O presente texto traz como discussão um processo aberto pela Santa Inquisição Portuguesa, nos anos de 1750-1756, contra o escravo e crioulo Luís Pereira de Almeida3. O documento descreve o arrolamento do caso desse escravo, apontado pelo Santo Ofício, de portar uma “bolsa de mandinga” sob acusação de práticas de feitiçaria, sacrilégio e bruxaria. Com base nas informações contidas nesse processo, é possível perceber o tratamento dado pela Igreja da época, aos supostos crimes praticados contra a fé católica, classificados como atos suscetíveis a advertências e punições. Além disso, possibilita perceber a vivência na Bahia colonial, a partir das relações sociais e religiosas.

A atuação da Inquisição Portuguesa, através do Santo Ofício, se tornou uma estrutura oriunda da Igreja Católica, responsável pelo controle da vida social e religiosa, em diferentes partes do mundo, incluindo América, África e Europa, assinalando uma conexão entre esses continentes. O controle desempenhado por essa instituição revela a sua dimensão. Transpôs as fronteiras do território europeu desde o século XV4 e passou a ter jurisdição em outras localidades, como a América e na África. Os acusados também passam a ser outros, como exemplo, nesse caso, africanos e seus descendentes.

Dando ênfase ao processo, é importante notar como a máquina da inquisição agia dentro e fora de suas dependências em Portugal, mantendo uma relação estreita entre a vida da sociedade colonial na América Portuguesa e o Tribunal do Santo Ofício, por meio das denúncias e constante vigilância, por parte de seus funcionários5. Com a

3 ANTT, Inquisição de Lisboa, processo n. 1134.

4 VAINFAS, Ronaldo; HERMAM, Jacqueline. Judeus e conversos na Ibéria no século XV: sefardismo,

heresia, messianismo. In: GRINBERG, Keila (org.) Os judeus no Brasil: inquisição, imigração e

identidade. – RJ: Civilização Brasileira, 2005. No cap. 2 deste livro os autores tratam da perseguição aos

judeus na Espanha, pela Inquisição criada em 1478, durante o reinado de Castela e Aragão.

5 Para melhor compreensão consultar: SOUZA, Grayce Mayre B. PARA REMÉDIO DAS

ALMAS:comissários, qualificadores e notários da Inquisição portuguesa na Bahia (1692-1804)

Universidade Federal da Bahia. Tese apresentada ao Programa de pós-graduação em História Social da Universidade, 2009, p. 56. Capítulo II: Justiça eclesiástica, poder inquisitorial e formação de uma rede de oficiais na Bahia Colonial.

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ocorrência desse processo acusatório contra Luis Pereira, percebe-se as justificativas utilizadas para sua prisão e condenação, dentro dos regimentos e preceitos da instituição. Isso leva a pensar também como as diferentes práticas ritualísticas ou religiosas eram vistas e julgadas, como fora dos padrões do cristianismo católico da época, fundamentando os métodos de perseguição há diversos grupos sociais.

Os processos inquisitoriais se tornam elementos imprescindíveis para a construção e entendimento dos fatos. A riquíssima documentação produzida pelo Tribunal do Santo Ofício português, deu significado para a construção da história colonial vista através das falas e dos perfis dos envolvidos, que se encontram na descrição dos mesmos. A historiografia, através dessas fontes, cumpre o papel de esclarecer e desvendar, nesse caso no âmbito religioso, as tradições européias e a presença inegável das culturas africanas.

Mandingueiros nas malhas da Inquisição

O processo citado anteriormente, para análise, refere-se ao crioulo Luís Pereira de Almeida, 23 anos, escravo de D. Antonia Pereira de Almeida e do sargento mor Faustino Pereira de Brito. Natural da Vila da Jacobina e morador do sítio do Riachão Arcebispado da Bahia do século XVIII. Casado com Maria Ferreira. Seus pais se chamam João Correa, escravo de João Rodrigues Santiago e Ignácia Pereira, preta forra, ele natural do Reino de Congo, e ela da Jacobina. Luis, fora acusado e preso em 1752, por práticas de feitiçaria, bruxaria e sacrilégio, achando-se com uma bolsa de couro, ou seja, uma “bolsa de mandinga” contendo uma hóstia consagrada6.

Pensando na dimensão das práticas religiosas no espaço Atlântico, é possível perceber que a relação com a utilização das bolsas na América Portuguesa, teve suas raízes e influências de outras regiões africanas a exemplo da Costa da Guiné com os povos mandingas7.

