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OS “NOVOS SUJEITOS DE DIREITO”, A NOVA ENTIDADE FAMILIAR, SUA INCLUSÃO SOCIAL PRECÁRIA E INSTÁVEL, EM FACE À ONTOLOGIA DA TOTALIDADE E AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

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OS “NOVOS SUJEITOS DE DIREITO”, A NOVA ENTIDADE

FAMILIAR, SUA INCLUSÃO SOCIAL PRECÁRIA E INSTÁVEL, EM

FACE À ONTOLOGIA DA TOTALIDADE E AO PRINCÍPIO

CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Aimbere Francisco Torres1. Sumário: 1. Introdução. 2. Os “novos sujeitos de direito” em face do ideal normativo. 3. A revelação do Sujeito Negado. 4. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na Constituição Federal de 1.988. 5. A nova família advinda com a Constituição de 1.988. 6. A possibilidade legal da adoção por pares homossexuais. 7. Conclusão. 8. Referências.

RESUMO

O presente trabalho tem como finalidade demonstrar que em nosso ordenamento jurídico é perfeitamente admissível o reconhecimento como entidade familiar das uniões de pessoas do mesmo sexo, bem como, ser esta união merecedora de proteção de tutela estatal, desde que tenham como pressuposto a publicidade, continuidade e intenção de constituir família, o que por decorrência irá permitir-lhes a possibilidade jurídica de postularem em conjunto o direito à adoção. Com efeito, em uma sociedade moderna, impossível ignorar-se o direito à paternidade desses “novos sujeitos de direito”, que buscam com fundamento no afeto a constituição de

1 Advogado em Bauru, Especialista em Direito Privado pela Instituição Toledo de Ensino (ITE) –

Bauru/SP, Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual de Direito do Norte Pioneiro – Campus de Jacarezinho/PR, Professor da Faculdade de Direito de Bauru – Instituição Toledo de Ensino (ITE) – Bauru/SP, Professor da Faculdade de Direito de Ourinhos – Ourinhos/SP, Professor da Universidade Paulista de São Paulo – UNIP – Campus de Bauru/SP, Professor da Escola da Magistratura do Paraná – Núcleo de Jacarezinho/PR, Professor do Curso de Pós Graduação da Faculdade Arthur Thomas de Londrina – Londrina/PR.

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uma família e, por conseguinte o direito a paternidade e a felicidade. Ademais, não se pode perder de mira, o fato de que hodiernamente o conceito de paternidade advém do estado de filho, não mais exclusivamente dos laços biológicos. De outro lado, estudos especializados indicam a inexistência de qualquer inconveniente para que as crianças que se encontram institucionalizadas ou abandonadas pelas ruas de nossas cidades, assediadas quase que diuturnamente pelas mazelas do tráfico e do crime organizado, diante da inegável falência de nosso Estado de Direito, possam ser adotadas por casais homossexuais, permitindo-lhes através do afeto recebido no meio familiar onde serão inseridas, o resgate de sua dignidade humana, tornando factível o sonho de serem cidadãos, numa sociedade onde a elite dominadora e totalitária procura, a todo custo, excluí-las, pois em sua concepção encontra-se presente um suposto direito de não ser incomodada pela alteridade marginalizada.

PALAVRA CHAVE

Dignidade da Pessoa Humana – Sociedade Afetiva Homossexual – Adoção.

ABSTRACT

The present work has as purpose to demonstrate that in our legal system it is perfectly permissible to recognize as familiar entity, the unions of people of the same sex, this union to be deserving of state protection, since that they have as estimated the advertising, continuity and intention to constitute family, what consequently it will go to allow legal possibility them to claim together the right to it to the adoption. With effect, in a modern society, impossible to ignore the right to the paternity of these “new citizens of right”, that they search with bedding in the affection the constitution of a family and, consequently the right the paternity and the happiness. Moreover, if cannot lose of aiming, the fact of that currently the paternity concept comes of the son state, no more exclusively from the relations biologic. Of another side, specialized studies indicate the inexistence of any inconvenience so that the children who if find institutionalized or abandoned by the streets of our cities, persecuted about which daily by insults of the traffic and the organized crime, front the undeniable failure of our State of Right, can be adopted by homosexuals couples, allowing by the affection received in the middle of familiar where will be included,

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redeem their human dignity, becomes possible the dream of we’ll become citizens, on a society where the dominant and totalitarian elite tries out of all the forms their exclusion, as believes have the supposed right of not to be bothered for these people what lives on the margin from society.

KEY-WORDS

Dignity of the human being – Homosexual Affective Society – Adoption.

1 INTRODUÇÃO

Com o advento da pós-modernidade, ou como pretendem alguns, da hipermodernidade, encontra-se o legislador pátrio diante da impostergável tarefa de positivar comportamentos decorrentes dos novos paradigmas sociais e, por conseguinte, em reconhecer, de forma concreta, como cidadãos, “novos sujeitos de direito”, que passaram não só a reclamar, mas também a exigir uma atuação efetiva do ordenamento jurídico brasileiro.

Sujeitos estes que, até então, viviam no entorno de uma sociedade, cuja principal característica é a da totalidade, ou seja, em não reconhecer o outro, o fora da totalidade ou o diferente, aquele subsumido na totalidade, pelo simples fato de não se adequarem em seus arquétipos.

Sem sombras de dúvidas, estamos hodiernamente diante do surgimento de uma nova consciência, um valor mais alto se alevanta, a sociedade moderna nos revela situações fáticas que até então se encontravam ocultas em suas entranhas, que por razões sedimentadas no preconceito, ignorava-se sua característica de direito fundamental.

Ora, não se pode mais deixar de reconhecer em nossa sociedade a existência de relações homoafetivas, não se pode mais deixar de reconhecer que é o afeto que une não só essas pessoas, mas sim, todo e qualquer ser humano, não se pode mais deixar de reconhecer o direito subjetivo à paternidade dos pares homossexuais.

Notadamente, se levarmos em consideração o fato de que, a união de pessoas do mesmo sexo, tem como objetivo de vida, como em todos de sua espécie, a busca da felicidade, logo não se pode mais deixar de reconhecer as questões

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patrimoniais e sua característica de entidade familiar, advindos da solidariedade e do afeto existentes nesses relacionamentos.

Incompreensível o comportamento de nosso legislador, explicável tão somente, sob o argumento nada técnico do preconceito, o fato de se manter reticente, e o que é pior, na maioria das vezes, inerte diante das enormes dificuldades encontradas por esses “novos sujeitos de direito”, em verem tutelado e efetivado um direito fundamental, maxime, porque se tratam de cidadãos, quer aceitem, acreditem ou não, os operadores do direito.

Imperioso se faz que, o Poder Legislativo abandone, de uma vez por todas, os paradigmas alicerçados in casu no preconceito, a fim de que com isso, se possa atribuir efetividade a princípios basilares encartados na Constituição Federal: o da dignidade da pessoa humana e da igualdade, o que implica a pensar o ser humano a partir de suas diferenças.

2 OS “NOVOS SUJEITOS DE DIREITO” EM FACE DO IDEAL NORMATIVO POSITIVADO

Com efeito, nosso Poder Judiciário arrasta consigo desde seus primórdios, a concepção kantiniana, para a solução de conflitos de interesses, segundo a qual se aplica uma regra universal a um caso individual, já que o fato particular está contido no geral, ou dito de outra forma, a justiça se realiza por meio de um ideal normativo.

Ao contrário do que se pensa, este modelo de ideal normativo aparentemente simples e admitido como correto de composição de conflitos de interesses, nos obriga a uma reflexão: até onde esta regra geral pode ser legitimamente aplicada perante os sujeitos que não pertencem à categoria da totalidade, ou seja, àqueles seres humanos que vivem no entorno do Estado e por ele ignorado, ou na conceituação de Hannah Arendt, as “displaced persons”.

