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UGANDENSES E TANZANIANOS DO AL-SHABAAB UM OLHAR À DIMENSÃO INTERNACIONAL DO CONFLITO EM CABO DELGADO

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UGANDENSES E TANZANIANOS

DO AL-SHABAAB

UM OLHAR À DIMENSÃO INTERNACIONAL

DO CONFLITO EM CABO DELGADO

Sérgio Chichava

INTRODUÇÃO

O conflito militar que, desde 5 de Outubro de 2017, se abate sobre Moçambique, com particular incidência na província de Cabo Delgado e protagonizado por um grupo localmente conhecido por Al-Shabaab, cuja pretensão é substituir o Estado laico por um Estado regido pela Sharia, tem sido regularmente descrito pelas autoridades moçambicanas como tendo, além de uma dimensão interna, uma componente externa. Desde o início do conflito, as autoridades locais falam da prisão ou da procura de vários estrangeiros que estariam a treinar, financiar e dirigir a «insurgência» em Cabo Delgado com vista a retardar o desenvolvimento do País e a explorar ilegalmente diversos recursos naturais. De entre os diversos estrangeiros frequentemente mencionados, o destaque vai para tanzanianos e ugandenses. Por seu turno, o Al-Shabaab tem vindo a reclamar uma dimensão internacional, declarando fidelidade ao Estado Islâmico (EI) ou Daesh. Ao que tudo indica, o Daesh também reconhece o Al-Shabaab, que designa por «soldados do Califado» pertencentes ao Estado Islâmico da Província da África Central (ISCAP, no acrónimo inglês), uma região cujos contornos geográficos ainda não estão bem claros, mas que englobaria actualmente, além Moçambique, a República Democrática do Congo (RDC), País onde está baseado o grupo islamista ugandês Forças Democráticas Aliadas (ADF), que também tem sido apresentado nalguns fóruns como tendo relações com o Al Shabaab em Moçambique, através da presença de alguns dos seus militantes neste País, ou através do recrutamento e treino de jovens moçambicanos na RDC. Com base nos elementos acima, o objectivo deste texto é fazer uma breve análise da componente internacional do Al-Shabaab, olhando para a sua ligação com a Tanzânia, o Uganda e o EI. Mais precisamente, olhando para o perfil dos cidadãos ugandeses e tanzanianos que têm sido referenciados como sendo do Al-Shabaab, o texto procura responder às seguintes questões: quem são os tanzanianos e ugandeses do Al-Shabaab? Como chegaram a Moçambique? O que pretendem? Porque escolheram a província de Cabo Delgado? Será o Al-Shabaab uma filial do Estado Islâmico?

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Para responder a estas questões, primeiro apresenta-se o perfil dos tanzanianos e ugandeses do Al-Shabaab; a seguir, apresentam-se algumas hipóteses sobre as suas pretensões; e, por último, abordam-se alguns elementos sobre a possível ligação do Al-Shabaab ao Daesh ou ao EI.

OS TANZANIANOS DO AL-SHABAAB

A ligação dos tanzanianos ao grupo Al-Shabaab data dos primórdios do ataque armado deste grupo a Mocímboa da Praia a 5 de Outubro de 2017. Na altura, o Governo de Moçambique afirmou que este ataque tinha sido protagonizado por moçambicanos que tinham estudado doutrinas religiosas fundamentalistas na Tanzânia e na Arábia Saudita. Igualmente, afirmava o Governo, dos 308 detidos sob acusação de terem participado naquele ataque, 42 eram cidadãos tanzanianos (Notícias, 2017). De acordo com o Governo, sob falsas promessas de bolsas de estudos para estudar o Islão na Tanzânia, cidadãos tanzanianos têm recrutado jovens moçambicanos para as fileiras do Al-Shabaab. Por exemplo, em Maio de 2019, o Comandante Geral da Polícia, Bernardino Rafael, dizia que as autoridades moçambicanas estavam à procura de Amisse Bacar, um cidadão tanzaniano que recrutava jovens do distrito de Mecula, na província do Niassa com a promessa de bolsas de estudo, mas com o objectivo de os integrar no grupo de insurgentes em Cabo Delgado (Notícias, 2019a). Portanto, a Tanzânia seria o país onde jovens moçambicanos vão estudar doutrinas religiosas fundamentalistas para depois serem integrados nas fileiras do Al Shabaab.