6 Idem , processo n. 1134.

7 SANTOS, Vanicléia Silva. As bolsas de mandinga no espaço Atlântico: Século XVIII. SP: 2008. No primeiro capítulo da sua tese a autora fala da origem dos povos Mandingas no Reino do Mali e como os portugueses, através do contato na Costa da Guiné, perceberam alguns de seus modos de vida e costumes. Dentre esses, o uso de amuletos islâmicos, que serviam para proteção contra doenças, feitiços e armas. A partir disso, esses objetos foram considerados pela Igreja Católica, como obras de feitiçaria e superstição.

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Preso sob ordem do pároco João Mendez, na cadeia da Vila da Jacobina, o acusado foi entregue aos familiares do Santo Ofício Manoel de Mello Lima e Fernandes Guimarães, pelo juiz ordinário Caetano Jacome da Fonseca8.

Luis, falou em confissão que estando em casa de sua Senhora Dona Antonia no Sítio do Riachão estava doente em uma cama, aparecendo o preto escravo chamado Matheus Pereira Machado, que iria fazer um trabalho por mandado da mesma D. Antonia. Matheus disse que não podia levar consigo uma camisa, pedindo-lhe que guardasse, juntamente com uma bolsa de couro vermelho, não declarando que tinha dentro, mas somente que a guardasse.9

Luis contou que, Matheus então seguiu sua jornada. Outro dia, José Martins, preto forro, foi à casa de Luis e encontrou a dita bolsa pendurada, pediu para levá-la consigo e entregar a Matheus. José Martins levou então a dita bolsa consigo. Manoel Arão era senhor do escravo Matheus, que em outra ocasião soube por seu irmão Francisco Arão, que o escravo tinha uma outra bolsa. O irmão de Manoel então a entregou ao vigário João Mendes.

O fato, de acordo com Luis, foi que o senhor de Manoel Arão, juntamente com sua senhora dona Antonia, sabendo da existência de outra bolsa e que a mesma estava nas mãos do acusado foram buscá-la. Como anteriormente José já tinha levado a bolsa, Luis foi buscar o artefato e logo entregou ao dito Manoel. Este por sua vez, entregou novamente esta outra bolsa ao mesmo vigário que recebera a primeira.

O vigário disse ter encontrado uma hóstia consagrada dentro da bolsa. Os três envolvidos, Luis Pereira, José Martins e Matheus Pereira foram presos na cadeia de Jacobina. Quando preso, Luis disse que Matheus teria tirado a hóstia da boca. Matheus teria supostamente confessado que realmente tinha tirado a hóstia da boca por orientação de José Martins e que esse teria comprado uma outra bolsa com um sanguinho e uma pedra ara, que utilizaria para suas valentias. Segundo disse o acusado:

[...] delicto que cometeo o referido Matheus em tirar particula consagrada de sua boca se dezia e estando tão bem prezo na mesma cadea o sobreditto Matheus; disse este por varias vezes na grade da mesma cadea que elle tinha tirado da boca huá particula consagrada a qual trazia na bolsa que lhe dera a

8 Idem, processo n. 1134. 9 Idem

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guardar, e que obrara isto por conselho de Joseph Martins ao qual comprara por quase mil reis a outra em quem se achara o (sanguinho?) e hum pedasso de pedra de ara e que dellas uzava para as suas valentias10[...]

Segundo Laura de Mello e Souza11 as bolsas de mandingas eram tipicamente setecentista, usadas e comercializadas como amuletos, que serviam para proteção contra tiros, facas ou flechas. O uso das bolsas reflete uma realidade da população colonial na América Portuguesa, denunciando a influência africana nas práticas mágicas e de feitiçaria. A autora ressalta que:

No primeiro quartel do século XVIII, estava pois definido o casamento da bolsa com a utilização de elementos sagrado. A pedra d’ara – pedaço de mármore contendo orifício interno onde são depositadas relíquias de santos mártires e sobre o qual os sacerdotes consagram a hóstia e o vinho - possuía grande significado mágico por ser indispensável à realização da Eucaristia [...]. (MELLO E SOUZA,2009, p.284)

Portanto, a partir da composição das bolsas é notório que, além de serem usadas como “amuletos protetores”, buscavam também absorver elementos do catolicismo, atribuindo-lhe poderes sobrenaturais. Re-significavam tais elementos de acordo com sua utilização no universo das práticas mágicas. Nesse contexto e a partir da descrição de processos inquisitoriais, a exemplo desse, é possível perceber que houve uma particularidade na composição dos amuletos, que traziam consigo símbolos da religião católica, em sua confecção. Era recorrente o caráter sagrado ou profano dos amuletos atravessando o Atlântico.