A manifestação do Outro (alteridade), aqui utilizada na concepção de Dussel, para indicar aquele que se encontra “fora” da totalidade, jamais foi ou será ouvida, o que implica em reconhecer sua total exclusão na participação do processo de elaboração da regra geral.

De outro lado, a maneira mecânica com que se vem dando soluções aos conflitos de interesses, faz surgir em nosso ordenamento jurídico, tutelas jurisdicionais divorciadas do critério-fonte vida humana, ou seja, em nenhum

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momento tem-se levado a efeito as angústias, mazelas, necessidades e a efetiva concretização de sonhos de vida do sujeito concreto-litigante.

Ora, se nosso legislador simplesmente ignora por completo as reivindicações em prol do reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo, bem como possibilitar-lhes a adoção de filhos, por qual charadística razão estariam estes sujeitos submetidos as suas regras?

Por que só aos homossexuais proibir o casamento? Por que só aos parceiros homossexuais proibir o direito a adoção? Por que a submissão de todas as formas de sexualidade e tutela jurídica ao modelo único da relação heterossexual?

Com efeito, as respostas às indagações acima, por certo se encontram na visão obtusa de nossos legisladores, que girando a manivela da história ao contrário, buscam na lógica da totalidade o paradigma do ser.

Na obra do Professor de Filosofia do Direito da Universidade Federal do Paraná, Celso Luiz Ludwig, “Para uma Filosofia Jurídica da Libertação: Paradigmas da Filosofia, Filosofia da Libertação e Direito Alternativo”, está o argumento que serve de alicerce a sustentação da resposta acima:

“Portanto, o eu-sujeito que se apresenta como totalidade constituinte do ser das

coisas, ao nível do abstrato, historicamente é um sujeito-europeu-branco, frente ao qual o restante é objeto de dominação. Na dimensão erótica, o sujeito é o varão; na pedagógica, o sujeito é o adulto. Assim, o que abstratamente se instaura como

subjetividade do sujeito, ao nível mais concreto, se resolve no

sujeito-europeu-branco-varão-adulto. Geopoliticamente Europa; na ideologia racial, branco; na machista, homem; na pedagógica, adulto, e ao nível social, classe dominante. Nessa redução de tudo à Totalidade como sujeito, legitima-se teoricamente a dominação prática..”. (LUDWIG, 2006, p. 131).

Neste sentido argumenta Dussel:

“O mais grave é que esta ontologia diviniza a subjetividade européia conquistadora que vem dominando o mundo desde sua expansão imperial no século XV. ‘O ser é, o não-ser não é’. O ser é a razão européia, o não-ser são os outros humanos. A América Latina e toda a ‘periferia’ ficam por isso, definidas como o puro futuro, como o não-ser, como o irracional, o bárbaro, o inexistente. A ontologia da identidade da razão e da divindade como o ser termina por fundamentar as guerras imperiais de uma Europa dominadora de todos os povos,

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constituídos como colônias, neocolônias ‘dependentes’ em todos os níveis de seu ser”. (DUSSEL, 1986, p. 124).

As citações, embora longas, estão a demonstrar de forma precisa, que esta barbárie persiste até nossos dias, os não-brancos-pobres, os índios, os homossexuais, as crianças e adolescentes que vivem nas ruas ou institucionalizadas em orfanatos, os velhos nas filas infindáveis do SUS, os brancos-pobres, são seres supérfluos e descartáveis, não merecem um lugar no mundo, devem se arranjar em um novo tecido social se quiserem viver.

Verifica-se, pois, ser impossível aplicar-se o ideal normativo, concebido a partir de uma elite dominante, por se encontrar esta totalmente isolada da realidade fática e da história, tanto é verdade que, por séculos ignoram por completo os direitos fundamentais da alteridade, o que torna completamente descabida e ignóbil qualquer discussão crítica do que se deva entender por justiça.

Nossas elites preferem não atribuir à condição de “sujeitos de direito”, a aqueles que não se encontram emoldurados em seus arquétipos, haja vista que, as uniões homossexuais e a adoção por sociedades afetivas homossexuais, não acham um lugar no Direito de Família, a ordem jurídica interna de nosso Estado impede-os de se conectarem com as instituições jurídicas, tendo na igualdade de sexo a premissa justificadora de sua exclusão.

Celso Lafer nos dá a exata extensão dos problemas enfrentados pelos que vivem no entorno de um Estado, adjetivado como Democrático de Direito:

“A convicção, explicitamente assumida pelo totalitarismo, de que os seres humanos são supérfluos e descartáveis, representa uma contestação frontal à idéia do valor da pessoa humana enquanto ‘valor fonte’ de todos os valores políticos, sociais e econômicos e destarte, o fundamento último da legitimidade da ordem jurídica, tal como formulada pela tradição, seja no âmbito do paradigma do Direito Natural, seja no da Filosofia do Direito”. (LAFFER, 1999, p. 19).

Notadamente, se levarmos em consideração o fato de que, os princípios da igualdade, da liberdade, intimidade e os direitos fundamentais se consubstanciam em verdadeiros alicerces do princípio da dignidade da pessoa humana, além de servirem de instrumentos limitadores de tratamento diverso às pessoas, tendo por pressuposto sua orientação sexual.

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3 A REVELAÇÃO DO SUJEITO NEGADO

Essas idéias fizeram surgir uma nova concepção de sujeito, exteriorizadas através das reivindicações de movimentos de libertação, as quais revelaram o sujeito externo ao totalitarismo, embora nosso legislador insista em não reconhecer, ouvir, ou positivar os novos paradigmas exteriorizados em nossa sociedade.

Dito de outra forma existe uma heterogeneidade social, cultural e sexual de cidadãos iguais em dignidade, já que “a cidadania é o direito a ter direitos, pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos não é um dado”. (LAFFER, 1999, p. 22).

Estamos, pois, diante da revelação de um “novo sujeito de direito”, projetado para não mais viver entorno do Estado, mas sim disposto a reivindicar e tornar factível o exercício do direito a lhe permitir o reconhecimento de sua dignidade humana em face do despertar da nova realidade social.

De tal sorte que, as coisas não mais devem ser resolvidas tendo como razão fundante o princípio da universalização, o que demonstra a imediata necessidade de nosso legislador em reconhecer a falta das condições materiais de viver desses sujeitos, que até então eram excluídos de sua totalidade. Os displec persons possuem um lugar “no” e não “entorno” do tecido social.

A tomada de consciência sob a ótica da Teoria da Libertação, impõe um reconhecimento do outro para além do princípio formal da igualdade do ser, ou seja, a ótica agora é de um outro-igual no aspecto negado ou excluído diante da vida concreta de cada sujeito.

A exterioridade é o critério fonte, o sujeito sob o enfoque da situação econômica, social, política, jurídica e outros, no mundo da realidade de cada um. Como se observa, uma vez mais da lição de Celso Ludwig:

“Assim, a premissa é que a vida humana em comunidade é o modo de realidade do

sujeito. O modo de realidade consiste em considerar a vida humana como ela se

apresenta a nós, nas situações concretas do mundo, na idade da globalização e da exclusão. Os juízos descritivos permitem o aparecimento do modo humano de ser –

‘seu modo de realidade’ –, na sua condição empírica, portanto, no momento primeiro. Depois, só depois, pode fundar-se em possíveis juízos de valor. (...) A vida humana é a referência. O que importa, no plano mais concreto, é a produção, reprodução e desenvolvimento da vida de cada sujeito. Essas três determinações

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centrais dão naturalmente à vida do humano. A vida humana em comunidade precisa objetivamente poder satisfazer certas condições, mediações adequadas para viabilizar as determinações mencionadas. Caso contrário haverá negação a aspectos da vida..”. (LUDWIG, 2006, p. 183/185).

