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1º Encontro Internacional de Estudos Foucaultianos: Governamentalidade e Segurança João Pessoa/PB GT 6: Biopolíticas

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1º Encontro Internacional de Estudos Foucaultianos: Governamentalidade e Segurança João Pessoa/PB – 2014

GT 6: Biopolíticas

CONTRIBUIÇÕES DE MICHEL FOUCAULT PARA PENSAR A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO MUNICÍPIO DO RIO GRANDE – RS1

Juliana Diniz Gutierres2 Maria Renata Alonso Mota3

Resumo: Este trabalho é parte integrante de uma pesquisa em andamento, cujo objetivo é compreender as condições históricas do atendimento às crianças de 0 a 3 anos, no Município do Rio Grande – RS, que fizeram emergir determinadas práticas do presente. O estudo é desenvolvido a partir de aproximações com autores do campo pós-estruturalista que têm por bases os estudos foucaultianos. Para tal, o trabalho inicia apontando algumas justificativas de escolha desse campo teórico para fundamentar a pesquisa, bem como algumas ferramentas operadas por Foucault que podem contribuir com o estudo. Logo após, apresenta alguns aspectos relevantes sobre a perspectiva de história da qual este estudo se aproxima para pensar sobre o problema de pesquisa. São tecidos, então, alguns apontamentos acerca do entendimento de História para Foucault de forma a provocar o próprio pensamento a elaborar outras possibilidades de pensar sobre a história da Educação Infantil.

Palavras-chave: História; Educação Infantil; Foucault.

INTRODUÇÃO

O presente estudo é parte integrante de uma pesquisa em andamento, cujo objetivo é compreender a história do atendimento às crianças de 0 a 3 anos no Município do Rio Grande – RS. Este estudo é desenvolvido a partir de aproximações com autores do campo pós-estruturalista que têm por bases os estudos foucaultianos e busca pensar na produtividade dos estudos genealógicos para a compreensão das condições históricas dessas instituições, que fizeram emergir determinadas práticas do presente.

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Trabalho preparado para sua apresentação no 1º Encontro Internacional de Estudos Foucaultianos:

governamentalidade e segurança, organizado pelo Departamento de Ciências Sociais e pelo Programa de

Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 13 a 15 de maio de 2014.

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Mestranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG.

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Professora da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, doutora em Educação pela UFRGS, mestre em Educação pela UFPel.

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Para tanto, inicialmente, apontamos algumas justificativas de escolha desse campo teórico para fundamentar a pesquisa, bem como algumas ferramentas operadas por Foucault que podem contribuir com o estudo. Em seguida, apresentamos alguns aspectos relevantes sobre a perspectiva de história da qual este estudo se aproxima para pensar sobre o problema de pesquisa. Nesse momento, tecemos alguns apontamentos acerca do entendimento de História para Foucault de forma a provocar nosso próprio pensamento a elaborar outras possibilidades de pensar sobre a história da Educação Infantil.

1.PENSANDO NAS CONTRIBUIÇÕES DE MICHEL FOUCAULT PARA A PESQUISA

Para começar este estudo, consideramos importante iniciar contextualizando Foucault e a sua obra. Esse importante intelectual francês, cujo pensamento atravessa campos como o da Filosofia, da História, da Sociologia, do Direito e da Psicologia, parte de uma política radical feita pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche para pensar a Modernidade.

Ao se apropriar do pensamento nietzschiano, Foucault começa a problematizar seu próprio pensamento e passa a questionar acontecimentos dados como tão certos e consumidos lá no século XIX. Ele questiona, por exemplo, a ciência, a qual governa a nossa vida e vai determinando a forma como olhamos o mundo.

Desse modo, Foucault problematiza as grandes verdades que estão contidas nos discursos modernos, que nos habitam e que produzimos como legítimas, como certas, e nem questionamos sobre elas. Problematizando estas verdades, Foucault coloca uma interrogação para nós – a grande pergunta que ele toma emprestado de Nietzsche: “Como nos tornamos aquilo que somos?”. Nesse sentido, Foucault preocupa-se com a constituição do sujeito moderno, ou seja, como ele se constitui o que é.