Na descrição do Governo moçambicano, a Tanzânia aparece também como o local de trânsito de jovens moçambicanos e de outros países africanos para a RDC, onde vão receber treino militar com vista a integrarem o Al-Shabaab. Em Maio de 2018, a polícia moçambicana apresentou, em Mocímboa da Praia, um grupo de três jovens moçambicanos alegadamente treinados na RDC e que tinham sido capturados pelas autoridades congolesas e entregues à polícia moçambicana. Um dos jovens dizia que tinha sido aliciado por um tanzaniano para ir à RDC receber treino militar com o objectivo de fazer Jihad em Moçambique:

Um senhor tanzaniano chamado Kiyenda é que me levou para a Tanzânia... para passarmos irmos em Congo [SIC], porque há uns tanzanianos que fugiram em Tanzânia e estão em Congo... para treinar para fazer Jihad... (TVM, 2018a).

Outro jovem que fazia parte dos capturados dizia que tinha sido contactado por dois sheiks, um tanzaniano e outro moçambicano que também era antigo garimpeiro em Montepuez para ir à RDC a fim de receber treino militar e voltar para Moçambique para continuar com a actividade de garimpo (TVM, 2018a).

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Para o Governo moçambicano, o Al-Shabaab seria maioritariamente composto por indivíduos de nacionalidade tanzaniana:

O que temos falado nós das Forças de Defesa e Segurança é apelar para a colaboração, porque os jovens que estão lá... alguns são moçambicanos apesar de maior parte ser oriunda da Tanzânia, mas são moçambicanos que estão a ser enganados para o emprego, e é um emprego que não existe. São enganados para entrar no meandro do crime. Portanto a situação prevalece e nós estamos a trabalhar para a reposição da ordem (O País, 2019).

Invariavelmente, os tanzanianos são também apontados pelo Governo como parte dos cabecilhas do Al-Shabaab. Por exemplo, em Maio de 2020, o Governo de Moçambique afirmou ter abatido dois tanzanianos líderes do grupo armado que atacou o distrito de Macomia(Anacleto, 2020).

Como se pode depreender destes depoimentos, alguns destes tanzanianos, além de serem líderes religiosos, eram antigos garimpeiros que tinham sido expulsos pelas autoridades moçambicanas em princípios de 2017 com vista à implantação da Mozambique Ruby Mining em Montepuez. A crer em depoimentos de várias organizações nacionais e internacionais, a expulsão dos garimpeiros pelas forças policiais foi extremamente violenta, relatando-se casos de assassinatos, abusos sexuais e pilhagem dos bens dos garimpeiros.

Mas o perfil dos tanzanianos do Al-Shabaab não se restringe apenas a líderes religiosos e antigos garimpeiros. Haveria também indivíduos ligados ao fundamentalismo islâmico procurados pela justiça tanzaniana em virtude da prática de vários crimes naquele País, nomeadamente o assassinato de altos funcionários do Estado e membros da polícia que se teriam refugiado em Moçambique entre 2016 e 2017. Por exemplo, em Outubro do 2018, a polícia tanzaniana reportou a detenção de 104 tanzanianos que, além da acusação de prática de vários crimes, se presumia que estavam ligados ao Al-Shabaab e pretendiam estabelecer campos de treino militar em Moçambique.1 De acordo com a polícia tanzaniana, no acto da detenção, alguns

destes criminosos teriam fugido para o Norte de Moçambique, onde se teriam juntado ao Al-Shabaab (Kabendera, 2018). Não era a primeira vez que se falava de tanzanianos que saíam daquele País para se juntarem ao Al-Shabaab em Moçambique. Em Janeiro de 2018, a polícia tanzaniana afirmou ter detido um grupo de cerca de 60 jovens tanzanianos quando tentavam atravessar para Moçambique para se juntarem ao Al-Shabaab (Kabendera, 2018). De realçar que a Tanzânia enfrenta, desde 2012, ataques atribuídos a extremistas islâmicos contra turistas ocidentais, líderes religiosos (muçulmanos moderados e cristãos), políticos e polícias (LeSage, 2014).