Com efeito, o modo de realidade concreta social, econômica e política dos países da América Latina, notadamente do Brasil, não é algo muito complexo de se entender. Tornou-se de somenos importância e, admissível a situação de exclusão de seu povo, já não mais causa qualquer indignação o fato de “outras” pessoas não terem reconhecido seus direitos de humanos.

Não se pode deixar de reconhecer o caráter repugnante do comportamento de nossas elites, porém não se deve ignorar também que esta prática é utilizada desde antes da chegada da Família Real ao Brasil, conforme relato de Charles Boxer:

“(...) os pais e maridos em Salvador eram encorajados pela Igreja a manter suas mulheres e filhas reclusas, como forma de evitar que se expusessem à moralidade relativamente frouxa da cidade. ‘A freqüência da prostituição de escravas e de outros obstáculos para o caminho de uma vida de família completa, tal como o duplo padrão de castidade como o que existia entre maridos e esposas, concorriam para uma grande quantidade de miscigenação entre homens brancos e mulheres de cor. Isso por sua vez, produzia muitas crianças não desejadas que, se viviam e cresciam, tornavam-se vadias e criminosas, vivendo de suas espertezas e à margem da sociedade’. O historiador também se refere à ‘ vergonhosa prática de viverem as senhoras dos ganhos imorais de suas escravas, que não só eram encorajadas, mas compelidas a entregar-se à prostituição’”. (GOMES, 2007, p. 115/116).

Como se verifica, a ausência de uma política social efetiva e o assustador descaso com nossas crianças é uma reminiscência do Brasil Colônia, que perpassou para o Império, instalou-se na República, perpetuando-se aos dias coevos.

A propósito, confira-se o relato do jornalista paranaense de Maringá, Laurentino Gomes:

“A entrega de crianças não desejadas para a adoção era um hábito disseminado no Rio de Janeiro. Os orfanatos e alguns conventos tinham a chamada ‘roda dos enjeitados’ instituição importada de Portugal, na qual era possível depositar um

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recém-nascido sem que a pessoa responsável por esse ato fosse identificada. Em 1.823, a viajante inglesa Maria Graham visitou um asilo no Rio de Janeiro, cuja roda dos enjeitados havia recebido 10000 crianças órfãs num período de nove anos. A maioria tinha morrido antes de encontrar um lar que as acolhesse”. (GOMES, 2007, p. 351).

Em 27 de abril de 2.003, o periódico Correio Brasiliense, publicou matéria onde trouxe dados alarmantes sobre o número de crianças abandonadas no Brasil. Segundo o referido jornal, 25 mil crianças vivem em albergues, 200 mil são órfãs entre 4 e 18 anos, que aguardam adoção, esclarece a matéria ainda, que somente 10 % dos brasileiros aceitam adotar crianças com mais de 10 anos de idade, sendo que 50 % das crianças que aguardam adoção já tem mais de 7 anos de idade.

Diante disso, impõe-se indagar, uma vez mais, por qual charadística razão negar-se o direito à paternidade e ou à maternidade, tendo como base única e exclusiva, o critério da preferência sexual dos adotantes?

A justificativa mais plausível que se possa dar a sociedade, diante da recalcitrância de nosso legislador, em não positivar a adoção por sociedade afetiva homossexual diante da secular realidade social acima consignada, somente pode ter por base o esdrúxulo argumento do preconceito, o qual em nosso país possui o condão de superar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Maxime se levarmos em consideração, o fato de que o artigo 42, do Estatuto da Criança e do Adolescente e o artigo 1.619 do Código Civil de 2.002, possibilitam que pessoas solteiras adotem apenas impondo este último, uma diferença mínima de pelo menos 16 (dezesseis) anos mais velho que o adotado, nada mencionando sobre suas preferências sexuais.

Aliás, ao comentar a respeito do estigma social daquele que é diferente, ou considerado “anormal”, Kelsen argumenta:

“A consciência de ser ‘diferente dos outros’ compele a um doloroso isolamento e, assim, já de início, a uma certa opção hostil à sociedade que não compreende essa singularidade e que não apenas despreza essa feição particular do Eros, como também submete suas manifestações à punição pelo Estado”. (KELSEN, 1998, p. 65)

Verifica-se, pois, que não se encontram definições cultas e profundas aptas a desenvolverem uma doutrina jurídica, a fim de justificar a ausência de legislação no

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sentido de se admitir o casamento e a adoção por pares homossexuais. Isso só vem a reforçar a idéia de que, em matéria de direito, nosso legislador ainda caminha com os olhos voltados na pré-história.

4 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1.988

Os princípios fundamentais em nossa Constituição Federal encontram-se previstos em seu artigo 1º, estabelecendo o legislador, com relação aos direitos fundamentais que, nossa República tem como razão fundante o princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Com efeito, para J.J. Canotilho, não existe outro lugar ideal senão a Constituição para se positivar esses direitos, já que a “positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados ‘naturais’ e ‘inalienáveis’ do indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de Fundamental Rights colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais”. (CANOTILHO, 1999, p. 377)

Preconiza, pois, a Constituição Federal, como seu fundamento maior, a pessoa humana como o sujeito de Direito legitimador de todo o ordenamento jurídico, ou dito de outra forma, a pessoa humana é o valor máximo da República, afastando-se deste modo todo e qualquer fundamento que tenha por alicerce os arquétipos dos Estados Totalitários, qual seja, o pressuposto de que alguns seres humanos possam ser encarados como supérfluos.

Aliás, neste sentido, oportuna é a lição de Celso Lafer:

“A convicção, explicitamente assumida pelo totalitarismo, de que os seres humanos são supérfluos e descartáveis, representa uma contestação frontal à idéia do valor da pessoa humana enquanto ‘valor-fonte’ de todos os valores políticos, sociais e econômicos e, destarte, o fundamento último da legitimidade da ordem jurídica, tal como formulada pela tradição, seja no âmbito do paradigma do Direito Natural, seja no da Filosofia do Direito. O valor da pessoa humana enquanto ‘valor-fonte’ da ordem de vida em sociedade encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem”. (LAFER, 1999, p. 19/20).

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Pela mesma razão, não mais encontra espaço em nosso ordenamento jurídico, o entendimento filosófico e político da Antigüidade Clássica, o qual condicionava a dignidade da pessoa humana à posição social ocupada pelo indivíduo e seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade.

Neste contexto, a dignidade deve ser entendida como uma qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano e, por essa razão irrenunciável e inalienável, posto consubstanciar-se num elemento qualificador do ser humano, bem como, de toda a sua grandeza e superioridade em relação aos demais seres. De tal sorte que, o respeito e a proteção à dignidade da pessoa humana devem se constituir num dos principais objetivos do Estado Democrático de Direito.

Nas mãos de Gustavo TEPEDINO, o princípio da dignidade da pessoa humana ganha contornos de “cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana”, ou dito de outra forma, é o “valor máximo” de nosso ordenamento jurídico, fazendo com que todas as demais relações jurídicas, por ventura derivadas da legislação infraconstitucional, guardem consonância com seu comando.

Depreende-se, pois, dos ensinamentos acima, que o princípio da dignidade humana deita suas raízes no Direito Natural, posto tratar-se de um direito, segundo Celso LAFER, “comum a todos e, ligado à própria origem da humanidade, representaria um padrão geral, a servir como ponto de Arquimedes na avaliação de qualquer ordem jurídica positiva”.

Diante da premissa acima mencionada, sustenta KANT:

“O Homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim e si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim (...) Portanto o valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas nossas ações é sempre condicional. Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam cosias, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio. (...) no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer

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outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade (...)”.