Partindo disso, uma de suas preocupações foi olhar para partes que muitas vezes a sociedade não olhava: o periférico, o marginal, o menor, isto é, as bordas que produziram e produzem a sociedade ocidental. Uma boa ilustração disso está na forma como ele analisa a instituição penal. Enquanto a grande maioria dos pesquisadores da sua época está preocupada em olhar para os presídios como uma grande instância governamental, Foucault percebe-os enquanto uma instituição de sequestro. Ampliando o seu olhar para além da análise da instituição como um todo ou para os discursos

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constituídos pelos sujeitos não presidiários sobre a prisão, Foucault preocupa-se em entender como é que os prisioneiros vêm se constituindo enquanto sujeitos dentro dessa instituição (FOUCAULT, 1987). Sendo assim, a sua preocupação está em evidenciar que instituição é essa, a que ela serve dentro da sociedade e como são constituídos os sujeitos dentro e fora dela a partir dos discursos instituídos pelo sistema carcerário.

Desse modo, entendemos Foucault muito mais como um pesquisador analítico do que prescritivo. Seu interesse não está em dizer o que somos ou o que deveríamos ser, mas em pensar como nos tornamos o que somos como sujeitos de saber e de poder na atualidade.

Para pensar um pouco mais sobre o trabalho de Michel Foucault, trazemos as contribuições de Veiga-Neto (2003). Conforme o autor, há três fases que podemos trabalhar como método4 em Foucault: Ser-Saber; Ser-Poder; e Ser-Consigo. A seguir passamos a discorrer um pouco sobre elas, com o intuito de apresentar um breve panorama do trabalho desenvolvido pelo filósofo.

A primeira fase trata-se do domínio arqueológico, e compreende o sujeito do saber enquanto sujeito que está fabricado por diferentes saberes instituídos na sociedade moderna ocidental. Nesse domínio, segundo o autor, a grande pergunta de Foucault é: “Como nos constituímos sujeitos tramados por diferentes discursos de saberes diferentes da nossa época?”

Desta fase, Veiga-Neto (2003) destaca: História da Loucura na Idade Clássica (1961), Nascimento da Clínica (1963) e As Palavras e as Coisas (1966). Nesses três primeiros livros, a preocupação de Foucault é entender como um determinado discurso se torna um discurso potente e verdadeiro na sociedade dado pela constituição de um campo do saber.

Para ilustrar nos detemos em História da Loucura, que é a tese de doutorado de Foucault. Neste livro, ele faz uma problemática de como a loucura se torna um saber importante na sociedade ocidental. Para tanto, desconstrói a ideia de que o nascimento da loucura deva-se ao nascimento da medicina.

A experiência clássica da loucura nasce. A grande ameaça surgida no horizonte do século XV se atenua, os poderes inquietantes que habitavam a pintura de Bosch perderam sua violência. Algumas formas subsistem, agora transparentes e dóceis, formando um cortejo, o inevitável cortejo da razão. A loucura deixou de ser, nos confins do

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Não há consenso quanto à pertinência do termo “método” aplicado aos estudos foucaultianos. Contudo, trazendo as contribuições teóricas de Veiga-Neto (2009 e 2010), sustentamos que há sentido na expressão métodos foucaultianos, dependendo da concepção de método que se tem.

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mundo, do homem e da morte, uma figura escatológica; a noite na qual ela tinha os olhos fixos e da qual nasciam as formas do impossível se dissipou. O esquecimento cai sobre o mundo sulcado pela livre escravidão de sua Nau: ela não irá mais de um aquém para um além, em sua estranha passagem; nunca mais ela será esse limite fugidio e absoluto. Ei-la amarrada, solidamente, no meio das coisas e das pessoas. Retida e segura. Não existe mais a barca, porém o hospital. (FOUCAULT, 1972, p. 42).