No decorrer das admoestações feitas a Luis, percebe-se que os inquisidores interrogavam, de maneira incisiva o réu, fazendo com que o mesmo proferisse palavras que trouxessem à tona, a suposta realidade dos fatos. De início Luis dissera não saber para que servia e de que eram feitas as bolsas. Negou todo o fato e disse que não sabia do que se tratava tal artefato, e que só teria prestado um favor ao escravo Matheus. Depois de perguntado várias vezes sobre se o acusado teria usado ou trazia consigo as bolsas:

10 Idem , processo n. 1134

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Disse que na ocazião em que Manoel Arão veyo buscar a bolsa que havia levado Joseph Martins dissera a Matheus em caza de hum mestiço chamado Joseph Gomes aonde elle declarante o foy chamar para que viesse asistir a entregua da ditta bolsa que uzava della para valentias, e isto por ocazião delle declarante lhe perguntar para que uzava da tal bolsa, e o mesmo confessou muitas vezes depois de prezo na cadea da villa da Jacobina de Santo Antonio, e pelo que respeita a Joseph Martins não sabe mais couza alguá alem do que tem declarado12.

Na confissão, Luis Pereira, revela que sabia a utilidade do artefato, ou seja, para ser valente. Fica claro que as informações sobre as bolsas eram difundidas no meio social em que eles estavam inseridos, reforçando a idéia da existência de mandingueiros em Jacobina.. As testemunhas do processo tinham em comum, afirmações a respeito de Luis, em que “dizia uzar o reo Luis Perª. de huma bolça em que trazia huá particula consagrada, do que tão bem uzavão outras pessoas”13.

A igreja católica considerava um crime grave, a utilização de símbolos sagrados em ritos ou cultos que não estivessem dentro das regras eclesiásticas. O desvio desse objetivo, pelos usuários das bolsas, era classificado como sacrilégio, além da utilização do termo feitiçaria e bruxaria. Nas falas do inquisidor isso pode ser percebido onde ele enfatiza que “particula consagrada se deve a mayor veneração e respeito”.

Luís Pereira de Almeida: um escravo condenado pelo Santo Ofício

As bolsas constituíam uma das muitas práticas mágicas desenvolvidas no Brasil colonial. Segundo Laura de Melo e Sousa, as bolsas de mandinga, ou o uso de patuás foram consideradas uma forma de feitiçaria no contexto colonial. A partir disso, a autora mostra que esse fato se devia, primeiramente, a popularidade dos amuletos e à extensão do seu uso, e também ao fato de que, embora fosse usada em grande parte pelos escravos e negros forros, não era uma prática exclusiva de uma fração da sociedade14. Durante a admoestação, mas especificamente antes da publicação do libelo, o sumário de culpas fora lido trazendo informações supostamente dadas por José Martins, réu preso juntamente com Luís.

12 Idem, processo n. 1134, p. 25 13 Idem, p. 39.

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P. que em certo lugar se achou elle reo de certo tempo a esta parte aonde alem do que tem declarado, foy ter com certa pessoa, que andava no tempo plantando fruta, e lhe deo a referida bolça para que lhe guardasse, e dizendolhe a dita pessoa que amarasse debaixo de huns cavalos, que estavão no dito citio, replicando elle reo, que não queria ficasse ali, por quanto a estimava mto. em razão de ser boa, e util para tudo o que queria; e por esta cauza se resolveo a mesma pessoa a fazer entrega della, e passados quatro, ou sinco dias foy buscar a referida bolça elle reo, que então declarou continha huma particula consagrada (...?) dita pessoa, que estavão perdidos por se saber, respondeo que aquillo não era nada, (?) sabia de mtas. pessoas, que tinhão bolças com particulas consagradas, e que nem por histo se lhe fazia mal algum15

Este trecho do processo revela uma outra versão dos fatos, contada por José Martins, que traz outras possíveis informações sobre o desenvolvimento da história. O réu, supostamente não teria confirmado essa outra versão do ocorrido, tornando as admoestações contraditórias. Isso também reforça a idéia de que a utilização dos artefatos era comum ea sua circularidade estava presente na vida cotidiana e social das pessoas. É interessante verificar nos métodos utilizados pela inquisição, de confrontar os depoimentos dos réus para verificar se havia a confirmação ou mesmo contradição dos envolvidos.