De outro lado, convém ressaltar que, foi com os filósofos gregos, conhecidos como estóicos que a dignidade da pessoa humana ganhou os contornos hodiernos ao considerá-la:

“A qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade, noção esta que se encontra, por sua vez, intimamente ligada à noção da liberdade pessoal de cada indivíduo, (o Homem como ser livre e responsável por seus atos e seu destino) bem como à idéia de que todos os seres humanos, no que diz com sua natureza, são iguais em dignidade”. (SARLET, 2000, p. 30)

Vê-se, pois, que a essência de tal pensamento era o de justificar a idéia de superioridade e grandeza do homem em relação aos demais seres, embora para Tomás de Aquino a noção de dignidade tenha sua origem na divindade, ou seja, no fato de que o ser humano é feito à imagem e semelhança de Deus.

Deste modo, inconcebível a tentativa de fundamentação da dignidade humana estribada na qualidade de cristão, católico, protestante, ou na opção sexual da pessoa humana, ou ainda, na dependência de circunstâncias concretas, posto que inerente a todo humano.

Cumpre salientar ainda que, ao se estabelecer que a dignidade deite suas raízes no direito natural, logo atributo intrínseco da pessoa humana, importa também reconhecer sua irrenunciabilidade, inalienabilidade, além de ser impossível sua obtenção ou remoção por decisão judicial, embora possa ser violada.

Neste contexto, impossível deixar de se reconhecer a estreita relação entre dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, que “adquirem vida e inteligência por meio da dignidade da pessoa, ao passo que esta se realiza e torna efetiva se não pelos direitos fundamentais”. (ROUSSEAU, 1988, p. 70).

É certo que, a família adotiva terá um arquétipo estrutural diverso daquele estereotipado tradicionalmente, ou seja, de um pai e uma mãe, sendo assim, aos olhos dos conservadores, ou porque não dizer, daqueles que insistem em visualizar “o diferente” como algo teratológico, a dignidade não passa de um princípio natimorto inserido na Constituição Federal.

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5 A NOVA FAMÍLIA ADVINDA COM A CONSTITUIÇÃO DE 1.988

Não se pode olvidar que, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário ao tratarem do Direito de Família, o vislumbram por meio de uma visão obtusa e medieval, porquanto atrelada aos nostálgicos retratos de família do século XV e XVI, onde esta se encontra representada na primeira cena pelo marido e na segunda a mulher e seus cinco filhos.

Imperioso se faz despertá-los deste romanesco sonho quixoteniano.

Deve-se abandonar, de vez por toda, sua luta contra imaginários moinhos de ventos, posto que o surgimento de uma nova realidade social, qual seja, as uniões homoafetivas e seu direito a adoção, necessitam urgentemente de um fio condutor que lhes permita conectarem-se juridicamente com o Estado de Direito.

Absorto em seus devaneios deixa passar despercebido nosso legislador, um fato de extrema relevância, qual seja: durante séculos o casamento foi tratado apenas e tão somente como um contrato.

Embora essa degradante realidade ainda permaneça viva em algumas sociedades, notadamente naquelas onde o fanatismo religioso possui o condão de tolher por completo a razão e o discernimento de seus membros.

Para tanto, cite-se como exemplo a sociedade afegã:

“No Afeganistão, mulher apaixonada é tabu. É proibido pelos conceitos de honra rigorosos do clã e pelos mulás. Os jovens não têm o direito de se encontrar para amar, não tem o direito de escolher. Amor tem pouco a ver com casamento, ao contrário, pode ser um grave crime, castigado com a morte. Pessoas indisciplinadas são mortas a sangue-frio. Caso apenas um dos dois tenha de ser castigado com a morte, invariavelmente é a mulher. Mulheres novas são, antes demais nada, um objeto de troca e venda. Um casamento é um contrato entre famílias ou dentro de uma família. A vantagem que o casamento pode ter para o clã é que determina tudo – sentimentos raramente são levados em consideração”. (SEIERSTAD, 2007, p. 55)

De outro lado, na Idade Média, o sentimento de família, a semelhança daquele difundido na velha Roma era inexistente. Isso se deve ao fato de que, os laços de sangue na sociedade medieval, tinham por característica originar grupos distintos, ou seja, de um lado a família e de outro os chamados frereche, conforme destaca Philippe ARIÈS:

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“Somos tentados a comparar essa hipótese com as observações dos historiadores da sociedade medieval. A idéia essencial dos historiadores do direito e da sociedade é que os laços de sangue não constituíam um único grupo, e sim dois, distintos embora concêntricos: a família ou mesnie, que pode ser comparada à

nossa família conjugal moderna, e a linhagem, que estendia sua solidariedade a todos os descendentes de um mesmo ancestral. Em sua opinião, haveria, mais de uma distinção, uma oposição entre a família e a linhagem: os progressos de uma provocariam um enfraquecimento da outra, ao menos entre a nobreza. A família ou mesnie, embora não se estendesse a toda linhagem, compreendia, entre os

membros que residiam juntos, vários elementos, e, às vezes, vários casais, que viviam numa propriedade que eles se haviam recusado a dividir, segundo um tipo de posse chamado frereche ou fraternitas. A frereche agrupava em torno dos pais

os filhos que não tinham bens próprios, os sobrinhos ou os primos solteiros. Essa tendência à indivisão da família, que, aliás, não durava além de duas gerações, deu origem às teorias tradicionalistas do século XIX sobre a grande família patriarcal”.

O conceito de família conjugal moderna, hodiernamente por nós conhecido, teve sua origem no final da Idade Média, com o enfraquecimento da linhagem e as tendências à indivisão do patrimônio.

Ao que tudo indica a família que se apresentava a luz do século X, era uma comunidade reduzida e se expressava de maneira mais simples, em conseqüência da dissolução do Estado: “depois do ano mil a nova distribuição dos poderes de comando obrigou os homens a se agruparem mais estritamente”. Contudo, a coesão entre seus membros era mantida por algum tempo e em certos casos, mesmo após o falecimento dos pais nas frereche. (ÁRIES, 2006, p. 142)

Embora a fraternita raramente perdurasse além da segunda geração, sua dissolução operava à partilha dos bens, porém, mesmo após sua divisão, a linhagem conservava um direito coletivo sobre o conjunto do patrimônio divido denominado a

laudatio parentum.

Uma vez mais, nos valemos dos ensinamentos de Philippe ARIÈS, para deixar bastante evidente, que a descrição acima se aplica:

“(...) sobretudo à família dos cavalheiros, que já poderíamos chamar de família nobre. G. Duby acredita que a família camponesa tenha vivido menos intensamente esse estreitamento dos laços de sangue porque os camponeses haviam preenchido de maneira diferente dos nobres o vazio deixado pela

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dissolução do Estado Franco: a tutela do senhor havia substituído imediatamente a proteção dos poderes públicos, e a comunidade aldeã havia fornecido aos camponeses um quadro de organização e defesa superior à família. A comunidade aldeã teria sido para os camponeses o que a linhagem foi para os nobres”. (2006, p.144)

No decorrer do século XIII, as novas tendências da economia, representada pelas constantes transações e extensão das fortunas imobiliárias, aliada ao aumento de forma significativa da autoridade do Príncipe, provocaram um estreitamento ainda maior das relações de solidariedade na linhagem em detrimento das indivisões patrimoniais, em razão disso a família novamente tornou-se independente.

Como conseqüência dessa nova mudança ocorrida durante o século XIII, tem-se o aumento da autoridade já conferida ao pater família nos séculos XI e XII, a fim de garantir a mantença da integridade do patrimônio indiviso. Começa neste mesmo período do século XIII, a difundir-se entre as famílias nobres, o direito da primogenitura, em substituição a indivisão como forma de salvaguardar o patrimônio e sua indivisão.