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OS UGANDENSES DO AL-SHABAAB

Basicamente, os ugandeses que têm sido apontados como integrantes do Al-Shabaab seriam membros ou colaboradores do ADF, que, desde 1995, tenta derrubar o regime do presidente Yoweri Museveni e implantar um Estado islâmico. Uns teriam entrado em Moçambique vindos do Uganda a fugir das autoridades daquele País após o desmantelamento da Mesquita USAFI em Abril de 2018, acusada de terrorismo e de estar ligada ao ADF; outros teriam entrado em Moçambique vindos da RDC, fugindo da pressão militar dos exércitos congolês, ugandês e da Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO).

1. O DESMANTELAMENTO DA MESQUITA USAFI E A FUGA DE ALGUNS MEMBROS

PARA MOÇAMBIQUE

Os seguidores desta mesquita baseada em Kampala autodenominavam-se Al Khawaaliji (Al khawarij) e defendiam uma versão radical do islão que considerava que todos os outros muçulmanos que não seguiam as suas práticas eram kafirs (descrentes) e evitavam o contacto com eles.2 Acusada de estar envolvida em vários crimes, nomeadamente no assassinato de

vários lideres muçulmanos que não comungavam dos seus valores e de altos funcionários do Estado, com destaque para a procuradora Joan Kagezi e o inspector da polícia Andrew Kaweesi; de pregar mensagens contra o presidente Museveni; de ser um centro de treino para o extremismo islâmico e de ter fortes ligações com o ADF, um movimento que pretende impor um Estado islâmico no Uganda, a mesquita foi desmantelada pela polícia ugandesa a 29 de Abril de 2018, tendo alguns dos seus membros sido mortos e outros capturados.3

Após o raide à mesquita, alguns destes elementos fugiram para Moçambique, sendo um deles, Abdul Rahim Faisal, considerado o líder da mesquita USAFI.4 Faisal, viria a ser preso em

Janeiro de 2019 em Nampula e apresentado à imprensa pela polícia com mais dois outros Ugandeses.5 Entrevistado pela imprensa, Faisal disse que estava em Moçambique para resgatar

o seu líder Abdul Aziz. De acordo com as autoridades moçambicanas, as primeiras cinco armas de fogo usadas no ataque à Mocímboa da Praia no dia 5 de Outubro de 2017 tinham sido trazidas por Faisal e o seu grupo. De acordo com as autoridades moçambicanas, Faisal foi treinado por um cidadão tanzaniano chamado Abdul Aziz, que tinha como objectivo enviá-lo 2 Por exemplo, os membros desta mesquita eram proibidos de responder à saudação de outros muçulmanos que não seguiam

as suas práticas e usavam calças curtas e barba longa (BATTE, 2018). Estas são práticas que também são defendidas pelo Al-Shabaab em Cabo Delgado.

3 Sobre a ligação do ADF ao assassinato de líderes religiosos muçulmanos moderados, ver Nsobya (2016). Sobre a acusação

do assassinato de Joan Kagezi e Andrew Kaweesi, ver Aine (2018, 2019).

4 Faisal é citado como tendo afirmado que Jamil Mukulu, do ADF, era seu líder. Jamil Mukulu foi detido na Tanzânia em

2015 e entregue às autoridades ugandesas, aguardando julgamento.