Luis foi admoestado por diversas vezes, ao todo foram oito confissões. Insistindo sua não participação e envolvimento com a manipulação e utilização do artefato. Disse que “elle he christão baptizado e que “hia as igrejas e nellas ouvia missa e pregação, confessavasse e comungava e fazia as mais obras de christão”, e que tinha consciência que só existira uma só fé e Igreja verdadeira. Por um lado isso demonstra também que, existia um projeto de catequização dos escravos e que esses deveriam comungar da fé e dos dogmas da igreja. Sabendo o acusado, que a Igreja como não admitia outras práticas religiosas que não estivessem coniventes com seus propósitos cristãos, reafirmou que nunca havia se desviado de seus ensinamentos, na tentativa de amenizar sua situação perante os inquisidores.

A não aceitação de uso dos amuletos pela doutrina católica esteve extremamente relacionada com a idéia da existência de uma idolatria herética que se apossava de símbolos sagrados para práticas de feitiços, bruxarias, sacrilégios e, sobretudo

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demoníacas. A imagem do demônio era considerado o principal responsável pela construção do imaginário, da mentalidade cristã em relação a religiosidade africana ou afro-descendente. A partir das denunciações destes rituais tidos como pagãos e heréticos, através de “delatados ou ganhavam visibilidade eram recriminados e punidos, já que expunham uma força religiosa ilimitada e contagiosa que poderia ‘poluir’ e ameaçar a ordem social projetada pela Igreja” 16.

Os regimentos usados pelo Tribunal da Santa Inquisição, foram maneiras de classificação e punição dos crimes condenáveis, que variavam de acordo com a época que foram formulados. O terceiro regimento de 1640, punia diretamente as pessoas suspeitas de cometer crimes de feitiçarias, sortilégios, adivinhações, e quaisquer outros desta mesma espécie17.

Respaldado no regimento inquisitorial, no dia 19 de Junho de 1756, Luis Pereira foi notificado que deveria ir ate o auto público ouvir sua sentença junto com o senhor inquisidor João Mendes. Diante do inquisidor e sofrendo abjuração de leve em público, que segundo o regimento deveria ser cumprida se houvesse desprezo das imagens sagradas, quebrasse, derrubasse ou desacatasse com irreverência algum santo ou santa18.

Mandão, que o reo Luiz Prª de Almeida em pena, e penitencia de suas culpas vê o auto publico da fé, e nella ouça sua setença, e nella faça abjuração de leve suspeito na fé: E sera degradado por tempo de dous ano para Lamego, e terá carcere a arbitrio dos inquizidores no qual .

Sera instituido misterios da fé necessarios pª salvação de sua alma, e comprirá as mais penas, e penitencias espirituaes que lhe forem impostas19.

Foi lida e publicada a sentença e o réu fora condenado ao degredo por dois anos em Lamego, prometendo guardar segredo sob juramento dos Santos Evangelhos. Portanto, quem fosse autuado praticando qualquer tipo de heresia que envolvesse

16 BEROLOSSI, Leonardo Carvalho. A MEDICINA MÁGICA DAS BOLSAS DE MANDINGA NO

BRASIL,SÉC. XVIII. Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006.

Disponível em :< http://www.rj.anpuh.org/resources/rj/Anais/2006/conferencias> acesso em: 31/05/10.

17 Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal [1640]. In: Revista do Instituto

Histórico e Geográfico do Brasil, Rio de Janeiro, n. 157, jan./ dez. 1996, p.854. Disponível em:

http://www.ihgb.org.br acesso em: 01/06/10 p. 854.

18 Idem , p.854.

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feitiços, adivinhações ou sortilégios, seria condenado a açoites e degredo e as mais penas20.

Sendo definida a sentença, Luis recebeu uma carta relatando qual seria seu destino, obrigatoriamente o réu teria que aceitar e cumprir o degredo. O documento dizia que o mesmo “será castigado gravemente, & que trate de sua vida, & exemplo dar mostras de bom, & fiel catholico Christao & que cumpra o que prometteo em sua abjuração”.

O processo de Luis Pereira de Almeida, foi concluso em 29 de agosto de 1756 em Évora, com sua condenação. A partir desse e de outros processos, há a demonstração do poder da Igreja nos domínios da vida social da colônia na Bahia ou onde ela se fazia presente.

As informações fornecidas por um processo dessa natureza deixam brechas para se pensar acerca das práticas religiosas de africanos e afro-descendentes dentro a realidade da colônia, como também, permite perceber o tratamento dado pela igreja, através de mecanismos como a Inquisição, para reprimir certos tipos de manifestações. Nesse sentido, vale ressalta, que a partir da descrição do processo pode-se compreender a estrutura do corpo da instituição do Santo Ofício, que apesar de se concentrar em Portugal, mantinha uma relação direta com a colônia através de seus funcionários habilitados, averiguando as denúncias, abrindo o processos e encaminhando-os para o Tribunal do Santo Ofício em Lisboa.