Com o advento do século XVI, a mulher casada torna-se incapaz, consequentemente todos os atos por ela praticados, sem a autorização do marido ou do juiz tornam-se nulos, reforçando-se com isso ainda mais, o poder do marital.

Aliás, bastante elucidativa a lição de P. PELOT, citada por Philippe ARIÈS:

“A partir do século XVI, a legislação real se empenhou em reforçar o poder paterno no que concerne ao casamento dos filhos. Enquanto se enfraqueciam os laços da linhagem, a autoridade do marido dentro de casa tornava-se maior e a mulher e os filhos se submetiam a ela mais estritamente. Esse movimento duplo, na medida em que foi o produto do inconsciente e espontâneo do costume, manifesta uma mudança nos hábitos e nas condições sociais..”.. (2006, p. 145-146)

O enfraquecimento experimentado pelos laços decorrentes da linhagem, fez com que a autoridade do marido dentro de casa aumentasse de forma significativa. Esse novo arquétipo introduzido nos costumes sociais da época, fez com que a sociedade passasse a atribuir à família o valor que outrora se atribuiu à linhagem. Esse fato conferiu à família o status de célula social, de base do Estado, seu fundamento do poder monárquico.

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Ainda que analisada sob este aspecto, a família desconsiderava qualquer perspectiva acerca do sentimento de afetividade, sendo igualmente ignorado por seus membros qualquer sentimento de solidariedade. Tal concepção era perfeitamente compreensível, diante da concepção contratualista conferida ao casamento.

Não se está a pretender com isso, negar-se a existência de uma vida familiar na Idade Média, ao mesmo tempo em que não se pode deixar de considerar que, essa vida familiar tinha como características o fato de subsistir no silêncio, porquanto não se lhe atribuía um valor representativo, o que, por conseguinte, não lhe conferia um sentimento suficientemente forte entre seus membros.

Essas idéias foram implantadas em solo pátrio, pelas mãos do colonizador português, quando da imposição do ordenamento jurídico lusitano: as Ordenações.

A análise deste acontecimento sob a ótica jurídica, merece destaque em dois aspectos: primeiro, o não-reconhecimento por parte do colonizador da existência de um conjunto de regras elaboradas e seguidas pelos aborígines aqui existentes, segundo, a imposição de uma ordem jurídica de conteúdo romano pensado em termos medievais e informado pelos valores divinos.

A propósito, a lição de Luiz Roberto de ASSUMPÇÃO:

“Os europeus, crentes tanto no caráter e na validade universal do sistema jurídico que haviam construído quanto no fato de ser historicamente mais avançados, impuseram-no aos povos não europeus, de modo que ‘os direitos locais foram impiedosamente combatidos em nome da civilização e da modernização, o mesmo acontecendo com a organização política e judiciária’. Há nessa prática, completa falta de reconhecimento do outro, uma vez que tal processo acabou sendo dirigido no sentido do subjugar, da submissão, no lugar da coordenação, do construir junto. Esse aspecto aponta para o fato de a imposição do modelo jurídico português ter afastado qualquer possibilidade de coexistência entre ele e os modos e costumes locais, revelando a existência do centralismo jurídico. Trata-se como explica Clóvis do Couto e Silva, de uma característica marcante do direito civil brasileiro, que se revela ‘fenômeno antigo no direito português, não havendo discussão a respeito da superioridade do direito costumeiro ou local’, pois, a partir das Ordenações Afonsinas, ‘Portugal passou a contar com uma legislação unitária e centralizada’, fenômeno que se estendeu ao direito pátrio”.

Com a promulgação da primeira Constituição do Brasil, em 1.824, ratificou-se aquilo que ficou determinado legalmente em 1.823, no ratificou-sentido de que a legislação

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civil portuguesa, em especial as Ordenações, continuaria vigendo até a elaboração de um Código Civil.

Esclarece-se, porém que, a Constituição do Brasil, outorgada por D.Pedro I, em 1.824, não fazia qualquer referência à família, a não ser à própria família imperial, ao disciplinar em seu artigo 120, disposições sobre o casamento da princesa.

A menção à família matrimonializada, surge com a Constituição republicana de 1.891, que dizia em seu artigo 72, § 4º: “A República só reconhece o casamento

civil, cuja celebração será gratuita”.

Na verdade não se tratou de uma proteção a família, mas sim de uma simples referência ao casamento. Não se pode deixar de reconhecer, contudo, a importância histórica do referido dispositivo constitucional, porquanto marcou a separação Igreja/Estado.

O Código Civil, entretanto, passou a ter existência jurídica somente em 1916, traduzindo para seu texto jurídico a positivação de uma família baseada em valores e conceitos morais da sociedade agrária brasileira, a qual por sua vez, era extremamente conservadora, patriarcal e fundada sob o pilar da legalidade.

Destarte, o revogado Código de Beviláqua, regulador da sociedade privada no início do século XX, reproduziu em seu texto jurídico valores e conceitos de uma elite dominante, a qual segundo Orlando GOMES era representado por cerca de “(...) trezentas ou quatrocentas mil pessoas pertencentes às famílias proprietárias de escravos, os fazendeiros, os senhores de engenho (...)”. (GOMES, 1.958, p. 39)

Revela notar ainda que, os traços fundamentais que inspiraram e moldaram à época a organização social, política e jurídica da família brasileira, estavam no fato de ser a mesma legalista, eminentemente patrimonialista, hierarquizada, divorciada dos fatos sociais e, totalmente alheia de sua realidade.

Outra característica da família estampada no Código Civil revogado, era a da superioridade masculina, ou dito de outra forma, na desigualdade dos sexos, o que por via de conseqüência impunha de certa forma a exclusão social da mulher e dos filhos, diante de um férreo poder advindo há época do pátrio poder.

Neste contexto deve-se considerar que, na sociedade agrária brasileira a concepção de família tinha como único pressuposto o casamento, cuja principal função, por sua vez, era de assegurar a transmissão do patrimônio e do nome.

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Rosana Amara Girardi FACHIN, em sua obra “Em busca da família do novo milênio” deixa claro que “os traços básicos da organização social, política e judiciária do Brasil, inspiraram a família moldada no Código Civil de 1916, profundamente marcada pela solenidade e fundada em bases patrimonialistas, divorciada dos fatos sociais e alheias à verdadeira realidade da família brasileira”. (FACHIN, 2001)

Outro não é o entendimento de Viviane GIRARDI:

“Proteger essa família, de natureza agrária, era a finalidade do direito prescrito pelas normas do Código Civil de 1.916. Código Civil este, representativo do sistema jurídico liberal burguês fundado sob a égide da legalidade que secularizou o domínio do direito emanado do poder do Estado. Na sociedade agrária brasileira, a família, ao contrário da atualidade, que encontra outras formas de expressão, só era como tal considerada se fundada no casamento, não havendo meio de proteção ou tutela jurídica para outros arranjos familiares. ‘Dai a importância do casamento como sinal de permanência e perenidade, garantia de respeitabilidade, segurança e ascensão. [...] A sociedade colonial valorizou o matrimônio, quer na solenização religiosa, quer no convívio da sociabilidade, como uma condição honrada e venerada. ‘” (GIRARDI, 2005, p. 26).

Com efeito, a sociedade do século XXI impôs ao estudioso do direito o dever de reconhecer uma nova concepção de família, obrigando-lhe a ter como premissa o fato de que a realidade jurídica deve corresponder exatamente à realidade social, a fim de que com isso, se possam solucionar eventuais conflitos daí decorrentes.

Assim, a família patriarcal deve hoje ser concebida apenas e, tão somente, como um acontecimento histórico de um passado que, embora não muito distante, possui aspectos de “peça de museu”, cuja principal função foi a de perpetuar o patrimônio, os laços de sangue e legitimar relações sexuais, o que nos dias hodiernos é inconcebível.