Assim, conforme Foucault, muito antes da medicina se debruçar sobre o louco, a loucura já existia na sociedade, mas era tratada de outra forma.

Outra obra que fazemos questão de mencionar é Arqueologia do Saber (1969). Este livro aborda sobre o método de trabalho que Foucault apresenta nos três livros que citei anteriormente (História da Loucura na Idade Clássica, Nascimento da Clínica e As Palavras e as Coisas). Nessa obra, Foucault evidencia que se propôs a realizar uma análise do discurso.

Podemos destacar a Análise do Discurso como um caminho, uma possibilidade de Foucault para olhar para o material empírico. Para Foucault, discurso é um grande conjunto de verdades que habitam em um determinado tempo e lugar. E, são estes discursos que constituem a sociedade ocidental.

Essas formas prévias de continuidade, todas essas sínteses que não problematizamos e que deixamos valer de pleno direito, é preciso, pois, mantê-las em suspenso. Não se trata, é claro, de recusá-las definitivamente, mas sacudir a quietude com a qual as aceitamos; mostrar que elas não se justificam por si mesmas, que são sempre o efeito de uma construção cujas regras devem ser conhecidas e cujas justificativas devem ser controladas; definir em que condições e em vista de que análises, algumas são legítimas; indicar as que, de qualquer forma, não podem mais ser admitidas (FOUCAULT, 2002, p. 29).

Com essa citação, Foucault evidencia o quanto lhe interessa entender os discursos que são tomados como verdade e nos fabricam enquanto sujeito, e que tomamos de uma forma tão tranquila e nem problematizamos mais o que dizem. Assim, Foucault analisa os discursos que estão presentes na sociedade e problematiza como nos tornamos sujeitos a partir desses discursos estabelecidos. Para ele, “um discurso é um conjunto de enunciados que se apoia em um mesmo sistema de formação” (FOUCAULT, 2002, p.124).

A segunda fase, ser-poder, compreende o domínio genealógico. Vale salientar que em nenhum momento Foucault abandona a arqueologia (VEIGA-NETO, 2003). Muito pelo contrário, ele percebe que esse campo de saberes, que ele até então analisou,

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é possível de se tornar um campo legítimo porque existe outro elemento que é tramado nele: as relações de poder. Com isso, Foucault ajuda-nos a compreender que se alguns discursos são instituídos como verdadeiros e outros como ilegítimos é porque estão entrelaçados por relações de poder.

Desta fase, podemos destacar: A Ordem do discurso (1970)5; Vigiar e Punir

(1975)6; A vontade de saber (1976)7; Microfísica do poder (1979)8. Nestas obras,

Foucault toma o poder como uma das ferramentas importantes para entender a constituição do sujeito moderno. Assim, a pergunta colocada neste domínio é: “Como nos tornamos aquilo que somos enquanto sujeito de poder?”. Em outras palavras, “Como nos constituímos sujeitos estabelecidos pelas relações de forças que nos constituem e que fazem com que aceitemos alguns discursos como legítimos e rechacemos outros?”.

Poder, na perspectiva de Foucault, se difere da vertente crítica, que o entende como algo que reprime. Para ele, o poder é produtivo, ou seja, produz coisas e não está localizado em um determinado espaço (como no Estado ou em uma instituição específica) nem num sujeito (como no diretor da escola, por exemplo). Assim, ele critica esse entendimento e problematiza que o poder é muito mais da ordem da produtividade do que da negação. Para ele, “o poder não é uma instituição nem uma estrutura nem uma certa potência da qual alguns seriam dotados, é o nome que damos a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada” (FOUCAULT, 1988, p. 103). Nesse sentido, podemos dizer que o poder não está localizado em um único ponto. Ao contrário disso, ele está disseminado nas relações humanas.