5 Em Janeiro de 2019, as autoridades ugandesas solicitaram a extradição de seis elementos pertencentes a mesquita Usafi,

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para Moçambique para liderar a actual rebelião em Cabo Delgado.6 Igualmente, Faisal, é tido

como um terrorista extremamente perigoso, pois durante muitos anos teria vivido com o avô no Iémen, onde este estava a receber treino militar junto de grupos terroristas locais.

2. UGANDESES VINDOS DA RDC

Os outros Ugandeses do Al-Shabaab teriam entrado em Moçambique ao fugirem da RDC devido à ofensiva conjunta lançada pelas tropas ugandesas e congolesas no Kivu Norte em finais de 2017, que destruiu inúmeras bases do ADF.7 De realçar que o ADF já estava sob

forte pressão por parte das forças armadas congolesas com apoio da MONUSCO desde 2014, devido à operação Sukola 1, que levou à fuga do seu líder histórico Jamil Mukulu para a Tanzânia (Weeraratne & Recker, 2018).

A presença de ugandeses do ADF em Moçambique foi confirmada por um alto funcionário de segurança ugandês em Abril de 2019. De acordo com este funcionário, o ADF estava a mudar as suas bases da RDC para o Norte de Moçambique, onde, além colaborar com o Al-Shabaab na luta contra o Governo de Moçambique, estaria a usar este País como campo de treino de terroristas ugandeses para derrubar o Governo de Yoweri Museveni (Bagala, 2019a). Pelo facto de o ADF operar na RDC e ter no seu seio militantes congoleses, não é de excluir também a presença destes no seio do Al-Shabaab.

Igualmente, sem mencionar nenhuma ligação destes ugandeses ao ADF, a polícia moçambicana confirmou a sua presença no seio do Al-Shabaab, afirmando que se tratava de muçulmanos que viviam de exploração ilegal de diamantes no leste da RDC e que tinham entrado em Moçambique para recrutar jovens moçambicanos para acções terroristas:

Os líderes saíram da República Democrática do Congo, onde eles estavam lá em algumas mesqui-tas; em Kisangani, em Kivu Norte, em Goma, na República de Democrática do Congo. Onde eles alimentavam-se de diamantes. E porque este grupo sempre foram aqueles que vivem de minerais, tentaram penetrar o nosso País, recrutando os nossos irmãos, treinando-os na República Democrá-tica do Congo (Miguel, 2019).

Na altura, a polícia moçambicana afirmou que estavam detidos na RDC 12 jovens moçambi-canos encontrados em campos de treino de grupos terroristas na RDC (Miguel, 2019). A presença de elementos do ADF em Moçambique foi também sustentada pelo Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, que afirmou que a 6 Abdul Aziz é tido como tendo estado em Moçambique. mais concretamente nas províncias de Cabo Delgado e Nampula,

entre 2015 e 2016. Na altura da detenção, a polícia dizia estar também no seu encalço.

7 Acossado pelas tropas ugandesas, o ADF instalou-se na RDC a partir de 2004. É a partir da RDC que tem efectuado os

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influência deste grupo se estendia à Líbia, Sahel, região do Lago Chade e Moçambique (AFP, 2019). Isto mostra que o ADF é hoje uma organização transnacional.

OBJECTIVO DOS TANZANIANOS E UGANDENSES DO AL-SHABAAB

Para as autoridades moçambicanas, instrumentalizando o Islão e usando o facto de Cabo Delgado ser uma província maioritariamente muçulmana, os tanzanianos e ugandenses que eram antigos garimpeiros recrutavam e treinavam jovens com o objectivo de criar instabilidade no Norte de Moçambique de modo a continuar com a exploração ilegal de recursos minerais à semelhança do que faziam em Montepuez e em algumas partes da província da Nampula. Segundo as autoridades, estes indivíduos estavam a reagir à legalização da actividade mineira feita pelo Estado naquela região em 2017. Em Fevereiro de 2017, foi reportada a expulsão violenta de 1600 tanzanianos, situação que levou o embaixador da Tanzânia a visitar Montepuez para se inteirar do que estava a acontecer e a pedir esclarecimentos junto do Governo moçambicano. Na altura, estimava-se que, se esta expulsão não tivesse impacto nas relações entre os dois países, certamente que iria criar tensões sociais na região fronteiriça (The Economist, 2017).O Ministro dos Negócios Estrangeiros tanzaniano, mesmo reconhecendo a brutalidade com que foi feita a expulsão, afirmava que isso não afectaria as relações entre os dois países.Só em Montepuez, o Governo tanzaniano estimava existirem, na altura, 3000 cidadãos tanzanianos (Tanzania High Commission in Mozambique, Madagascar & Swaziland, 2017).