A Constituição Federal de 1.988 trouxe consigo o fenômeno da constitucionalização do Direito Civil, o que significa reconhecer a imposição direta da incidência de Princípios Constitucionais nas relações de direito privado, especialmente no tocante ao direito de família.

Este entendimento conta com o beneplácito da melhor doutrina.

“Os princípios fundamentais, inscritos na ordem constitucional, impuseram a necessária reformulação de toda normativa infraconstitucional, entre elas a

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vetusta codificação civil que se abre para recepcionar os princípios e valores constitucionais, tendo renovado o sentido de vários de seus artigos ao mesmo tempo em que foram derrogados outros tantos sob o império dos novos valores e máximas constitucionais, sobretudo a incidência do principio da igualdade e da própria norma de isonomia familiar, tanto na filiação (art.227, § 6º, da CF/88) quanto na conjugalidade (art. 226, § 5º, da CF/88), assim como a proteção de outras formas de organização familiar que não somente o casamento (art. 226, § 3º, da CF/88). A essa incidência e permanente penetração do direito constitucional sobre matéria infraconstitucional dá-se o fenômeno hermenêutico da constitucionalização do direito civil”. (GIRARDI, 2005. p. 37)

Não se pretende com isso, afirmar que as relações de família tenham migrado para o direito público, mas sim que a instituição família deva ser valorada e interpretada a partir dos princípios constitucionais, notadamente àqueles referentes à dignidade da pessoa humana e da igualdade.

A lição de Tepedino é clara neste sentido:

“O fato de os princípios de ordem pública permearem todas as relações familiares não significa ter o direito de família migrado para o direito público; devendo-se ao reverso, submeter a convivência familiar, no âmbito do próprio direito civil, aos princípios constitucionais, de tal maneira que a família deixe de ser valorada como instituição, por si só merecedora de tutela privilegiada, como queria o Código Civil, em favor de uma proteção funcionalizada à realização da personalidade e da dignidade dos seus integrantes, como quer o texto constitucional”. (TEPEDINO, 1999, p. 20)

Denota-se do ensinamento acima, que o constituinte de 1.988, atento às angústias e conflitos de suas minorias e na obrigação do judiciário em resolvê-los, procurou colocar o Brasil entre as sociedades de alto nível sócio-econômico-cultural, as quais por sua vez, sempre tiveram como meta primordial integralizar em seu tecido social suas minorias, respeitando a orientação sexual de seus membros.

Assim é que, os dispositivos constitucionais citados por Viviane Girardi, interpretados nos termos do fenômeno hermenêutico da constitucionalização do Direito Civil e tendo como parâmetro a razoabilidade proposta por Tepedino, não deixam dúvidas de que nosso sistema jurídico reconhece e tutela um novo arquétipo de família, qual seja: a família plural, baseada no afeto entre duas pessoas, e, por conseguinte, independente da diversidade de sexo.

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De alguma forma e no exercício do direito de sonhar, o Constituinte de 1.988, acreditou que essa “nova família” pudesse surgir da interpretação extensiva das normas constitucionais.

Em mais um de seus lapsos de memória, esqueceu-se, infelizmente, o legislador de 1.988, da lição de Saulo Ramos: “no Brasil se a lei não diz claramente, expressamente, detalhadamente, esperar que o direito surja de interpretação extensiva equivale a excluí-lo”. (RAMOS, 2007, p. 340).

Evidente que, o comportamento preconceituoso de alguns aplicadores do direito não terá o condão de obstar, quando muito de retardar, o reconhecimento em nosso tecido jurídico da “nova família” preconizada pela Constituição de 1.988, qual seja, a família eudemonista justificada exclusivamente na busca da felicidade e na realização pessoal de seus indivíduos.

A família passa a ser concebida a partir da relação amorosa, nela estão presentes além do afeto, o desejo e o amor sexual. Ressalte-se, todavia, que o amor conjugal embora se assente na sexualidade, não está obrigatoriamente na genitalidade.

Explica-se: um casal que, em decorrência de fatores de impotência ou frigidez causada pela idade, doença ou por razões que não se pode ou não se deve indagar, o exercício de sua sexualidade não estará necessariamente nos atos sexuais genitaliziados na forma tradicional, sendo certo que, tal fato não tem o condão de anular ou invalidar o amor conjugal.

Para esta espécie de família, o fundamental é a efetiva presença dos laços de afeto entre seus membros, já que a entidade familiar esta além de um convívio superficial e despretensioso, logo o importante é verificar se há ali um núcleo familiar, sedimentado no afeto, solidariedade e no respeito mútuo, seja com alguém de seu sexo ou de sexo oposto.

Maria Berenice DIAS, com sua antevisão, pioneirismo e coragem, é assertiva:

“Abstraindo-se o sexo dos conviventes, nenhuma diferença entre as relações homo e heterossexuais, pois existe uma semelhança no essencial, a identidade de motivos entre os dois casos. Ambos são vínculos que têm sua origem no afeto, havendo identidade de propósito, qual seja a concretização do ideal de felicidade de cada um... A omissão legal não pode ensejar negativa de diretos a vínculos afetivos que não tenham a diferença do sexo como pressuposto. A

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dimensão metajurídica de respeito à dignidade humana impõe que se tem como protegidos pela Constituição relacionamentos afetivos independentemente da identificação do sexo do par: se formado por homens e mulheres ou só por mulheres ou só por homens”.(2.006, p. 86)

Com efeito, um estado democrático de direito, não pode deixar ao desabrigo qualquer tipo de entidade familiar, notadamente quando tenha como fonte geradora o afeto entre duas pessoas, pelo simples fato de ser este afeto, originado entre pessoas do mesmo sexo.

De outro lado, os princípios constitucionais da dignidade humana, solidariedade e da igualdade ganham cada vez mais relevância no trato das questões envolvendo os direitos das minorias ou, como pretendem alguns, dos sujeitos vulneráveis, dentre os quais se encontram as crianças institucionalizadas ou abandonadas e os homossexuais.

A transição paradigmática do moderno para o pós-moderno provocou radicalmente algumas rupturas na sociedade atual, no plano do Direito de Família não poderia ser diferente, a quebra deu-se em relação àquela identidade que representava a monogamia fundada numa relação de diferente sexo, visando quase que exclusivamente a reprodução.

De tal sorte que, imprescindível aos operadores do direito para uma exata compreensão da principiologia do Direito de Família contemporâneo, ter em mente que a vida mudou, a realidade socioeconômica transformou valores e concepções. Ética, Cidadania, Inclusão Social, Afeto, Cuidado, Solidariedade, Igualdade e Dignidade, constituem hodiernamente o corpo da proposição para a correta compreensão do Direito de Família moderno.

O casamento, não pode mais ser concebido como uma instituição.

Sua função é instrumental, ou seja, deve ser o canal condutor da realização pessoal de seus membros, razão pela qual se adotou doutrinariamente a expressão Família Eudemonista, para traduzir o modelo de família voltado para a realização personalística de seus membros.

Assim posiciona-se Ana Carla Harmatiuk MATTOS:

“A repersonalização das relações familiares significa sair daquela idéia de patrimônio como orientador da família, onde essa se forma pela afetividade e não mais exclusivamente pelo vínculo jurídico-formal que une as pessoas. Deve o

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Direito Civil, cumprir seu verdadeiro papel: regular as relações relevantes da pessoa humana – colocar o homem no centro das relações civilísticas. [...] E, gravitando o Direito Civil em torno da pessoa, não há lugar para concepções excludentes de determinados sujeitos de tutela jurídica ou atribuidora de um tratamento jurídico inferior a eles – já não há espaço para as discriminações de gênero. [...] Uma das conseqüências práticas da repersonalização vem a ser a nova concepção de família, espalhando a idéia básica da família eudemonista, ou seja, direcionada à realização dos indivíduos que a compõe”. (2000, p.104)

Com efeito, igual tratamento deve ser atribuído às relações homoafetivas por nossos operadores do direito diante da eleição desses novos sentimentos caracterizadores da família, notadamente se, e quando sustentadas pelos valores do afeto e do cuidado, porquanto qualquer discriminação baseada na orientação sexual configura-se claro desrespeito à dignidade humana.