Desse modo, para Foucault, o poder só pode acontecer entre pessoas livres. Trata-se, portanto, de relação, pois somente numa continuidade de ação é que o poder pode se colocar. Afinal, conforme Foucault (1995), o poder só pode ser efetivado se tivermos a possibilidade de aceitá-lo ou negá-lo. Quando alguém não tem a possibilidade de resistir a ele não é poder, é violência.

Cabe estabelecer aqui, ainda que brevemente, a diferenciação entre poder e violência. Conforme Foucault (1995), uma relação de violência é aquela que age sobre o

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Este livro consiste na aula inaugural de Foucault no Collège de France.

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Nesta obra, Foucault seleciona diferentes instituições, chamadas por ele de instituições sequestro, tais como: escolas, manicômios, hospitais, fábricas e presídios. Para ele, todas elas são instituições que capturam o corpo do sujeito por determinado tempo para poder adestrá-los, para poder tornar esses sujeitos cada vez mais dóceis em múltiplas sociedades, por isso são instituições de sequestro.

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Este é o primeiro livro da trilogia História da sexualidade

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corpo, pela submissão de uns pelos outros. Já uma relação de poder diz respeito às ações que se exercem sobre as ações do outro. Assim, enquanto a violência força, quebra, destrói e fecha todas as possibilidades, uma relação de poder reconhece e mantém aquele sobre o qual ela se exerce como o sujeito de ação, abrindo possibilidades para reações, efeitos e invenções possíveis. É por isso que uma relação de poder exige uma negociação e, na maioria das vezes, se dá com o consentimento do outro, enquanto que a relação de violência se estabelece por si mesma e implica o cerceamento do corpo.

Nas palavras de Veiga-Neto (2006, p. 17), “relações de violência e relações de poder podem ser compreendidas como modalidades de relações de dominação e tais modalidades são qualitativamente – e não quantitativamente – diferentes uma da outra”. Seguindo essa perspectiva, podemos dizer que ambas constituem-se em uma relação de dominação. Porém, o que diferencia uma técnica de governamento da outra é a forma como ela se estabelece: ou é violenta ou é poderosa.

Conforme menciona o autor, o poder disciplinar não visa a repressão, mas a produção de uma positividade nos indivíduos através dos quais ele passa. Já a dominação por meio da violência, ao contrário, se dá como uma ação repressiva, muitas vezes sufocante e imobilizante (VEIGA-NETO, 2006).

Já na terceira fase, ser-consigo ou domínio da ética, é a parte que Foucault menos escreve. Nesta fase temos os outros dois volumes da História da Sexualidade: O uso dos prazeres (1984) e O cuidado de si (1984); e algumas das aulas do Collège de France: O governo de si e dos outros (1983) e A coragem da verdade (1984). Neste domínio a ênfase de Foucault está em questionar: “Como nos tornamos aquilo que somos, enquanto sujeitos de ética?”

Feita esta breve contextualização sobre Michel Foucault e sua obra, é possível dizer que a arqueologia, a genealogia e a ética são métodos de trabalho de Foucault. À medida em que ele vai escolhendo esses métodos para trabalhar pelo fio condutor que é o sujeito, ele amplia o seu trabalho teórico sem abandonar os estudos anteriores. Assim, arqueologia, genealogia e ética são igualmente importantes para se entender a constituição do sujeito.

Para Foucault, o sujeito constituído de uma identidade única, estável e permanente é uma invenção do iluminismo. Através de suas obras, Foucault nos leva a compreender que, muito antes de uma identidade que nos fixa em um determinado lugar, existem diferentes posições de sujeitos: o sujeito mãe/pai, o sujeito profissional, o sujeito professora/professor, o sujeito homem/mulher.

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Na perspectiva teórica de Foucault, o termo sujeito é utilizado porque o ser humano está sempre assujeitado aos discursos e práticas instituídas na sociedade. Nas palavras do autor: “há dois significados para a palavra sujeito: sujeito a alguém pelo controle e dependência, e preso à sua própria identidade por uma consciência ou autoconhecimento. Ambos sugerem uma forma de poder que subjuga e torna sujeito a.” (FOUCAULT, 1995, p. 235). Assim, podemos dizer que nos constituímos a partir de regras estabelecidas na sociedade que são instauradas por discursos de verdade.