Outra hipótese avançada pelas autoridades é a de que estes estrangeiros teriam como objectivo impedir a exploração de gás natural em Palma, com vista a criarem um Estado independente, que incluiria alguns distritos de Cabo Delgado e a região Sul da Tanzânia. Esta foi a acusação do Ministério Público moçambicano a um grupo de cidadãos tanzanianos que teriam instalado cinco bases militares em Palma e Mocímboa da Praia em conivência com um empresário sul-africano André Hanekom (Notícias, 2019b).8

Sem negar a versão oficial, pode-se também avançar a ideia de que o objectivo dos tanzanianos e dos ugandeses é usar Moçambique como campo de treino para derrubar os governos dos respectivos países e, depois, implantar a Sharia. À semelhança do Leste da RDC, usado pelo ADF para financiar a guerra graças à exploração ilegal de diamantes, a província de Cabo Delgado terá sido escolhida pela existência de imensos recursos minerais. A este factor, também similar ao Leste da RDC, alia-se o facto de Cabo Delgado ser uma província com fronteiras porosas, fraca presença do Estado e propensa à imigração clandestina. Cabo Delgado tem sido 8 Preso em 2018, sob a acusação de ser um dos financiadores da insurgência em Cabo Delgado, André Hanekom, que sempre

se declarou inocente, viria a falecerno Hospital Provincial de Pemba em Janeiro de 2019 em circunstâncias ainda não esclarecidas.

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não só usada como porta de entrada de indivíduos que procuram chegar à África do Sul, mas também por outros à procura de explorar ilegalmente recursos minerais locais, ou fugindo da justiça nos seus países. Só entre 2011 e 2012, as estatísticas diziam que entravam cerca de 500 imigrantes ilegais por dia naquela província (Notícias, 2015). Uma das razões apontadas pelo Governo do distrito de Mocímboa da Praia para a radicalização dos jovens locais foi a avalanche de migrantes clandestinos de vários países africanos que procuravam chegar à África do Sul, com particular incidência a partir de 2011, facto que foi aproveitado por alguns extremistas radicais islâmicos estrangeiros para se estabelecerem em Moçambique (Diário de Notícias, 2017).

O facto de a província de Cabo Delgado ser próxima da Tanzânia, e por via disso, possuir afinidades etnolinguísticas, históricas e religiosas com aquele País, é outro aspeto a ter em conta. Como mostra o estudo de Habibe, Forquilha & Pereira (2019), além de actores locais, o Al-Shabaab conta com o contributo fundamental dos líderes espirituais oriundos da Tanzânia. Historicamente, os sheiks tanzanianos têm uma grande aceitação no seio da comunidade muçulmana do Norte do País, sobretudo no seio dos jovens. Estes sheiks têm um discurso fervoroso e contundente contra o Estado e contra antigas lideranças religiosas locais, que consideram como descrentes.