Não se pode mais deixar de reconhecer que, a família brasileira com o advento da Constituição de 1.988, tornou-se um espaço de realização existencial das pessoas em suas dignidades e como lugar por excelência de afetividade, cujo fundamento jurídico é o princípio da solidariedade, consagrado em seu artigo 3º. Inciso I. Ao referir-se à “sociedade solidária”, o comando constitucional inclui, sem sombra de dúvidas, a “base da sociedade” (artigo 226) que é a família.

Confira-se sobre o tema as palavras de Paulo Luiz Neto LÔBO:

“A solidariedade e a dignidade da pessoa humana são os dois hemisférios indissociáveis do núcleo essencial irredutível da organização social, política e cultural e do ordenamento jurídico brasileiros. De um lado o valor da pessoa humana enquanto tal, e os deveres de todos para com sua realização existencial, nomeadamente do grupo familiar; de outro lado, os deveres de cada pessoa humana com as demais, na construção harmônica de suas dignidades. O princípio da solidariedade é o grande marco paradigmático que caracteriza a transformação do Estado liberal e individualista, do século XIX, em Estado democrático e social, com suas vicissitudes e desafios, que o conturbado século XX nos legou. É superação do individualismo jurídico pela função social dos direitos”.

Em nosso país, o reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo, bem como o pleito de suas adoções em conjunto, a fim de permitir-lhes a efetividade de seus direitos, continua a esbarrar no preconceito de nosso legislador e de alguns aplicadores do direito, que insistem em não os reconhecer como sujeitos de direito.

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Tanto é verdade, que a Proposta de Emenda a Constituição nº. 70/2003, do então Senador Sérgio Cabral, que altera o § 3º do artigo 226, da CF, a fim de reconhecer a União Estável entre pares homossexuais, encontra-se até os dias atuais, na Comissão de Constituição e Justiça.

De outro lado, o Projeto de Lei nº. 1.151, de 1.995, da ex Deputada Marta Suplicy, que disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo, dedicado exclusivamente a regulamentar as questões patrimoniais, não dispondo de forma expressa sobre a adoção.

Referido projeto sofreu alteração de seu Relator, o ex-Deputado Roberto Jefferson, que em seu substitutivo altera o nome para “Parceria Civil Registrada”, ficando vedada de forma expressa, no artigo 3º parágrafo 2º, disposição sobre adoção, tutela ou guarda de crianças ou adolescentes em conjunto.

Com efeito, tanto a Proposta de Emenda Constitucional, como o Projeto de Lei da ex Deputada Marta Suplicy, podem por certo, ser encontrados em alguma gaveta, de algum arquivo, em algum lugar da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, sem, contudo, contar o autor da busca com um pouco de alguma sorte.

Espera-se, sinceramente, que o mesmo não ocorra com o Projeto de Lei n. 2.285/07, denominado como Estatuto da Família, que prevê em seu artigo 68 a positivação da união homoafetiva, bem como, assegura-lhes o direito à adoção de filhos.

Pois, embora, repita-se inconcebível condicionar-se o multiculturalismo ditado pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana à heterossexualidade ou homossexualidade, vez que se assim o fizéssemos estaríamos erigindo como princípio a discriminação entre pessoas, tendo como critério a igualdade de sexo, questão terminantemente vedada pela Constituição Federal, nosso legislador insiste em não positivar a união de pessoas do mesmo sexo ou conferir-lhes a adoção conjunta.

6 A POSSIBILIDADE LEGAL DA ADOÇÃO POR PARES HOMOSSEXUAIS

Torna-se imprescindível em nosso ordenamento jurídico abandonar-se, de vez por todas, conceitos alicerçados em arquétipos moldados na concepção de um Código Civil protagonizado pelas idéias de uma elite dominante e totalitária, a exemplo do Código Civil de 1.916, notadamente no que se refere à definição de família e parentesco, sendo este à época definido a partir da identidade genética.

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A moderna doutrina, diante dos métodos reprodutivos por fecundação artificial homóloga ou heteróloga, comercialização de óvulos ou espermatozóides e a cessão ou locação de útero, viu-se obrigada a definir a paternidade tendo como premissa a identificação da posse do estado de filho, e não mais da identidade genética.

Vê-se, pois que, de todas as discriminações de que são vítimas os homossexuais em nossa sociedade, o não reconhecimento de suas uniões e do direito à paternidade, seja por meio da adoção ou decorrentes de reprodução artificial, é a mais cruel, porquanto os impede de atingir um projeto pessoal de vida, o da paternidade ou da maternidade.

Revela notar que, o ordenamento jurídico brasileiro não prevê, de forma específica, a possibilidade de uniões ou adoções por pares homossexuais, sendo certo que, também não é possível visualizar qualquer impedimento neste sentido, de tal sorte ser impossível deixar de reconhecer o direito subjetivo à paternidade desses seres humanos, o qual deriva do direito da personalidade.

A maneira lúcida e racional de como a questão é tratada por Maria Berenice DIAS, força-nos a trazer uma vez mais à colação seus ensinamentos:

“Dentre os direitos de personalidade está incluído, também, o direito de ter filhos, pois a maternidade e a paternidade fazem parte do ideário humano, de seu espectro de realização como seres humanos. Não há dúvidas de que existe um direito subjetivo à paternidade, que se situa no âmbito dos direitos de personalidade, espraiando-se para o direito de família, na medida em que decorre de um desejo pessoal da personalidade da pessoa”. (DIAS, 2006, p.107)

De tal sorte que, o instituto da adoção está a merecer por parte dos operadores do direito uma nova releitura, inconcebível sua interpretação com base em sua origem: o direito romano, que a visualizava como mero instrumento de integrar pessoas não ligadas por vínculo de sangue a uma família, a fim de se evitar a vergonha de não deixar descendente ou ainda concebê-la como forma de atender aos interesses de casais.

Nítido é o caráter de inclusão social da norma pertinente à adoção, como asseverado por Raffaelli Santini, quando afirma: “O fundamental é que a adoção é uma medida de proteção aos direitos da criança e do adolescente, e não mecanismo de satisfação de interesses dos adultos”. (SANTINI, 1996, p. 72)

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O Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, segundo o qual, por se encontrar o menor numa situação de fragilidade, por conta de seu processo de amadurecimento e formação da personalidade, merece destaque especial no ambiente familiar, ou seja, deve a criança ser concebida como sujeito de direito, bem como valorar-se juridicamente o afeto na estrutura familiar.

Tanto é assim que, o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 41 § 1º) e a vigente codificação civil (art. 1.626), permitem a adoção pelo cônjuge ou pelo concubino ou companheiro do pai ou da mãe da criança e do adolescente, que esteja inserido numa família originariamente monoparental.

O Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente está ainda, a garantir ao menor, sua permanência ao longo de seu desenvolvimento no lar conjugal, de onde deve receber gestos de amor e atenção, reveladores de toda alegria que sua presença possa representar, os quais também irão servir de alicerce de seu sistema de valores e de seu proceder com os demais.

Com efeito, o Estatuto da criança e do Adolescente, em seu artigo 19, positivou esta cultura idealizada para a infância, ao assegurar como direito da criança e do adolescente, a convivência familiar e comunitária no seio de sua família, o que sinaliza que os demais direitos da criança e do adolescente serão certamente efetivados.