Também é possível evidenciar, através dos regimentos, os critérios que classificam os tipos de crime como heréticos, e assim, propensos a julgamentos, entendendo assim, as etapas pela qual o processo perpassa e como réu é considerado. Não menos importante, reconhecer a relação que esse processo tem com casos de outros dois acusados do mesmo tipo de crime.

A Inquisição se tornou então, um reflexo do estranhamento e da não aceitação de outras formas e interpretações religiosas. E uma das maneiras de perceber tal fato, são as medidas tomadas através da formulação das leis regimentais para a intimidação dos manifestos. Contudo, o Brasil colonial, foi palco da diversidade cultural e religiosa

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durante todo seu processo de formação, em que mesmo com a constante vigilância e controle elas não deixaram de existir.

A demonização dessas práticas pela Igreja, se tornou um importante subsidio para justificar as perseguições e punições como formas reguladoras da sociedade. Segundo Souza, a construção da idéia de demonização se deu desde que europeus, quando através do Atlântico, aportaram nas terras americanas no século XV, e que estes estavam impregnados com a mentalidade e dogmas da fé católica. Diante disso, iniciaram o processo de colonização, sendo um dos intuitos desse projeto político e econômico, a repressão de toda manifestação religiosa fora dos preceitos cristãos, causando assim um choque cultural21.

Sobretudo, o processo permite pensar, a partir da história de um indivíduo, a dimensão das relações que foram constituídas a partir de elementos, como as bolsas de mandinga, que representaram uma identidade da religiosidade africana e afro-descendente, com a incorporação de novos elementos, configurando o sincretismo religioso. Também abre possibilidades de analisar, como se tornou constante no cotidiano e contexto setecentista a circularidade da cultura africana no Brasil e a tentativa de domínio e controle da vida dessa sociedade, pelos europeus. Com isso, é importante verificar que apesar das investidas da autoridade eclesiástica sobre a religiosidade dos africanos e seus descendentes, não impediam de fazer com que eles buscassem instrumentos para enfrentar e explicar as doenças do corpo e da alma, além de dar proteção contra os males do mundo em que estavam inseridos.

Sendo assim, reafirmo que este escrito foi de grande importância tanto na transcrição como na análise parcial desse processo, pois através deste, pude ter um contato, a partir de um olhar investigativo, com uma fonte primária produzida no século XVIII. Uma documentação que nos permite extrair muitas informações, sob diferentes aspectos, acarretando uma ampla oportunidade de pesquisa histórica e etnográfica.

Neste sentido, o estudo das práticas religiosas em diferentes contextos e com diferentes indivíduos representa, num ponto de vista histórico, uma maneira de reconhecer as

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SOUZA, Laura de Mello. Inferno Atlântico. Demologia e colonização: séculos XVI-XVIII. São Paulo. Cia da Letras, 1993.

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influências e permanências de elementos culturais em muitas sociedades, inclusive nas Américas através das conexões atlânticas.

Referências bibliográficas

ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo – Inquisição de Lisboa. Processo 1134, Luis Pereiyra de Almeida.

BEROLOSSI, Leonardo Carvalho. A MEDICINA MÁGICA DAS BOLSAS DE MANDINGA NO BRASIL, SÉC. XVIII. Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006.

GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. Trad. Betânia Amoroso. São Paulo: Cia. das Letras, 1987. SANTOS, Vanicléia Silva. As bolsas de mandinga no espaço Atlântico: Século XVIII. SP: 2008.

SOUZA, Grayce Mayre B. PARA REMÉDIO DAS ALMAS: comissários, qualificadores e notários da Inquisição portuguesa na Bahia (1692-1804) Universidade Federal da Bahia, 2009.

SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo, Cia. das Letras, 2002.

___________________________. Inferno Atlântico. Demologia e colonização: séculos XVI-XVIII. São Paulo. Cia da Letras, 1993.

VAINFAS, Ronaldo. A Heresia dos Índios. Catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.

________________; HERMAM, Jacqueline. Judeus e conversos na Ibéria no século XV: sefardismo, heresia, messianismo. In: GRINBERG, Keila (org.) Os judeus no Brasil: inquisição, imigração e identidade. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal [1640]. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, Rio de Janeiro, n. 157, jan./ dez. 1996.

Referências

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