Considerando isso, neste estudo pretendemos nos aproximarmos mais da genealogia. De acordo com Veiga-Neto (2003, p. 71), a genealogia se propõe a fazer “uma descrição da história das muitas interpretações que nos são contadas e que nos têm sido impostas. Com isso, ela consegue desnaturalizar, dessencializar enunciados que são repetidos como se tivessem sido descobertas e não invenções”. Cabe destacar que, nesta pesquisa, não temos a pretensão de realizar um estudo genealógico. Pretendemos tecer, apenas, algumas aproximações com este olhar.

A seguir, abordamos sobre a compreensão de história da qual nos aproximamos para a realização deste estudo. É válido ressaltar que, ao repensar esse campo do saber, começamos a provocar nosso pensamento a elaborar outras possibilidades de pensar sobre a história da Educação Infantil.

2. EM FOUCAULT: outras possibilidades de pensar história

Neste momento, passamos a tecer alguns apontamentos acerca do entendimento de História para Foucault, buscando as contribuições dos estudos genealógicos para compreendermos as condições históricas do atendimento às crianças de 0 a 3 anos, no Município do Rio Grande - RS, que fizeram emergir determinadas práticas do presente.

O modo de Foucault fazer história se distingue da maioria dos historiadores. Enquanto estes buscam a gênese de um determinado fato, Foucault se distancia desse propósito. Ele é um pesquisador que não se ocupa em buscar a origem fundadora de um acontecimento. Em suas palavras, uma pesquisa da origem:

se esforça para recolher nela a essência exata da coisa, sua mais pura possibilidade, sua identidade cuidadosamente recolhida em si mesma, sua forma imóvel e anterior a tudo o que é externo, acidental, sucessivo. Procurar uma tal origem é tentar reencontrar “o que era imediatamente”, o “aquilo mesmo” de uma imagem exatamente adequada a si; é tornar por acidental todas as peripécias que puderam ter acontecido, todas as astúcias, todos os disfarces; é querer tirar

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todas as máscaras para desvelar enfim uma identidade primeira (FOUCAULT, 1979, p. 17)

Com estas considerações, parece-nos claro que fazer história, para Foucault, não significa revelar um ponto inicial de onde tudo decorre, nem mesmo buscar no passado a sua essência. Ao contrário disso, Foucault constrói outros caminhos de se fazer história dando ouvidos aos seus acasos, suas contradições e suas dispersões.

Afastando-se de uma história das origens, Foucault propõe uma história do presente, uma história que podemos chamar de genealógica. Para Foucault,

a genealogia não pretende recuar no tempo para restabelecer uma grande continuidade para além da dispersão do esquecimento; sua tarefa não é a de mostrar que o passado ainda está lá, bem vivo no presente, animando-o ainda em segredo, depois de ter imposto a todos os obstáculos do percurso uma forma delineada desde o início. Nada que se assemelhasse à evolução de uma espécie, ao destino de um povo. (FOUCAULT, 1979, p. 21).

Como podemos observar, não existe pesquisa em Foucault que se preocupe em olhar a história simplesmente pela a história, pelo passado, mas em olhar para coisas que inquietam o nosso presente. Cabe dizer que Foucault é um pesquisador que se preocupa com a atualidade. Conforme Rago (2005, p.263), a relação de Foucault com a história é “estabelecida a partir de um problema que se coloca no presente e, para a resolução, necessita voltar-se ao passado”. Passado este, que também não é visto como embrionário, mas como “lugar do acontecimento, da emergência em uma singularidade, a partir da disputa de forças em conflito (RAGO, 2005, p. 263).

Assim, com a genealogia aprendemos “que atrás das coisas há ‘algo inteiramente diferente’: não seu segredo essencial e sem data, mas o segredo que elas são sem essência, ou que sua essência foi construída peça por peça a partir de figuras que lhe eram estranhas” (FOUCAULT, 1979, p. 18). É nesse sentido que, segundo Foucault, o objeto próprio da genealogia é marcado melhor por termos como proveniência e emergência do que origem.