O AL-SHABAAB E O ESTADO ISLÂMICO

A primeira vez que o Al-Shabaab foi ligado ao EI foi em Abril de 2018, através de uma notícia publicada pelo jornal sul-africano Lowvelder. De acordo com o Lowvelder, um grupo de mais de 90 militantes, cuja nacionalidade não era indicada e supostamente pertencentes ao EI, vindo de Zanzibar, na Tanzânia, e com o objectivo de reforçar o Al-Shabaab, teria penetrado no território moçambicano através do porto de Nacala na província de Nampula (Lowvelder, 2018). Na altura, a polícia moçambicana desmentiu a informação considerando-a falsa e ameaçando processar o jornal:

… O comando geral da PRM assegura que se trata de uma informação falsa. Medidas estão a ser [...], encetadas para junto do jornal aferir a origem e [...] a fonte e [...] as provas que […] este jornal possa apresentar, de modo que contrarie qualquer indicação. Mas nós estamos seguros, esta-mos categoricamente a afirmar que se trata de uma informação falsa. Por isso, interessa fazer essas démarches, de modo a aferir a fonte deste jornal (TVM, 2018b).

Se a notícia do Lowvelder nunca foi confirmada, o certo é que, cerca de um ano depois, a 4 de Junho de 2019, o EI reivindicou pela primeira vez um ataque do Al-Shabaab ocorrido em Metubi, distrito de Mocímboa da Praia contra as Forças de Defesa e Segurança (FDS)

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moçambicanas. Contudo, e à semelhança da notícia veiculada pelo Lowvelder, a polícia moçambicana negou a ocorrência deste ataque, considerando a notícia como falsa (Notícias, 2019c; VOA Português, 2019). Coincidentemente, este ataque acontecia cerca de dois meses depois de o EI ter reivindicado um ataque às forças armadas congolesas, declarando que este País fazia parte do ISCAP.

Entretanto, foi apenas em Abril de 2020, que as autoridades moçambicanas reconheceram que os ataques terroristas em curso eram do EI (Conselho Nacional de Defesa e Segurança, 2020). Isto acontecia alguns dias depois de o Al-Shabaab ter atacado e ocupado momentaneamente as sedes dos distritos de Mocímboa da Praia e Quissanga, onde içou uma bandeira semelhante à do EI. Estes ataques também foram reivindicados pelo EI. Igualmente, a declaração do Governo moçambicano ocorria após a revindicação pelo EI de um ataque à uma posição das FDS no distrito de Muidumbe.

Contudo, notícias sobre a existência de redes terroristas em Moçambique datam de muito antes de Outubro de 2017. Por exemplo, em 2010, a polícia moçambicana desmentiu uma notícia publicada pelo jornal sul-africano Sunday Times que afirmava existirem em Moçambique, mais concretamente nas províncias de Tete e Nampula, campos de treino militar do Al-Shabaab (da Somália) e Al Qaeda. Na altura, segundo o jornal sul-africano, que citava a Fundação NEFA (Nine Eleven Finding Answers Foundation), dizia-se que o objectivo destes terroristas era inviabilizar o campeonato mundial de futebol que estava a ser organizado pela África do Sul (Sapo Notícias, 2010).

CONCLUSÃO

Falar da dimensão internacional do grupo islamista Al-Shabaab, que desde 2017 ataca Moçambique era o objectivo primário deste artigo. Dos factos descritos ao longo do texto, pode-se concluir que há algumas evidências de que o Al-Shabaab está em processo de se tornar uma organização terrorista islamista transnacional à semelhança do ADF, que não só opera na RDC, mas também tem ligações com extremistas tanzanianos, por exemplo; ou seja, que este grupo é composto não só por moçambicanos, mas também por combatentes estrangeiros de diversas nacionalidades. Outro aspecto que sobressai do texto é que, além de ter ligações com outras organizações terroristas, como o ADF no Uganda, o Al-Shabaab tem ligações com tanzanianos radicais islamistas que têm protagonizado ataques ao Estado tanzaniano. No entanto, a ligação com o Daesh/EI, parece ainda difícil de verificar, mesmo que haja algumas evidências que sugiram que o ADF tem uma relação com aquele grupo islamista e ainda que o Al-Shabaab tenha frequentemente mostrado fidelidade ao EI içando a bandeira deste grupo nos diversos locais da província de Cabo Delgado onde tem feito ataques.

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REFERÊNCIAS

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Referências

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