O direito à convivência familiar e comunitária, também consagrado na Constituição Federal, mais precisamente no caput do artigo 227, “impõe-nos duas ordens de reflexões: a) convivência familiar e comunitária saudáveis à criança e ao adolescente e b) a proibição do abandono familiar e social da criança e do adolescente, chaga social esta com a qual o Brasil parece ter se acostumado a conviver”. (GIRARDI, 2005, p. 105)

O princípio do melhor interesse da criança, extraído do direito anglo-saxão, ou seja, the best interest of child, serve de critério para a decisão do juízo e passa, necessariamente, pela constatação da situação real da criança e do adolescente que se encontram envolvido em caso de adoção, aferido por meio do estudo social e parecer psicológicos, realizados pelo corpo técnico do juízo.

Em que pese o lado sombrio da realidade brasileira, diante do fato irretorquível de que, muitas crianças nunca desfrutaram de qualquer convivência familiar e, outras tantas viveram excluídas e abandonadas, a Constituição Federal de 1.988, escreve e a Lei 8.060/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, reescreve ser dever do Estado e direito da criança e do adolescente o direito à convivência familiar e comunitária.

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Confira-se, ainda, o artigo 29 do mesmo Estatuto: “Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado”..

Alguns operadores do direito, por certo poderiam vislumbrar, embora de forma um tanto quando açodada, que estaria no artigo 29 acima transcrito, o veto à adoção por casais homossexuais, já que a convivência poderia gerar conseqüências de ordem comportamental ou na identidade sexual da criança ou adolescente ensejando a “incompatibilidade com natureza da medida”.

Nada mais equivocado.

O fato de os adotantes serem homossexuais em nada influencia a personalidade do adotado, conforme revelam os estudos apresentados por Maria Berenice DIAS:

“Na Califórnia, desde meados de 1970, vem sendo estudada a prole de famílias não-convencionais, filhos de quem vive em comunidade ou em casamentos abertos, bem como crianças criadas por mães lésbicas ou pais gays. Concluíram os

pesquisadores que filhos com pais do mesmo sexo demonstram o mesmo nível de ajustamento encontrado entre crianças que convivem com pais dos dois sexos. Nada há de incomum quanto ao desenvolvimento do papel sexual dessas crianças. As meninas são tão femininas quanto as outras, e os meninos tão masculinos quanto os demais. Também não foi detectada qualquer tendência importante no sentido de que os filhos de pais homossexuais venham a se tornar homossexuais. Estudos que datam de 1976 constataram que as mães lésbicas são tão aptas no desempenho dos papeis maternos quanto as heterossexuais. Por meio de brinquedos típicos de cada sexo, procuram fazer com que os filhos convivam com figuras masculinas com as quais possam se identificar. Não há mostras de que as mães prefiram que os filhos se tornem homossexuais, não havendo sido encontradas evidencias de investidas incestuosas para com os filhos. Igualmente não foram detectadas diferenças de identidade de gênero, no comportamento do papel sexual ou na orientação sexual da prole. Todas as crianças pesquisadas relataram que estavam satisfeitas por serem do sexo eu eram, e nenhuma preferia ser do sexo oposto. O estudo concluiu: A criação em lares formados por lésbicas não leva, por si só a um desenvolvimento psicossocial ou constitui um fator de risco psiquiátrico”.. (DIAS, 2006, p. 113/114)

Vê-se, pois, inexistirem provas científicas a indicarem qualquer inconveniente para que crianças ou adolescentes sejam adotados por casais homossexuais, portanto

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devem os aplicadores do direito, já que nosso legislador está totalmente inerte quanto á questão, despir-se de seus preconceitos.

Com efeito, o alerta de Marcos ROLIM, não pode passar despercebido:

“Temos no Brasil, cerca de 200 mil crianças institucionalizadas em abrigos e orfanatos. A esmagadora maioria delas permanecerá nesses espaços de mortificação e desamor até completarem 18 anos porque estão fora da faixa de adoção provável. Tudo o que essas crianças esperam e sonham é o direito de terem uma família no interior das quais sejam amadas e respeitadas. Graças ao preconceito e a tudo que ele oferece de violência e intolerância, entretanto, essas crianças não poderão em regra ser adotadas por casais homossexuais. Alguém pode me dizer por quê? Será possível que a estupidez histórica construída escrupulosamente por séculos de moral lusitana seja forte o suficiente para dizer: – ‘Sim, é preferível que essas crianças não tenham qualquer família a serem adotadas por casais homossexuais’? Ora, tenham a santa paciência. (... ) Por hora, me parece o bastante apontar para o preconceito vigente contra as adoções por casais homossexuais com base numa pergunta: – ‘ que valor moral é esse que se faz cúmplice do abandono e do sofrimento de milhares de crianças’”. (disponível em: http://www.rolim.com.br/cronic162.htm)

Com efeito, a tudo que se expôs até o momento, devem ser acrescentados os dogmas constitucionais da igualdade, solidariedade e da afetividade, em especial o contido no artigo 3º, incisos I e IV da Lei Maior, para se concluir que inexiste qualquer proibição à união ou à adoção por pares homoafetivos em nosso sistema normativo.

8 CONCLUSÃO

Com efeito, salvo a visão preconceituosa e equivocada de nosso legislador e de alguns aplicadores do direito, vê-se, pois que, inexiste argumento jurídico ou cientifico para não se reconhecer o direito à união e à adoção por pessoas do mesmo sexo.

Embora o artigo 226 § 3º da CF, expressamente limite a proteção estatal à família formada por homem e mulher, uma interpretação sistêmica do texto constitucional, permite estender essa proteção às sociedades homoafetivas.

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Destarte, não se pode negar, as adoções às pessoas homossexuais que vivam conjuntamente, de forma a caracterizar verdadeira entidade familiar, ou dito de outra forma, uma união estável no tempo, notória, pública, que exteriorize entre seus membros solidariedade, afetividade e mútua assistência.

O pluralismo, os princípios da igualdade, da não-discriminação, do respeito à dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do adolescente, interpretado em face das normas constitucionais e infraconstitucionais, estão a conferir aos pares homossexuais, legitimidade à adoção, notadamente em um país miserável como o nosso, pois retira o menor da marginalidade, dando-lhe um lar cercado de afeto e atenção.

Assim, imperioso é que o Poder Judiciário continue a fazer seu papel de conferir efetividade aos direitos das minorias, porém sem se deixar levar pelo estigma do preconceito, permitindo-se com isso, que crianças abandonadas à mercê da própria sorte, deixem o lugar residual que ocupam no seio de nossa sociedade, passando a viverem como cidadãos dignos.

9 REFERÊNCIAS

ARIÉS, Philippe, História Social da Criança e da Família, Segunda Edição, Editora LTC, tradução Dora Flaksman.

ASSUMPÇÃO, Luiz Roberto de. Aspectos da paternidade no novo Código Civil. São Paulo: Ed. Saraiva 2004, p. 5 – 6.

CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª Edição, Editora Almedina.

DIAS, Maria Berenice, Revista do Advogado – Família e Sucessões, Ano XXVII, Maio de 2007, nº. 91.

DIAS, Maria Berenice, União Homossexual – O Preconceito & a Justiça, 3ª Edição, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2006.

DUSSEL, Enrique, Ética Comunitária, Editora Vozes 1986, Petrópolis.

FACHIN, Rosana Amara Girardi, Em busca da família no novo milênio, Editora Renovar, apresentação, Rio de Janeiro, 2001.

FACHIN, Rosana Amara Girardi. Da Filiação. In Cunha Pereira, Rodrigo da; Dias, Maria Berenice [Coords.]. Direito de família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 111.

GIRARDI, Viviane, Famílias Contemporâneas Filiação e Afeto – A Possibilidade Jurídica da Adoção por Homossexuais, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2005.

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