De acordo com Foucault (1979, p. 20), a proveniência permite “reencontrar sob o aspecto único de um caráter ou de um conceito a proliferação dos acontecimentos através dos quais (graças aos quais, contra os quais) eles se formaram”. Além disso,

Seguir o filão complexo da proveniência é [...] manter o que se passou na dispersão que lhe é própria: é demarcar os acidentes, os ínfimos desvios – ou ao contrário as inversões completas – os erros, as falhas na apreciação, os maus cálculos que deram nascimento ao que existe e tem valor para nós; é descobrir que na raiz daquilo que nós

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conhecemos e daquilo que nós somos – não existe a verdade e o ser, mas a exterioridade do acidente (FOUCAULT, 1979, p. 21).

Desse modo, a genealogia, como análise da proveniência, está no ponto de articulação da superfície de inscrição dos acontecimentos com a história (FOUCAULT, 1979). Aliada a essa compreensão está o entendimento de emergência. Para Foucault (1979, p. 24), a emergência é:

a entrada em cena das forças; é sua irrupção, o salto pelo qual elas passam dos bastidores para o teatro, cada uma com o vigor e a sua própria juventude. [...] Ninguém é, portanto, responsável por uma emergência; ninguém pode se autoglorificar por ela; ela sempre se produz no interstício.

Com isso, Foucault nos conduz a pensar que fazer uma história do presente não significa estudar as instituições atuais em função de uma época passada nem mesmo buscar desvendar em épocas passadas práticas semelhantes a situações do presente. Diferente disso, Foucault nos leva a perguntar “Como chegamos aqui?”. Como eram as práticas de atendimento à infância nos períodos mais antigos e como chegaram a ser o que são na contemporaneidade?

Conforme destaca Veyne (2008, p. 208):

A história-genealogia a Foucault preenche, pois, completamente o programa da história tradicional; não deixa de lado a sociedade, a economia, etc., mas estrutura essa matéria de outra maneira: não os séculos, os povos nem as civilizações, mas as práticas; as tramas que ela narra são a história das práticas em que homens enxergaram verdades e das suas lutas em torno dessas verdades.

Assim, tomando a genealogia como uma forma de olhar para o presente, Foucault inspira-nos a buscar na história das creches, não sua origem, mas suas condições de possibilidade. Com isso, percebemos a utilidade dos termos proveniência e emergência para a pesquisa que nos propomos a desenvolver.

Lançar um olhar genealógico para o atendimento à infância no Rio Grande pressupõe considerar acontecimentos diversos cujas convergências e divergências possibilitaram a emergência das práticas e formas de racionalização que configuram as creches no contexto contemporâneo. Como mencionam Henning e Lockmann (2010, p. 115):

Isso pressupõe tomar a história como um a priori, como único a priori possível e despedir-se de todos os demais. Ou seja, é entender que não há algo a ser desvendado ou descoberto como a sua essência, sua

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origem ou a sua natureza. O que há é uma história que possibilitou sua emergência.

Outra questão importante no entendimento de história para Foucault, é que ele “questiona a concepção de uma história linear e contínua” (FISCHER, 1996, p. 56). Ele “trabalha com uma perspectiva de história que não é linear nem cíclica, pois ela congrega o antigo para fomentar não necessariamente o novo, mas, sobretudo, o impensado” (SANT’ANNA, 2008, p. 86).

Nesse sentido, em lugar de buscar uma história totalitária, cronológica e linear de todos os fatos que se referem à constituição das creches no Município do Rio Grande, nossa intenção é realizar recortes de alguns acontecimentos, o que equivale dizer que alguns terão destaques enquanto outros se quer serão mencionados, tal como nos lembra Bauman (2005, p. 26).

Histórias são como holofotes e refletores – iluminam partes do palco enquanto deixam o resto na escuridão. Se iluminassem igualmente o palco todo, de fato não teriam utilidade. [...] É missão das histórias selecionar, e é de sua natureza incluir excluindo e iluminar lançando sombras. É um grave equívoco, além de uma injustiça, culpar as histórias por favorecerem uma parte do palco e negligenciarem outra.

Seguindo essa perspectiva, quando questionamos sobre a história das creches no Município do Rio Grande, não tencionamos localizar a gênese e a verdade que delimita seu único início possível. Ao contrário disso, nossa intenção está em buscar na história as distintas condições que possibilitaram a constituição das instituições de cuidado/educação às crianças de 0 a 3 anos.

Assim, considerando nossa intenção de pesquisa, sentimos a necessidade de olhar para a história das creches no Município do Rio Grande com a finalidade de entender como chegamos a pensar e a agir de determinado modo nos dias de hoje. Ao olhar para o passado, tencionamos historicizar determinadas práticas atuais. Como menciona Foucault (1984, Dits et Écrits, IV, p. 449, apud RAGO, 2005):

a história tem por função mostrar que aquilo que é nem sempre foi, isto é, que é sempre na confluência de encontros, acasos, ao longo de uma história frágil, precária, que se formaram as coisas que nos dão a impressão de serem as mais evidentes. Aquilo que a razão experimenta como sendo sua necessidade, ou aquilo que antes as diferentes formas de racionalidade dão como sendo necessária, podem ser historicizadas e mostradas as redes de contingência que as fizeram emergir.

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Assim, nossa intenção não é narrar a história da Educação Infantil apoiadas em grandes acontecimentos, tidos como universais. Ao contrário disso, o que pretendemos é historicizar determinadas práticas que se materializam em documentos e registros locais e que nos permitam construir novas problematizações para o presente. Para isso, escolhemos mapear algumas práticas ocorridas nas instituições de atendimento à infância do Município do Rio Grande, em cada época histórica, evidenciando a operação de uma determinada racionalidade política.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2005.

FISCHER, Rosa Maria Bueno. A paixão de trabalhar com Foucault. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Caminhos investigativos: novos olhares na pesquisa em educação. 2.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1996. p.37-60.

FOUCAULT, Michel. História da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1972.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 5 ed. Petrópolis: Vozes, 1987.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: A Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

FOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, Hubert e RABINOW, Paul. Michel Foucault. Uma Trajetória Filosófica: Para Além do Estruturalismo e da Hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

HENNING, Paula Corrêa. LOCKMANN, Kamila. Provocações no campo da História: Nietzsche e Foucault pensadores do presente. In: Revista Contrapontos - Eletrônica, Vol. 10 - n. 2, 2010. p. 113-120.

RAGO, Margareth. Libertar a história. In.: RAGO, Margareth; ORLANDI, Luis Lacerda e VEIGA-NETO, Alfredo (Orgs). Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias nietzschianas. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Michel Foucault e os paradoxos do corpo e da história. In: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz; VEIGA-NETO, Alfredo; SOUZA FILHO, Alípio de (orgs.). Cartografias de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

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VEYNE, Paul. Como se escreve a história e Foucault revoluciona a história. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008.

VEIGA-NETO. Alfredo. Foucault e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

VEIGA-NETO, Alfredo. Dominação, violência, poder e educação escolar em tempos de Império. In: RAGO, Margareth e VEIGA-NETO, Alfredo (orgs.). Figuras de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

VEIGA-NETO. Alfredo. Teoria e método em Michel Foucault (im)possibilidades. Cadernos de Educação. FaE/PPGE/UFPel | Pelotas [34]: 83 - 94, setembro/dezembro, 2009.

VEIGA-NETO, Alfredo; LOPES, Maura Corcini. Há teoria e método em Michel Foucault? Implicações educacionais. In: CLARETO, Sônia Maria; FERRARI, Anderson (org.). Foucault, Deleuze & Educação. Juiz de Fora: UFJF, 2010.

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